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Natureza jurídica do direito à sepultura em cemitérios particulares

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Agenda 28/07/2006 às 00:00

IV) DISTINÇÃO ENTRE OS DIFERENTES MODOS DE CONSTITUIÇÃO DO JUS SEPULCHRI (ENFITEUSE, SUPERFÍCIE, CONCESSÃO DE USO, LOCAÇÃO OU COMODATO)

Uma vez demonstrado que o direito à sepultura pode decorrer de diversas modalidades de negócios jurídicos, que preenchem seus requisitos essenciais, a constatação de tratar-se de enfiteuse, concessão de uso, locação ou comodato, em cada caso concreto, há de ocorrer à vista de seus caracteres acessórios, que servem para apartar uma espécie da outra.

A natureza onerosa ou gratuita do acordo de vontades, por exemplo, serve para separar, de um lado, a enfiteuse, a concessão de uso e a locação e, de outro, a concessão de uso e o comodato. O prazo de duração do direito, por sua vez, destaca a enfiteuse da concessão de uso, da locação e do comodato, eis que a enfiteuse é perpétua e os outros não. Outrossim, a natureza real ou pessoal do direito, revelada expressa ou tacitamente pelo instrumento contratual ou pela falta de inscrição no registro legalmente exigido, também serve para distinguir a enfiteuse e a concessão de uso (direitos reais) da locação e do comodato (direitos pessoais).

Se, todavia, ainda persistirem dúvidas a respeito da qualificação da avença após a aplicação de tais critérios, o que se admite apenas a título de argumentação, restará ao operador do direito interpretar a vontade das partes contratantes, com fundamento na regra do artigo 112 do Código Civil, para descobrir qual o negócio jurídico celebrado.


VII) CONCLUSÃO

Ante todo o exposto, pode-se concluir que o jus sepulchri, o qual consiste, basicamente, no direito de sepultar e de manter sepultados restos mortais, em se tratando de cemitérios particulares, pode resultar de enfiteuse ou superfície (conforme seja anterior ou posterior ao Código Civil vigente o negócio jurídico que lhe deu origem), concessão de uso (DL 271/67), locação ou comodato, eis que neles se encontra o conteúdo essencial do direito à sepultura (uso de bem imóvel e possibilidade de transmissão mortis causa, que se distinguem quanto à onerosidade, ao prazo de duração e à natureza real ou pessoal do direito, o que deverá ser verificado pelo intérprete no exame de cada caso concreto.


NOTAS

01 "É na natureza jurídica dos institutos que as maiores divergências entre os juristas aparecem" (SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 17).

02 "Concessão Perpétua de Terrenos de Cemitérios" (RT 252/22, 253/17, 254/3, 255/19, 256/12, 257/43 e 258/59).

03 "Não há, no Brasil, como também na Argentina, legislação específica, em nível federal, disciplinando o regime jurídico dos cemitérios, tanto públicos como privados" (SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 143).

04 Cf. SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 144.

05 Cf. RT 255/23.

06 Cf. BESSONE, Darcy. Direitos reais.2. ed. São Paulo: Saraiva, 1.996. p. 276.

07 TEMÍSTOCLES CAVALCANTI, citado por BARBOSA LIMA SOBRINHO em parecer publicado na RDA 52/502, é claro a tal respeito: "O direito das irmandades e associações religiosas de manter cemitérios particulares, pressupõe também uma disciplina legal, mas apenas quanto às medidas de polícia, que não atingem os direitos dominiais". Aliás, lembra JUSTINO ADRIANO FARIAS DA SILVA que a secularização dos cemitérios particulares, por força da Constituição de 1891, não implicou em transferência de propriedade para o Poder Público: "Uma coisa é a proibição da existência de cemitérios privados, e outra é a abolição da propriedade sobre esses cemitérios. O que a Constituição de 1891 fez, foi proibir novos sepultamentos nos cemitérios particulares até então existentes. A idéia de confisco não pode ser nem de longe pensada, porque a própria Constituição o proibia expressamente. Assim, os cemitérios particulares deixam de receber novos corpos, mas permaneceram como lugar dos mortos já anteriormente sepultados, permanecendo sob o domínio do seu anterior titular, mas, evidentemente, sob a fiscalização do poder de polícia do Município. Portanto, a secularização não implicou transferência do domínio do particular para o Poder Público sem contraprestação. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão datado de 21 de novembro de 1916, ao julgar controvérsia entre a Fábrica da Parochia de Dois Córregos e a Câmara Municipal dessa cidade, assentou que ‘a secularização dos cemiterios não dá direito às Câmaras Municipais de se apossarem dos que estão em poder das parochias, mesmo que já não se façam nelles quaesquer enterramentos’" (Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 327).

08 Cf. SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. pp. 352 e 400.

09 Cf. SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 142.

10 A terminologia é de JUSTINO ADRIANO FARIAS DA SILVA (Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 95). GARBASSO, citado por FERNANDO HENRIQUE MENDES DE ALMEIDA (RT 253/22), utiliza expressão semelhante (direito de inumar e vir a ser inumado).

11 Tendo em vista que, consoante afirma o autor, após a morte do ser humano o direito-de-ser-sepultado transmuda-se em direito-de-sepultar, posto que transmitido aos familiares do de cujus, entendemos, por idêntica razão (= morto não tem direitos), que depois da inumação não é correto falar-se em direito-de-permanecer-sepultado, mas em direito-de-manter-sepultado, expressão utilizada no texto.

12 Cf. RT 192/231.

13 O direito de uso no jus sepulchri, todavia, não se confunde com o direito real de uso, conforme entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo no julgamento da Apelação nº 42.857 (RT 323/461), o que será demonstrado a seguir. CLÓVIS, aliás, utiliza a expressão "aspecto do uso", provavelmente para ressaltar que não se trata do jus in re aliena previsto nos artigos 742 a 745 do CC/16.

14 Cf. SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 143.

15 Conforme assevera TITO CARAFFA, citado em parecer por ORLANDO GOMES (RF 152/76), os caracteres externos de dois contratos, freqüentemente, mostram-se semelhantes, o que dificulta, num primeiro momento, a sua diferenciação. Para se ter uma idéia, salienta-se, por exemplo, que a utilização de bem imóvel, por alguém que não seja seu proprietário, pode resultar de enfiteuse, usufruto, uso, habitação, alienação fiduciária, compromisso de compra e venda, locação ou comodato.

16 Cf. GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.998. p. 198.

17 A qualificação do negócio jurídico nada tem a ver com a interpretação da vontade das partes (artigo 112 do CC/2002), conforme demonstrou, de forma clara e irrespondível, o voto proferido pelo Ministro MOREIRA ALVES no Recurso Extraordinário nº 95.230-MS: "Na espécie, não se trata de interpretar o contrato para determinar o sentido e o alcance de suas cláusulas, mas, ao contrário, se trata de confrontar a estrutura do documento em causa com a estrutura do tipo legal – o contrato de sociedade em conta de participação – para verificar-se se aquele apresenta os elementos essenciais deste, ou, em outras palavras, se aquele se enquadra neste tipo legal. Para que isso ocorra, não basta que as partes hajam desejado celebrar um contrato de sociedade em conta de participação, mas é necessário que elas o tenham, efetivamente, celebrado, com a adoção de seus elementos essenciais, e, conseqüentemente, com a observância do tipo descrito na lei" (STF – 2ª Turma – RE nº 95.230-MS – Rel. Min. Moreira Alves – j. 24.11.81 – v.u. – RTJ 108/651). No mesmo sentido, veja-se a lição de ORLANDO GOMES (RF 152/76): "A regra de interpretação dos contratos, condensada no art. 85 do Cód. Civil, é inaplicável quando a intenção das partes se manifesta por forma que contraria a configuração legal da relação jurídica que pretenderam criar".

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18 Cf. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 148.

19 Cf. SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 149.

20 O escopo de garantia encontra-se, ainda, na alienação fiduciária, na qual a propriedade resolúvel de um bem é transmitida para assegurar o pagamento de crédito (MOREIRA ALVES, José Carlos. Da alienação fiduciária em garantia. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.987. p. 154), igualmente incompatível, portanto, com o direito à sepultura.

21 Cf. SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 150.

22 Cf. Direito civil – direito das coisas.v. 5. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1.988. p. 316.

23 Cf. BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de direito civil – direito das coisas.v. 3. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 1.994. p. 331.

24 A falta de transcrição, citada por JUSTINO ADRIANO FARIAS DA SILVA (Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 151) em desfavor da possibilidade de transferência da propriedade de porções do solo do cemitério, é argumento meramente formal, a exemplo da exigência de instrumento público (artigo 108 do Código Civil), que pode ser afastada na hipótese de o bem ter valor reduzido (inferior a 30 salários mínimos), não sendo determinante, portanto, para demonstrar a incompatibilidade do jus sepulchri com o direito de propriedade, especialmente porque é aplicável, indistintamente, a todos os direitos reais (artigo 1227 do Código Civil) e não apenas à propriedade.

26A fortiori, não se confunde o jus sepulchri com o direito real do compromissário comprador, que consiste, na lição de ARNOLDO WALD (apud AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de compra e venda. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1.998. p. 65), no "direito de adquirir a coisa, ou seja, de incluir o imóvel no seu anterior". Se o titular do direito à sepultura, como visto, não chega jamais a adquirir a propriedade de porção do terreno do cemitério, não há como se cogitar, logicamente, que o "jus sepulchri" resulte de negócio jurídico que tem por escopo a transmissão do direito de adquirir a propriedade.

27 Cf. SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 155.

28 "Sendo de caráter alimentar como se costuma dizer, situação deveras curiosa se configuraria: o titular do direito o teria enquanto vivesse, mas, quando viesse a falecer, extinguir-se-ia o mesmo. Quanto não precisasse, teria o direito; quando precisasse, já não mais teria o direito, tal é a antítese configurada" (SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000.p. 157).

29 Cf. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 156.

30 "Certamente, não deve escapar à mais ligeira atenção de qualquer o seguinte: à c.t.c. antecede na ordem material um fato de nenhum significado para o Direito: a procura, por uma pessoa, que deseja obter do Município um meio hábil de ocupar um solo do cemitério, em caráter perpétuo e exclusivo, ou em caráter exclusivo mas temporário, ali inumando seus mortos e erigindo túmulos" (RT 256/12) – grifos nossos. JUSTINO ADRIANO FARIAS DA SILVA, inclusive, entende que a constituição do jus sepulchri no caso das sepulturas temporárias, decorre de contrato de locação, conforme veremos a seguir. Por tal razão, não concordamos com a afirmação de FERNANDO HENRIQUE MENDES DE ALMEIDA no sentido de que a ausência da perpetuidade "não induziria à continuidade do culto aos mortos" (RT 258/62).

31 Utiliza-se o verbo no passado pois o artigo 2.038 do CC/2002 proibiu a constituição de novas enfiteuses. Não obstante, como as enfiteuses já existentes continuam a subordinar-se ao Código Civil de 1916, optou-se por abordar a sua compatibilidade com o jus sepulchri, ante a possibilidade de que o direito à sepultura tenha se constituído sob tal forma.

32 Ao enfiteuta, na qualidade de titular do "domínio útil", atribui-se a prerrogativa de usar, gozar e dispor do bem, com certas restrições, as quais, em princípio, revelam-se menores do que aquelas a que, na prática, se sujeita o titular do jus sepulchri. O jus fruendi, por exemplo, é assaz restrito, mormente após a inumação. Entendemos, contudo, que a restrição às prerrogativas do enfiteuta não tornam incompatível o direito à sepultura com a enfiteuse, sendo possível argumentar-se, em sentido contrário, que a restrição resulta da finalidade da constituição do direito ou, ainda, de que decorre de limitação do conteúdo do direito, calcada em normas de direito público. A distinção entre limitação e restrição do conteúdo do direito de propriedade, de visualização nem sempre fácil, é de PONTES DE MIRANDA (Tratado de direito privado. t. XVIII. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2.002. p. 36).

33 ORLANDO GOMES, em parecer a respeito da distinção entre enfiteuse e locação publicado na RF 152/76, ressalta que "as disposições do Código sobre a enfiteuse são de caráter imperativo", entendimento reafirmado em sua obra a respeito do direito das coisas: "As partes contratantes não gozam da liberdade de estipular cláusulas que discrepem dos preceitos legais relativos aos elementos essenciais à configuração desse direito real" (Direitos reais. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.998. p. 255).

34 "Se nos déssemos, porventura, à empresa de levantar uma estatística das vezes em que, tratado o assunto que nos ocupa, os escritores aludem a qualquer direito e lhe adicionam a expressão >, provavelmente chegaríamos à conclusão de que, aí, o índice de freqüência no emprego da expressão é considerável. Entretanto, > não diz nada. É uma logomaquia. É, em suma, um subterfúgio com que, havendo de procurar-se apontar, num gênero, certo ato que queremos supor-lhe pertença, acabamos não atinando com as diferenças específicas e, por isso, apelamos para tal artifício" (RT 255/19). A lição é de FERNANDO HENRIQUE MENDES DE ALMEIDA. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da Apelação Cível nº 592048607, afirmou que o direito à sepultura é "similar" à enfiteuse, sem, contudo, especificar a sua natureza jurídica (TJRS – 2ª Câmara Cível – Apelação Cível nº 592048607 – Rel. Des. Elvio Schuch Pinto – j. 26.08.92).

35 A distinção entre enfiteuse e locação em razão do tempo de duração é ressaltada, sem divergências, pela doutrina (Cf. BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de direito civil. 3. v. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 1.994. p. 275; RODRIGUES, Silvio. Direito civil.v. 5. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1.988. p. 253; SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. v. IV. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1.999. p. 21).

36 "Art. 679. O contrato de enfiteuse é perpétuo. A enfiteuse por tempo limitado considera-se arrendamento, e como tal se rege".

37 "Antes do Cód. Civil, a confusão entre enfiteuse e arrendamento perdurava no direito pátrio, a despeito da existência de tais regras interpretativas, uma vez que nem estas nem a doutrina proporcionavam seguro critério distintivo" (RF 152/77).

38 Conforme leciona MOREIRA ALVES, a enfiteuse do direito justinianeu resultou da fusão de duas espécies de arrendamento (locação) de bem imóvel: o dos agri vectigales e o do ius emphyteuticum ou ius perpetuum (Direito romano.v. I. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.992. p. 431). O arrendamento dos agri vectigales era perpétuo ou por longo lapso de tempo e o ius perpetuum era perpétuo. A dificuldade de distinção entre enfiteuse e locação, destarte, guarda relação com o fato de que o direito real teve origem em modalidade de arrendamento perpétuo, que tendeu a desaparecer ao longo do tempo. No Direito Brasileiro, a locação perpétua foi abolida pelo Alvará de 3 de novembro de 1.757, conforme asseveram FERNANDO HENRIQUE MENDES DE ALMEIDA (RT 254/12) e PONTES DE MIRANDA (Tratado de direito privado. t. XVIII. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2.002. p. 102), o que foi ratificado pelos artigos 1.188 do Código Civil de 1916 e 565 do Código Civil de 2002 ao estatuirem o caráter temporário da locação.

39 No julgamento da Apelação Cível nº 131.416-4/4-00, a 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, examinando contrato de "concessão" de jazigo em cemitério particular, equipara a duração por prazo indeterminado à perpetuidade ("Examinando o contrato de concessão do jazigo, dele se verifica que a concessão foi feita por tempo indeterminado, perdurando em caráter perpétuo"), o que, como visto, carece de fundamento jurídico.

40 Cf. RF 152/78.

41 A atualização monetária do foro, prevista no artigo 101, "caput", do DL nº 9.760/46 (c/ redação da Lei nº 7.450/85) não configurava variação.

42 RODRIGUES, Silvio. Direito civil.v. 5. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1.988. p. 179.

43 O valor de Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros), estabelecido pela Lei nº 7.104, de 20.06.83, que alterou a redação do artigo 134, II, do Código Civil revogado, corresponderia, na data de entrada em vigor do Código Civil de 2002, realizando-se a atualização monetária pela Tabela do Tribunal de Justiça de São Paulo, a cerca de R$ 332,95 (trezentos e trinta e dois reais e noventa e cinco centavos).

44 Veja-se, nesse sentido, a lição de FERNANDO HENRIQUE MENDES DE ALMEIDA: "A superfície (direito de edificar em terra alheia) havida como > é figura que, por igual, inexiste em nosso Direito positivo" (RT 253/24).

45 "O direito de superfície foi revogador da enfiteuse em diversos direitos estrangeiros, como expusemos anteriormente, e agora o é, no novo Código Civil, no Brasil; porém, mantém as até então existentes; apesar de guardar-lhe distinção de grande monta, suspendendo a acessão das benfeitorias ao solo, enquanto perdurar" (BENASSE, Paulo Roberto. Direito de superfície e o novo Código Civil. Campinas: Bookseller, 2.002. p. 131).

46 A superfície, no direito justinianeu, encontrava-se enquadrada entre os jura in re aliena. Não obstante, considerando que o superficiário, com relação ao edifício, tinha "todos os poderes de proprietário" (MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 434), dispondo de faculdades mais amplas que do que as do enfiteuta em situação análoga, não parece ser despropositado afirmar tratar-se de exceção à regra da acessão.

47 Cf. BENASSE, Paulo Roberto. Direito de superfície e o novo Código Civil. Campinas: Bookseller, 2.002. p. 35-70.

48 A concessão de uso prevista pelo Decreto-Lei nº 271/67 não se confunde com o direito de superfície, eis que não implica na transmissão da propriedade da edificação ou plantação ao concessionário, à míngua de expressa disposição em contrário (CHALHUB, Melhim Namem. "Direito de superfície". Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, São Paulo, RT, v. 14, n. 53, jul./set., 1.990. p. 78 e PINTO, Rosane Abreu Gonzalez. "O direito real de superfície e a sistemática do novo código civil brasileiro". Revista dos Tribunais, São Paulo, RT, v. 89, n. 775, mai., 2.000, p. 86).

49 Por tal razão, é mais apropriado falar em suspensão do princípio da acessão, como defende PAULO ROBERTO BENASSE: "Se fosse permitida em caráter perpétuo, como o é em alguns países, a concessão seria permanente, revogando a acessio, ou seja, o princípio superfícies solo cedit, mas no Brasil ela apenas suspende os efeitos da acessio, até o termo final do contrato ou pela sua revogação, ou seja, neste ato haverá aderência permanente do acessório ao solo, unificando as duas propriedades em apenas uma, a do solo, extinguindo a propriedade superficiária que impedia a aderência permanente ao solo da construção, pela suspensão do princípio basilar do direito mencionado" (Direito de superfície e o novo Código Civil. Campinas: Bookseller, 2.002. p. 75).

50 "Cunha Gonçalves diz que, em todos os cemitérios públicos, as Câmaras municipais concedem a particulares o direito de construir jazigos ou monumentos funerários, como direito superficiário, mencionando ou não expressamente dele tratar-se. A constituição deste contrato é de direito de superfície, porque o solo continua a pertencer ao município; mas o jazigo ou o monumento é propriedade de quem o mandou erigir; e, embora se diga que é uma propriedade sui generis, é certo que é feito em caráter perpétuo, onde a propriedade do solo pertence a um e o da superfície a outro, transmissível hereditariamente e alienável" (BENASSE, Paulo Roberto. Direito de superfície e o novo Código Civil. Campinas: Bookseller, 2.002. p. 88).

51 O direito de superfície com prazo de duração indeterminado não encontra previsão legal no Código Civil vigente, que revogou, ex vi do artigo 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, os artigos 21 a 24 da Lei nº 10.257/2001, razão pela qual entendemos não ser possível a sua constituição, ainda que por aplicação do artigo 7º do Decreto-Lei nº 271/67, diversamente do que entende PAULO ROBERTO BENASSE (Direito de superfície e o novo Código Civil. Campinas: Bookseller, 2.002. p. 105). O ordenamento jurídico português, ex vi do artigo 1.524 do Código Civil daquele país, expressamente permite a constituição do direito de superfície em caráter perpétuo, o que nos parece mais adequado, de lege ferenda, ao jus sepulchri.

52 "Com o término do prazo da propriedade superficiária, cessa o termo final da suspensão da acessão, atribuindo-se, imediatamente, ao proprietário do solo a propriedade da construção ou a plantação neste existente, por decorrência do princípio de que superficies solo cedit" (PINTO, Rosane Abreu Gonzalez. "O direito real de superfície e a sistemática do novo código civil brasileiro". Revista dos Tribunais, São Paulo, RT, v. 89, n. 775, mai., 2.000, p. 88).

53 A lei belga, segundo relata BENASSE, limita a sua duração ao período de 30 (trinta) anos. Na Espanha, segundo o mesmo autor, o prazo máximo é de 50 (cinqüenta) anos (Direito de superfície e o novo Código Civil. Campinas: Bookseller, 2.002. p. 68). JOSÉ GUILHERME BRAGA TEIXEIRA, escrevendo a propósito da Lei n 10.257/2001 e antes da aprovação do Projeto do Novo Código Civil, defendia a limitação ao prazo de 50 (cinqüenta) anos ("O direito de superfície recriado pela Lei 10.257, de 10.07.2001". Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, RT, v. 24, n. 51, jul./dez., 2.001, p. 49).

54 "Embora o jus sepulchri e o próprio sepulcro integrem o patrimônio da alguém, não se admite que sirvam para o auferimento de lucros em atividades comerciais. Não é permitida a mercandia, com o sepulcro ou (menos ainda) com o jus sepulchri. Após a inumação de um cadáver, não é mais de permitir-se a sua alienação, de regra, salvo as hipóteses que veremos adiante, como, por exemplo, para obter-se a extinção de condomínio, etc" (SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000. p. 119).

55 "O imóvel registrado pode sofrer alterações que o aumentem ou diminuam. O aumento resulta ou da união de um prédio a outro, formando um só imóvel, ou da adscrição de um a outro como parte integrante do mesmo. Em qualquer das duas hipóteses, a declaração de vontade do proprietário e a unificação do registro são necessárias. A diminuição decorre do ato de vontade do proprietário pelo qual separa do prédio uma porção constituindo-a imóvel independente. A esse processo dá-se o nome de desmembramento. Há de constar, obviamente, do registro; desdobrando-se a matrícula" (GOMES, Orlando. Direitos reais. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. pp. 136-137).

56 PAULO ROBERTO BENASSE (Direito de superfície e o novo Código Civil. Campinas: Bookseller, 2.002. p. 105) utiliza as expressões canon ou solarium para designar o quantum em dinheiro devido pelo superficiário em caso de pagamento parcelado, originárias da contraprestação devida, respectivamente, pelo enfiteuta e pelo superficiário no direito romano (MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano.v. I. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.992. pp. 424-436).

57 Cf. Direito de superfície e o novo Código Civil. Campinas: Bookseller, 2.002. p. 105.

58 Cf. Direito romano.v. I. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.992. p. 434.

59 O instituto do comisso, previsto no artigo 692, inciso II, do Código Civil de 1916, tem origem na decadência do direito romano.

60 Cf. "Direito de superfície". Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, São Paulo, RT, v. 14, n. 53, jul./set., 1.990. p. 81.

61 "Entretanto, esse instituto persiste no ius positum brasileiro, porque o novo Diploma (Lei n. 6.766) apenas derrogou aqueles textos que tratavam da matéria, isto é, ficaram substituídas apenas aquelas normas que estariam em contradição com as disposições atuais. Não é o caso, entretanto, da concessão de uso que, sendo matéria geral, fica inalterada e em pleno vigor" (SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000.p. 107).

62 Cf. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000.p. 162.

63 Cf. SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de direito funerário. t. II. São Paulo: Método, 2.000.p. 109.

64 A concessão de uso do DL nº 271/67, portanto, não se confunde com o direito pessoal concedido pelo Estado, a título precário, para utilização de bem público, também denominado concessão. Cf. STJ – 1ª Turma – RESP nº 124.755-DF – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – j. 19.08.97 – v.u.; STJ – 2ª Turma – RESP nº 124.142-DF – Rel. Min. Peçanha Martins – j. 18.12.97 – v.u.

65 SILVIO RODRIGUES (Direito civil.v. 5. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1.988. p. 264), apesar de afirmar que o comodato, em regra, é negócio jurídico intuitu personae, admite a transmissão aos herdeiros dos direitos e obrigações do comodatário, diante da omissão do legislador, de acordo com as particularidades de cada caso. ORLANDO GOMES, por sua vez, assevera que "a morte do comodatário não é causa extintiva, salvo se estipulado que o uso da coisa será estritamente pessoal" (Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.998. p. 318), o que nos parece mais acertado, especialmente no caso do "jus sepulchri". No caso do contrato de locação, a solução adotada pelo direito positivo, à primeira vista, parece depender do prazo de duração da avenca (determinado ou indeterminado), eis que o artigo 1.198 do Código Civil dispõe que, morrendo o locatário, a locação por prazo determinado transmite-se aos herdeiros, nada dispondo a respeito da locação por prazo indeterminado, o que levou SERPA LOPES (Curso de direito civil. v. IV. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1.999. p. 91) a defender que a morte constitui modo terminativo de tal espécie de locação. Como lembra ORLANDO GOMES (Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.998. p. 275), todavia, "nem para o locador, nem para o locatário, o contrato é instuitu personae, senão contrato impessoal", de tal sorte que não vislumbramos, à míngua de expressa proibição legal, óbice à transmissão da locação por prazo indeterminado aos herdeiros do locatário, de forma análoga ao que prevê o artigo 11, I, da Lei de Locações, mormente porque a disparidade de regime jurídico carece de substrato lógico ou jurídico. Em regra, portanto, entendemos que a morte do locatário não extingue a locação, conforme defende o civilista baiano.

Sobre o autor
Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa

advogado em São Paulo (SP), mestrando em Direito Processual Civil pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

YOSHIKAWA, Eduardo Henrique Oliveira. Natureza jurídica do direito à sepultura em cemitérios particulares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1122, 28 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8714. Acesso em: 2 nov. 2024.

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