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A CORTE SUPREMA E SUA FUNÇÃO POLÍTICA

Agenda 06/12/2020 às 11:21

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A FUNÇÃO DA CORTE SUPREMA E JULGAMENTGO NA ADI 6524.

A CORTE SUPREMA E SUA FUNÇÃO POLÍTICA

Rogério Tadeu Romano

Observo o artigo 57, parágrafo quarto da CF:

Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006)

§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006).

Por sua vez, na linha da norma paratípica, a norma típica secundária, Regimento Interno do Senado, no artigo 59 assim determina:

“Os membros da Mesa serão eleitos para mandato de dois anos, vedada a reeleição para o período imediatamente subsequente”.

Possibilita-se a recondução para membro da mesa, desde quando seja para outro cargo diverso do que o parlamentar ocupava antes.

Tal recondução era vedada na ordem constitucional pretérita.

A Constituição atual permitiu, na sua redação primeira.

O Supremo Tribunal Federal decidiu pela impossibilidade de recondução para o mesmo cargo de eleição imediatamente subsequente (RTJ, 119: 964 e 163: 52).

O Supremo Tribunal Federal também entendeu que “a norma do parágrafo quarto do artigo 57 da CF, que, cuidando da eleição das Mesas das Casas Legislativas federais, veda a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, não é de reprodução obrigatória nas Constituições dos Estados-membros, porque não se constitui num princípio constitucional estabelecido (STF, RTJ, 163: 52).

Numa interpretação literal, ver-se-á que a Constituição e o regimento do Senado impedem que membros da Mesa Diretora sejam reeleitos na mesma legislatura, ou seja, no período de quatro anos entre duas eleições gerais.

O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6524, em que pede que o STF defina que a vedação constitucional de reeleição da Mesa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal se aplica às eleições que ocorram na mesma legislatura ou em legislaturas diferentes. O relator é o ministro Gilmar Mendes.

Segundo a legenda, a Constituição Federal prevê que o mandato dos membros das Mesas será de dois anos e proíbe a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. Assinala, no entanto, que, conforme o Regimento Interno da Câmara, não se considera recondução a eleição para o mesmo cargo em legislaturas diferentes, ainda que sucessivas. Cada legislatura possui quatro anos.

Segundo o chefe do Ministério Público Federal, “não cabe ao Judiciário, ainda que pela via do controle abstrato de normas, substituir-se ao Legislativo a fim de definir qual o real significado da previsão regimental”.

O PGR destacou que a interpretação e a aplicação de normas regimentais, em regra, escapam do controle judicial, “uma vez que o primado da separação de Poderes inibe a possibilidade de intervenção judicial na indagação de critérios interpretativos de preceitos regimentais definidos pelas casas legislativas”.

A AGU (Advocacia-Geral da União) enviou, em 16 de setembro de 2020, parecer ao Supremo em que também defende que só os próprios congressistas devem decidir sobre a possibilidade ou não de reeleição para as presidências de Câmara e Senado.

No julgamento com votos por escrito que vai até o dia 14 de dezembro, uma segunda-feira, os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes votaram a favor da reeleição dos dois, e Kassio Nunes defendeu a possibilidade de recondução apenas de Alcolumbre.

A interpretação constitucional pelo Supremo Tribunal Federal não é uma tarefa simples, meramente literal. Deverá ser histórica, teleológica, entre outras formas.

O ministro Gilmar Mendes é o relator. Seu voto se alicerça em dois pilares - (i) o direito comparado e (ii) a história institucional brasileira.

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Extraímos cinco pontos para o pronunciamento, consoante citado no site Migalhas:

1 - Prática comum em países de prática democrática

"Estados com larga e inequívoca aderência aos postulados do constitucionalismo moderno possuem Casas Legislativas em que a reeleição é praticada e sem qualquer limitação."

Entre os exemplos citados no voto estão o Parlamento de Westminster (Câmaras do Parlamento do Reino Unido), Congresso dos EUA e a Espanha.

"Definir quem representa uma Casa de Leis traduz atribuição invariavelmente acometida ao próprio Parlamento. E na competência de definir quem "fala pela Casa" compreende-se, por óbvio, a possibilidade de reconduzir a essa posição determinado parlamentar que sobreviveu ao principal dos controles políticos: a eleição."

2 - Vedar a reeleição no Legislativo contraria a tradição

O ministro Gilmar Mendes também assenta no voto a larga autonomia institucional que o Legislativo tem, excetuando-se os períodos autoritários, de modo que a plena liberdade de escolha das Mesas "é de nossa tradição, nisso incluída a possibilidade de reeleição (recondução)."

3 - Proibição que serviu à ditadura

Acontece, ensina Gilmar, que essa tradição institucional foi alterada justamente pela ditadura militar, com o Ato Institucional nº 16, de outubro de 1969, proibindo a reeleição nas Casas Legislativas.

4 - Autonomia organizacional do Legislativo

Neste terceiro fundamento-guia, o ministro Gilmar Mendes esclarece que a autonomia organizacional do Poder Legislativo é norma de estatura constitucional.

5 - Critério objetivo

Outro ponto que fundamenta o voto de Gilmar a favor da reeleição nas Casas do Parlamento é o critério objetivo que valoriza o impacto promovido pela EC 16/97 - que permitiu, justamente, a reeleição do presidente da República, de governadores e prefeitos.

Assim, considerando a EC 16, Gilmar recorda que se passa a ter o critério objetivo de uma única reeleição/recondução sucessiva para o mesmo cargo da Mesa.

É por isso que conclui que os membros das respectivas Casas do Congresso podem, via regra no regimento, deliberar especificamente sobre a matéria, desde que observado, em qualquer caso, o limite de uma única reeleição ou recondução sucessiva ao mesmo cargo da Mesa.

Assim, fixa a tese de que a interpretação sistemática da CF "firma a constitucionalidade de uma única reeleição ou recondução sucessiva de Membro da Mesa para o mesmo cargo, revelando-se desinfluente, para o estabelecimento desse limite, que a reeleição ou recondução ocorra dentro da mesma legislatura ou por ocasião da passagem de uma para outra".

O ministro Marco Aurélio divergiu a defender a proibição da reeleição. O magistrado afirmou que a vedação é "peremptória" e pretende alcançar a alternância de poder, "evitando-se a perpetuação, na mesa diretiva, de certos integrantes".

Ainda os ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber se manifestaram contra a reeleição para o caso. Aduziu-se, para tanto, a aplicação do princípio republicano.

Fala-se que se trata de matéria interna corporis e, em razão disso, não caberia a apreciação do Supremo Tribunal Federal.

Mas ela já está disciplinada no texto constitucional.

Como tal não cabe a aplicação de um direito livre, proativo, que leve o Supremo Tribunal Federal a revogar a norma e dar a ela um objetivo que ela não tem. É proibida a reeleição, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.

Gény (1861-1944) lecionou sobre a libre recherche scientifique, que consistiria numa “pesquisa livre, porque subtraída da ação própria de uma autoridade positiva; pesquisa científica, ao mesmo tempo, porque busca as suas bases sólidas nos elementos objetivos que só a ciência lhe pode revelar” (Méthode d’interprétation et sources em droit privé positif, Paris, 1954, 2ª edição, tomo II, pág. 78). Entretanto, não reconhecia, moderadamente, que dita pesquisa “pudesse criar regras de direito com a mesma latitude que pertence ou ao costume” – que estabelecia o critério científico de sua escola, que era o da indagação praeter legem – ao longo da lei – nunca, porém, contra legem, frontalmente à lei, o que importaria insurreição contra a ordem jurídica vigente, não admitida pela escola moderada de Gény.

Na matéria anoto o que disse o ministro Celso de Mello, no julgamento dos Mandados de Segurança nº 34.574 e nº 34.602:

“A análise do conteúdo material do art. 57, § 4º, da Constituição da República – que não se reveste de caráter fundamental (eis que não se qualifica como princípio sensível de nossa organização política) nem se impõe à observância compulsória dos Estados-membros e Municípios (ADI 792/RJ, Rel. Min. MOREIRA ALVES – ADI 793/RO, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – ADI 1.528-MC/AP, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – ADI 2.262-MC/MA, Rel. Min. NELSON JOBIM – ADI 2.292-MC/MA, Rel. Min. NELSON JOBIM – ADI 2.371-MC/ES, Rel. Min. MOREIRA ALVES – Rp 1.245/RN, Rel. Min. OSCAR CORRÊA, v.g.) – revela que a aplicabilidade de referido preceito normativo somente teria pertinência se atendidos determinados requisitos de ordem objetiva nele inscritos, sob pena de, ausentes tais pressupostos, viabilizar-se, mediante inadmissível extensão analógica de regra vedatória, a incidência de cláusula manifestamente restritiva de direito público subjetivo à candidatura, tal como advertiu o eminente Professor HELENO TAVEIRA TORRES no estudo por mim anteriormente citado:

A aplicação do parágrafo 4º do artigo 57 da CF está condicionada a pressupostos fáticos bem objetivos. Ora, o presidente atual não compunha a Mesa Diretora na condição de presidente (mesmo cargo), não exercia mandato de dois anos e não foi eleito no primeiro ano da legislatura. Logo, como normas de proibição não admitem analogia, qualquer tentativa de impedir sua candidatura resulta em puro arbítrio. ………………………………………………………………………………………… É matéria tipicamente ‘interna corporis’, estranha ao artigo 57, parágrafo 4º, da Constituição Federal e de competência do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD).” (grifei) De outro lado, cabe ter em consideração, na linha do exposto pelo eminente Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO no já mencionado parecer por ele elaborado como Advogado, que, naquelas controvérsias cujas soluções jurídicas mostram-se diversas, impõe-se “(…) privilegiar a interpretação conferida à norma pela própria Casa Legislativa, em respeito à sua independência orgânica” (grifei), pois, como não se desconhece, “(…) O STF, tradicionalmente, reconhece a primazia das Casas na resolução de questões ‘interna corporis’, respeitadas as balizas constitucionais”

Sendo assim já se entendeu que se o artigo 57, § 4º, da Constituição não monopoliza a solução para a controvérsia das reconduções, então há espaço para interpretação; e, na medida em que esse espaço existe, deve ser ele titularizado pelo Congresso Nacional, por uma questão de conformidade funcional.

Desde o momento em que a lei – por deficiência ou ineficiência – viesse a colidir com o direito, ou, ainda, este com os fatos, era legítimo sustentar o direito atuante contra a lei superada (inefetividade da lei), verdadeiro direito à insurreição, legitimando uma resistência passiva, dos súditos pessoalmente afetados, às leis escritas, que violassem, de maneira intolerável, as faculdades essenciais do homem, consagradas pelo direito natural, a fim de que assegurasse “o triunfo da justiça irredutível sobre os caprichos de uma autoridade ultrajantemente opressiva”(Science et technique em droit privé positif, Paris, 1927, 2ª edição, tomo IV, pág. 153, n. XXI).

Ao Judiciário cabe a correta aplicação da lei. Não cabe a ele criar a lei. Isso é tarefa do Legislativo que para tanto dá o direito posto.

É certo que, no passado, o Supremo Tribunal Federal lembrou que lhe cabia “a prerrogativa e necessidade, em ordem a suprir as deficiências ou imperfeições da legislação”(voto do Ministro Edmundo Macedo Ludolf), e, ainda que “o Supremo Tribunal Federal, ao modo da Corte Suprema norte-americana, desempenha, não o papel de um simples Tribunal de Justiça, mas o de uma Constituição permanente, porque os seus deveres são políticos, no mais alto sentido dessa palavra, tanto quanto judiciais”(voto do Ministro Edgar Costa): Pedido de Intervenção Federal nª 14, in Diário da Justiça, de 28 de novembro de 1951, páginas 4.528-9, apud Paulino Ignácio Jacques, Da Norma Jurídica, pág. 39.

Consagrava-se a doutrina de James Beck que, em Conferência que pronunciou em 1922, já havia acentuado que “a Suprema Corte pode ser considerada como estando acima do Poder Legislativo e do Poder Executivo”(in La Constitution des États-Unis, Paris, tradução de M. J. Charpentier, 1923, pág. 150).

Era a linha consagrada por Roger Pinto(Des Juges qui ne gouvernent pas, Paris, 1934, La Cour Suprême et le New Deal, Paris, 1938, e La Crise de l’Etat aux États-Unis, Paris, 1951), quando concluía que o poder normativo dos tribunais continua a se exercer

J. C. Gray entendia que “o direito é composto das regras que as Cortes estabelecem”(in The nature and sources of the law, Nova York, 1938, pág. 84). Nesse ponto acentuava W.J.Brown(The Austinian Theory of Law, Londres, 1926, pág. 334) para quem “ a lei, até ser interpretada pelos tribunais, não constitui realmente direito”.

Está aí base desse poder criativo do direito que é dado a Corte Suprema.

Essa é a conclusão a que pode chegar o Supremo Tribunal Federal com o caso em discussão.

Por fim, deve-se entender que o Supremo Tribunal Federal não está a exercer resposta a consulta realizada por partido político.

Não cabe ao Supremo Tribunal Federal oficiar em consulta.

Esse instrumento no processo constitucional brasileiro pode vir a ser exercido pela Justiça Eleitoral em matéria daquela legislação especial.  

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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