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Natureza jurídica do Hiring Bonus e Stock Options e a sua importância no planejamento tributário na adoção de governanças corporativas meritocráticas no âmbito empregatício

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Agenda 08/12/2020 às 16:40

O presente trabalho tem por objetivo explicar o que são as verbas denominadas Hiring Bonus e Stock Options, bem como a sua natureza jurídica, com o intuito de se averiguar se há ou não, hipótese de incidência tributária, principalmente se deve ser incluíd

NATUREZA JURÍDICA DO HIRING BONUS E STOCK OPTIONS E A SUA IMPORTÂNCIA NO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NA ADOÇÃO DE GOVERNANÇAS CORPORATIVAS MERITOCRÁTICAS NO ÂMBITO EMPREGATÍCIO

 

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo explicar o que são as verbas denominadas Hiring Bonus e Stock Options, bem como a sua natureza jurídica, com o intuito de se averiguar se há ou não, hipótese de incidência tributária, principalmente se deve ser incluída na folha de pagamento para a incidência de contribuição social incidente sobre as verbas remuneratórias. Ademais, pretende-se, com o presente trabalho, apontar como a análise da natureza jurídica dessas verbas, e de outras com cunho remuneratório/indenizatório pode estimular ao empreendedor a adoção de medidas de governança corporativa pautadas na meritocracia.

Palavras-Chave: Direito Tributário. Direito Trabalhista. Hiring Bonus. Stock Options. Natureza Jurídica.

 

LEGAL NATURE OF HIRING BONUS AND STOCK OPTIONS AND ITS IMPORTANCE IN TAX PLANNING IN THE ADOPTION OF MERITOCRATIC CORPORATE GOVERNANCE IN THE EMPLOYMENT SCOPE

 

Abstract: The purpose of this paper is to explain what are the amounts called Hiring Bonus and Stock Options, as well as their legal nature, in order to ascertain whether or not there is a hypothesis of tax incidence, especially if it should be included in the payroll. payment for the incidence of social contribution levied on remuneration. Furthermore, it is intended, with the present work, to point out how the analysis of the legal nature of these funds, and of others with a remunerative / indemnity nature can stimulate the entrepreneur to adopt corporate governance measures based on meritocracy.

Keywords: Tax law. Labor law. Hiring Bonus. Stock Options. Legal Nature.

 

Sumário: 1. Introdução. 2. Os princípios da ordem tributária. 3. Dos tributos. 3.1. Dos impostos. 3.2. Das taxas. 3.3. Das contribuições de melhoria. 3.4. Dos empréstimos compulsórios. 3.5. Das contribuições. 3.6. Das multas. 4. Das contribuições sobre a folha de pagamentos. 4.1. Das verbas remuneratórias e indenizatórias. 4.2. Stock Options. 4.3. Hiring Bonus. 5. Governança corporativa baseada na meritocracia, e a sua relação com as referidas verbas. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.

 

1. Introdução

 

O presente estudo possui o objetivo de analisar a natureza jurídica das verbas denominadas Hiring Bonus e Stock Options, que aos poucos estão sendo implementadas no âmbito do mercado de trabalho, bem como conceituá-las e pontuar a sua importância, principalmente se forem utilizadas como ferramenta de uma governança corporativa pautada pela meritocracia.

Ademais, o estudo pretende, igualmente, analisar a importância da correta classificação de sua natureza jurídica para fins de planejamento tributário, com o intuito de promover a elisão fiscal dentro das balizas legais estabelecidas pelo ordenamento jurídico, evitando-se, desta forma, a evasão ilícita, bem como ulteriores penalidades pelo descumprimento das normas jurídico-tributárias.

A motivação para este trabalho consiste em basicamente dois pilares.

O primeiro deles é, justamente, traçar métodos para amparar a adoção de uma governança corporativa pautada na meritocracia empregatícia. O segundo consiste justamente em promover o correto planejamento tributário dessas verbas com o fito de diminuir a írrita carga tributária que atinge patamares que beiram a imoralidade.

Neste último diapasão, faz-se imperiosa a explanação, mesmo que de forma breve, sobre a importância do profissional que milita no âmbito jurídico-tributário.

O altíssimo índice de êxito em teses tributárias com o intuito de se declarar algum tipo de irregularidade, inconstitucionalidade ou ilegalidade faz com que se crie um cenário atípico de atuação do Fisco, que se dá, em regra, com base na ilegalidade. As diversas teses, como, por exemplo, a exclusão do ICMS/ISS/IPI/CSLL/IRPJ sobre a base de cálculo do PIS/COFINS, a ilegalidade da cobrança da contribuição de 10% sobre os saldos de FGTS depositados na conta de empregados que trabalhem em empresas optantes do Simples Nacional em casos de demissão injustificada, a inconstitucionalidade da adoção de juros moratórios de 0,13% ao dia em dívidas tributárias do Fisco Estadual Paulista, dentre muitas outras verificadas in concreto, apenas servem como parâmetro para fundamentar a assertiva anterior.

Além dessas teses, por vezes é bem comum o próprio Fisco aplicar multas completamente destoantes da realidade, como, multas punitivas de até 225% e moratórias de até 50% em âmbito administrativo.

Este cenário revela o quão importante é o planejamento tributário na rotina empresarial, que depende do lucro para a sua subsistência. Tributo pode ser entendido como um custo da empresa, e, quanto mais custos, menos lucro, e, quanto menos lucro, menos possibilidade de desenvolvimento, e, quanto menos possibilidade de desenvolvimento, menos incentivo há para que os particulares empreendam em atividades que, efetivamente, irão colaborar para o desenvolvimento da nação.

O que mais assusta é a interpretação dada pelo Fisco ante a normalização do ordenamento jurídico dentro da legalidade. Este entende que deixar de atuar na ilegalidade constitui um prejuízo aos cofres públicos, ou seja: entende que mesmo atuando em ilegalidade, tais valores devem ser incorporados ao patrimônio público, independentemente de isto ser jurídico ou não, de ser correto ou não, de ser moral e razoável ou não. É o que se entende de trechos contidos nos próprios Embargos Declaratórios opostos pela Fazenda Nacional, no RE 574.706, que discute, justamente, a exclusão do ICMS sobre a base de cálculo do PIS e da COFINS:

a) Impacto financeiro e orçamentário

Inicialmente, cumpre destacar que, conforme destacado no voto do Ministro Gilmar Mendes, o anexo de riscos fiscais para o ano de 2015, exclusivamente no que diz respeito a incidência do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS – excluído portanto o potencial da tese adotada impactar em outras controvérsias -, chegou aos seguintes valores, com base em informações da Receita Federal do Brasil, para as possíveis restituições: R$ 250.294,05 milhões, até 2015. Tais números, no que tange às perdas, se repetiram na LDO de 2017.

Em que pese, realisticamente, ser extremamente difícil estimar tais dados com precisão, uma vez que há influência de fatores externos ao direito (oscilações da economia), que a própria aplicação da decisão influi no comportamento dos contribuintes e que não se tem dados acerca de quantos ajuizaram demandas em cada data – tendo se baseado o número na suposição de que todos ingressaram em juízo -, é difícil afirmar que exista um superdimensionamento de tais valores. É que, como dito, o potencial de impacto da presente decisão sobre vários tributos que têm seguido a mesma lógica do PIS e da COFINS, incidindo sobre o valor das operações ou sobre faturamento, e a possibilidade de decote de outros valores, com base nos mesmo fundamentos, permitem ao observador atento ser tão pessimista quanto a LDO (ou mais).[1]

 

O que a Fazenda diz, traduzindo para um linguajar mais simplista e próximo da realidade, é que, por exemplo, um sujeito que subtraiu um veículo de outrem, mediante violência ou grave ameaça, não deve arcar com o prejuízo de seu ato, pois a restituição do bem ao real proprietário iria lhe trazer graves prejuízos financeiros, independentemente do prejuízo causado a vítima, que nada teve a ver com a motivação do agente em agir desta forma, reiteradamente e continuadamente, sabendo dos riscos que estava correndo em adotar esse estilo de vida, até ser condenado pela justiça.

Tudo isso serve para explicar a importância do profissional que milita na área tributária, bem como para concretizar a importância deste tema, que busca, justamente, entender se as verbas Hiring Bonus e Stock Options possuem natureza jurídica que permita a sua tributação, pois, conforme vem se reiterando, o contribuinte deve tomar absolutamente todas as medidas para, ao menos, pagar os tributos que efetivamente são legais.

 

2. Dos princípios da ordem tributária

 

Antes de se adentrar no foco do presente estudo, que é, justamente, a análise das verbas Hiring Bonus e Stock Options, soa perfeitamente oportuno explanar traços gerais sobre o funcionamento do direito tributário, principalmente no tocante aos princípios e eventuais conceitos que são de fundamental importância para a compreensão de qualquer assunto relacionado a área tributária.

Neste tópico em específico o objetivo é o de delinear os princípios que regem a ordem tributária, pois, com o respeito dos princípios tributários, haverá a efetividade fiscal, e, caso estes sejam desrespeitados, os atos decorrentes desta relação devem ser considerados ineficazes para a produção de seus regulares efeitos, eis que a sua gênese conta com situações que serviram de fundamento para desnaturar a sua regular harmonia com o ordenamento jurídico, mesmo que estes, efetivamente, tenham respeitado a própria legislação que os embasou.

Segundo Gilmar Mendes, juntamente em autoria com Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, há o entendimento de que os princípios constitucionais em matéria tributária, conexos com os direitos fundamentais, são os seguintes:

a) legalidade formal e material da tributação (arts. 5º, II, e 150, I);

b) irretroatividade da lei tributária e dos critérios ligados à sua aplicação administrativa e judicial (arts. 5º, XXXVI, e 150, III, a);

c) anterioridade da lei tributária em relação ao fato jurígeno tributário, seja a anual, seja a nonagesimal (arts. 150, III, b, e 195 § 6º), também chamado de princípio da não-surpresa;

d) princípio do livre trânsito de pessoas e bens em território nacional, vedada a criação de barreiras estaduais ou municipais (art. 150, V);

e) princípio da isonomia tributária (arts. 5º, I, e 150, II);

f) princípios da capacidade econômica e da pessoalidade dos impostos (art. 145, §1º);

g) princípio do não-confisco (negativa de tributo com efeito confiscatório) a teor dos arts. 5º e 150, IV;

h) princípios da generalidade, universalidade e progressividade do imposto de renda (art. 153, §2º);

i) princípio da progressividade dos impostos sobre a propriedade urbana e rural (arts. 153, §4º, e 156, §1º); e

j) princípio da não-cumulatividade do ICMS e do IPI (arts. 153, §3º, II, e 155, II).

Quanto aos princípios que ele chama derivados do sistema jurídico da Constituição, Sacha Calmon aponta, entre outros, os seguintes:

a) o princípio federativo da uniformidade da tributação federal;

b) o princípio do tratamento fiscal privilegiado para as regiões economicamente subdesenvolvidas e para as microempresas;

c) o princípio da unidade nacional e do mercado comum nacional;

d) o princípio da isonomia entre as pessoas políticas;

e) o princípio da anualidade orçamentária, influindo nos impostos periódicos;

f) o princípio do devido processo legal nas esferas administrativa e judicial, em matéria fiscal;

g) o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional da lei e do ato administrativo normativo de caráter fiscal; e

h) o princípio do sigilo fiscal, bancário e profissional.[2]

 

O breve relance na quantidade de princípios que regem o ordenamento jurídico tributário fazem com que este ramo do direito seja dotado de essencial complexidade e especialidade, não podendo ser confundido como um ramo do direito administrativo, ou do direito financeiro, mas sim entendido como um legítimo ramo autônomo e especializado quanto as questões tributárias.

Todos esses princípios possuem em comum o fato de buscarem maior segurança na relação entre o contribuinte (sujeito passivo) e o Estado (sujeito ativo), pois, este último, goza das benesses do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, o que acaba por desequilibrar a relação jurídica entre ambos. De um lado, o sujeito ativo é capaz de instituir, majorar e cobrar, de forma totalmente unilateral, valores que se originam de situações que descrevem signos presuntivos de riqueza praticados pelo sujeito passivo.

Caso o contribuinte possua um veículo automotor, por exemplo, o Estado poderá instituir, majorar e cobrar o tributo correspondente àqueles que possuam este signo presuntivo de riqueza em seus nomes, sendo devido, neste caso em específico, o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, independentemente de estipulação de algum negócio jurídico que dê ensejo a cobrança destes valores. Ou seja, caso não existisse norma principiológica alguma para regulamentar essa situação, o Estado poderia simplesmente estipular valores desarrazoados para tomar o bem para si, ou criar situações cujas obrigações pecuniárias sejam impagáveis.

Contudo, as obrigações tributárias não são somente as unilaterais: o Estado pode propor um serviço ao contribuinte e cobrar a sua utilização, sendo uma relação perfeitamente bilateral entre ambos.

Esta é a essência de todos os princípios que regem a ordem tributária: dar garantia de que o Estado, com tamanho poder em suas mãos, não abuse deste, e que promova uma pacificação social entre a fiscalização arrecadatória e o contribuinte, mesmo que, na prática, na atual conjuntura que o país se encontra, o contribuinte que não se organiza para honrar as suas obrigações tributárias por vezes não consegue sequer dar continuidade às suas atividades econômicas.

Como o intuito não é de se adentrar em questões deontológicas atinentes à estrutura jurídica tributária, mas sim o de analisar específicas verbas controvertidas, o Hiring Bonus e o Stock Options, a colocação dos princípios tributários existentes, bem como a explanação da essência comum em todos eles já possui suficiente relevância para que se concretize o ideal deste estudo.

 

3. Dos tributos

 

Tributo, de acordo com o artigo 3º da Lei n.º. 5.172/66, Código Tributário Nacional, é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada[3]. Por sua vez, o artigo 5º da mesma lei dispõe que os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Nesta senda, é possível afirmar que impostos, taxas e contribuições de melhoria são espécies do gênero denominado tributo, contudo, além disso, não se pode deixar de lado que as contribuições e os empréstimos compulsórios também integram essa sistemática.

Antes de se adentrar nas minúcias conceituais destas espécies, é forçoso trazer a doutrina à baila para pormenorizar o conceito de tributo, eis que o legislador não é o melhor habilitado para definir e explicar conceitos jurídicos, eis que, por serem representantes eleitos pela população, por vezes acabam não agindo dentro da melhor técnica redativa para sustentar os conceitos jurídicos trazidos pela norma.

O professor Hugo de Brito Machado divide o conceito de tributo em seis elementos, todos eles perfeitamente possíveis de serem extraídos do rol normativo previsto no referido artigo 3º do Código Tributário Nacional, a ver:

a) Toda prestação pecuniária. Cuida-se de prestação tendente a assegurar ao Estado os meios financeiros de que necessita para a consecução de seus objetivos, por isto que é de natureza pecuniária. Não há mais nos sistemas tributários modernos o tributo em natureza, pago em serviços ou em bens diversos do dinheiro.

(...)

b) Compulsória. Pode parecer desnecessário qualificar-se a prestação tributária como compulsória. Não é assim, todavia. Embora todas as prestações jurídicas sejam, em princípio, obrigatórias, a compulsoriedade da prestação tributária caracteriza-se pela ausência do elemento vontade no suporte fático da incidência da norma de tributação. O dever de pagar tributo nasce independentemente da vontade.

(...)

c) Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir. A prestação tributária é pecuniária, isto é, seu conteúdo é expresso em moeda. O Direito brasileiro não admite a instituição de tributo em natureza, vale dizer, expresso em unidade de bens diversos do dinheiro, ou em unidade de serviços. Em outras palavras, nosso Direito desconhece os tributos in natura e in labore.

(...)

d) Que não constitua sanção de ato ilícito. O tributo se distingue da penalidade exatamente porque esta tem como hipótese de incidência um ato ilícito, enquanto a hipótese de incidência do tributo é sempre algo lícito.

(...)

e) Instituída em lei. Só a lei pode instituir o tributo. Isto decorre do princípio da legalidade, prevalente no Estado de Direito. Nenhum tributo será exigido sem que a lei o estabeleça, conforme assegura o art. 150, inciso I, da Constituição Federal.

(...)

Note-se que tal princípio, no que concerne a instituição do tributo, não comporta qualquer exceção. As ressalvas da regra constitucional só dizem respeito à majoração do tributo, não à sua instituição. Coerente com este entendimento é o art. 97 do CTN, no qual está previsto, com especificações, o princípio da legalidade, com explicitação do que está contido no art. 150, inciso I, da Constituição Federal.

f) Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Em geral os administrativistas preferem dizer poder vinculado, em lugar de atividade vinculada. Em virtude, porém, da terminologia utilizada pelo Código Tributário Nacional, faremos referência, aqui, a atividade, que se classifica, evidentemente, de acordo com a natureza do poder de que disponha a autoridade administrativa.

(...)

Dizendo o CTN que o tributo há de ser cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada, quer significar que a autoridade administrativa não pode preencher com seu juízo pessoal, subjetivo, o campo de indeterminação normativa, buscando realizar em cada caso a finalidade da lei. Esta deve ser minudente, prefigurando com rigor e objetividade os pressupostos para a prática dos atos e o conteúdo que estes devem conter. Deve descrever o fato gerador da obrigação tributária, a base de cálculo, a alíquota, o prazo para pagamento, os sujeitos da relação tributária e tudo o mais. Nada fica a critério da autoridade administrativa, em cada caso. Quando a lei contenha indeterminações, devem estas ser preenchidas normativamente, vale dizer, pela edição de ato normativo, aplicável a todos quantos se encontrem na situação nele hipoteticamente prevista. Assim, a atividade de determinação e de cobrança do tributo será sempre vinculada a uma norma.[4]

 

Sempre com respeito a opiniões contrárias, porém, aparentemente a conceituação do ilustre professor se enquadra com mais facilidade à prática e à rotina de atuação no âmbito jurídico-tributário. Ademais, mesmo com a existência da crítica quanto a conceituação jurídica realizada pelo legislador, não parece que este foi infeliz em sua análise, pois, de fato, é, efetivamente, uma prestação pecuniária e compulsória, não decorrente de sanção de ato ilícito, decorrente de lei, e instituída por ato plenamente vinculado.

O tributo é uma prestação compulsória pois o fato típico tributável que gera a obrigação de pagar não decorre de vontade entre as partes. Trata-se simplesmente da geração de uma obrigação pecuniária decorrente da tipificação de um ato previsto em lei através da conduta do particular, como, por exemplo, dado o fato de o sujeito auferir renda, tributar-se-á imposto de renda. Aqui o contribuinte não possui a opção de pagar ou não o imposto de renda, pois a sua atitude enquadrou-se no precedente normativo que resultou na obrigação de pagar. Ou seja, a única forma de o sujeito passivo praticar um ato que não incida em imposto de renda, é, efetivamente, receber algum tipo de provento que não constitua renda.

Também não é sanção de ato ilícito, pois, conforme o exemplo anterior, o ato de auferir renda não constitui um ato ilícito e reprovável pelo ordenamento jurídico, e não há possibilidade de se enquadrar renda como fruto de um ato ilícito. O tributo é, por sua vez, uma obrigação pecuniária livre de quaisquer repercussões da esfera sancionatória do Estado, e é deste conceito que surgem princípios basilares do direito tributário como, por exemplo, o princípio do não-confisco, pois, que razão existiria em confiscar a propriedade do sujeito passivo se ele não cometeu qualquer ato ilícito, mas tão somente não honrou com a obrigação gerada pela prática lícita de um fato típico tributável? Será que o inadimplemento tributário, decorrente de um ato permitido pelo ordenamento jurídico, seria motivo bastante para a prática do forçado confisco? Seria ético, moral e jurídico punir o indivíduo por não ter honrado uma obrigação totalmente amparada ou não proibida por lei?

É justamente deste tópico que surgem críticas quanto o triste entendimento jurisprudencial de criminalização do contribuinte, em casos de inadimplemento fiscal oriundos de ICMS declarado[5].

Decorre de lei justamente para garantir segurança jurídica ao sujeito passivo, que não pode ser surpreendido pelo Estado com o recebimento de uma cobrança espontânea, decorrente de seu livre arbítrio e entendimento de que, em uma determinada conduta incide determinado tributo. São pensamentos como estes que serviram de inspiração para a criação de princípios que garantam mais segurança jurídica ao contribuinte, como o das anterioridades tributárias, por exemplo. Ou seja: na grande maioria dos casos não basta que haja a instituição de tributo ou o seu aumento mediante lei, o sujeito passivo, ainda sim, deve ter ciência, com previsibilidade razoável, da atitude intentada pelo Estado, para que consiga adequar as suas finanças para o impacto negativo que esta alteração de paradigma causará às suas atividades.

Logo, a intenção da norma foi enrijecer e garantir maior previsibilidade ao contribuinte quanto ao aumento ou a instituição de tributos, pois tal medida causará impactos negativos, e, igualmente, flexibilizar medidas que tendem a diminuir ou encerrar com a cobrança de determinados tributos, pois, nesses casos, não há a aplicação das anterioridades outrora citadas, tendo em vista que o beneficiará.

Finalmente, por ato plenamente vinculado é possível extrair o entendimento de que não é razoável que o Estado fuja das normas tributárias que ele próprio criou, ou que dê interpretação criativa às suas normas. Na prática, infelizmente o Estado não respeita com a parte final do conceito que ele próprio criou, pois, conforme citado na introdução deste trabalho, cria-se a impressão de que o Fisco atua dolosamente com essa interpretação criativa. São absurdos exegéticos, como, por exemplo, entender que ICMS, um tributo, possa constituir faturamento da empresa, servindo, portanto, para integrar a base de cálculo cujos fatos geradores decorrem, justamente, da quantificação deste faturamento, como o PIS e a COFINS, que servem de substrato para uma atuação ilegal, até mesmo para a não-efetivação do próprio conceito de tributo que se explicou neste tópico.

Ou seja: o quantum decorrente do ilícito tributário praticado pelo Estado sequer pode ser considerado como um tributo, pois, ao atuar com esta exegética fecunda, acabou por violar o conceito de vinculação administrativa dos atos que ele próprio definiu em lei. A diferença entre o resultado da redução da base de cálculo do faturamento pelo ICMS, para aferir o real valor a título de PIS e de COFINS, por exemplo, não deve sequer ser chamada de tributo, pois não consegue cumprir com a parte final do artigo 3º do Código Tributário Nacional.

E, desta senda, provoca-se: como um valor não tributário pode ser considerado um prejuízo aos cofres públicos?

 

3.1. Dos impostos

 

Imposto, de acordo com o artigo 16 do Código Tributário Nacional, é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.

Para melhor aclarar o conceito legal, trazemos novamente a doutrina do ilustre professor outrora citado.

Não obstante tenha o Código Tributário Nacional dividido os tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria (art. 5º), sua definição de imposto autoriza a afirmação de que está presente nele a ideia de que os impostos são tributos não vinculados, enquanto as taxas e contribuições de melhoria são tributos vinculados. Essa afirmação se faz necessária para justificar nossas referências neste Curso, a uma e a outra dessas duas espécies.

Segundo o Código Tributário Nacional, “imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte” (art. 16). A obrigação de pagar imposto não se origina de nenhuma atividade específica do Estado relativa ao contribuinte. O fato gerador do dever jurídico de pagar imposto é uma situação da vida do contribuinte, relacionada a seu patrimônio, independente do agir do Estado.

Recorde-se que a obrigação tributária em geral, vale dizer, a obrigação de pagar tributo, tem como fato gerador a situação prevista em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência, isto é, uma situação que basta e é indispensável, ao nascimento dessa obrigação.

Em se tratando de imposto, a situação prevista em lei como necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária não se vincula a nenhuma atividade específica do Estado relativa ao contribuinte. Assim, quando o Estado cobra o imposto de renda, por exemplo, toma em consideração, exclusivamente, o fato de alguém auferir renda. Não importa que o Estado tenha ou não prestado algum serviço, executado alguma obra, ou desenvolvido alguma atividade relacionada com aquele de quem vai cobrar imposto.

O exame das várias hipóteses de incidência de impostos deixa evidente que em nenhuma delas está presente a atuação estatal. Pelo contrário, em todas elas a situação descrita pela lei como necessária e suficiente ao surgimento da obrigação tributária é sempre relacionada ao agir, ou ao ter, do contribuinte, e inteiramente alheia ao agir do Estado.[6]

 

Interessante classificação trazida pelo professor Luciano Amaro, que identificou certas características inerentes aos impostos, devem ser trazidas, com o intuito de se enriquecer ainda mais este conceito.

Temos que, em primeiro lugar, os impostos, que, além de atenderem aos requisitos genéricos integrantes do conceito de tributo, apresentam as seguintes características:

a) são instituídos mediante a previsão legal de fatos típicos (em regra descritos na norma definidora de competência), que, uma vez ocorridos, dão nascimento à obrigação tributária;

b) não se relacionam a nenhuma atuação estatal divisível e referível ao sujeito passivo;

c) não se afetam a determinado aparelhamento estatal divisível e referível ao sujeito passivo;

Essas características são identificáveis no plano normativo, e, obviamente, correspondem ao reflexo das meditações feitas no âmbito da ciência das finanças, em que se verificou que alguns tributos – designados pelo ordenamento jurídico positivo como impostos – deveriam prestar-se ao financiamento das atividades gerais do Estado.

Não se objete que isso é classificar segundo razões econômico-financeiras que teriam inspirado o legislador constituinte. Foi a própria Constituição que, expressamente, o fez, quando atrelou o regime jurídico de certos tributos a uma atuação estatal divisível, deixando outros desvinculados de qualquer atividade estatal que, de algum modo, pudesse ser referível ao indivíduo.

O que queremos dizer é que os impostos não incorporam, no seu conceito, a destinação a esta ou àquela atuação do Estado que, de algum modo, possa ser referida ao contribuinte. E a inexistência dessa característica integra o conjunto de notas distintivas dessa espécie tributária.

Os chamados impostos extraordinários (“impostos de guerra”) – que a Constituição prevê no art. 154, II – possuem uma peculiaridade, qual seja o motivo que possibilita sua instituição (a guerra, ou a sua iminência). Sem a presença desse motivo, a instituição do imposto extraordinário será inconstitucional, pois terá desatendido um pressuposto que legitima sua criação. A atuação do Estado (custeio da guerra ou dos preparativos desta) não é, por nenhum tipo de enlace jurídico, referível a nenhum indivíduo ou grupo de indivíduos. Trata-se de uma típica atividade geral do Estado (a exemplo das tarefas ordinárias de segurança por ele executadas) .... Dada a excepcionalidade da situação, a Constituição, traduzida na possibilidade de ela instituir impostos que não estão compreendidos na sua competência ordinária.

Uma ou outra das características dos impostos pode estar presente noutra figura tributária. Assim, a previsão de fato gerador independente de atuação estatal referível ao contribuinte pode estar presente, por exemplo, num empréstimo compulsório, mas aquela nota não é necessária ao conceito deste; ademais, o perfil constitucional do empréstimo compulsório apresenta outras especificidades, não presentes nos impostos. Da mesma forma, o Estado pode prestar serviço público divisível e custeá-lo com a receita oriunda dos impostos, não se podendo aí falar em taxa.[7]

 

Neste contexto, pode-se extrair que a característica principal dos impostos é justamente a passividade do Estado na geração destes. Ou seja, caso o contribuinte venha auferir renda, nascerá a obrigação de pagar imposto de renda independentemente de qualquer atitude ou contraprestação realizada pelo Estado.

É literalmente a tipificação de uma conduta prevista em lei, muito parecido com o sistema utilizado no direito penal. Nesta área ocorre situação extremamente semelhante, pois o Estado punirá o sujeito que praticar o ato descrito no tipo previsto em lei, como, por exemplo, se o sujeito matar alguém, nascerá a obrigação para cumprir uma obrigação penal de reclusão por um período de seis a vinte anos. Por sua vez, o Estado utilizará de mecanismos de execução para efetivar o cumprimento desta obrigação penal, como a utilização da força policial, por exemplo.

A diferença entre o direito tributário e o direito penal é que aquele se debruça para fazer incidir a norma jurídica prevista no tipo legal para punir o agente que o praticou, e, este, se debruça para fazer incidir a norma jurídica prevista no tipo legal para cobrar o agente que o praticou, logo, de acordo com a natureza do imposto, de ser uma obrigação gerada ante uma passividade pelo Estado, entende-se melhor uma das características do tributo, que é, justamente, aquela de que não é sanção por ato ilícito.

Outra importante característica é que o pagamento do imposto não gera ao contribuinte o direito de exigir uma contraprestação por parte do Estado. É muito comum as pessoas acreditarem que ao pagar o IPVA, por exemplo, o Estado deva utilizar dos recursos arrecadados para aprimorar a qualidade nas vias e promover uma educação mais efetiva no trânsito, contudo, tal premissa está equivocada.

Logo, há de se concluir que os impostos possuem uma certa desvinculação a determinado fim colimado pelo contribuinte, ou seja, independentemente da forma que determinado ente público utilizar a receita auferida pelo recebimento destes impostos, não poderá o sujeito passivo pleitear pela implementação de algo, tendo em vista ter pago este tipo de obrigação tributária. Em síntese: nos impostos o contribuinte tem a obrigação legal de pagar, mas não possui o direito de exigir, pelo menos não juridicamente, a reversão destes valores a determinado fim em específico.

É o que diz o artigo 167, IV da Constituição Federal, que traz o princípio da não-afetação a essa espécie tributária:

Art. 167. São vedados:

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

 

Ou seja, retornando ao exemplo do sujeito que pleiteia reformas na via por ter pago o IPVA, a resposta técnica para negar tal pretensão está insculpida no princípio da não-afetação, trazido pelo artigo 167, IV, da Constituição Federal.

É óbvio que o Estado deve utilizar do valor arrecadado pelos impostos para organizar as suas finanças públicas e promover políticas públicas que ajudem na concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados no art. 3º da Constituição Federal, que são, os de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, bem como para promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Por fim, uma característica não só dos impostos, mas de qualquer outro tributo, é que este deve estar previsto em lei, ou seja, a União não poderá exercer a sua competência residual para instituir novos impostos, que devem possuir natureza não-cumulativa e não possuírem fato gerador ou base de cálculo próprios dos descriminados na própria Constituição, por motivos óbvios, através de Portaria, Medida Provisória, Decreto, etc.

 

3.2. Das taxas

 

De acordo com o art. 77 do Código Tributário Nacional, as taxas podem ser cobradas pela União, Estados, Distrito Federal e pelos Municípios, e têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. A própria lei diz, no parágrafo único deste mesmo artigo, que a taxa não poderá ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto, muito menos de ser calculada em função do capital das empresas.

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Nos artigos 78, 79 e 80 a lei explica o que é considerado poder de polícia, como considerar que o serviço foi efetivamente ou potencialmente utilizado pelo contribuinte, e, por fim, especifica que os sujeitos ativos (União, Estados, DF e Municípios) cobrarão as taxas que estiverem permitidas em suas respectivas Leis Maiores. Ou seja, a União poderá cobrar as taxas que estiverem previstas na Constituição Federal, os Estados poderão cobrar as taxas que estiverem previstas na Constituição Estadual, o DF, as que estiverem nas Leis Orgânicas do DF, e, os Municípios, as que estiverem previstas em suas Leis Maiores.

Para vivificar este entendimento, trazemos as lições de Paulo Barros de Carvalho:

Taxas são tributos que se caracterizam por apresentarem, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de uma atividade estatal, direta e especificadamente dirigida ao contribuinte. Nisso diferem dos impostos, e a análise de suas bases de cálculo deverá exibir, forçosamente, a medida da intensidade da participação do Estado. Acaso o legislador mencione a existência de taxa, mas eleja base de cálculo mensuradora de fato estranho a qualquer atividade do Poder Público, então a espécie tributária será outra, naturalmente um imposto.

O direito positivo vigente prevê duas espécies de taxas: a) taxas cobradas pela prestação de serviços públicos; e b) taxas cobradas em razão do exercício de polícia.

a) Taxas cobradas pela prestação de serviços públicos

Sobre tal rubrica é necessário dizer que os serviços públicos ensejadores de taxa são aqueles que se contiverem no âmbito de atribuições da pessoa política que institui o gravame, segundo as regras constitucionais. Os serviços poderão ser efetiva ou potencialmente prestados ao contribuinte, ou postos à sua disposição, conforme anuncia o art. 77 do Código Tributário Nacional. E o parágrafo único desse dispositivo adverte que, além de não poderem ter hipóteses de incidência e bases imponíveis iguais às dos impostos, é vedado cobrá-las em função do capital das empresas, o que é óbvio, porém oportuno consignar, porque se não fora desse modo estaríamos diante de um imposto.

(...)

b) Taxas cobradas em razão do exercício do poder de polícia

A mais da prestação de serviços públicos, as taxas podem ser cobradas sempre que o Estado (acepção lata) exercitar o poder de polícia.

Considera-se poder de polícia, como dispõe o art. 78 do Código Tributário Nacional, a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. E o parágrafo único agrega ser regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Em qualquer das hipóteses previstas para a instituição de taxas – prestação de serviço público ou exercício do poder de polícia – o caráter sinalagmático deste tributo haverá de mostrar-se à evidência, como já lecionara Alberto Xavier e como bem sintetiza Edvaldo Brito, em preciosa colaboração ao 43º Congresso da “International Fiscal Association”.[8]

 

Diferentemente dos impostos, que surgem independentemente de uma ação por parte do Estado, as taxas dependem efetivamente de um agir por parte deste, sob pena de serem confundidas com os impostos. Além do mais, as taxas não podem ser calculadas em função do capital da empresa.

Outra importantíssima característica das taxas, trazida no art. 77 do Código Tributário Nacional, é a de que os serviços públicos remunerados mediante taxa devem ser específicos e divisíveis quando prestados ao contribuinte ou colocados à sua disposição.

Tempos atrás os municípios tinham o costume de instituir uma taxa, denominada Taxa de Iluminação Pública (TIP), com o intuito de promover a iluminação pública das ruas e vias de suas responsabilidades. A fundamentação para a instituição dessas consistia em dizer que a iluminação era, efetivamente, um serviço público que estava sendo prestado ao contribuinte. Neste ponto, razão assistia aos municípios, eis que é possível de se considerar a iluminação pública como um serviço, contudo, será que estes deviam cobrar uma taxa para a remuneração destes? A demanda foi levada a juízo pelos contribuintes, que estavam inconformados pela cobrança desta taxa, eis que essas, em que pese estarem lastreadas em serviços públicos, não poderiam ser específicas e divisíveis, pois, como seria possível mensurar o número de pessoas beneficiadas por este serviço? A jurisprudência entendeu, de forma pacífica, em favor dos contribuintes, tanto que o Supremo Tribunal Federal elencou a Súmula Vinculante n.º. 41, com os dizeres o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa[9].

Tamanha é a importância, para as taxas, da característica da especificidade e da efetiva possibilidade de serem divisíveis aos contribuintes.

Por remuneração do exercício do poder de polícia mediante taxa, podemos citar, por exemplo, as fiscalizações feitas pelo INMETRO, que possuem o condão de adequar os padrões procedimentais das empresas às suas diretrizes de metrologia, qualidade e tecnologia.

 

3.3. Das contribuições de melhoria

 

De acordo com o art. 81 do Código Tributário Nacional, a contribuição de melhoria pode ser cobrada tanto pela União, quanto pelos Estados, DF e Municípios, e são destinadas para fazer face ao custo de obras públicas de que decorram valorização imobiliária, tendo como limite individual o acréscimo de valor de que a obra resultar para cada imóvel beneficiado.

O artigo 82 delimita alguns requisitos para que a contribuição de melhoria possa ser instituída. Na publicação prévia deste tributo deverão estar presentes os presentes requisitos: memorial descritivo do projeto, orçamento do custo da obra, determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição, delimitação da zona beneficiada e determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas.

Duas importantes observações estão contidas nos §§ 1º e 2º do artigo 82. A primeira é que a contribuição deve ser determinada pelo rateio da parcela do custo da obra pelos imóveis que se beneficiarem, e forem valorizados, em decorrência desta. A segunda é que o contribuinte deve ser notificado do montante da contribuição, bem como dos seus prazos, formas de pagamento e dos elementos que integraram o seu respectivo cálculo.

É interessante ressaltar que o Código Tributário Nacional não trouxe um conceito para o que é uma contribuição de melhoria, mas tão somente se debruçou quanto a sua instituição.

Para tanto, valemo-nos da doutrina:

A contribuição de melhoria tem caracterização especial, e por isto mesmo foi tratado como espécie de tributo, distinta do imposto e da taxa.

(...)

Recorde-se que na sistemática do Código Tributário Nacional os tributos em geral podem ser não vinculados, aqueles cujo fato gerador não se liga a nenhuma atividade estatal específica relativa ao contribuinte (os impostos), e os vinculados, aqueles cujo fato gerador está ligado a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte (as taxas e a contribuição de melhoria). Tem-se, portanto, que os impostos não se confundem com as taxas, nem com a contribuição de melhoria, porque o seu fato gerador não se liga a nenhuma atividade estatal específica, enquanto o fato gerador da taxa e o fato gerador da contribuição de melhoria ligam-se a alguma atividade estatal específica relativa ao contribuinte.

A contribuição de melhoria, portanto, é uma espécie de tributo vinculado, vale dizer, tributo cujo fato gerador está ligado a atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Este conceito, porém, também se aplica à taxa. Adiante cuidaremos da distinção que se pode estabelecer entre a taxa e a contribuição de melhoria. Por enquanto, para a formulação do conceito de contribuição de melhoria, diremos apenas que esta espécie tributária tem como elemento essencial de seu fato gerador a valorização imobiliária.

Em face destas considerações, podemos dizer que a contribuição de melhoria é um tributo vinculado, cujo fato gerador é a valorização de imóvel do contribuinte, decorrente de obra pública.

É possível, porém, formularmos outro conceito de contribuição de melhoria, levando em consideração a sua finalidade específica, como instrumento de realização do ideal de justiça. Todos devem contribuir para o atendimento das necessidades públicas, na medida da capacidade econômica de cada um. Para tanto o Poder Público arrecada os tributos e aplica os recursos correspondentes. Nestas aplicações são incluídos os investimentos em obras públicas, e destas muita vez decorre valorização de imóveis. Não é justo, então, que o proprietário do imóvel valorizado em decorrência da obra pública aufira sozinho essa vantagem para a qual contribuiu toda a sociedade. Por isto o proprietário do imóvel cujo valor foi acrescido é chamado a pagar a contribuição de melhoria, com a qual de certa forma repõe no Tesouro Público o valor ou parte do valor aplicado na obra.

Considerando este aspecto, podemos então formular outro conceito. Podemos dizer que a contribuição de melhoria é o tributo destinado a evitar uma injusta repartição dos benefícios decorrentes de obras públicas.

O primeiro desses dois conceitos leva em consideração o ordenamento jurídico subjetivamente, sem perquirição em torno da finalidade dessa espécie tributária.

O segundo, destaca sua finalidade redistributiva.

(...)

Assim, podemos reunir os dois conceitos precedentes, dizendo que a contribuição de melhoria é a espécie de tributo cujo fato gerador é a valorização de imóvel do contribuinte, decorrente de obra pública, e tem por finalidade a justa distribuição dos encargos públicos, fazendo retornar ao Tesouro Público o valor despendido com a realização de obras públicas, na medida em que destas decorra valorização de imóveis.

 

Primeiramente, os impostos surgem de uma relação passiva do Estado, e, as taxas, surgem através da ação do Estado, propondo serviços públicos à população ou exercendo, de forma efetiva, o poder de polícia a que lhe foi incumbido.

A contribuição de melhoria surge, por sua vez, diante de uma ação do Estado, no sentido de reformar ou implementar uma obra pública em determinada região. A depender da obra pública, haverá a valorização dos imóveis daquela localidade, independentemente de qualquer iniciativa feita pelo contribuinte.

Ou seja, é possível dizer que imposto e contribuição de melhoria são opostos. Enquanto o Estado recebe, por intermédio de impostos, sem nada fazer, em contribuições de melhoria, caso não existissem, estaria o contribuinte recebendo uma valorização imobiliária sem nada fazer, o que justifica a sua instituição pelo ordenamento jurídico.

O fato típico que gera a obrigação de o contribuinte ter de pagar as contribuições de melhoria decorre da valorização imobiliária, pois, o artigo 81 do Código Tributário Nacional é específico em dizer que estas serão instituídas para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária. Ou seja: se a obra pública não causar valorização imobiliária, contribuição de melhoria não haverá.

Caso, por exemplo, o Estado construa trens subterrâneos em determinado bairro, com muita possibilidade haverá a valorização dos imóveis que estiverem nas proximidades desta região, pois a mobilidade daquela região será melhorada, o que justificaria a cobrança de contribuições de melhoria. De outro lado, caso o Estado decida construir um presídio, ou um Centro de Detenção Provisória em determinado bairro, com muita possibilidade haveria a desvalorização dos imóveis que estiverem nas proximidades, o que não justificaria a cobrança de contribuição de melhoria.

Ou seja, incumbe ao sujeito ativo a comprovação de valorização do imóvel, sob pena de não restar caracterizada a incidência de contribuição de melhoria. É o entendimento existente em alguns precedentes encontrados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Tributário. Contribuição de Melhoria. Fato gerador. Requisitos de Valorização ou de Benefício. Artigos 18, II, CF/67 EC 23/83, 145, II, CF/88, 81 e 82, do CTN. Falta de prequestionamento. Questão surgida no Acórdão recorrido.

1. Ilegalidade no lançamento de Contribuição de Melhoria sem a demonstração dos pressupostos de valorização ou específico benefício, apropriados à obra pública realizada no local da situação do imóvel.

2. Precedentes jurisprudenciais.

3. Assentou a Corte Especial entendimento no sentido de ser necessário o prequestionamento, ainda que se cuide de violação surgida na própria decisão recorrida. EREsp 8.285/RJ, Rel. Min. Garcia Vieira, in DJU 09.11.98.

4. Recurso parcialmente conhecido e provido.[10]

 

Outro ponto de extrema importância é o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 82. Caso esses não sejam fielmente preenchidos, haverá a desnaturação da contribuição de melhoria por vícios formais. Além disso, é de extrema importância que a cada contribuição de melhoria lançada pelo sujeito ativo haja a publicação de uma lei específica para tanto, pois, caso não haja a publicação desta lei, haveria ofensa ao princípio da legalidade tributária, insculpido no artigo 150, I, da Constituição Federal.

 

3.4. Dos empréstimos compulsórios

 

Os empréstimos compulsórios estão previstos no artigo 148 da Constituição Federal, e há somente duas hipóteses para a sua instituição, todas elas mediante lei complementar: para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência, e no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional.

Vejamos o que diz a doutrina sobre o tema:

O empréstimo compulsório é um ingresso de recursos temporário nos cofres do Estado, pois a arrecadação acarreta para o Estado a obrigação de restituir a importância que foi emprestada. Aqui, mais uma vez, deparamo-nos com o qualificativo da compulsoriedade, que já examinamos ao tratar do conceito de tributo e ao cuidar das taxas de serviços. Na locução “empréstimo compulsório” (que a doutrina também costuma designar como “empréstimo forçado”), o adjetivo quer expressar que o nascimento da obrigação de prestar (a título de empréstimo, embora) é determinado (forçado) pela lei, não sendo, pois, fruto da vontade dos sujeitos da relação jurídica.

(...)

Os recursos arrecadados devem ser destinados ao atendimento das despesas que fundamentaram a instituição do empréstimo (art. 148, parágrafo único). Embora o dispositivo constitucional se refira a despesas, o preceito parece-nos aplicável também aos empréstimos para investimentos (art. 148, II).

(...)

Em suma, a União tem competência para instituir o empréstimo compulsório, atrelado ou não a uma atividade estatal dirigida ao contribuinte, mas só pode exercitar essa competência se presente um dos motivos previstos. À lei (complementar) que instituir o empréstimo compulsório caberá definir-lhe o fato gerador.[11]

 

Os recursos captados pelos empréstimos compulsórios deverão necessariamente ser vinculados à despesa que fundamentou a sua instituição, ou seja, caso algum país declare guerra contra o Brasil, poderá haver a instituição de empréstimos compulsórios para financiar, por exemplo, a aquisição de armamento bélico, nuclear, equipamentos e veículos diversos, como aviões e tanques de guerra, por exemplo. Ademais, o empréstimo compulsório não serve tão somente para cobrir despesas, mas, igualmente, para servir como capital de investimento.

A própria nomenclatura do empréstimo compulsório traduz a sua transitoriedade nos cofres públicos, pois os valores arrecadados deverão ser devolvidos aos contribuintes. Um exemplo de empréstimo compulsório foi o instituído em favor da ELETROBRÁS[12], por intermédio do Decreto-Lei n.º. 1.512, de 28 de dezembro de 1976. Neste caso o empréstimo foi instituído sobre o consumo de energia elétrica verificado em cada exercício.

Os créditos deveriam ter sido corrigidos monetariamente, e, o pagamento do empréstimo compulsório aos consumidores prejudicados deveria ter sido feito em duodécimos. Além do mais, no vencimento deste empréstimo, ou antecipadamente, por decisão da Assembleia Geral da ELETROBRÁS, o crédito do consumidor poderia ser convertido em participação acionária, emitindo, a empresa, ações preferenciais nominativas de seu capital social. As ações convertidas teriam cláusula de inalienabilidade até o vencimento do empréstimo, podendo a ELETROBRÁS, suspender essa restrição por decisão de sua Assembleia Geral.

Por fim, outra característica deste empréstimo compulsório foi a de que consumidores industriais de energia elétrica cujo consumo mensal fosse inferior a 2.000 kwh não seriam obrigados ao pagamento deste tributo.

O prazo para restituição deste empréstimo compulsório por parte do contribuinte é de cinco anos, conforme estipula o art. 1º do Decreto n.º. 20.910/1932.

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.[13]

 

Outra importante característica é a de que a Constituição não elegeu quais seriam as hipóteses de incidência para o empréstimo compulsório, logo, o legislador estaria livre para fazer incidir o empréstimo compulsório inclusive sobre fatos geradores oriundos de outros tributos.

 

3.5. Das contribuições

 

As contribuições estão previstas no art. 149 da Constituição Federal, sendo a União a exclusiva competente para instituí-las. Subdividem-se, de acordo com o texto constitucional, em contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e para o interesse das categorias profissionais ou econômicas. Ademais, o texto constitucional não excluiu as contribuições de seguridade social, muito menos as contribuições sociais gerais.

Para conceituá-las, traz-se, então, a doutrina.

 

Com características ora de imposto, ora de taxa, as contribuições ditas paraestatais, ou sociais, ou de previdência, constituem para a doutrina jurídica, nacional e estrangeira, um ponto de intermináveis controvérsias.

(...)

Diante da vigente Constituição, portanto, pode-se conceituar a contribuição social como espécie de tributo com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse de categorias profissionais ou econômicas e seguridade social.

É induvidosa, hoje, a natureza tributária dessas contribuições. Aliás, a identificação da natureza jurídica de qualquer imposição do Direito só tem sentido prático porque define o seu regime jurídico, vale dizer, define quais são as normas jurídicas aplicáveis.[14]

 

As contribuições são tributos, que não podem ser confundidas com os impostos, já que estes não possuem vinculação com uma determinada contraprestação estatal, em razão do princípio da não afetação outrora citado. Também não se confundem com as taxas, pois essas são devidas em razão do exercício regular do poder de polícia, ou da instituição de algum serviço público prestado ou colocado à prova do cidadão. Não se confundem, igualmente, com as contribuições de melhoria, que são aquelas destinadas a evitar o enriquecimento indevido do particular que teve valorização imobiliária em decorrência de alguma obra estatal que beneficie a localização. Muito menos são empréstimos compulsórios, pois a característica principal destes é a sua transitoriedade junto aos cofres públicos, ocasião em que o contribuinte poderá restituir o valor tomado pelo Estado após a normalização da situação que o ensejou.

Ou seja, excluindo-se as características das outras espécies tributárias, é possível induzir o conceito de que as contribuições são tributos afetados a determinada contraprestação estatal com propósito de custeio específico, não decorrentes do exercício regular do poder de polícia ou da instituição de serviços públicos prestados ou postos à disposição do contribuinte, cuja a arrecadação é definitiva em favor do ente público e não visa o equilíbrio econômico decorrente de valorização por obras públicas em favor do contribuinte.

A principal característica das contribuições, é, sem sombra de dúvidas, a sua afetação a determinado propósito em específico, sem as quais as contribuições instituídas não podem prevalecer, tendo em vista a possibilidade de serem vistas como impostos travestidos de outra roupagem.

Para tornar-se mais didática a característica da afetação que possuem as contribuições sociais, com o intuito de comprovar que esta é a principal delas, analisemos, pois, o caso da discussão sobre a inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º. 110, de 29 de junho de 2001, que trouxe, em seu art. 1º, o seguinte:

Art. 1o Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.[15]

 

Trata-se da afamada multa de 10% sobre o FGTS em casos de demissão injustificada. Na prática, quando ocorre a demissão injustificada de um empregado, o empregador deve verter aos cofres públicos uma contribuição no valor de 40% a título de FGTS, valor este destinado a uma conta vinculada a Caixa Econômica Federal em nome do próprio empregado, e, mais uma contribuição social no importe de 10%, prevista na referida Lei Complementar, com destinação integral ao FGTS de valor equivalente à arrecadação, conforme dispõe o artigo 13 desta Lei.

O motivo ensejador para a criação desta Lei Complementar, de acordo com o Projeto de Lei Complementar n.º. 195, de 2001, era, justamente, o seguinte:

A proposição apresentada tem por finalidade complementação dos saldos do FGTS decorrente das perdas verificadas na implementação dos Planos Verão e Collor I, tendo em vista o reconhecimento pelo Poder Judiciário da procedência desse prejuízo. Tais valores são estimados em R$ 43 bilhões de reais, a serem cobertos com recursos das seguintes fontes:

1. Contribuição social devida nos casos de despedida sem justa causa, destinada ao FGTS, de 10% dos depósitos referentes ao Fundo;

2. Criação de uma contribuição social de 0,5% sobre a folha de salários das empresas não participantes do SIMPLES, destinada ao FGTS (não abrangendo pessoas físicas empregadores de empregados domésticos e de empregados rurais);

3. Utilização de parte das disponibilidades já existentes no FGTS;

4. Deságio de 10% a 15%, concedido pelos trabalhadores com complementos de atualização monetária cujos valores estejam acima de R$ 1.000,00; e

5. Contrapartida do Tesouro Nacional correspondente a R$ 6 bilhões.[16]

 

Comentou-se, em um artigo, sobre a finalidade de tal contribuição.

Primeiramente, a referida contribuição social nasceu por conta de um “acordo geral”, realizado entre os representantes dos empregados (confederações sindicais), “representantes” dos empregadores (confederações sindicais patronais) e com representantes do governo (presidente da república), com o intuito de se cobrir um prejuízo de aproximadamente R$ 43 bilhões de reais aos cofres do FGTS, causado pelo ajuizamento de ações pelos sujeitos prejudicados pelos planos Verão e Collor I.

Como disse o próprio deputado federal Sr. Antonio Carlos Mendes Thame, em exercício em meados de 2006, mais uma vez, os empregadores foram chamados a pagar a conta dos planos econômicos que, além de não lograrem êxito, trouxeram inúmeros prejuízos à população, notadamente aos trabalhadores.[17]

 

Contudo, com o decorrer do tempo, houve a perda de finalidade da referida contribuição, eis, que a própria Caixa Econômica Federal emitiu um estudo dizendo que os prejuízos já haviam sido acobertados. Logo, se prejuízo não há, a finalidade da lei, que era, justamente, a de cobrir os prejuízos, também não existia, a ver:

Diante desse fato, foi constatada a necessidade de o Fundo de Garantia constituir “funding” suficiente ao pagamento desses Créditos Complementares, a época estimado em R$ 40 bilhões.

Em janeiro de 2007, a CAIXA realizou o crédito da sétima e última parcela do FGTS, no valor de R$ 626,3 milhões para 334 mil contas vinculadas, nas contas de todos os trabalhadores que firmaram Termo de Adesão às condições contidas na Lei Complementar 110/01, cumprindo na sua plenitude o Maior Acordo do Mundo, como ficou conhecido.

E os números são significativos: foram fornecidos mais de 113,8 milhões de extratos, de aproximadamente 122 milhões de contas vinculadas, que estavam em 78 Bancos e 28 sistemas diferentes; recepcionadas 32,2 milhões de adesões; realizados em torno de 85,4 milhões de créditos, envolvendo o montante de 40,3 bilhões. Desse total, R$ 32,4 bilhões ingressaram na economia por meio dos saques realizados pelos trabalhadores.

Essa conquista constiuiu-se num dos maiores desafios da história da CAIXA, que realizou com maestria a coordenação e a execução das principais atividades necessárias à elaboração e ao cumprimento da mencionada lei.[18]

 

Para piorar a situação, no dia 25/07/2013, a ex-presidente, Sra. Dilma Rousseff, vetou o Projeto de Lei 200/2012 que possuía o objetivo de abolir a referida contribuição. O veto por contrariedade ao interesse público, ocorreu, pois a abolição desta contribuição acarretaria em um impacto de R$ 3 bilhões de reais ao ano, resultando na redução de investimento em importantes programas sociais, como o programa minha casa, minha vida. Ora, mas a intenção da LC 110/01 não era a de criar fundos para programas sociais, mas sim de reestrutura os prejuízos causados pelos planos econômicos.

MENSAGEM Nº 301, DE 23 DE JULHO DE 2013.

Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar integralmente, por contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei Complementar nº 200, de 2012 (nº 198/07 no Senado Federal), que "Acrescenta § 2º ao art. 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, para estabelecer prazo para a extinção de contribuição social".

 Ouvidos, os Ministérios do Trabalho e Emprego, do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda manifestaram-se pelo veto ao projeto de lei complementar conforme as seguintes razões:

"A extinção da cobrança da contribuição social geraria um impacto superior a R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) por ano nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, contudo a proposta não está acompanhada das estimativas de impacto orçamentário-financeiro e da indicação das devidas medidas compensatórias, em contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal. A sanção do texto levaria à redução de investimentos em importantes programas sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FI-FGTS. Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são majoritariamente os próprios correntistas do FGTS."

Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Este texto não substitui o publicado no DOU de 25.7.2013[19]

 

Diante deste cenário, os contribuintes foram ao Poder Judiciário com o intuito de obterem a declaração de inexistência de relação jurídico-tributária perante a União, eis que estava havendo a cobrança de uma contribuição social cuja finalidade já tinha sido extinta. Toda essa exemplificação para consolidar o entendimento de é de fundamental importância que as contribuições sejam dotadas de finalidade, sob pena de incorrerem em inconstitucionalidade.

Apenas para enriquecer ainda mais o intrigante tema das contribuições, que é, justamente, o foco desta pesquisa – pois, conforme se demonstrará, as verbas Stock Options e Hiring Bônus são, efetivamente, contribuições sociais –, a taxa de iluminação pública, citada anteriormente, que havia sido declarada por inconstitucional, fora substituída pela Contribuição sobre a Iluminação Pública (COSIP), perfeitamente cabível e exigível no ordenamento jurídico.

 

3.6. Das multas

 

As multas decorrem de inobservância da norma tributária, decorrente do não cumprimento de uma obrigação principal ou acessória que a legislação se refere.

Em se tratando de um dever e não de um direito contra o contribuinte, este deve ser interpretado de forma restritiva, ou literal. De acordo com a Teoria Geral do Direito, apenas as normas que geram direitos devem ser interpretadas de forma ampliativa, e nunca o contrário.

Tanto é que o artigo 112 do Código Tributário Nacional dispõe que a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se de maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à capitulação legal do fato, à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos, à autoria, imputabilidade ou punibilidade, bem como à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.

Por sua vez, de acordo com o art. 113, §1º do CTN, a multa é uma obrigação principal, e extingue-se juntamente com a satisfação do crédito dela decorrente.

Trazemos à baila o entendimento doutrinário:

Ilícito administrativo tributário é o comportamento que implica inobservância de norma tributária. Implica inadimplemento de obrigação tributária, seja principal ou acessória.

O ilícito tributário diz-se de conteúdo patrimonial quando implica o não pagamento, total ou parcial, do tributo. Sem conteúdo patrimonial é o ilícito consistente no inadimplemento de simples obrigação acessória.

A definição dos ilícitos tributários constantes da legislação brasileira, seja federal, estadual ou municipal, é casuística, e por isto mesmo extremamente complexa e inadequada. Como o descumprimento de certas obrigações acessórias induz a presunção de descumprimento, também, da obrigação principal, em muitas situações o valor de penalidades cominadas para o descumprimento de obrigações acessórias é estabelecido em função da operação a que diz respeito a obrigação acessória descumprida ou do valor do imposto cujo pagamento supostamente não foi feito.

A aplicação de penalidades pecuniárias, portanto, há de ser feita com cuidado, para que não sejam cometidas graves injustiças. As leis tributárias geralmente estabelecem penalidades específicas para o descumprimento de obrigações acessórias, com valores fixos ou com indicações de limites mínimo e máximo, mas sem vinculação com o imposto ou com o valor de qualquer operação tributável. São as chamadas multas por infrações formais. Se o contribuinte pode demonstrar que o imposto foi pago, afastando, portanto, aquela presunção de inadimplemento da obrigação principal, é esta a multa cabível, e não aquela fixada em função do valor do imposto ou de sua base de cálculo.

 

O direito tributário é um ramo legítimo do direito público, e, sendo assim, todas as normas e princípios deontológicos de direito administrativo lhe são aplicáveis, principalmente os princípios da supremacia do interesse público sobre o privado, e, igualmente, o da indisponibilidade dos bens e direitos fazendários/estatais.

Em decorrência destes princípios, há o entendimento jurisprudencial, e, de boa parte, doutrinário, que caminha no sentido de permitir que o Estado detenha a prerrogativa de estipular multas mais altas que as aplicadas na seara privada, tendo em vista que o inadimplemento tributário causa um dano à sociedade como um todo, e o inadimplemento privado causa dano à tão somente uma das partes deste tipo de relação jurídica.

É importante salientar, todavia, que a multa não deve estar revestida de caráter arrecadatório, muito menos confiscatório, de acordo com o art. 150, IV, da Constituição Federal, eis que, sequer os próprios tributos podem ter contornos confiscatórios.

Inspirados naquele entendimento, não é anormal os órgãos fazendários criarem legislações que impliquem multas altíssimas, muitas vezes maiores que os próprios tributos que estão sendo discutidos.

De acordo com a Lei n.º. 9.430 de dezembro de 1996, no bojo de seu artigo 44, há as seguintes disposições:

Art. 44.  Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:

I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata:

II - de 50% (cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal:

a) na forma do art. 8o da Lei no 7.713, de 22 de dezembro de 1988, que deixar de ser efetuado, ainda que não tenha sido apurado imposto a pagar na declaração de ajuste, no caso de pessoa física

b) na forma do art. 2o desta Lei, que deixar de ser efetuado, ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano-calendário correspondente, no caso de pessoa jurídica.

§ 1o  O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.[20]

 

Ou seja, caso seja constatado que o contribuinte, por exemplo, tenha declarado um tributo à menor do que deveria, e, sendo constatado o dolo, o Fisco poderá aplicar-lhe multa de 150% sobre o valor lançado de ofício.

Se, igualmente, o contribuinte não obtiver homologação em uma compensação de créditos com débitos tributários, ser-lhe-á aplicada, de acordo com o inciso II, do art. 74 da IN n.º. 1.717, de 17 de julho de 2017, multa de 150% (cento e cinquenta por cento) sobre o valor total do débito tributário indevidamente compensado, quando ficar comprovada a falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo. Continua o referido dispositivo, em seu §2º que a multa a que se refere o inciso II do §1º passará a ser de 225% (duzentos e vinte e cinco por cento) nos casos de não atendimento, pelo sujeito passivo, no prazo marcado, de intimação para prestar esclarecimentos ou para apresentar documentos ou arquivos magnéticos[21].

Ou seja, se houver a junção de ambos os cenários, contra o contribuinte pode haver a imputação de multas de até 375% (trezentos e setenta e cinco por cento) sobre o crédito tributário.

É certo que a leitura superficial destes dispositivos indica que o contribuinte agiu com dolo ou com má-fé, contudo, na prática, e se houver um erro de interpretação contábil nas atividades da empresa? E, se, como comumente ocorre, a contabilidade da empresa simplesmente não avisar o contribuinte desta pendência e deixar passar o processo administrativo para averiguação desta situação, e este ser surpreendido com uma execução fiscal, restrição junto aos órgãos de crédito e protestos extrajudiciais junto aos cartórios de notas e de títulos, com valores astronômicos? Será que isto seria justiça fiscal?

Por fim, a interpretação de ter o contribuinte agido com dolo ou má-fé, é subjetiva e decorre do próprio entendimento da fiscalização, que instaura o procedimento e, igualmente, o julga. Sendo este procedimento dotado de alguns traços inquisitivos, a presunção do Fisco de ter o contribuinte agido desta forma seria presumivelmente verdadeira a ponto de permitir a instrução de uma execução fiscal já praticamente indiscutível em âmbito judicial? Diz-se praticamente indiscutível pois esta será executada com esses valores que o Fisco entende serem devidos, e, que, para que o contribuinte possa discutir, deve garantir integralmente o juízo, mesmo que não concorde com esses valores, ou, como ocorre normalmente, mesmo quando não possui condições financeiras de depositar o valor em juízo.

Além do mais, mesmo que o contribuinte tenha realmente agido de má-fé, se a multa possui caráter sancionatório, e não confiscatório, tampouco arrecadatório, será que que realmente é possível aceitar e permitir a aplicação de multas que podem superar em até aproximadamente quatro vezes o valor do próprio tributo?

É certo que o entendimento jurisprudencial limita multas moratórias em até 20% sobre o valor do tributo, e multas punitivas em até 100% sobre o valor do tributo, conforme visão pacificada trazida por esses precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. MULTA MORATÓRIA DE 30%. CARÁTER CONFISCATÓRIO RECONHECIDO. INTERPRETAÇÃO DO PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO À LUZ DA ESPÉCIE DE MULTA. REDUÇÃO PARA 20% NOS TERMOS DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE.

1. É possível realizar uma dosimetria do conteúdo da vedação ao confisco à luz da espécie de multa aplicada no caso concreto.

2. Considerando que as multas moratórias constituem um mero desestímulo ao adimplemento tardio da obrigação tributária, nos termos da jurisprudência da Corte, é razoável a fixação no patamar de 20% do valor da obrigação principal.

3. Agravo regimental parcialmente provido para reduzir a multa ao patamar de 20%.[22]

 

TRIBUTÁRIO – MULTA – VALOR SUPERIOR AO DO TRIBUTO – CONFISCO – ARTIGO 150, INCISO IV, DA CARTA DA REPÚBLICA.

Surge inconstitucional multa cujo valor é superior ao do tributo devido.

Precedentes: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 551/RJ – Pleno, relator ministro Ilmar Galvão – e Recurso Extraordinário nº 582.461/SP – Pleno, relator ministro Gilmar Mendes, Repercussão Geral.

(...)

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MULTA TRIBUTÁRIA – CONFISCO – OCORRÊNCIA – PRECEDENTES – PROVIMENTO

1. O Tribunal de origem manteve a cobrança de multa tributária, prevista em lei estadual, no percentual de 120% do valor da obrigação principal. Assentou não implicar inconstitucionalidade previsão legal de penalidade pecuniária em patamar superior ao valor do próprio tributo, ausente o caráter confiscatório da sanção.[23]

 

Ou seja, de início, a referida multa de ofício, que pode atingir patamares de até 375%, é perfeitamente discutível em âmbito judiciário, contudo, o processo de execução fiscal não traz, em seu bojo, a totalidade do processo administrativo, mas tão somente uma CDA embasada em um cipoal de artigos de lei, resoluções e portarias.

Por conta do sigilo fiscal, cumulado com a necessidade de se garantir o juízo, a defesa desse neste de situação torna-se, além de injustamente onerosa, excessivamente complexa e dificultada.

Este autor acredita que haveria mais justiça fiscal se houvesse a obrigatoriedade de se instruir o processo de execução com a cópia integral de todos os atos dos processos administrativos que embasam os autos de infração, e que lastreiam a Certidão de Dívida Ativa que serve de supedâneo extrajudicial para a conjugação da pretensão potestativa fazendária. Em segundo plano, este autor acredita, igualmente, que a mera colocação de uma série de artigos de lei, portarias e de resoluções, dificultam, igualmente, a defesa do contribuinte em sede de execução fiscal, tendo em vista que, não raras vezes, tais dispositivos sequer trazem o real enquadramento da tipicidade tributária que se verificou no caso concreto do contribuinte-devedor.

Por fim, não há, nas execuções fiscais federais, a indicação dessas multas aplicadas por parte da Receita Federal, o que torna todo o processo de exação extremamente confuso e duvidoso em sua legalidade e honestidade, bem como quanto ao real enquadramento com os ditames constitucionais do não-confisco.

Contudo, como o foco da presente monografia não é a discussão sobre as multas tributárias[24], entende-se que a conceituação, localização da previsão normativa e eventuais provocações sobre o tema servem de forma idônea para o fiel entendimento do que passará a aduzir.

 

4. Das contribuições sobre a folha de pagamentos.

 

Conforme vimos anteriormente, as contribuições são tributos afetados a determinada contraprestação estatal com propósito de custeio específico, não decorrentes do exercício regular do poder de polícia ou da instituição de serviços públicos prestados ou postos à disposição do contribuinte, cuja a arrecadação é definitiva em favor do ente público e não visa o equilíbrio econômico decorrente de valorização por obras públicas em favor do contribuinte.

Igualmente, elas podem se dividir em diversas modalidades, e que incidem em diversas ocasiões distintas, como a Contribuição sobre a Iluminação Pública (COSIP), que visa financiar, justamente, a iluminação pública; Contribuições para o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (FUNTTEL), que visa estimular o processo de inovação tecnológica bem como ampliar a competitividade de indústria brasileira de telecomunicações; Contribuições de Intervenções no Domínio Econômico no âmbito de Combustíveis (CIDE-Combustíveis), que possui natureza extrafiscal, incidente sobre a importação e a comercialização de gasolina, diesel e respectivas correntes, entre outros tipos de combustíveis; dentre muitas outras.

Dentre as mais variadas contribuições sociais existentes, a que mais interessa para o presente estudo é, justamente, a Contribuição sobre as Folhas de Pagamento[25], prevista na lei 8.212/91, que objetiva elucidar diretrizes no tocante a organização e de custeio da Seguridade Social.

De acordo com o art. 22, I, da referida lei, a contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social é de vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidade e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato, ou, ainda, de convenção ou de acordo coletivo de trabalho ou de sentença normativa[26].

A contribuição sobre a folha de pagamento está diretamente relacionada com o entendimento sobre o que recebe o empregado a título de verbas remuneratórias, ou aquelas que visam retribuir o trabalho efetivamente prestado por este. Por decorrência lógica, as verbas de natureza indenizatória devem ser excluídas da alíquota de 20% sobre a referida folha de pagamento.

Dentro de uma folha de pagamentos há um cipoal de verbas, e, dentre essas, há a existência tanto de verbas de natureza remuneratória[27] quanto aquelas de natureza indenizatória[28], sendo assim, faz-se necessária uma análise pormenorizada das folhas de pagamento da referida empresa, com o intuito de se excluir as referidas verbas indenizatórias sobre a base de cálculo da Contribuição sobre as Folhas de Pagamento, reduzindo, desta forma, o valor do tributo, e, igualmente, gerando um crédito que pode ser compensado administrativamente, via PER/DCOMP[29] perante a Receita Federal.

Contudo, praticamente todas as empresas que não se enquadrem no Simples Nacional[30] necessitam da referida revisão, eis que, quem é competente para realizar a referida apuração são os profissionais contábeis. A contabilidade, e toda a atuação dos profissionais contábeis, por sua vez, é regida por princípios, dentre eles, o princípio da prudência, e, este é disposto da seguinte forma:

Art. 10. O Princípio da PRUDÊNCIA determina a adoção do menor valor para os componentes do ATIVO e do maior para os do PASSIVO, sempre que se apresentem alternativas igualmente válidas para a quantificação das mutações patrimoniais que alterem o patrimônio líquido.

Parágrafo único. O Princípio da Prudência pressupõe o emprego de certo grau de precaução no exercício dos julgamentos necessários às estimativas em certas condições de incerteza, no sentido de que ativos e receitas não sejam superestimados e que passivos e despesas não sejam subestimados, atribuindo maior confiabilidade ao processo de mensuração e apresentação dos componentes patrimoniais.

Art. 11. A inobservância dos Princípios de Contabilidade constitui infração nas alíneas “c”, “d” e “e” do art. 27 do Decreto-Lei n.º 9.295, de 27 de maio de 1946 e, quando aplicável, ao Código de Ética Profissional do Contabilista.[31]

 

A norma que rege a atuação contábil baliza a atuação destes profissionais no sentido de agirem com precaução, dado os nefastos efeitos de um erro contábil de apuração, que, conforme vimos no tópico 3.6, podem gerar graves consequências em termos de infração tributária. O que acaba ocorrendo na prática é justamente a aplicação da alíquota de 20% da CPP sobre toda a folha de pagamento, incluindo, desta forma, as verbas de natureza indenizatória, fazendo aumentar sobremaneira o valor a ser pago pelo contribuinte. Por fim, caso esses profissionais contábeis não atuem dentro desses princípios, cometem infrações éticas, que podem gerar até mesmo a sua suspensão ou cassação para o exercício das suas atividades.

Logo, tendo em vista que a análise sobre a natureza jurídica de verbas remuneratórias e indenizatórias não compete à contabilidade, mas sim ao direito, compete, justamente, aos advogados[32] realizarem este tipo de análise. É necessário neste ponto, portanto, compreender o que são verbas remuneratórias e verbas indenizatórias, e, para isto, devemos nos valer das doutrinas e entendimentos atinentes ao ramo do Direito do Trabalho.

 

4.1. Das verbas remuneratórias e indenizatórias

 

De acordo com os artigos 457 e 76 da Consolidação das Leis do Trabalho[33], tem-se que remuneração alberga, além dos salários, para todos os efeitos legais, toda verba destinada pelo empregador para efetivar a contraprestação de um serviço, bem como as gorjetas que este receber. Salário, por sua vez, é a contraprestação paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço.

Maurício Godinho Delgado, por sua vez, ensina:

2. Remuneração: definição e distinções

A cultura justrabalhista pátria tem conferido pelo menos três sentidos diferenciados à palavra remuneração. Trata-se de acepções obviamente próximas, embora guardando certa especificidade entre si.

A primeira dessas acepções praticamente identifica, como visto, o conceito de remuneração ao de salário, como se fossem expressões equivalentes, sinônimas. A lei, a jurisprudência e a doutrina referem-se, comumente, ao caráter remuneratório de certas verbas, classificam parcelas como remuneratórias, sempre objetivando enfatizar a natureza salarial de determinadas figuras trabalhistas. Em harmonia a essa primeira acepção, utiliza-se no cotidiano trabalhista, reiteradamente, a expressão remuneração como se possuísse o mesmo conteúdo de salário.

A segunda dessas acepções tende a estabelecer certa diferenciação entre as expressões: remuneração seria o gênero de parcelas contraprestativas devidas e pagas ao empregado em função da prestação de serviços ou da simples existência da relação de emprego, ao passo que salário seria a parcela contraprestativa principal paga a esse empregado no contexto do contrato. Remuneração seria o gênero; salário, a espécie mais importante das parcelas contraprestativas empregatícias.

Finalmente, há uma terceira acepção, que alarga um pouco mais a diferenciação entre as figuras. Essa terceira acepção está fundada no modelo sugerido pelo texto dos arts. 76 e 457, caput, da CLT.

De fato, a Consolidação teria construído para a palavra salário tipo legal específico. Ele seria o conjunto de parcelas contraprestativas devidas e pagas diretamente pelo empregador ao empregado, em virtude da relação de emprego (arts. 457, caput, e 76, CLT). Ou seja, para esta noção celetista de salário será essencial a origem da parcela retributiva: somente terá caráter de salário parcela contraprestativa devida e paga diretamente pelo empregador a seu empregado.[34]

 

Já Amauri Mascaro Nascimento repara na correta interdisciplinaridade existente entre o direito do trabalho com outras áreas do direito, como os ramos do direito tributário e previdenciário.

A relatividade da noção de salário dificulta a sua definição, mas não há dúvida que salário é um conceito jurídico, não apenas econômico, é uma categoria (Coutourier), importando não só para o direito do trabalho, mas para o direito de previdência social e para o direito tributário.

Esses reflexos interdisciplinares levam a uma concepção ampla de salários, mas que não pode ser tão larga a ponto de desestimular certas concessões do empregador, especialmente sob a forma de serviços e utilidades, sob esse ângulo sendo desaconselhável uma visão salarial universalizante.

(...)

No sentido econômico, salário é a contraprestação do trabalho, considerado este como o conjunto da força dos trabalhadores utilizada pelo capital.

Há uma tendência, denominada como a teoria do salário social, que considera salário, de modo amplo, toda retribuição da sociedade para o trabalho.

Porém, no âmbito do contrato individual de trabalho, a definição de salário tem uma finalidade prática para designar, dentre os dois grandes tipos de pagamentos resultantes do mesmo, indenizações e salários, quais são os que se enquadram naquela ou nesta classificação. A finalidade é prática em razão dos reflexos do salário, porque todo pagamento que tiver essa natureza é sobrecarregado com encargos devidos à Previdência Social e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, bem como serve de base para cálculo de outras obrigações devidas pelo empregador ao trabalhador.

Não têm natureza salarial as indenizações, a participação nos lucros, os benefícios e complementações previdenciárias e os direitos intelectuais.

Salário é o conjunto de percepções econômicas devidas pelo empregador ao empregado não só como contraprestação do trabalho, mas, também, pelos períodos em que estiver à disposição daquele, aguardando ordens, pelos descansos remunerados, pelas interrupções do contrato de trabalho ou por força de lei.

(...)

Indenização é a reparação de danos. Não se confundem com salário as indenizações de dispensa sem justa causa e outras, como as diárias e ajudas de custo, cuja natureza é também a de ressarcimento de gastos do empregado, movimentando-se em serviço. Diárias e ajudas de custo são, portanto indenizações.[35]

 

Renato Saraiva também ensina, identificando até mesmo uma fórmula para a remuneração, que:

Remuneração consiste no somatório da contraprestação paga diretamente pelo empregador, seja em pecúnia, seja em utilidades, com a quantia recebida pelo obreiro de terceiros, a título de gorjeta.

Nesse contexto, pela análise do art. 457 consolidado, podemos extrair a seguinte fórmula:

REMUNERAÇÃO = SALÁRIO + GORJETA

Frise-se que o salário é a contraprestação paga diretamente pelo empregador, seja em dinheiro, seja em utilidades (alimentação, habitação etc.).

Já as gorjetas são sempre pagas em dinheiro e por terceiros, não sendo pagas pelo próprio empregador.

A remuneração é característica da onerosidade contratual, visto que um dos requisitos caracterizadores da relação de emprego é a onerosidade, ou seja, o recebimento de contraprestação salarial pelo obreiro em função do serviço prestado ao empregador.[36]

 

Em um artigo produzido pelo próprio autor, este conceituou, que:

 

Mesmo com esse extenso rol de possibilidades para realizar a verificação se determinada verba é indenizatória ou não, o legislador não conseguiu abarcar o universo total das verbas que o obreiro recebe. Cita-se, por exemplo, o aviso-prévio: se for trabalhado, as verbas serão remuneratórias? E se for indenizado, as verbas serão consideradas indenizatórias para não incidência das contribuições previdenciárias?

Logo, conclui-se que o legislador quis indicar que as verbas indenizatórias são aquelas que o empregado recebe sem que haja prestação de atividade ou serviço, ou seja, decorre de algum fato alheio à atividade estabelecida na relação empregatícia. Com isso, conclui-se que esse extenso rol, também é aberto, exemplificativo ou ampliativo.

Desta conceituação inicial, conclui-se que o aplicador do direito é livre para analisar a natureza jurídica remuneratória ou indenizatória de determinada verba percebida pelo obreiro, para tanto, basta verificar se a mesma decorre ou não de uma contraprestação por uma atividade realizada.

Logo, a continuação da análise se debruçará sobre as verbas indenizatórias mais controvertidas, eis que, quando pagas como se remuneratórias fossem, geram o direito subjetivo no contribuinte de reavê-las, através de pagamento em precatório ou compensação tributária.[37]

 

É possível, após a análise doutrinária, sintetizar, com segurança, que, as verbas remuneratórias são todas aquelas que decorrem da contraprestação de um trabalho realizado pelo empregado. Assim sendo, o próprio salário é uma verba remuneratória, por exemplo, pois, o obreiro trabalhou e o recebeu. De igual modo, o aviso-prévio trabalhado, também é uma verba remuneratória, pois, para que o obreiro faça jus a ela, tem que trabalhar durante este período.

E é sobre as verbas remuneratórias que haverá a incidência da alíquota de 20% sobre a CPP, nas folhas de pagamento de empresas optantes do Lucro Real ou do Lucro Presumido.

Já as verbas indenizatórias são aquelas que o obreiro recebe independentemente da contraprestação de um serviço, para cobrir-lhe custos que não decorrem exclusivamente de sua rotina laborativa. Assim sendo, o aviso-prévio indenizado, por exemplo, como o próprio nome diz, é uma verba indenizatória, pois o obreiro recebe independentemente de trabalhar o período. Já as diárias são, igualmente, verbas indenizatórias, pois servem para cobrir custos não relacionados com o seu trabalho.

Sobre as verbas indenizatórias não incidem a referida CPP sobre as folhas de pagamento.

Basicamente é esta a análise que o operador do direito tem que fazer sobre as últimas sessenta folhas de pagamento[38], observando, verba a verba, a sua natureza jurídica, bem como, verba a verba, o valor que fora pago indevidamente, levantando este crédito, que, conforme dito, pode ser compensado via administrativa, ou, mediante a interposição de mandado de segurança, após sentença judicial transitada em julgado, para conferir maior segurança jurídica[39] ao contribuinte.

Assim sendo, a recomendação aos profissionais que decidirem atuar nesta área é que somente realizem a compensação de verbas que já estão pacificadas em âmbito judicial[40], e que discutam, previamente, por meio de ação anulatória de débito fiscal, ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária, ou, até mesmo, mandado de segurança[41] das que ainda não foram pacificadas em âmbito jurisprudencial. Nesta ação, o contribuinte deverá solicitar a medida liminar ou a tutela de urgência para que o Fisco obste de incluir as referidas verbas sobre a incidência da CPP, bem como a segurança, ou a confirmação da tutela de urgência, para que o contribuinte não mais incida as referidas verbas, bem como declare o direito à compensação desses créditos, de acordo com o art. 170-A do Código Tributário Nacional c/c. Súmula 212 do STJ.

Além do mais, de acordo com o novo entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, é possível a compensação de verbas, mesmo que antes do trânsito em julgado, de verbas já pacificadas pela jurisprudência, o que aumenta a segurança jurídica deste serviço, e de outros, de mesma natureza, ao contribuinte.

CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – COFINS

Data do fato gerador: 15/08/2001

Ementa:

PIS. BASE DE CÁLCULO. INCONSTITUCIONALIDADE DO §1º DO ARTIGO 3º, DA LEI Nº 9.718/98, QUE AMPLIAVA O CONCEITO DE FATURAMENTO. NÃO INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO SOBRE RECEITAS NÃO COMPREENDIDAS NO CONCEITO DE FATURAMENTO ESTABELECIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PREVIAMENTE À PUBLICAÇÃO DA EC º 20/98.

A base de cálculo do PIS e da COFINS é o faturamento, assim compreendido a receita bruta das vendas de mercadorias, de serviços e de mercadorias e serviços de qualquer natureza. Inadmissível o conceito ampliado de faturamento contido no §1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, uma vez que referido dispositivo foi declarado inconstitucional pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).

Diante disso, não poderão integrar a base de cálculo da contribuição as receitas não compreendidas no conceito de faturamento previsto no art. 195, I, “b”, na redação originária da Constituição Federal de 1988, previamente à publicação da Emenda Constitucional, de 1998.

COMPENSAÇÃO. PEDIDO REALIZADO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO EM FAVOR DO CONTRIBUINTE. QUESTÃO DE CONTEÚDO QUE DEVE SE SOBREPOR À FORMA. PREVALÊNCIA DA RATIO DECIDENDI DE PRECEDENTE PRETORIANO DE CARÁTER VINCULANTE COM A ADEQUAÇÃO DO DISPOSTOI NO ART. 170-A DO CTN.

Embora o pedido de compensação perpetrado pelo contribuinte tenha se contraposto à literalidade do art. 170-A do CTN, ao final do processamento judicial a lide por ele proposta foi julgada procedente, com base em precedente vinculante do STF. (RE n. 357.950) o que, por sua vez, faz convocar em seu favor o disposto nos artigos 489, §1º inciso VI, 926 e s.s., todos do CPC/2015, bem como o disposto no art. 62, §1º, inciso II, alínea “b” do RICARF e, ainda, ao prescrito no art. 2º, inciso V da Portaria PGFN n. 502/2016.

Recurso voluntário provido para sujeitar a Administração Pública ao precedente vinculante do STF (RE. 357.950). Pedido de compensação a ser analisado pela instância competente apenas para fins de apuração quanto a adequação do montante compensado.[42]

 

Assim sendo, passemos a análise das controvertidas verbas Stock Options e Hiring Bonus.

 

4.2. Stock Options

 

O Stock Options é uma espécie de incentivo concedido aos colaboradores de uma empresa, com o intuito de reter talentos dentro de seus planos de escalonamento de carreira. Trata-se de uma benfeitoria concedida pela empresa, no sentido de conceder suas ações ou de propiciar opções de venda facilitadas, justamente para a concretização do fim de bonificar a atuação de um bom profissional.

Mesmo com todas as crises experimentadas pelo Brasil, trata-se de fenômeno recente e que vem sendo utilizado cada vez mais por empresas de grande porte, tanto de capital aberto, quanto de capital fechado.

Para maior elucidar, veja-se uma reportagem que explica com perfeição sobre o que se trata a referida verba:

Stock options, ou remuneração baseada em ações (em sentido amplo), é uma figura relativamente recente no mercado brasileiro, ainda sem legislação específica. Muito embora o termo “stock options” seja utilizado de forma genérica para as diversas modalidades de remuneração baseada em ações, trata-se de uma modalidade específica desse remuneração, juntando-se a outras modalidades praticadas no mercado, a exemplo das “restricted shares units” (RSUs), “phantom shares” e “matching shares”.

O principal objetivo da remuneração baseada em ações é engajar o profissional no desenvolvimento e crescimento da empresa, de forma que a valorização da empresa e, consequentemente de suas ações, traga benefícios não somente à empresa, mas também ao profissional participante do plano de ações. Assim, cria-se uma “cultura de prosperidade” (“ownership”) nos profissionais com relação à empresa, sendo esse o principal fato motivador da adoção dessa modalidade de remuneração.

Muito embora inicialmente fossem restritos a executivos e profissionais de cargos gerenciais, os planos de remuneração baseada em ações tiveram sua abrangência expandida, podendo beneficiar, em alguns casos, todos os profissionais de uma empresa. Esses planos podem ser locais ou globais, sendo que a maioria das empresas multinacionais que atuam no Brasil utiliza planos globais criados e administrados pelas suas matrizes no exterior, seja porque não possuem capital aberto no Brasil, seja pelos custos de implementação e administração de um plano local em comparação aos globais, que já possuem regras e mecanismos de controle apurados.

Nos últimos anos, no entanto, vemos uma movimentação cada vez maior de empresas brasileiras, tanto de capital aberto quanto fechado, no sentido de criar planos locais de remuneração baseada em ações, alinhando-os à sua estratégia de governança.[43]

 

Em um artigo produzido através da colaboração feita por Priscila da Costa de Paula, Ricardo Victor Ferreira Bastos e Ana Paula Gesing, há a corroboração de que as referidas verbas são, na verdade, utilizadas pelas empresas de capital aberto ou fechado com o intuito de estimular sócios e colaboradores para o engajamento nas atividades mercantis:

Corroborando o que fora dito, Nereu Miguel Ribeiro Domingues observa que o objetivo desse plano é tornar os colaboradores espécies de sócios da empresa e estimulá-los a se comprometer cada vez mais com o negócio em que estão inseridos.

(...)

Como se vê, stock options pode ser entendida como uma verdadeira opção de compra de ações conferidas ao empregado pelo empregador de acordo com condições estabelecidas em planos previamente divulgados, possuindo, na maioria dos casos, condições de aquisições de ações de modo privilegiado. Esses planos permitem que, numa data futura, o empregado exerça esse direito de compra nos termos definidos pelo plano que funciona como uma espécie de manual.[44]

 

Já em outra colaboração feita à Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET (Organização Paranaense de Ensino Técnico em Curitiba), também há o mesmo entendimento, no sentido de que stock options são benfeitorias concedidas aos empregados e colaboradores das empresas de capital aberto ou fechado, por intermédio de ações ou por opções à compra de ações:

Stock Options, no sentido que é empregado pelo Direito Estrangeiro, significa “opção de ações” (DAL MAS, 2008, p. 19). A economia americana utiliza-se como forma de pagamento beneficiário aos trabalhadores, o qual, por meio da disponibilização de lotes de ações, o funcionário pode se tornar um acionista da empresa para a qual presta serviços ou possui contrato de trabalho estabelecido (SPERB e SILVA, 2012, p.1).

As Stock Options são, em tradução simples, as “opções de ações” concedidas pelas empresas a seus empregados, administradores e fornecedores, que acabam por torna-los sócios das instituições em que trabalham, ou com a qual tenham prévios contratos firmados, por meio da aquisição destas ações.

Assim, perante os beneficiários dos planos, o que realmente se busca, sejam eles empregados, terceirizados ou fornecedores, é a fidelização a longo prazo, de forma que se comprometam com os resultados da empresa, viabilizando a retenção de talentos (MOREIRA, QUINTELA e SAVASSI), 2013, p.33).

Mais especificamente as Stock Options são planos oferecidos por determinadas empresas a seus empregados, com objetivo de proporcionar a opção de compra futura de suas ações, ofertadas por valor prefixado e, normalmente, inferior ao de mercado, após um período de carência previamente estipulado. A ideia é motivar os empregados, fazendo-os agir como proprietários da empresa, trabalhando no sentido de maximizar o seu valor.[45]

 

Assim, não há dúvidas que stock options trata-se de uma benfeitoria eventual concedida ao colaborador e ao empregado. Sendo assim, antes de nos posicionarmos sobre a sua natureza jurídica para fins de incidência tributária na CPP sobre as folhas de pagamento, importante é observarmos tanto o entendimento administrativo quanto jurisprudencial da questão.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, caminha, através de diversos precedentes, no sentido de que as referidas vantagens são dotadas de natureza salarial, e, portanto, devem integrar a base de cálculo da CPP e de outros tributos:

APURAÇÃO SOBRE STOCK OPTIONS. LEGITIMIDADE DA EMPRESA AUTUADA.

A empresa autuada é quem deve figurar no polo passivo do lançamento, pois é com ela que mantinham vínculos de prestação de serviços os segurados beneficiados com as outorgas de direito de compra de ações, além de que, conforme os registros contábeis, foi esta empresa quem suportou as despesas decorrentes das referidas outorgas.

PLANOS DE OPÇÕES DE COMPRA DE AÇÕES (STOCK OPTIONS). CARÁTER REMUNERATÓRIO. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES.

Incidem contribuições previdenciárias sobre os ganhos que os segurados obtêm pelo exercício do direito de compra de ações quando se caracteriza a inexistência de risco para o beneficiário.

No caso sob apreço, inexistia qualquer desembolso quando do fechamento dos contratos de opção entre a empresa e seus diretores e estes poderiam ao final do período de carência exercer as opções a valor simbólico, estando isentos de qualquer risco de perda.

A ocorrência do fato gerador para a verba em questão se dá quando da transferência das ações ao patrimônio dos beneficiários, que se concretiza no momento do exercício do direito de compra.[46]

 

O Fisco entendeu, em síntese, que, como as referidas opções privilegiadas foram fornecidas tão somente aos empregados da empresa, trata-se de uma verba que decorre por conta de uma contraprestação havida entre empregado e empregador, sendo, portando, o referido ganho, incorporado ao salário-de-contribuição para fins de incidência da CPP sobre as folhas de pagamento.

Contudo, já o entendimento jurisprudencial diverge do entendimento administrativo. O Tribunal Superior do Trabalho, em alguns precedentes, vem entendendo pelo caráter indenizatório da referida verba, tendo em vista o risco de o obreiro poder aferir lucro ou não em decorrência das variações do mercado acionário, o que detém nítido caráter mercantil:

4. STOCK OPTIONS. O programa pelo qual o empregador oferta aos empregados o direito de compra de ações (previsto na Lei de Sociedades Anônimas, n. 6404/76, art. 168, § 3º) não proporciona ao trabalhador uma vantagem de natureza jurídica salarial. Isso porque, embora a possibilidade de efetuar o negócio (compra e venda de ações) decorra do contrato de trabalho, o obreiro pode ou não auferir lucro, sujeitando-se às variações do mercado acionário, detendo o benefício natureza jurídica mercantil. O direito, portanto, não se vincula à força de trabalho, não detendo caráter contraprestativo, não se lhe podendo atribuir índole salarial.[47]

 

Antes de se adentrar quanto a análise sobre a natureza jurídica da referida verba, é importante ressaltar que são cinco os elementos que constituem o vínculo empregatício: pessoalidade, não-alteridade, subordinação, habitualidade e, por fim, onerosidade.

O elemento da pessoalidade dispõe que o empregado é insubstituível para determinada função, ou seja, deve realizar o serviço de forma direta e pessoal. Já o requisito da não-alteridade decorre da não assunção dos riscos do negócio empresarial por parte do empregado, ou seja, se a empresa vir a ruir por conta de algum risco, mesmo assim ela estará obrigada a pagar as verbas trabalhistas que decorrerem desse tipo de relação. Subordinação, por sua vez, é o requisito que dispõe a obrigatoriedade do empregado em acatar as ordens do seu empregador, por ser ele juridicamente (e não economicamente ou tecnicamente) avalizado para tanto, sob pena de infrações ao contrato de trabalho, e eventual culminação de demissão por justa causa. Habitualidade é o elemento que predispõe uma previsibilidade objetiva de frequência do obreiro na rotina empregatícia. Por fim, o requisito da onerosidade pressupõe que o empregado deve receber a contraprestação pelo serviço prestado junto ao empregador, sob pena de não se verificar uma legítima relação empregatícia[48].

É importante a análise desses elementos, tendo em vista que a natureza jurídica salarial ou indenizatória de determinada verba decorrerá justamente de uma atividade que seja lastreada em todos os cinco elementos outrora citados. Na ausência de um ou mais deles, a verba, consequentemente, não poderá ser observada como possuidora de uma natureza salarial para fins de incidência da CPP sobre as folhas de pagamento.

Salário, por exemplo, é uma verba previsível e eventual, que decorre da existência de um legítimo vínculo empregatício com todos os seus elementos, decorrente do elemento habitualidade outrora estudado. A verba stock options não cumpre o requisito da habitualidade, tendo em vista ser uma bonificação que pode o empregador conceder ou não, e, portanto, não pode ser enquadrada com natureza salarial.

Além do mais, a referida verba não cumpre o requisito da não-eventualidade.

O salário, por exemplo, deverá ser pago ao obreiro independentemente da crise financeira que a empresa venha ser acometida, já a stock options é uma opção para uma ação que está sujeita a todas as variações do mercado de valores mobiliários.

Caso o empregado seja bonificado com uma dessas ações, eventual prejuízo que venha a obter com a manutenção desta em suas finanças pessoais não poderia ser exigido da empresa, por não ser razoável enquadrá-la com natureza salarial. Ou seja: Se adquiriu uma ação por R$ 50,00 e, após alguns meses, por conta da crise que a empresa experimentou, o valor da ação fora reduzido para R$ 25,00, a diferença negativa por conta do risco enfrentado pela empresa não poderia ser exigida por intermédio do poder judiciário trabalhista. Logo, o empregado assume os riscos de eventual prejuízo ao receber as referidas stock options.

Por conta da ausência desses dois elementos imprescindíveis do vínculo empregatício, o enquadramento correto deve ser a de natureza indenizatória, não incidindo, portanto, a CPP sobre as folhas de pagamento e eventual tributação reflexa.

 

4.3. Hiring Bonus

 

O bônus de contratação, ou hiring bonus, diferentemente do stock options, não possui a intenção de manter o empregado dentro da governança de carreira que a empresa adota, mas sim a de atrair novos talentos aos seus negócios.

O Banco Safra, por exemplo, em seu Programa de Recrutamento Trainee Safra 2019, dispôs, como benefícios, após a sua conclusão, o seguinte: Job Rotation personalizado de acordo com a posição a ser ocupada, curso intensivo de mercado financeiro, envolvimento com os executivos desde o processo de seleção, acompanhamento de carreira durante todas as etapas, MBA ou pós-graduação após a conclusão do programa, remuneração de R$ 6.800,00, participação nos lucros e resultados adicional ao salário e ao décimo terceiro, e, por fim, incentivo de contratação, ou hiring bonus, no valor de R$ 20.000,00[49], ou seja, um incentivo de quase três vezes o valor da remuneração mensal que se pretende pagar ao trainee.

Clara é a intenção do Banco Safra, neste exemplo, de atrair trainees talentosos para integrarem os seus quadros e solidificarem uma carreira dentro da referida instituição financeira.

Em uma reportagem da revista Migalhas, há a interessante conceituação sobre a referida verba:

Diante de um cenário econômico pautado pela escassez de profissionais altamente qualificados e pela crescente competitividade entre as empresas por estes profissionais, as empresas têm adotado diversas estratégias de atração de candidatos, dentre as quais o pagamento do bônus de contratação ("hiring bônus").

O bônus de contratação consiste no pagamento de determinada verba, acordado entre a empresa e determinado profissional, visando sua efetiva contratação. O pagamento acontece antes do início da prestação de serviços, e tem como objetivo atrair o profissional e cobrir as eventuais vantagens do antigo emprego.

A adoção de tais estratégias no cenário corporativo repercute no mundo jurídico, pois as empresas começam a ser questionadas pela Fiscalização quanto à natureza jurídica desta verba.

Isto porque, de acordo com a legislação trabalhista, a habitualidade, a periodicidade e a uniformidade com que são pagos os bônus constituem os elementos caracterizadores da sua natureza salarial. Assim, se o empregador pagar bônus habitualmente, periodicamente e como contraprestação do serviço, o valor pago deve ser considerado como verba de natureza salarial (salário) e, consequentemente, base de cálculo para os encargos trabalhistas (13º, férias e FGTS, etc.).

Interpretação similar à trabalhista pode ser adotada no âmbito previdenciário quanto ao pagamento de bônus, pois o artigo 201 da CF, em seu § 11º, determina que os ganhos habituais devem incorporar o salário, originando a obrigatoriedade do recolhimento das contribuições previdenciárias. Dessa forma, a habitualidade configura-se como principal pressuposto para a incorporação de um pagamento no salário do empregado.

Por sua vez, o §9º do artigo 28 da lei 8.212/91 e decreto 3.048/99 (artigo 214, inciso IV, § 9º, letra “j”) descrevem, de forma expressa, todas as verbas que estão excluídas da base de cálculo da incidência da contribuição previdenciária e há previsão de isenção quanto ao pagamento de gratificação eventual.

Especificamente, em relação ao pagamento de bônus de contratação, existem decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais1 recentes (não se trata de entendimento pacífico ou majoritário) no sentido de que o pagamento de bônus de contratação/luvas tem natureza indenizatória e, portanto, não estaria sujeito à incidência da contribuição previdenciária.

Enfim, ainda que a jurisprudência administrativa e judicial não tenha adotado um posicionamento pacífico sobre o tema, seria possível defender que o pagamento de bônus de contratação não está vinculado ao contrato de trabalho e não possui caráter contraprestacional, o que por si afasta a exigência da contribuição previdenciária.[50]

 

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, entende, de forma não pacificada, que a referida verba possui, também, natureza salarial, tendo em vista que o pagamento se dá como forma de retribuir o trabalho, conforme se extrai da ementa e de parte do voto da Relatora Dra. Elaine Cristina Monteiro e Silva Vieira:

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. BÔNUS DE CONTRATAÇÃO (HIRING BÔNUS). PAGAMENTO VINCULADO A PERMANÊNCIA DO EMPREGADO NA EMPRESA E EM SUBSTITUIÇÃO DAS VANTAGENS SALARIAIS DEVIDAS DURANTE O PERÍODO DO LABOR. PARCELA DE NATUREZA SALARIAL. INCIDÊNCIA.

Tendo em vista que o pagamento do bônus de contratação se deu de forma a retribuir os trabalhos prestados na empresa contratante, com expressa determinação contratual de que o mesmo substitui e engloba todas as vantagens que o empregado poderia auferir no exercício de suas funções junto ao contratante, além de exigir-lhe tempo mínimo de permanência na empresa, é de se reconhecer a natureza salarial da verba, devendo compor a base de cálculo das contribuições previdenciárias lançadas.

(...)

Entendo que somente os pagamentos que não guardam relação com o contrato de trabalho podem ser tidos por ganhos eventuais desvinculados, devendo decorrer de condições específicas de um trabalhador, como por exemplo destinação de valores em eventos de doença e outros sinistros fortuitos, sem relação direta ou indireta pela prestação de serviços.

Não há dúvida de que o pagamento de bônus de contratação  - Hiring bônus, ou mesmo, gratificação em razão da admissão do empregado (utilizados por algumas empresas) tem relação direta com o vínculo contratual estabelecido entre as partes, e o seu principal objetivo é atrair profissionais para o quadro funcional da empresa, representando, a bem da verdade, um pagamento antecipado pela futura prestação de serviço do trabalhador.

Assim sendo, observa-se que o referido bônus, nada mais é que um artifício para atrair trabalhadores valorizados em seu segmento profissional, funcionando como um diferencial em relação aos concorrentes. Por esse motivo, mesmo que a recorrente tente rotulá-la como mera liberalidade, a rubrica em questão ostenta, no seu âmago, uma ponta de contraprestação, posto que tem por desiderato oferecer um atrativo econômico ao obreiro com este firmar o vínculo laboral.[51]

 

Contudo, dentro do próprio acórdão existiu divergência.

O voto vencido da Conselheira Ana Paula Fernandes teve o entendimento muito semelhante ao que demos para realizar a análise jurídica das stock options:

A meu ver, mantendo posicionamento que já adotei em outros julgamentos, a exemplo do acórdão 9202004.308 – 2ª Turma, esta questão não gera dúvidas quanto a não aplicabilidade de contribuição previdenciária pela expressa não ocorrência do fato gerador do tributo em questão: Trabalho.

Observe-se que o pagamento em questão (bônus de contratação), ocorre antes da relação de emprego ser instaurada. Se ocorre antes, logo não representa a contraprestação de um trabalho realizado pelo empregado, pois este ainda nem é empregado da empresa.

A própria Consolidação das Leis do Trabalho – CLT não trata desse instituto, por não a considerar sob a rubrica de remuneração advinda do exercício de um trabalho.

E por que a Justiça do Trabalho não considera o bônus de contratação como remuneração advinda de relação de trabalho? Por que no momento em que ela é operacionalizada, falta-lhe o elemento fundamental da relação de emprego – habitualidade.

E por que a Justiça Federal Previdenciária não admite o bônus de contratação como salário de contribuição? Por que, da mesma forma, falta-lhe o elemento da habitualidade para configurar a existência da relação de emprego da qual decorre a remuneração tributável. O argumento principal está na Constituição Federal, que prevê expressamente em seu artigo 201, § 11, que “os ganhos habituais devem incorporar o salário, originado obrigatoriamente o recolhimento de contribuições previdenciárias”. A Constituição Federal, berço do custeio do Sistema de Regime Geral da Previdência Social não engloba verbas eventuais, ao contrário, as excetua. Assim, resta claro que, no caso em tela, não estamos tratando de ganhos habituais, portanto, estes não podem incorporar o salário de contribuição do empregado.[52]

 

Contudo, em que pese haver divergência em âmbito administrativo, fato é, que a maioria dos precedentes ali havidos caminham no sentido de conferir natureza salarial a referida verba.

No âmbito judicial, o mesmo entendimento sobre dotar a referida verba com traços de natureza salarial também é verificado em boa parte dos precedentes encontrados, conforme se verifica:

2. BANCÁRIO. HIRING BÔNUS. LUVAS. NATUREZA JURÍDICA.

Este Tribunal Superior entende que a parcela em debate possui caráter salarial, porque constitui reconhecimento pelos desempenho e resultados alcançados pelo profissional em sua carreira, equiparando-se às luvas do atleta profissional. É irrelevante o fato de seu pagamento ocorrer uma única vez. As luvas não correspondem a uma indenização, pois não visam o ressarcimento, a compensação ou a reparação de nenhuma espécie, mas, sim, caracterizam resultado do patrimônio que o trabalhador incorporou à sua vida profissional. [53]

Conforme o que fora explicado, a natureza jurídica do bônus de contratação não pode ser salarial, eis, que, não estão presentes os requisitos da habitualidade, indispensáveis para a perfectibilização do vínculo empregatício. Ademais, se a verba é paga antes mesmo de iniciar-se a relação empregatícia, como se tratar de verba salarial, que é paga em decorrência, justamente, da existência desse tipo de relação?

Há de se considerar que o referido bônus possui a clara intenção de gratificar o talentoso obreiro pelo fato de ter este confiado a sua carreira à determinada empresa. De acordo com a súmula 203 do próprio Tribunal Superior do Trabalho, a gratificação por tempo de serviço integra o salário para todos os efeitos legais, e, igualmente, a súmula 207 do Superior Tribunal Federal dispõe que as gratificações habituais, inclusive a de Natal, consideram-se tacitamente convencionadas, integrando o salário.

A intenção das duas súmulas ora citadas é a de justamente conferir natureza salarial a verbas que habitualmente são pagas ao empregado, e não àquelas que são eventualmente conferidas ao obreiro.

Para fins de planejamento tributário, o contribuinte deve ser orientado no sentido de fazer incidir a CPP sobre as folhas de pagamento na rubrica da referida verba, contudo, o profissional do direito não deve se calar ante este entendimento, e deve buscar incansavelmente a mudança deste entendimento, sob pena de desestimular a sua utilização pelo mercado, fazendo com que algo que deveria ser positivo tanto aos empregados quanto aos empregadores caia em desuso.

 

5. Governança corporativa baseada na meritocracia, e a sua relação com as referidas verbas

 

Governança Corporativa é o conjunto de ações e políticas adotadas por uma empresa, com o intuito de dirigir as suas ações com os seus colaboradores, acionistas, sócios, diretores, clientes, órgãos de fiscalização do Estado, dentre outros:

Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre os sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.

As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recurso e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum.[54]

 

Alguns princípios fundamentais para implementação de uma governança corporativa, são: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa.

Transparência traduz-se na disponibilização de todas as informações que interessem as partes envolvidas com a empresa, não se restringindo somente a questões financeiras e econômicas, mas deixando claros todos os fatores que nortearam a adoção de determinada ação gerencial. Equidade significa o tratamento isonômico entre todas as partes interessadas nas atividades da empresa, sejam os sócios, stakeholders, colaboradores, diretores, etc. Prestação de contas ou accountability pressupõe que os agentes detentores das posições de gestão dessa governança devem prestar contas de modo claro, objetivo, compreensível e tempestivo, sempre assumindo as consequências de seus atos, principalmente se estiverem eivados de inverdades ou omissões. Responsabilidade corporativa traduz-se no sentido de que os referidos agentes devem atuar sempre para promover o aumento de externalidades positivas de suas transações, reduzindo as negativas, sempre levando-se em consideração o seu modelo de negócios, as partes envolvidas, bem como os prazos para retorno dos investimentos alocados, sejam eles de curto, médio ou longo; em síntese: pressupõe que a empresa atue com diligência e assuma os riscos de eventuais prejuízos que a sua atividade venha causar a interessados no prosseguimento do negócio.

Para a efetiva implementação de um sistema pautado em boas governanças corporativas, é possível a utilização de mecanismos internos ou externos.

Os internos envolvem justamente a parte interna corporis da entidade, e podem ser exemplificados como: conselho de administração, sistema de remuneração e concentração acionária, etc. Já os mecanismos externos estão envolvidos com partes externa corporis da entidade, e podem ser exemplificados como: proteção legal aos investidores, possibilidade de aquisição hostil e grau de competição no mercado, fiscalização dos agentes de mercado, estrutura de capitais, etc.[55].

Sendo assim, a pesquisa se debruçará especificamente aos mecanismos internos de governança corporativa, principalmente quanto aos sistemas de remuneração e de concentração acionária, aliando-os a práticas voltadas a estimular a implementação de um sistema meritocrático pautado, justamente, nas verbas hiring bonus e stock options.

Por meritocracia, apesar de todas as críticas existentes quanto a este conceito, é possível extrair o entendimento de que esta se caracteriza como um sistema de gestão de pessoas pautado no mérito, com o intuito de promover eventual contratação, ou até mesmo a evolução em um plano de carreira dentro de uma corporação. Ou seja, através da meritocracia seria possível escalonar um plano de carreira iniciando-se em um trainee até que ele alcance a posição de sócio, bastando que ele demonstre, em suas atividades, o seu mérito, preferencialmente de ânimo objetivo[56], no sentido de angariar lucros e promover uma melhor organização ou gestão dentro de seu local de trabalho.

Em uma análise morfológica, resgata-se a origem do termo meritocracia na junção da palavra do latim “mérito” e do sufixo grego “cracia”, o que sugere o significado de poder obtido pelo mérito. Assim, define-se meritocracia como sendo “um conjunto de valores que postula que as posições dos indivíduos na sociedade devem ser consequência do mérito de cada um. Ou seja, do reconhecimento público da qualidade das realizações individuais...um conjunto de valores que rejeita toda e qualquer forma de privilégio hereditário e corporativo...” (Barbosa, 2003, p. 21).

Pode-se depreender de tal definição a noção central da meritocracia, sua ideologia pura, a intenção que se pretende alcançar. Esta definição, segundo Barbosa (2003), além de explicitar uma dimensão positiva, que é a ênfase no reconhecimento do mérito como mecanismo de mobilidade social, traz, implicitamente, uma dimensão negativa, que é a negação de outros critérios de mobilidade social como a monarquia, a aristocracia ou qualquer outro sistema que discrimine por condicionantes distintos do mérito.

O conceito de ideologia meritocrática é antigo e seus preceitos têm se manifestado ao longo da história da humanidade a partir do instante em que o homem passa a se organizar em sociedade. Esta organização pressupõe formas de diferenciar indivíduos, seja para identificar líderes, seja para evitar posturas moralmente inaceitáveis, sendo o mérito uma das formas de tal discriminação. Quando o mérito é a principal ou ainda a única forma de tal diferenciação, tem-se a meritocracia em sua forma pura. Quando se reinterpretam os ideais meritocráticos à luz de fatores contingenciais característicos de determinada sociedade, tem-se a formação de sistemas meritocráticos, condicionados a um dado contexto (Barbosa, 2003). [57]

 

Assim sendo, é perfeitamente possível a realização de um plano de governança corporativa, específico aos colaboradores, baseado em bônus de admissão, ou hiring bonus, para a conquista de colaboradores mais eficientes para o exercício das funções dentro da corporação. Igualmente falando, seria perfeitamente possível a implementação, para fins de manter o referido colaborador progredindo em seu plano de carreira, mediante a concessão de benefícios oriundos da opção de compra das ações da corporação com deságios facilitadores, ou as denominadas stock options.

Contudo, fato é, que, caso não haja a segurança jurídica, no sentido de destoar as referidas verbas de caráter salarial, não haverá incentivo às empresas pautarem os mecanismos internos de suas governanças corporativas com o intuito de promover a implementação dessas, eis, que, caso adotem, sofrerão praticamente uma punição por parte do Estado, ao exigir o valor do tributo sobre um privilégio concedido ao empregado, bem como todos os outros reflexos de cunho eminentemente trabalhista, como FGTS, férias, décimo terceiro salário, DSR, dentre outros.

Conforme fora explicado, ambas as verbas estão sendo implementadas no Brasil, tendo em vista que realmente conferem um privilégio aos bons colaboradores, contudo, não são novidades em outros países que já vêm aplicando a sua adoção desde longa data.

 

6. Conclusão

Há divergência jurisprudencial quanto a natureza jurídica da verba stock options. Em âmbito administrativo há praticamente o uníssono entendimento de que esta possui natureza salarial e que deve incidir tributação decorrente de sua estipulação. Por sua vez, o poder judiciário rechaça a referida tese, conferindo natureza indenizatória a mesma, não fazendo incidir, portanto, a referida tributação.

Já a verba hiring bonus caminha no sentido, tanto em âmbito administrativo quanto judicial, de possuir natureza jurídica salarial, sendo devida, portanto tanto a tributação quanto os demais reflexos trabalhistas que porventura se verificarem com a sua instituição.

A conclusão do autor caminha no sentido de que ambas as verbas possuem natureza indenizatória e não devem servir para inclusão na base de cálculo da Contribuição Previdenciária Patronal (CPP), incidente sobre as folhas de pagamento, na alíquota de 20%, bem como eventual tributação ou encargos trabalhistas reflexos, eis que, na stock options, restam ausentes dois elementos fundamentais que caracterizam a relação empregatícia, quais sejam, a habitualidade e a não-alteridade. Já na hiring bonus resta ausente o elemento fundamental da habitualidade, o que afasta eventual entendimento sobre a natureza salarial desta, eis que a onerosidade trabalhista deve ser habitual para ser considerada como efetivamente parte da remuneração ou do salário do obreiro.

O entendimento que defende a tributação dessas duas verbas, ao conferir natureza salarial caminha no sentido de excluir os tais privilégios concedidos a colaboradores capacitados e aos que efetivamente façam um bom trabalho na empresa em que atuam, pois, o não pagamento da referida verba tributária incidente sobre tais verbas, conforme fora explicado, pode gerar consequências gravíssimas em termos de multa, que podem alcançar o patamar de até 375%.

Com o estímulo de excluir as referidas verbas da prática empresarial, por inviabilidade econômica, como esperar que a nação retenha os bons talentos dentro do país, e que incentive a vinda de novos talentos do exterior? Para quê promover um incentivo financeiro a título de bonificação pela contratação de um profissional capacitado e desejado se o Estado encetará a instauração de um auto de infração com imposição de multas altíssimas? Para quê promover um incentivo, concedendo até mesmo as próprias ações da empresa a um colaborador assíduo, se o mesmo Estado imporá a cobrança de tributos com multas altíssimas sobre esta operação?

 

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Sobre o autor
Rodrigo Nunes Sindona

Advogado, mestre em direito pela FADISP, especialista em direito tributário, previdenciário e empresarial pela EPD, direito penal e constitucional pela Faculdade LEGALE, Defensor Dativo junto ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trata-se de monografia apresentada a Escola Paulista de Direito - EPD, com o intuito de obter a certificação de especialista em direito tributário.

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