A ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL E A DEPENDÊNCIA DAS POLÍTICAS TRANSVERSAIS EM RELAÇÃO ÀS POLÍTICAS HORIZONTAIS
INTRODUÇÃO
No cenário de modernização econômica do Estado, ganha força o conceito de descentralização como estratégia de racionalização do aparelho estatal até então centralizado e burocratizado (JUNQUEIRA, 2004). O objetivo é dotar o aparato de agilidade e eficiência, para aumentar a eficácia das ações das políticas públicas a partir do deslocamento, para esferas periféricas, de competências e de poder de decisão sobre essas políticas. A idéia de transversalidade tem sido apontada como uma tendência na gestão de políticas públicas, em especial em relação aos governos locais. Isso se deve ao fato de que a garantia de qualidade vida não tem em vista apenas a criação de políticas públicas, mas também as relações que as mesmas estabelecem entre si, com o objetivo de atender as demandas da população de uma determinada área.
Campos (2007) aponta que, ainda que seja absolutamente necessária a atuação da União e dos estados, o município é o verdadeiro ator político fundamental e polo central na articulação entre sociedade civil, iniciativa privada e as diferentes instâncias governamentais, devendo ser capaz de incentivar a cooperação social com vistas a obter respostas integradas a diversos problemas como emprego, transporte, educação, moradia, cultura etc. De acordo com Junqueira e Inojosa (apud Junqueira, 2004), a intersetorialidade consiste na articulação de saberes e experiências no planejamento, realização e avaliação de ações para alcançar efeito sinérgico em situações complexas, visando o desenvolvimento social, superando a exclusão social.
A aplicação deste novo enfoque tem como ponto de partida o diagnóstico de que os problemas que são objeto das diversas políticas públicas são interligados, interdependentes e se reforçam mutuamente. A proposta das políticas transversais tem sido definida como uma nova maneira de abordar problemas sociais, superando a segmentação e desarticulação com a qual são usualmente elaboradas e implementadas as políticas públicas, fracionadas em diferentes setores (CAMPOS, 2007).
As políticas municipais dividem-se em dois grandes compartimentos: políticas horizontais e políticas verticais. As políticas verticais, embora de caráter mais difuso, perpassam as políticas horizontais. O objetivo do presente trabalho é discutir a dependência das políticas transversais em relação às políticas horizontais, bem como abordar a atual dinâmica, no âmb municipal, da articulação entre esses dois tipos de política.
POLÍTICAS HORIZONTAIS, POLÍTICAS TRANSVERSÁIS E A ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL
O mundo atual tem sofrido várias e intensas transformações em decorrência de uma série de crises econômicas ocorridas nos últimos anos. Nesse contexto, Estado e Sociedade são atores importantes que sofreram diversas mudanças. Dentro do Estado, os governos passaram a assumir papeis diferenciados daqueles que exerciam até então. Segundo Pinho e Santana (2001), não só os governos mudam, mas a sociedade também e essas transformações geram uma nova tendência de valorização dos níveis subnacionais de governo em detrimento do governo central, assim, grande parte dos problemas existentes na sociedade são incorporados pela esfera municipal dada a sua proximidade com a população e suas demandas.
Abrúcio e Couto (1996) argumentam que a redefinição do papel do Estado na esfera municipal abrange três áreas de mudanças: a “estrutura fiscal federativa”, que diz repeito a adoção de medidas de responsabilidade fiscal; as “diferenças socioeconômicas entre os municípios”, tendo em vista o fortalecimento da economia local; e a “dinâmica política típica do âmbito municipal”, que tem como objetivo atender demandas específicas de um município dadas suas características socioeconômicas. Tal redefinição do papel estatal passou a ser uma necessidade nas administrações municipais uma vez que os instrumentos tradicionais de políticas públicas não eram mais capazes de corresponderem as demandas da população local.
Pinho e Santana (2001) argumentam que as políticas municipais se dividem em dois tipos, horizontais e transversais. As políticas horizontais apresentam setores bem definidos, como saúde, educação, meio ambiente, etc., e podem ser pontuais ou abrangentes. As políticas transversais por sua vez possuem caráter mais difuso e abstrato, perpassando todas ou quase todas políticas horizontais. Nesse sentido, as políticas transversais só existem onde há políticas horizontais, sendo estas veículos daquelas. Entre as políticas transversais, pode-se citar como exemplo democratização e cidadania, participação popular e o combate à pobreza.
Com a complexificação da agenda governamental, temas de caráter intersetorial deslocam-se para posições de destaque, reforçando a necessidade de se repensar as estruturas setoriais de execução de políticas públicas. Definindo-se política transversal, como aquela que “pressupõe atuação interdepartamental e criação de fóruns horizontais de diálogo e tomada de decisão, em que conhecimentos, recursos e técnicas acumuladas em cada espaço institucional possam atuar em sinergia” (IPEA, 2009, p. 780), nota-se a relação de proximidade entre políticas transversais e horizontais.
Em outras palavras, ao transcender os limites dos setores temáticos, a política transversal adquire traços de horizontalidade e, portanto, são mais fáceis de serem implementadas quando já existe uma cultura de políticas horizontais. Ao fim e ao cabo, as políticas transversais constituem-se primordialmente da agregação de características das políticas verticais e horizontais, pois além de apresentarem traços de setorialidade, típicos das políticas verticais, não se restringem às áreas temáticas em específico, promovendo uma espécie de concertação multissetorial, nos moldes das políticas horizontais.
Não há como se falar, portanto, em políticas transversais, sem que existam concretamente políticas horizontais. Isso porque, são as políticas horizontais responsáveis por conferir o traço de multidisciplinariedade às políticas públicas, fator indispensável à implementação das políticas transversais.
Corroborando tal argumento, Silva (2011), em citação a Ariznabarreta (2001) qualifica “transversalidade como uma reação à coordenação burocrática e uma forma de reforçar a coordenação horizontal, por meio de vias alternativas de articulação organizacional, para além das linhas de autoridade e com a associação de especialização e interdisciplinaridade. Em geral, o vocábulo tem sido empregado para definir ações compartilhadas, intersetorialidade, multidimensionalidade de programas ou atenção a públicos focalizados.
CONCLUSÃO
Conforme visto no decorrer do trabalho, no Estado Moderno, a sociedade passa por diversas transformações: há o fortalecimento da ideia de descentralização e uma propensão de valorização dos governos subnacionais. Isso porque houve a necessidade de redefinição do papel do Estado nas administrações municipais, dado que as formas tradicionais de organização das políticas públicas não eram capazes de atender, de forma eficaz, as demandas da população local. Assim, com estas mudanças, parte dos problemas sociais passam a ser incorporados pela esfera municipal devido a sua proximidade com a população e suas respectivas demandas.
As políticas municipais, segundo Pinho e Santana (2001) podem ser divididas entre horizontais e transversais. Enquanto as primeiras abrangem setores bem definidos como saúde e educação, as segundas são mais difusas, perpassando pelas políticas horizontais. Portanto, as políticas transversais só existem se estas últimas estão presentes.
Por serem mais abstratas e difusas, a implementação de políticas transversais requerem uma atuação mais articulada doe diferentes setores do Estado (dado que perpassarão pelas diversas temáticas instituídas pelas políticas horizontais, exigindo a coesão do conhecimento de várias áreas), o que a torna mais complexa.
Ao observar a atuação do estado de Minas Gerais, é possível perceber que grande parte das políticas tem uma implementação “pontual”, de modo a resolver um problema específico. Além disso, a falta de intersetorialidade pode ser notada em diversas secretarias. Não só não há articulação e colaboração efetiva entre os diferentes órgãos do estado, e entre os diferentes entes federados, como, muitas vezes, esta articulação não ocorre entre programas de uma mesma secretaria. Essa intersetorialidade, portanto, enquanto requisito para as políticas transversais, se torna essencial, pois estas abordam questões fundamentais da sociedade brasileira, como, por exemplo, o combate à fome. Os órgãos e entes federados, portanto, precisam atuar em sinergia para que as políticas públicas se tornem mais difusas e abrangentes, gerando maiores impactos na melhoria da qualidade de vida do cidadão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRÚCIO, Fernando Luiz; COUTO, Cláudio G. A Redefinição do Papel do Estado no Âmbito Local. Revista São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 10, n. 3, p. 40-47, jul/set/1996. Disponível em: <http://www.cedec.org.br/files_pdf/AredefinicaodopapeldoEstadonoambitolocal.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2015.
CAMPOS, C. L. Políticas públicas e temas transversais. Disponível em: <http://fjm.ikhon.com.br/proton/imagemprocesso/2013/07/CE84039399897A630679%7D07_fjm_curso_gest_pol_pub_mod_II_texto_refer_aula_07.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2015.
JUNQUEIRA, P.A. L. A gestão intersetorial das políticas sociais e o terceiro setor. São Paulo: 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-12902004000100004&script=sci_arttext>. Acesso em: 28 ago. 2015.
PINHO, José Antonio Gomes de; SANTANA, Mercejane Wanderley. O governo municipal no Brasil: construindo uma nova agenda política na década de 90. Cadernos de gestão pública e cidadania. São Paulo, vol. 20, abr/2001. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/cgpc/article/download/43842/42703>. Acesso em 28 ago. 2015.
SILVA, Tatiana Dias. Gestão da transversalidade em políticas públicas. Disponível em: <http://www.anpad.org.br/admin/pdf/APB2041.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2015