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Requisitos legais e cautelas necessárias para constituição do contrato de mútuo financeiro em título executivo extrajudicial.

Agenda 01/12/2020 às 15:45

A prática forense revela que a interpretação de alguns requisitos legais necessários para que um contrato de mútuo financeiro possa ser objeto de ação de execução de título extrajudicial pode causar algumas dúvidas e incertezas nos operadores do direito e também nas partes. Este artigo terá como objetivo apontar todas as cautelas necessárias na elaboração do contrato para garantir sua executividade em juízo.

Há séculos o contrato é uma ferramenta utilizada por particulares e agentes públicos para formalizar acordos de vontade, nos quais duas ou mais partes contraem direitos e obrigações entre si[1]. A grande importância dos contratos é preservar as declarações feitas pelas partes, pormenorizar as obrigações assumidas e, na medida do possível, garantir que sejam cumpridas.

Quando se fala em garantia do cumprimento das obrigações assumidas, especialmente nos casos de mútuo financeiro (empréstimos de pecúnia), exsurge a questão da executividade do contrato, isto é, a possibilidade de se ingressar com uma ação de execução de título extrajudicial em face do devedor inadimplente.

Ao contrário da ação de cobrança, regida pelo procedimento comum, o processo de execução tem contraditório abreviado e – ao menos em tese – é mais célere do que a ação de cobrança, na qual o contraditório é exercido em sua plenitude, com contestação, réplica, especificação de provas, etc. Ademais, o processo executivo facilita o acesso do credor a diversos mecanismos constritivos, tais como o arresto de bens e a penhora online, o que certamente confere maior eficácia no bloqueio e acesso ao patrimônio do devedor com o objetivo de satisfação da dívida.

No entanto, para que um contrato de mútuo financeiro se revista da qualidade de título executivo extrajudicial, o Código de Processo Civil (“CPC”) exige o preenchimento de alguns requisitos. É sobre estes requisitos que o presente artigo se aprofundará. Pois bem. De um lado, temos os requisitos gerais, aplicáveis a todos os títulos executivos extrajudiciais e estabelecidos pelo art. 783 do CPC, segundo o qual “A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível”.

O requisito da certeza diz respeito à existência de uma obrigação que se origina a partir do título executivo (contrato)[2]. Sem a certeza da existência da obrigação, sequer é possível avaliar sua liquidez e/ou exigibilidade. Exatamente por isto, as partes devem ter muita cautela na redação das cláusulas contratuais para estipular com clareza quais obrigações estão sendo assumidas (v.g., quantia emprestada, taxa de juros, multa contratual, prazo e forma para pagamento). Vale mencionar que, mesmo não estando expressamente mencionada no contrato, a obrigação preencherá o requisito da certeza quando da leitura do título for possível extrair sua existência.

Todavia, para não correr riscos, recomenda-se que as obrigações sejam sempre muito bem delineadas no contrato, evitando-se que a certeza sobre sua existência fique à mercê de interpretações diversas.

Já a liquidez se refere à materialização da obrigação, ou seja, seu objeto. Portanto, a obrigação será líquida quando for possível determinar seu objeto (v.g., montante pecuniário determinado). Pertinente mencionar que, segundo o parágrafo único do art. 786 do CPC “A necessidade de simples operações aritméticas para apurar o crédito exequendo não retira a liquidez da obrigação constante do título”.

Finalmente, a exigibilidade é verificada a partir da data de vencimento da obrigação, de modo que a obrigação ainda não vencida não é passível de ser objeto de processo executivo[3]. Outrossim, tampouco é exigível a obrigação que se funda em objeto ou causa ilícita como, por exemplo, as dívidas contraídas em jogos de azar[4]. Isto porque o art. 814 do Código Civil (“CC”) preceitua que “As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento”.

Ainda em relação à exigibilidade, o art. 787 do CPC preceitua que “Se o devedor não for obrigado a satisfazer sua prestação senão mediante a contraprestação do credor, este deverá provar que a adimpliu ao requerer a execução, sob pena de extinção do processo”. Deste modo, recomenda-se que o credor sempre armazene com zelo o comprovante e/ou recibo de que o devedor efetivamente recebeu a quantia mutuada.

De outra banda, o art. 784, IV do CPC prescreve que o “documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas” reveste-se de executividade. Assim, além de preencher os requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade, o contrato de mútuo deverá estar assinado pelo devedor e por duas testemunhas. O texto da legislação parece muito claro; entretanto, a prática forense revela algumas questões que podem causar polêmica no momento de eventual execução do contrato.

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Em primeiro lugar, seria necessário o reconhecimento de firma das assinaturas do devedor e das testemunhas? A legislação processual civil não faz menção alguma a esta necessidade. Assim, não se trata de requisito essencial. Não obstante, o devedor poderá alegar a inexistência de título executivo (CPC, art. 917, VI) com base na falsidade das assinaturas. Pontue-se que a falsidade da assinatura do devedor torna nulo o contrato; e a falsidade das assinaturas das testemunhas não anula o contrato (posto que não é elemento essencial[5]), mas desnatura sua propriedade de título executivo.

Discussões sobre a autenticidade das assinaturas podem atrasar sobremaneira o curso do processo de execução; ou até mesmo frustrá-lo por completo. Assim, embora não seja estritamente necessário, recomenda-se que o credor promova o reconhecimento das firmas, evitando-se que sua autenticidade seja alvo de impugnação pelo devedor.

Outra questão que frequentemente causa dúvidas nos operadores do direito e nas partes diz respeito à necessidade, ou não, de as testemunhas terem assinado o contrato na mesma data em que o instrumento foi assinado pelo devedor. O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) tem jurisprudência consolidada no sentido de que as testemunhas são meramente instrumentárias, isto é, atestam a existência do título e não são requisito essencial para concretização do negócio jurídico (v.g., mútuo financeiro). Exatamente por isto, as testemunhas podem assinar o contrato em momento posterior ao devedor, sem que tal fato impeça a formação do título executivo extrajudicial. Confira-se trecho de julgado do STJ sobre o tema:

O fato das testemunhas do documento particular não estarem presentes ao ato de sua formação não retira a sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem ser feitas em momento posterior ao ato de criação do título executivo extrajudicial, sendo as testemunhas meramente instrumentárias.”[6]

Por fim, também é motivo de incerteza quem pode ser testemunha. Com efeito, o art. 228 do Código Civil prevê que não podem ser admitidos como testemunhas os menores de dezesseis anos; o interessado no litígio, amigo íntimo ou o inimigo capital das partes; e os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade, ou afinidade.

Contudo, o dispositivo supramencionado diz respeito às testemunhas judiciárias, impedidas de prestar depoimento em juízo; e não às testemunhas instrumentárias, que são aquelas que apenas assinam o contrato a fim de revesti-lo das formalidades legais do art. 784, IV, do CPC, conferindo-lhe executividade. Deste modo, qualquer pessoa que goze de capacidade civil (via de regra[7], os maiores de dezoito anos) poderá servir como testemunha instrumentária em contratos particulares, independentemente das restrições impostas no art. 228 do Código Civil. Neste sentido, confira-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”):

Embargos do devedor – Ação de execução por quantia certa fundada em “instrumento particular de confissão de dívida” – Obrigação resultante de negociação comercial – Contrato subscrito por duas testemunhas, familiares (genitor e irmão) da exequente – Irrelevância – Impedimento que é de testemunhas para depor e não de testemunhas instrumentárias – Alegação de inexistência de título extrajudicial e excesso de execução – Título executivo só por si considerado – Exegese do art. 585, inciso II, do CPC, atual art. 784, inciso III, do CPC de 2015 – Requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade ínsitos no título – Excesso inocorrente – Mora “ex re” – Juros de mora legais, devidos em razão do inadimplemento de obrigação positiva e líquida (arts. 394, 395 e 397, “caput”, do Código Civil) – Correção monetária segundo a Tabela Prática do Tribunal de Justiça, de aplicação cogente sobre débitos judiciais, que é um “minus” e não um “plus” – Sentença mantida – Recurso desprovido.”[8]

Em conclusão, pontua-se que a formação de um título executivo extrajudicial a partir de um contrato de mútuo deve obedecer rigorosamente aos requisitos formais elencados na legislação processual. Assim, embora seja plenamente viável às partes redigir e firmar um contrato de mútuo – existindo, inclusive, muitos modelos disponíveis na internet – é sempre recomendável que o instrumento seja redigido e/ou revisado por um advogado com experiência no assunto, evitando-se problemas futuros caso seja necessário executar o contrato em juízo.

 

[1] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos típicos e atípicos. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009, pp. 08-09.

[2] GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, v. 3. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 29.

[3] STJ. AgInt nos EDcl no REsp n.1.538.579/PE, 3ª Turma, Min. Rel. Moura Ribeiro, j. em 01.05.2017.

[4] GOMES, Orlando. Contratos. 26ª Ed., atualizada por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo De Crescenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pp. 526-530.

[5] Princípio da conservação dos contratos: art. 184 do Código Civil.

[6] STJ. REsp n. 541.267/RJ, 4ª Turma, Min. Rel. Jorge Scartezzini, j. em 20.09.2005.

[7] Via de regra, as pessoas plenamente capazes para práticar os atos da vida civil (v.g., assinar documentos na condição de testemunha instrumentária) são aquelas maiores de dezoito anos, nos termos do caput do art. 5º do Código Civil. No entanto, é importante mencionar que os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos também gozarão de capacidade civil completa (e, portanto, poderão assinar documentos na condição de testemunha instrumentária) quando preencherem os requisitos elencados pelo parágrafo único do art. 5º do Código Civil.

[8] TJSP. Apelação Cível n. 1022116-18.2015.8.26.0564, Des. Rel. Cerqueira Leite, j. em 13.07.2018.

Sobre o autor
Heitor José Fidelis Almeida de Souza

Advogado e sócio proprietário do Fidelis Sociedade Individual de Advocacia (OAB/SP 29.318), bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV-SP.

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