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O poder e o Estado na teoria sistêmica de Niklas Luhmann

Agenda 30/07/2006 às 00:00

1. A Teoria Sistêmica de Niklas Luhmann

            Para que possamos compreender a teoria dos sistemas sociais de Luhmann, é preciso a definição de certos conceitos, que são usados de maneira peculiar por este autor.

            Assim, sistemas podem ser definidos como construções reais, não abstratas. A abordagem sistêmica (e, portanto, real) é diversa da abordagem sistemática, que é abstrata, pois nela as estruturas são somente feitas no pensamento, são, assim, construções de sentido, mas não abordadas como fato social.

            Todo sistema é composto de elementos, que estão em relação entre si. Para haver complexidade, é preciso haver uma grande quantidade de elementos de relações, havendo, com isso, mais possibilidades do que as que podem ser atualizadas. Chega-se num limiar de incrementos de elementos, na qual estes não conseguem mais ter relações com todos os outros elementos do sistema, ao mesmo tempo. Nesta hora, é preciso analisar as possibilidades de relação e escolher entre elas.

            Esta complexidade não ocorre somente devido à grande quantidade de elementos, é preciso também que haja uma diferença qualitativa entre eles. O conjunto de elementos, assim, é considerado complexo quando, em face da limitação da capacidade de conexão dos elementos, não é possível a relação com todos os outros elementos do sistema ao mesmo tempo.

            O sistema seria menos complexo, ou simples, quando houver uma total conexão entre os elementos deste sistema, conexão esta que se repete sempre da mesma maneira, sendo completa. Há situações, portanto, em que há um grau menor de complexidade. Deste modo, a complexidade implica sempre informação que falta (para fazer a seleção).

            A complexidade implica contingência, sendo esta o lado qualitativo da complexidade, segundo Edgard Morran. A contingência é uma qualidade de sistemas com sentido, necessitando dos elementos expectativa e vivência para existir.Para Luhmann, a contingência pode ser definida como o fato de que, entre as possibilidades que se mostram no sistema ou para o sistema, pode sempre ocorrer das expectativas esperadas naquelas relações sejam frustradas.

            Entre as alternativas que surgem numa operação sistêmica, todas podem ser frustradas. Deste modo, numa situação contingencial, deve-se abandonar aos riscos, pois não se sabe qual o resultado que vai ser escolhido, mas se trabalha com possibilidades. Na contingência, portanto, trabalha-se com uma expectativa do futuro. È a necessidade de assumir riscos.

            Diante das necessidades dos sistemas, dos subsistemas, e até das relações intra-sistêmicas, aparece a pressão seletiva (selektionszwang). Pode-se afirmar que a complexidade implica contingência, que, por sua vez, implica pressão seletiva. Quanto maior a complexidade, maior a pressão seletiva.

            A redução de complexidade não implica em transformar o sistema em simples. Na verdade, aumenta-se a complexidade estruturada (fortifica-a), diminuindo a complexidade desestruturada, que leva ao caos. O Direito busca diminuir a complexidade desestruturada internamente. O sistema só surge quando consegue estruturar sua complexidade e se diferenciar do meio-ambiente.

            Algo não pode estar no sistema e também no meio-ambiente. Esta é uma distinção feita pelo próprio sistema, sendo inerente da sua existência. Para Luhmann, esta distinção é a quebra do paradigma, com a formulação de um novo: sistema e meio-ambiente. Pode-se distinguir sistema de meio-ambiente pela complexidade. O sistema é composto de complexidade estruturada, enquanto o meio-ambiente é formado por complexidade desestruturada. É o próprio sistema que cria sua distinção com o meio-ambiente.

            Há relações entre sistema e mio-ambiente, que são ambivalentemente dependentes e independentes. Isto porque não é possível que haja sistema sem meio-ambiente, mas ambos são independentes entre si porque são sistemas autopoiéticos. O meio-ambiente é a base do sistema, é a sua estrutura material. Para Marcelo Neves, o meio ambiente é pressuposto do sistema, mas este só existe quando se torna independente do meio-ambiente.

            Para Luhmann, sentido não é a busca de um fim. O fenômeno do sentido surge como um excesso de virtualização de possibilidades, na qual se tomou uma decisão. O sistema consegue se auto-observar e retirar a decisão daquelas possibilidades e que, com a opção, deixou potencializada as outras possibilidades que não foram escolhidas. A forma do sentido, assim, é a diferença entre atualidade e potencialidade.

            As comunicações dependem de consciência, não existindo consciência sem organismo. Todavia, pode haver comunicação, mesmo que a consciência e o organismo não existam mais. Por exemplo, a leitura dos textos de Aristóteles. A sociedade se diferencia do meio-ambiente porque só na sociedade há comunicação. E a sociedade se diferencia em vários sistemas funcionais, que também são comunicacionais, mas de comunicações especializadas. A autonomia destes subsistemas sociais é construída pela dicotomia, como no sistema jurídico: legal/ilegal.

            O elemento dos sistemas sociais, assim, é a comunicação. Para a teoria de Luhmann, a comunicação não é uma relação entre pessoas. Comunicação só se comunica com comunicação gerando mais comunicação. No caso, o que interessa não é o que foi compreendido da comunicação, mas o que foi realizado para dar continuidade à sociedade. A má-compreensão também contribui para a comunicação. No caso, não é compreensão como processo psíquico,como percepção. A compreensão não é a mera duplicação em uma outra consciência, mas no interior do sistema permite a criação de uma nova comunicação. É, assim, o elemento autopoiético da sociedade, permitindo a sua própria recriação.

            A comunicação pode ser rejeitada ou interrompida. Pode haver comunicação sem linguagem gramaticalmente estruturada e sem intencionalidade. Para saber se houve comunicação é preciso analisar a ação das pessoas. È elemento da unidade básica comunicação, fazendo parte da sua composição triádica: mensagem, informação e compreensão. Se a ação não permite a continuidade da comunicação, ela não é relevante para a sociedade.

            Já as estruturas, para Luhmann, são limites de possibilidades de operação [01] do sistema. São processos de redução ou limitação das operações do sistema. As estruturas estão sempre vinculadas a condições de limitações das relações. A estrutura orienta as pessoas, que limitam as operações entre os elementos. A estrutura nos sistemas sociais é a consciência.

            A Identidade do sistema é o sistema referindo-se a si mesmo. É a diferenciação que consegue a unidade do sistema. Na sociedade moderna, a unidade está ligada à diferenciação funcional. A unidade, assim, é aspecto da identidade. Já a identidade é a relação do sistema para fora, estando ligada ao mundo de valores (visões de mundo) que orientam aquela sociedade.

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            Os sistemas relacionam-se entre si ou com si mesmo. Há, assim, a reflexão, que é a relação do sistema com si mesmo; prestação, que é a relação de um subsistema com outro; e função, que é a relação do subsistema com todo o sistema a que pertence. È a relação do sistema com toda a sociedade. Não se deve confundir reflexão com auto-observação ou autodescrição. Isto porque a reflexão é uma referência à unidade/identidade do sistema, levando a uma auto-observação ou uma autodescrição do sistema,mas sempre total.

            Interação é um sistema social que se caracteriza pela distinção entre presentes e ausentes. A seleção depende muito da percepção, no caso dos indivíduos que estão presentes. Há um maior acoplamento entre comunicação e consciência. Os presentes interagem entre si, tendo consciência e percepção dos outros presentes. Neste caso, quem está ausente é meio-ambiente, pois a comunicação depende da percepção recíproca entre os presentes.

            Já a organização possui como característica básica a distinção entre os membros da organização e os não-membros. Desenvolve-se mediante decisões e são estas decisões que apontam quem é membro e quem não o é. Pode se comunicar com outros sistemas sociais, mas quem faz isto é a organização e não o membro específico. Além disso, a organização é sempre restrita em seus números de membros.

            A sociedade é composta por organizações e interações, mas não se resume à soma destas e nunca pode se restringir a elas. Pode ser definida como espaço em que há comunicações, sendo um conjunto abrangente de comunicações, de interações, que não estão veiculadas ao modelo de organização. É esta diferenciação radical entre sociedade, interação e organização, segundo Luhmann, o que caracteriza a modernidade.

            A evolução social, dentro da teoria sistêmica, é a transformação do improvável, do implausível, em provável ou plausível. Esta transformação está ligada ao aumento da complexidade e, conseqüentemente, ao aumento da pressão seletiva. Para Luhmann, a sociedade é mais evoluída quanto mais complexidade estruturada ela tiver, havendo um incremento da capacidade sistêmica de criar complexidade estruturada.

            Os mecanismos da evolução [02], nesta teoria, são a variação, que ocorre no plano dos elementos; a seleção, que ocorre no âmbito das estruturas; e a restabilização, que ocorre no plano da identidade/unidade do sistema social. A variação leva a comunicações (ou ações) inesperadas ou surpreendentes, gerando uma desviante das expectativas condensadas. A variação pode ser rejeitada e, com isso, não há evolução. Pra que isso ocorra, é preciso que haja seleção, isto é, que as estruturas incorporem aquilo que é desviante como parte da estrutura. Deste modo, a comunicação desviante, para as outras comunicações, passa a ser inovação de diretriz, isto é, serve de diretriz para futuras comunicações. Já na restabilização, o sistema incorpora a mudança estrutural, tornando-se unidade de identificação. Isto implica que as estruturas inovadoras asseguram duração e persistência.

            Para Luhmann, a sociedade é muito mais complexa do que a nossa racionalidade pode conceber. Por isso, a evolução da sociedade não pode ser medida em ciência ou em modelos científicos.

            O acoplamento diminui e fortifica, ao mesmo tempo, a autopoiése dos sistemas. É paradoxal, aumenta a capacidade de reprodução do sistema, ao mesmo tempo em que o limita. O acoplamento estrutural é a prova de que a teoria de Luhmann não é isolacionista, segundo Marcelo Neves. A influência de um sistema no outro exige o acoplamento no outro sistema, que modifica o que foi trazido do outro sistema. A utilização da complexidade de um sistema por outro é a autopenetração.

            Como dito anteriormente, a referência é a influência de um sistema no outro. Vários sistemas podem ter relevância para um ato concreto – é o acoplamento operacional ou operativo, que está ligado à própria infraestrutura dos sistemas, já que todos são compostos de comunicações.

            No acoplamento estrutural os sistemas influenciam-se entre si de modo bastante abrangente e permanente. Ocorre uma irritação entre estes dois sistemas, que precisam deste acoplamento estrutural para se diferenciar entre si. Por exemplo, o acoplamento estrutural entre política e economia é a tributação (sistema de decisão e sistema de pagamento); entre política e direito é a Constituição; entre direito e economia são o contrato e a propriedade.

            Portanto, o acoplamento estrutural é a ponte entre um sistema e outro, é onde se concentra a troca de informações entre sistemas. É um espaço de trânsito, com fronteiras precisas.

            Dependendo do tipo de reflexão que o sistema faz sobre si, pode ocorrer um acoplamento estrutural. Assim, a teoria do direito é o acoplamento entre ciência e direito, diferentemente da dogmática jurídica, que não possui função primordial de cognição, mas somente busca fornecer subsídios teóricos para o direito.


2.Poder e Estado na teoria luhmanniana

            Os subsistemas sociais atuam com meios simbolicamente generalizados de comunicação. Isto implica que a relação que se tem com a comunicação e a expectativa que se espera dela já são pré-concebidas. Qualquer pessoa tem a capacidade de selecionar com base nos meios simbolicamente generalizados de comunicação. Estes meios servem, ao diferenciar, para aumentar a aceitação das comunicações em uma sociedade já diferenciada. Estes meios são modos de descarregar a complexidade nas comunicações, pois o símbolo reduz a complexidade ao reduzir as pressões.

            Estes meios simbolicamente generalizados de comunicação são os códigos binários, que precisam de critérios ou de programas que orientem a comunicação. São eles que capacitam o sistema para se reciclar com relação ao meio-ambiente.

            Os códigos binários de preferência são a expressão concreta dos meios simbolicamente generalizados e são os programas e critérios que permitem a abertura do sistema. Sem eles, os códigos seriam tautológicos (o que seria poder/não-poder, que é o código binário do subsistema da política?). O código binário, assim, é o motor de toda a comunicação e o sistema é a referência para o código.

            Poder, assim, na teoria de Luhmann aparece como o código binário do subsistema social da política, tornando provável a aceitação das ações de Alter como premissa e vínculos para as ações de Ego. O poder, portanto, não é considerado como característica ou qualidade de alguém que o detenha, ou seja, é um meio da comunicação que permite coordenar seleções e criar, com isto, as correspondentes expectativas.

            O poder se diferencia na época moderna como um meio específico do sistema político [03]. Ele pode realizar-se ocasionalmente em outros sistemas sociais, segundo as necessidades operativas de tais sistemas, sem adquirir a capacidade de reprodução que possuem no sistema político.

            Ao meio poder está associada uma particular constelação de atribuições: o atuar de Alter (superior em poder) ativa o atuar de Ego (inferior em poder). É normal que as ações de Alter e Ego coincidam, o improvável é que a ação de Alter seja uma decisão relativa à ação de Ego da qual Alter pretende a observância (ordem, diretriz). Alter atua e Ego se encontra frente à alternativa de confirmar a rechaçar o atuar de Alter como premissa do próprio atuar. A improbabilidade da confirmação ocorre quando se dá uma especialização no mandar ou no aportar diretrizes e, portanto, na situação concreta nada garante o consenso, a congruência de interesses.

            O poder torna provável que Ego aceite as diretrizes ou ordens de Alter. Há poder quando o atuar de Alter motiva Ego a atuar: o poder não se baseia em uma motivação pré-existente, mas é ele mesmo que cria a motivação, reconstruindo e institucionalizando as circunstâncias que tornam provável a aceitação do atuar de Alter como base para o atuar de Ego. O poder requer liberdade da parte de Alter, cuja ação é uma possibilidade entre outras e, da parte de Ego, que pode rechaçar a seleção de Alter (somente desta maneira é visível que a aceitação deriva do poder de Alter).

            O poder se realiza quando a seqüência de ações aportada por ordem e obediência está combinada com aquela trazida pela cominação de sanções (se não obedece, há um castigo). O poder se baseia exclusivamente em sanções negativas (castigos) e, ocasionalmente, pode se valer também de sanções positivas transformadas em negativas (por exemplo, a ameaça de demissão). As sanções não são algo criado nem por Alter, nem por Ego, mas são mais definidas para Ego: são alternativas que devem ser evitadas entre ambos, mas que sua realização é temida primordialmente por Ego.

            O poder se reproduz somente na forma direta da obediência. O meio correspondente para a sanção é a força física, que deve ser utilizada de maneira generalizada e que constitui também o mecanismo simbiótico do poder. Sem dúvida, o poder está simbolizado: os símbolos permitem tanto determinar e impor decisões, como tornar possível o poder.

            O aspecto comunicativo ou simbólico do poder está sempre presente, ainda quando o uso da força física não seja só uma ameaça, pelo fato de que de qualquer maneira deve ser decidido. Além disso, ainda quando a força física é utilizada, o efeito do poder não depende das mutações do estado físico dos corpos, mas das conclusões que surgem da aceitação da comunicação.

            A forma do poder é uma balança entre a diferença entre execução da diretriz e alternativa a evitar (sanção). De um lado, esta é a diferença que motiva Ego a aceitar a comunicação: o poder acaba quando Ego prefere a alternativa por evitar e recorre ao contra-poder para obrigar Alter a renunciar ou cominar a sanção. Por outro lado, evitar o uso das sanções é a base do poder de Alter, pois o poder se acaba quando há a realização da sanção (o uso da força física indica que não existe poder). Para que o poder se conserve, o uso da força física deve permanecer uma alternativa a se evitar, a capacidade de imposição de mede pelo fato que não é contraposta com a força, que ninguém sequer pensa em fazê-lo.

            O código do poder ocorre pela diferença entre superiores e inferiores. Trata-se de um código de preferência, sendo positivo ser superior e negativo ser inferior. Tal código não pode por si mesmo motivar a aceitação das comunicações: Ego não pode ser motivado a aceitar sua inferioridade. Com base na distinção superiores/inferiores somente se produzem choques, freqüentemente baseados no uso da força física. Conseqüentemente, é necessária uma codificação secundária, trazida do Direito. Assim, é o código binário legal/ilegal que permite a Ego distinguir um poder legítimo de outro ilegítimo e, portanto, permite a sua motivação para aceitar o primeiro poder. Sem uma codificação secundária deste tipo, o código do poder não é técnico, ou seja, não se passa automaticamente da parte superior para a inferior, ou o contrário.

            Quando o poder é político, existe outro código além do Direito que promove a tecnização. Trata-se de uma recodificação propriamente dita do poder: governo/oposição. Os programas que regulam a correta atribuição do poder assumem principalmente a forma de leis ou de decisões judiciais. A reflexividade do poder se expressa no fato de que o poder se refere somente a outro poder e se desenvolve só se pode relacionar-se com outro poder. Ocorre uma inflação do poder quando seu uso é excessivo, ou seja, quando Alter pretende condicionamentos que Ego não pode realizar na realidade. Já sua deflação ocorre quando seu uso é escasso, ou quando não se utilizam todas as possibilidades que o poder oferece, isto é, quando Alter deve recorrer à força física ou deixar as coisas tais como estão.

            Para a política, as conexões entre códigos e programas trazem também outra codificação: progressista/conservador. Esta diferença permite indicar os pontos de vista, ou valores, para a eleição do que se pode decidir de modo vinculante para todos. Sem dúvida, esta distinção tem seu ponto fraco no fato de que não se consegue seguir a dinâmica das transformações sociais, os conservadores se tornam progressistas propondo novos programas de oposição e os progressistas se mostram conservadores, defendendo as decisões tomadas em quanto governantes. O valor desta distinção que já se mostra confusa, atualmente se expressa de maneira cada vez mais freqüente com a distinção entre Estado expansivo (ou Estado do bem-estar) e Estado restritivo.

            O Estado do bem-estar (Welfare State) se caracteriza pelo objetivo de incluir todos os indivíduos no sistema político. Os objetivos da inclusão política generalizada encontraram muitas dificuldades, dependentes da disponibilidade inadequada dos meios. A política é limita por códigos externos a ela mesma, como o dinheiro e o direito. Estes códigos não são utilizados para uma inclusão política generalizada, em especial pelo tratamento das pessoas por meio de terapias ou intervenções educativas. Estes, ademais, criam vínculos drásticos (jurídicos e econômicos) à intervenção política.

            A importância do Estado no sistema político é evidente, mas o sistema político não coincide com o Estado. O Estado é um sistema de decisões organizadas, diferenciado no interior do sistema político, trata-se de uma organização delimitada através de limites territoriais. O sistema político da sociedade mundial comporta a existência de Estado em todos os territórios.

            A segmentação em Estados facilita a função política, pois os Estados permitem a realização da democracia em âmbito local, alcança fins políticos específicos e protege a realização de outras funções. Todavia, esta diferenciação traz também problemas, já que os limites territoriais podem vincular a política a condições locais, étnicas ou religiosas, inadequadas com relação às exigências de uma sociedade que se encontra operando em dimensão mundial.

            Além do Estado, existem outras organizações políticas, que não produzem diretamente decisões coletivamente vinculantes. No âmbito do Estado territorial individual, um sistema político se diferencia internamente em sistemas organizados segundo o esquema centro/periferia. A organização do Estado comporta a responsabilidade política para o território e é o centro de orientação de todas as outras organizações políticas, que são periféricas. O centro e a periferia são igualmente importantes, sua distinção cria simultaneamente unidade e complexidade no sistema.

            No centro, forma-se uma hierarquia (superiores/inferiores), enquanto que na periferia existem complexidades mais elevadas e maior sensibilidade para as irritações do meio-ambiente. A periferia se caracteriza por uma diferenciação dos segmentos não coordenados, como os partidos políticos, que tem a função de preparar de maneira não vinculante as decisões coletivamente vinculantes.


3. Conclusão

            Segundo Niklas Luhmann, o Estado no sistema político possui importância evidente para a política, mas o sistema político não coincide com o Estado. O Estado é um sistema de decisões organizadas, diferenciado no interior do sistema político, sendo, assim, uma organização delimitada através de limites territoriais. O sistema político da sociedade mundial comporta a existência de Estado em todos os territórios.

            Com relação ao poder, este aparece na teoria sistêmica como o código binário do subsistema social da política, tornando provável a aceitação das ações de Alter como premissa e vínculos para as ações de Ego. O poder, portanto, não é considerado como característica ou qualidade de alguém que o detenha, ou seja, é um meio da comunicação que permite coordenar seleções e criar, com isto, as correspondentes expectativas.

            O código do poder ocorre pela diferença entre superiores e inferiores. Trata-se de um código de preferência, sendo positivo ser superior e negativo ser inferior. Tal código não pode por si mesmo motivar a aceitação das comunicações: Ego não pode ser motivado a aceitar sua inferioridade. Com base na distinção superiores/inferiores somente se produzem choques, freqüentemente baseados no uso da força física. Conseqüentemente, é necessária uma codificação secundária, trazida do Direito. Assim, é o código binário legal/ilegal que permite a Ego distinguir um poder legítimo de outro ilegítimo e, portanto, permite a sua motivação para aceitar o primeiro poder. Sem uma codificação secundária deste tipo, o código do poder não é técnico, ou seja, não se passa automaticamente da parte superior para a inferior, ou o contrário.

            Assim, pode-se afirmar que a teoria luhmaniana aumentou os conceitos de Estado e Poder existentes na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsan, pois enquanto que nesta o Estado é somente Direito (ou ordem jurídica coercitiva, com monopólio do uso da força) e o poder é a validade e eficácia desta ordem normativa; na teoria sistêmica, Estado e Poder estão presentes no subsistema social da política, sendo o primeiro um sistema de decisões organizadas e o segundo o código binário deste subsistema.

            Nesta última concepção, o Direito (aqui considerado outro subsistema social) aparece como meio de legitimação e aceitação do Poder. Assim, para que este código não seja imposto somente pela força, o Direito, com seu código legal/ilegal, determina as regras de reconhecimento deste Poder. O Direito, deste modo, continua a exercer um papel fundamental dentro do Estado e na conceituação de poder, mas ambos não se limitam somente a isto, como era proposto por Kelsen.

            Acredito que, com a ampliação conceitual trazida pela teoria de Luhmann, tanto o Poder quanto o Estado são explicados de modo mais amplo, alcançando explicações para muitos fenômenos relacionados com estes termos, o que não ocorria na Teoria Pura, pela simplificação feita. Todavia, devemos ressaltar a importância desta teoria, mesmo para o desenvolvimento das idéias luhmanianas, pois foi a primeira a se desvincular da idéia sociológica do Estado, não se considerando mais o Estado como conjunto de ações sociais, ou como sujeito por trás do Direito.


Notas

01

Operação pode ser definida como o elemento visto na dimensão temporal. Assim, operação é elemento.

02

Estes mecanismos de evolução foram retirados, segundo o professor Marcelo Neves, pela teoria evolucionista de Charles Darwin.

03

O sistema político é um sistema parcial da sociedade, com função específica de aportar para a sociedade a capacidade de decidir de uma maneira coletivamente vinculante.

Bibliografia

            CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002.

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            GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001.

            LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. México: Universidad Iberoamericana, 2002.

            LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I e II. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983.

            NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica, São Paulo: Acadêmica, 1996.

Sobre a autora
Juliana Almenara Andaku

advogada em São Paulo (SP), mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDAKU, Juliana Almenara. O poder e o Estado na teoria sistêmica de Niklas Luhmann. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1124, 30 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8719. Acesso em: 22 dez. 2024.

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