Como ensinou Paulo Henrique Cremoneze(Transporte Aéreo de Carga, in Ius Navigandi) a responsabilidade civil do transportador aéreo, a exemplo dos transportadores em geral, é regida pela teoria objetiva imprópria.
A teoria objetiva imprópria é aquela em que a culpa do transportador, havendo inadimplemento do contrato de transporte, é sempre presumida (em verdade, a expressão mais apropriada é presunção de responsabilidade, ao invés de presunção de culpa, ora utilizada porque existem muitas decisões judiciais e muitos comentários doutrinários importantes que usam tal expressão).
Estamos aí diante da responsabilidade aquiliana cuja fonte está na Lei 2.681/12, onde se dizia:
“Art. 1º. Será sempre presumida a culpa do transportador".
A responsabilidade do transportador é de fim e não de meio.
A responsabilidade civil do transportador aéreo de carga também está disciplinada no Código Brasileiro de Aeronáutica, em seus artigos 246 a 287.
O Código Brasileiro de Aeronáutica foi editado para reger o transporte aéreo nacional; o âmbito da Convenção de Varsóvia é o transporte internacional, assim considerado aquele que tenha o seu ponto de partida, ou um intermediário, ou ainda o de destino, situado fora do território na-cional (Código de Aeronáutica, art. 215, Convenção de Varsóvia, art. 1.º).
Há um importante acórdão do Supremo Tribunal Federal datado de 6-2-1996 (RE 172.720-9-RJ), verdadeiro leading case. O caso decidido era respeitante a um extravio de uma mala em viagem aérea internacional, que somente foi restituída ao passageiro quando do retorno ao Rio de Janeiro. Segundo a Alta Corte, mesmo no transporte internacional os danos extrapatrimoniais estão excluídos dos tetos indenizatórios. Se a Convenção de Varsóvia não pudesse ser entendida neste sentido, argumentou-se, haveria conflito com o disposto na própria Constituição Federal, quando esta manda reparar danos morais (em sentido amplo, ou extrapatrimoniais). Tal conflito sempre teria de ser resolvido pela prevalência da norma constitucional, dado que, conforme posição já anteriormente firmada pelo Supremo Tribunal Federal, as convenções internacionais só prevalecem sobre leis ordinárias
Uma das fontes legais que tratam do contrato de transporte aéreo de carga e da responsabilidade civil do transportador aéreo é a Convenção de Montreal, fortemente influenciada pela antiga Convenção de Varsóvia.
A Convenção de Varsóvia, base da Convenção de Montreal, foi assinada pelo Brasil em 1929 e ratificada no dia 2 de maio de 1931, ingressando no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto no 20.704, de 24 de novembro de 1931. Durante muitos anos vigeu e foi argumentada nas lides forenses, gerando debates acalorados.
Essa Convenção, assim como todas as outras que tratam do transporte aéreo, cedeu lugar à Convenção de Montreal.
Sobre elas disse Paulo Henrique Cremoneze(obra citada):
“A Convenção de Varsóvia sempre foi muito criticada porque apresentava muitas causas legais excludentes de responsabilidade e porque reconhecia a validade e a eficácia das chamadas cláusulas limitativas de responsabilidade, esta última figura dissonante do Direito brasileiro como um todo.
Do mesmo modo, a Convenção de Montreal é criticada porque autoriza o dirigismo contratual, o que é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro, e mantém em seu bojo o conceito de indenização tarifada, ou seja, limitação de responsabilidade, embora em patamares mais respeitáveis do que os da Convenção de Varsóvia.”
Disse ainda Paulo Henrique Cremoneze que uma das críticas feitas à Convenção de Montreal, convém repetir, é que ela prevê a limitação tarifada nos sinistros provocados pelo transportador aéreo.
Consta no artigo 22, item 3, da Convenção de Montreal, a seguinte estipulação em favor da limitação:
Artigo 22 – Limites de Responsabilidade Relativos ao Atraso da Bagagem e da Carga
3. No transporte de carga, a responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso se limita a uma quantia de 17 Direitos Especiais de Saque por quilograma, a menos que o expedidor haja feito ao transportador, ao entregar-lhe o volume, uma declaração especial de valor de sua entrega no lugar de destino, e tenha pago uma quantia suplementar, se for cabível. Neste caso, o transportador estará obrigado a pagar uma quantia que não excederá o valor declarado, a menos que prove que este valor é superior ao valor real da entrega no lugar de destino.
É o que se tem como uma das aplicações da cláusula de indenizar.
Tem-se o artigo 22 da Convenção de Montreal que prevê:
5. As disposições dos números 1 e 2 deste Artigo não se aplicarão se for provado que o dano é resultado de uma ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos, com intenção de causar dano, ou de forma temerária e sabendo que provavelmente causaria dano, sempre que, no caso de uma ação ou omissão de um preposto, se prove também que este atuava no exercício de suas funções.
O entendimento predominante no STJ está em conformidade com o artigo 22, alínea 3, da Convenção de Montreal, que limita a 17 Direitos Especiais de Saque por quilo a responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso da carga – a menos que o expedidor, ao entregar as mercadorias ao transportador, tenha feito uma declaração especial de valor e pago quantia suplementar, quando cabível.
"Com efeito, o diploma transnacional não impõe uma forçosa tarifação, mas faculta ao expedidor da mercadoria que se submeta a ela, caso não opte por fazer declaração especial – o que envolve, em regra, pagamento de quantia suplementar", afirmou.
A matéria foi objeto de discussão no AREsp 1472850 pelo STJ.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que o entendimento predominante no STJ está em conformidade com o artigo 22, alínea 3, da Convenção de Montreal, que limita a 17 Direitos Especiais de Saque por quilo a responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso da carga – a menos que o expedidor, ao entregar as mercadorias ao transportador, tenha feito uma declaração especial de valor e pago quantia suplementar, quando cabível.
"Com efeito, o diploma transnacional não impõe uma forçosa tarifação, mas faculta ao expedidor da mercadoria que se submeta a ela, caso não opte por fazer declaração especial – o que envolve, em regra, pagamento de quantia suplementar", afirmou.
Nos termos do art. 178. da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.
STF. Plenário. RE 636331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes e ARE 766618/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 25/05/2017 (Repercussão Geral – Tema 210) (Info 866).
Lembre-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal afirma, de longa data, que os tratados e convenções internacionais ingressam no sistema jurídico brasileiro com status equivalente ao das leis ordinárias (v., e.g., ADI 1.480 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello). Essa regra geral encontra hoje exceções nos tratados de direitos humanos, que podem assumir estatura constitucional (CF/88, art. 5º, § 3º) ou, ao menos, supralegal (RE 349.703/RS, Rel. Min. Carlos Britto). No entanto, como não é esse o caso dos autos, aplica-se a regra geral: o CDC e a Convenção situam-se no mesmo patamar hierárquico. Consequentemente, as eventuais antinomias existentes entre seus preceitos resolvem-se, em princípio, pelos critérios da especialidade e cronológico, sendo que aquele tem preferência sobre este (LINDB, art. 2º, § 2º).
O STF concluiu pela prevalência da Convenção no caso. Isso porque as regras consumeristas sobre indenização alcançam o fornecimento de quase todos os produtos e serviços, enquanto a regra convencional trata especificamente da prestação do serviço de transporte aéreo internacional. Mas esse raciocínio não seria próprio de um recurso extraordinário, que não se presta à mera contraposição de leis ordinárias e seus equivalentes. De duas uma: ou bem a Constituição prevê a solução do problema ou o recurso não pode ser admitido. Em minha opinião, a primeira alternativa é a correta.
Ainda acrescento a douta lição do ministro Roberto Barroso naquele ARE 766618/SP;
“Como a transportadora assume a obrigação de entregar a bagagem no destino, íntegra, ela só pode oferecer o serviço se puder antecipar minimamente o risco a que se expõe. Afinal, esse é um componente do preço que será cobrado: é razoável que quem transporta obras de arte cobre quantias mais elevadas do que quem leva ração para animais, por exemplo. No caso do transporte aéreo internacional, que é um serviço massificado, a definição individualizada do preço seria inviável, sem contar que imporia ao passageiro o desconforto de exibir seus pertences à transportadora. No entanto, tampouco se poderia admitir que a indenização fosse determinada exclusivamente pelo que o consumidor afirmasse em juízo – até porque, não tendo inspecionado o conteúdo das malas, a empresa jamais poderia fazer prova de valor diverso.
Nesse contexto, a solução dada pela Convenção é bastante razoável: adota-se um padrão, aplicável à generalidade dos casos, que permite à empresa definir um preço igualmente uniforme. Admite-se, porém, que o passageiro declare um valor mais elevado – e eventualmente pague uma quantia adicional – para garantir uma indenização maior. Como se vê, não se impõe uma restrição absoluta ao consumidor – ao contrário, ele pode sempre afastá-la, preenchendo uma declaração especial de bagagem.”
O STJ passou a acompanhar o mesmo entendimento do STF:
É possível a limitação, por legislação internacional especial, do direito do passageiro à indenização por danos materiais decorrentes de extravio de bagagem.
Observe-se a decisão do STJ, 3ª Turma. REsp 673.048-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 08/05/2018):
Ali se disse:
“No julgamento do RE n. 636.331/RJ, o Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a repercussão geral da matéria (Tema 210/STF), firmou a tese de que, "nos termos do art. 178. da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor".
Tem-se, então, na linha dos julgamento do RE 636331/RJ, pela possibilidade de limitação, por legislação internacional espacial, do direito do passageiro à indenização por danos materiais decorrentes de extravio de bagagem.