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Etiologia das normas jurídicas

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Agenda 11/12/2020 às 21:46

A norma jurídica tem estrutura peculiar e o mundo jurídico funciona com uma lógica dialética própria. Os elementos componentes das normas e seus diferentes tipos fazem do ordenamento jurídico um sistema completo e capaz de autocomplementar-se.

Palavras-chave: Norma Jurídica. Teoria Geral do Direito. Filosofia do Direito. Jusnaturalismo. Positivismo.


No mundo do Direito, ressalta-se a norma jurídica e, apesar de tantos esforços teóricos e doutrinários não se consegue divorciar da compreensão do fenômeno jurídico todo edifício normativo sobre o qual se dedica toda a Ciência do Direito. Não obstante o debate sobre se a Ciência do Direito seja verdadeiramente Ciência ou técnica1.

Ao questionarmos o conhecimento produzido pelo Direito, procuramos saber se seria ciência, técnica ou arte. Ora considerada como scientia, pelo teor teórico, e ora como técnica por sua eminente função prática. Por isso, alguns doutrinadores procuram oferecer uma solução eclética.

Há ainda estudiosos que admitem o caráter científico do direito que jaz dentro da Sociologia, negando-lhe autonomia. Enquanto outros peremptoriamente rejeitam ver qualquer cientificidade ao direito. Lembremos que a cientificidade o Direito é apenas nascido ao fim do século XVIII e início do século XIX e sempre traz várias divergências e críticas.

A teoria do Direito como instituição de Hauriou2, da França e Santi Romano, da Itália ou do Direito como relação intersubjetiva, conforme bem expôs Kant, não são provas do contrário.

A norma revela que o Direito é organização. Para os institucionalistas, existe o Direito quando há uma organização de uma sociedade ordenada através de uma organização, uma ordem social organizada, enfim, a que Santi Romano chamou de “instituição”.

A noção de organização não se afasta da ideia de distribuição de tarefas, o que implica em distribuição de funções, de formas, de modo que cada membro do grupo concorra, de acordo com suas próprias capacidades e competências, para a realização do fim comum.

Não se trata de mera distribuição de tarefas e sim, de normas de conduta voltada à distribuição dessa mesma divisão de ofícios. Portanto, a organização não poderia ser pré-posta as regras conforme bem aludiu Santi Romano3, sendo imersa a relação, pois, a ordem social organizada pressupõe normas de conduta que bem a estruturem. Evidenciou ainda Bobbio que a teoria da instituição não excluiu, mas incluiu a teoria normativa do direito.

O mestre de Turim, Santi Romano, a respeito dos relacionistas apontou não existir relação per se ou naturalmente jurídica e que a juridicidade de uma relação jurídica é essencialmente uma relação de polaridade direito-dever e que ter direito, basicamente é estar municiado de poder para executar determinada ação.

O poder que não se compreende senão derivado de uma norma que se contém no ordenamento jurídico. Portanto, ao considerar o Direito como relação não elimina, antes mais prestigia a consideração normativa.

Num aspecto conciliador, veio Bobbio expor que as três teorias a saber: normativista, institucionalista e relacionistas4 que não se excluem, mas se complementam de forma útil.

Cada uma das teorias da norma coloca em destaque um aspecto da multifacetada experiência jurídica. É a teoria da relação, o aspecto da intersubjetividade; a de instituição, o da organização social; a normativista, o da regularidade.

De fato, a experiência jurídica nos fazer enfrentar as relações entre sujeitos humanos organizados estavelmente em sociedade mediante o uso de regras de conduta5.

O primado da dimensão normativa não afasta o fato de que os três aspectos complementares, o fundamental é sempre o aspecto normativo.

Kelsen entendeu que o jurista deve caminhar de norma em norma, até a norma hipotética fundamental. Considerou a estrutura lógica da ordem jurídica como piramidal, isto é, o legislador, ao elaborar a lei, está aplicando a norma constitucional e o juiz ao sentenciar, está aplicando a lei.

Atualmente, a maioria dos juristas considera o conceito do direito não pode identificar-se com o de norma, apresentando objeções sinceras à Teoria Pura do Direito de Kelsen, diante do seu caráter fragmentário e da própria insuficiência da concepção normativista-legal diante da complexidade das mudanças sociais.

Contemporaneamente, o Direito é encarado como sendo ciência histórico-cultural e compreensivo-normativa. É uma ciência normativa ética. Afinal, não há como depurar os aspectos fáticos e valorativos na ciência jurídica, eis que são aspectos relevantes da experiência humana que devem ser considerados na argumentação e na fundamentação das decisões judiciais.

Portanto, os elementos normativos, sociológicos e axiológicos são essenciais quer para o entendimento, interpretação e aplicação do Direito. (In: PISKE, Oriana. A Concepção Normativista de Kelsen. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2010/a-concepcao-normativista-kelseneana-juiza-oriana-piske . Acesso em 01.12.2020.).

Conclui-se que a intersubjetividade e a organização são necessárias condições para a formação da ordem jurídica. O Direito é mais que norma. Haverá formas normativas que se projetam sobre a sociedade, tida como técnica de ordenação da conduta humana conforme as diretrizes de cada cultura.

Carlos Cossio viceja o Direito na seara dos objetos culturais por ser real, já que tem existência no espaço, no tempo, por estar na experiência sensível e, por ser valioso positiva ou negativamente.

Portanto, a norma jurídica é um objeto cultural, engendrado para a ordenação do comportamento humano. Como objeto cultural6 é fenômeno linguístico que se aplica sobre o corpo social com o fito de alterar as condutas nas relações intersubjetivas, promovendo-as em direção de valores que a sociedade pretende realizar.

A ciência é uma sistematização de conhecimentos, um conjunto de proposições logicamente correlacionadas sobre o comportamento de certos fenômenos que se deseja estudar. Assim, a Ciência é todo um conjunto de atitudes racionais dirigidas ao sistemático conhecimento com objeto limitado, capaz de ser submetido a verificação. Lembremos que tópoi é o juízo que fazemos das palavras. Em grego significa lugar comum. As palavras no Direito é tópoi.

A doutrina da cultura ou dos valores é formulação moderna dos problemas da filosofia e das ciências. Assim, se sustenta que o direito, como a ciência, a arte e os demais fenômenos sociais, pertence ao reino da cultura, ou seja, ao mundo construído pelo homem, através da história. Para os culturalistas7, o adágio expressivo é: "Homem, conheça a obra de teu espírito", numa formulação socrática referente ao conhecimento no mundo físico.

A norma é igualmente um fenômeno comunicacional que se instala para a formação do mundo social seguindo os valores destacados por Lourival Vilanova in litteris destacou: “Altera-se o mundo físico mediante em resultados. E altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do direito.”.

Sob a batuta de Paulo de Barros Carvalho apontando que com Kelsen, podemos concluir que ali onde houver direito, haverá normas jurídicas. A que poderíamos ousadamente acrescentar: “e onde houver normas jurídicas, haverá certamente, uma linguagem em tais normais se manifestem”.

Tem-se a linguagem como um conjunto ou sistema de sons, ou melhor de hábitos produzidos mediante os órgãos correspondentes com o propósito de servir de comunicação entre as pessoas, isto é, com o propósito de influir em seus atos, decisões e pensamentos.

É um sistema de signos entendidos como unidades de análise do sistema linguístico que se constrói para a comunicação inter-humana.

O signo é um suporte físico que se associa a um significado e a uma significação para aplicarmos a terminologia de Husserl. Refere-se a algo do mudo exterior ou interior, da existência concreta ou imaginária atual ou passada, que é seu significado e suscita em nossa mente uma noção, ideia ou conceito a que chamamos de significação.

Aliás, é conveniente recordar que Charles Pierce e Charles Morris distinguem três planos de investigação dos sistemas sígnicos, a saber: o sintático, em que se estudam as relações dos signos entre si, isto é, signo com signo; o semântico em que o foco é a indagação é o vínculo do signo (suporte fático) com a realidade que ele exprime; e o pragmático, no qual se examina a relação do signo com os usuários da linguagem (emissor e destinatário).

A linguagem como sistema comunicacional, isto é, como sistema voltado ao propósito de influir sobre os atos, decisões e pensamentos das pessoas.

A intenção que move o emissor, da mensagem determina a função da linguagem empregada. Existe um leque de variadas influências que podem ser perseguidas pelo emissor, mas toda essa variedade farta de funções pode classificar-se em grandes grupos e reduzir-se, basicamente, as três funções primárias, a saber: a função descritiva, função expressiva de situações subjetivas e a função prescritiva de condutas.

A função descritiva torna a linguagem tendente a informar o destinatário acerca de situações objetivas ou subjetivas que ocorrem no mundo existencial.

Já a função expressiva quando animado o emissor do propósito de manifestar seus sentimentos ou emoções; a função prescritiva é quando se trata das expressões que emprega uma pessoa para provocar em outra certos comportamentos ou para influir em sua vontade.

A classificação se orienta pelo animus prevalente ou imediato do emissor da vontade, pois toda e qualquer manifestação linguística, desde a mais simples como às mais complicadas raramente encerram uma única função.

Não há como estabelecer correspondência entre as funções que cumpre a linguagem na comunicação humana e a forma de organização das palavras.

A forma se refere à frase, à palavra ou a combinação de palavras com que manifestamos nosso pensamento, e pode ser, grosso modo, declarativa, interrogativa, exclamativa e imperativa.

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A forma se infere no plano sintático dos signos; à determinação do animus do emissor não se prescinde de uma investigação dos planos semântico e pragmático.

Com a posse desse substrato conceitual, chega-se a compreensão do valor medular para um pouco sem tribulações na dimensão normativa composta basicamente de enunciado e proposição8.

Enunciado é produto da enunciação, a atividade psicofísica de verbalizar juízos. Os enunciados como sendo um conjunto de fonemas ou grafemas que, obedecendo as regras gramaticais de determinado idioma, consubstancia a mensagem expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo destinatário, no contexto da comunicação.

A proposição é o conteúdo significativo que o enunciado exprime. Trata-se da expressão oral ou gráfica, o suporte físico, reside no plano das significações.

A recíproca também é verdadeira, porquanto, muitas vezes, de um único enunciado podemos suscitar duas ou mais proposições, o que indica ambiguidade.

É preciso se afastar do conceito de proposição vinda da concepção primitiva que lhe emprestava a Lógica Clássica9, como sendo expressão verbal de um juízo, para então identificá-lo como sendo, a noção mesma do juízo, isto é, uma relação conceitual entre conceitos.

Se o Direito é essencialmente uma ciência normativa e a estrutura lógica de toda preposição jurídica é um dever ser, o valor fundamental que o orienta, basicamente afirmar-se-ia que: a sentença deve ser justa; a lei deve ser justa; a obrigação e a indenização devem ser justas; o salário e o preço devem ser justo.

Já asseverou Del Vecchio que: "A noção de justo é a pedra angular de todo edifício jurídico". A justiça, como o direito, não é mera técnica de igualdade, da utilidade ou da ordem social. Mais do que isso, é virtude da convivência humana. E, significa, fundamentalmente, uma atitude subjetiva de respeito à dignidade de todos os homens.

Também se afasta também a concepção restritiva que nesta enxergava o conteúdo significativo de feição descritiva, apenas. Esclarece Paulo de Barros que a redução se explica por motivos históricos, já que a linguagem descritiva foi pioneira e intensamente estudada.

Atualmente, se pode cogitar de proposições expressivas e prescritivas. O enunciado colhe-se a forma da linguagem, da proposição e da função.

O binômio enunciado-proposição é corolário da dualidade existencial própria de objetos culturais, este que se revelam por uma base material ou suporte sempre agregado a um significado, a expressão particular de um ou mais valores.

O ordenamento jurídico como um organismo objetivado em linguagem, manifesta-se sempre em três planos, a saber: o das formulações literais, o de suas significações isoladas e o das normas jurídicas.

No plano das formulações literais que é composto pelos enunciados de Direito Positivo, pelo conjunto das letras, palavras, frases, períodos e parágrafos graficamente manifestados nos documentos produzidos pelos órgãos criadores do Direito.

No plano das significações isoladas dos enunciados são compostos pelas proposições formuladas a partir da leitura dos enunciados dotados de sentido.

Já em terceiro nível e, só é conquistado a partir da trilha aberta nos planos inferiores. Onde o intérprete promove a contextualização dos conteúdos obtidos no percurso gerativo, com a finalidade de produzir unidades dotadas de sentido deôntico.

Só então a norma jurídica propriamente dita aflora, a partir de leitura dos enunciados e da articulação de suas significações isoladas. Conclui-se que a norma jurídica surge como fruto de um esquema de interpretação realizado pelo homem para construir o sentido deôntico dos enunciados do suporte físico do texto do Direito positivo. Eis o apogeu da missão hermenêutica10.

É, pois, a norma jurídica produto de uma interpretação par excellence sistemática. Portanto, toda a interpretação de uma norma tem de tomar em consideração a cadeia de significados, o contexto e a sede sistemática da norma, a sua função no contexto da regulamentação em causa.

Daí, a demonstração do peso da sistematização para além da ordenação das regras, com significado para a própria obtenção do Direito, para a própria construção da norma jurídica do qual tão bem se ocupou Canaris.

A norma resultará do esforço de contextualização dos conteúdos obtidos no percurso do processo de construção normativa, a findar com a produção de uma unidade completa de sentido para mensagem deôntica.

A norma segundo Paulo de Barros Carvalho, a expressão mínima irredutível de significação do deôntico. Em resumo, não há como confundir a disposição legal, o enunciado e sua significação isoladamente considerada com a norma jurídica, que tem status de proposição.

O enunciado é o revestimento verbal, o suporte físico, que se pode verter em estruturas gramaticais variadas sendo a matéria-prima para o intérprete.

Segundo o mestre Riccardo Guastini conclui: “interpretare é non giá conoscere, norme puó solo designare (noncerto l’interpretazione, ma piuttosto) la constatazione, la descricione, il rilevamento di uma o piú interpretazioni (altrui)11. In DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2005.

O doutrinador italiano estuda a teoria realista12 da intepretação jurídica desenvolvida particularmente pelo teórico do direito Riccardo Guastini. O autor italiano é um dos principais representantes da escola de filosofia analítica do direito produzida na Itália e é atualmente um dos mais influentes pesquisadores da interpretação jurídica na ciência do direito europeia.

Guastini propõe uma teoria realista da interpretação jurídica, que se apresenta basicamente como uma teoria cética sobre a atividade interpretativa no âmbito do direito. In: GUASTINI, Riccardo. Teoria e dogmatica delle fonti. Milano: Giuffré Editore, 1998.

As normas são entidades necessariamente hauridas da implicitude dos textos, de tal arte que não há propriamente cogitar em existência de normas explícitas. A norma jurídica que viceja no plano das significações, é, pois, uma proposição.

A proposição é um extrato de linguagem que tem função descritiva ou prescritiva, não se restringindo, como antes, à linguagem usada na função exclusivamente descritiva.

Kelsen, por sua vez, utilizou a palavra “proposição” restritivamente, aludindo como sendo o conteúdo dos enunciados descritivos da Ciência do Direito. A redução é justificável por motivos históricos, já que a linguagem descritiva foi pioneira.

Atualmente, a literatura se refere, abertamente às proposições descritivas e prescritivas, segundo as funções a que se propõem imediatamente a realizar.

Sem embargo de o legislador recorrer aos discursos descritivos ou evocativos para reforçar os seus preceitos, a norma é uma proposição prescritiva porque dirigida a influir na vontade dos destinatários, orientando-os em direção aos valores que a sociedade almeja realizar.

Ao alterar os comportamentos humanos nas relações intersubjetivas, aperfeiçoando-os aos valores que a sociedade almeja prestigiar, essa, a função da norma, o elemento finalístico do Direito.

Cumpre fazer a distinção entre as características entre as proposições descritivas e prescritivas. Com Norberto Bobbio, pode-se resumir em três pontos, a saber: a) em relação à função; b) em relação ao comportamento do destinatário; c) em relação ao critério de valoração.

As proposições descritivas tendem à informação já as prescritivas visam a modificação do comportamento dos destinatários. Não que as proposições descritivas também não possam influir sobre o comportamento alheio.

Mas, a influência da informação sobre o comportamento do destinatário é sempre indireta, ao passo que a influência da prescrição é imediata.

Santi Romano com apoio de Hare aduziu que a prova da aceitação de uma informação é a crença, pois somente, pode-se cogitar em consentimento do destinatário quando este crê que a proposição é verdadeira.

O respeito do critério de valoração, cumpre notar que as proposições prescritivas estão expostas ao “valor de verdade” podem ser verdadeiras ou falsas, mas a verdade e a falsidade são atributos que as proposições prescritivas não conotam.

Os critérios de valoração com base em que aceitamos ou refutamos uma prescrição são outros: uma proposição prescritiva pode ser justa ou injusta, válida ou invalidade, mas não pode ser verdadeira ou falsa.

Dentro do âmbito das proposições prescritivas colhe-se sem grandes dissensões, mas o campo das prescrições é gênero próprio que denota variada gama de normas de feição diversa.

O mundo do normativo é enormemente vário e múltiplo; as normas jurídicas, observou Bobbio argutamente, não passam de uma parte da experiência normativa. E, não há consenso em torno da diferença entre as normas jurídicas e outros tipos de norma, sobre a diferença específica que conota a juridicidade de uma proposição normativa.

Percebe-se a absoluta inadequação de um critério puramente formal para identificar o traço peculiar das prescrições jurídicas.

Relatou Bobbio em exame de teorias que identificam certo traço do conteúdo das normas jurídicas, a diferença específica que as aparta das outras figuras que compõem a classe comum do gênero próximo das proposições normativas, como as que identificam a particularidade no fim perseguido pelas normas jurídicas, no sujeito que estabelece a norma, nos valores que as normas jurídicas se propõem a realizar, ou ainda, na feição do destinatário. Tais adjetivações são integrativas e, toda disputa sobre a superioridade de um ou de outro é estéril.

Quanto aos elementos com os quais tradicionalmente são as normas jurídicas, caracterizadas quais sejam: a bilateralidade, a sua generalidade e abstração.

Pela bilateralidade se pode distinguir o Direito da oral, mas não serve para distinguir o Direito das chamadas normas de trato social, tais como as regras de etiqueta e de cortesia, as quais tendem, como as normas jurídicas, a regular as relações sociais dos indivíduos e, por isso, têm igualmente como conteúdo as relações intersubjetivas.

A generalidade e a abstração não determinam a norma jurídica, pois o Direito não consiste apenas em normas gerais e abstratas, mas inclui normas individuais e concretas, único indivíduo em uma situação irrepetível e, convém apenas a um caso concreto particular, e só podem ser aplicados apenas uma vez.

Possuem essa distinção o lançamento tributário, as sentenças e as decisões dos Tribunais, contratos que a despeito da individualidade e concretude merecem e nomen de normas jurídicas.

Desta forma, as normas gerais se dirigem à classe de pessoas. Que se contrapõem as normas individuais, que têm por destinatário um indivíduo particular; classe de ações ou uma ação tipo, se contrapõem as normas concretas que voltam para uma ação singular.

Outro critério diferenciador da norma jurídica é a resposta à violação. A norma prescreve o que deve ser e, aquilo nem sempre corresponde ao que é. Se a ação real não corresponde à ação prescrita, afirma-se que a norma foi violada.

Diferentemente, no caso de lei científica, cuja violação lhe compromete a correção. E o contraste é sanado agindo sobre a lei, modificando-a, a violação lhe compromete a correção e o contraste é sanado agindo sobre a lei, modificando-a, a violação da norma não lhe compromete a validade e o contraste é sando agindo sore a ação desconforme, procurando fazer com que a ação não ocorra, ou pelo menos, tentando eliminar suas consequências.

Essa ação que se cumpre sobre a conduta não conforme para anulá-la, ou pelo menos para neutralizar suas consequências, é precisamente o que se convencionou chamar sanção13 (que é o expediente através do qual se buscam em um sistema normativo, salvaguardar a lei da erosão de ações contrárias).

A resposta à violação das regras será externa porque infringida pelo grupo social ao infrator, e institucionalizada, isto é, o grupo social, além de regular os comportamentos dos destinatários, regula também a reação dos comportamentos contrários.

Pois, a norma jurídica quando a proposição prescritiva cuja violação tem por consequência uma resposta externa e institucionalizada. Assim, se confirma a intuição de Kelsen a propósito de estar a reação à desobediência, consistente em uma medida de coerção decretada pela ordem e socialmente organizada, o atributo peculiar que o Direito conota.

A norma jurídica não expressa uma única proposição senão duas. Há uma composição dúplice, constando de duas proposições normativas, duas normas jurídicas enlaçadas constituem uma só norma jurídica completa. A primeira proposição prevê o nascimento de uma relação deôntica, prescritiva de direitos e deveres entre os sujeitos que enlaça e deflagrada da verificação dos fatos nesta delineados.

A segunda proposição preceitua a sanção como sendo resposta externa e institucionalizada, ato coativo por parte de um órgão do Estado, no pressuposto do descumprimento do estatuído na norma anterior.

Cabe sublinhar que os destinatários dessas normas são diversos, a saber: a primeira que determina o comportamento que evita a sanção, dirige-se ao cidadão em geral e, a segunda, impositiva das consequências sancionadoras, volta-se para os órgãos estatais credenciados para a imposição da sanção.

Essa estrutura dúplice da norma jurídica completa tem suscitado muitos trabalhos de construção jurídica e geralmente essas normas que compõem bimembridade da norma jurídica completa são nominadas por norma primária e norma secundária.

No entanto, nem sempre o emprego dessa terminologia vem inspirado por critérios uniformes, revelando Bobbio a existência de pelo menos três critérios para o uso dessas adjetivações, a saber: critério temporal, hierárquico e funcional.

O critério temporal orienta o emprego da terminologia segundo a ordem intelectual de compreensão dos contornos da norma jurídica completa. Não se compreende a imposição da sanção sem prévia afronta da relação jurídica pressuposta.

São, então, primárias as normas jurídicas que estabelecem o que deve e o que não deve fazer, as que determinam as condutas juridicamente devidas;

As normas secundárias, são as que preveem as consequências sancionadoras para o caso de afronta ao estatuído na norma jurídica primária.

Bobbio lembrando que no Direito Constitucional as duas expressões: normas primárias e secundárias que são usualmente usadas noutra acepção, para distinguir as regras que na hierarquia das fontes, estão em condições de superioridade ou da inferioridade.

Conclui-se que a terminologia considera um critério nitidamente hierárquico. Segundo o critério funcional oriundo da obra de Kelsen, traz a lume o traço distintivo do Direito, que é a coação.

Kelsen, considerado o mestre da Escola de Viena inverteu as adjetivações com as quais a doutrina tradicional se ocupa das normas componentes da estrutura normativa completa e designa como secundária, a norma que prevê o nascimento de uma relação jurídica de direito material e como primária a norma que surgirá do desacato ao estatuído na norma secundária.

Elege-se, ainda, o critério temporal para a classificação de normas jurídicas primárias e secundárias, conforme lecionam Lourival Vilanova e Norberto Bobbio.

A norma primária que Kelsen designou coo secundária não configura somente o expediente técnico para expor o Direito, então rigorosamente supérflua, como pareceu a Kelsen.

Nos artigos do Código Civil há normas primárias. Cabe sustentar que a juridicidade de uma norma depende do fato do comportamento contrário do previsto. Implicar as consequências atribuídas pela norma secundária, quando a juridicidade de uma norma singular se identifica com a sua validade, depende exclusivamente pertencer a um ordenamento jurídico.

Ao depois, se é verdade que o ordenamento jurídico é dotado de eficácia reforçada (são estabelecidas pessoas encarregadas de efetuar a execução da sanção).

A norma conta também com a eficácia simples, ou seja, voltadas aos cidadãos, e que portanto, são aquelas normas que por serem voltadas aos cidadãos são ditas primárias; e afirmar que essas normas não são jurídicas significaria sustentar que a juridicidade de uma norma depende do fato do comportamento contrário do previsto implicar as consequências atribuídas pela norma secundária, quando a juridicidade de uma norma singular identificar-se com a sua validade, depende exclusivamente de pertencer a um ordenamento jurídico.

A o depois, se é verdade que ordenamento jurídico é um ordenamento com eficácia reforçada (são estabelecidas pessoas encarregadas de efetuar a execução de sanção).

O caráter dúplice da norma jurídica de acordo com Lourival Vilanova que estabelece que na norma primária, realizada a hipótese fática, isto é, dado um fato sobre o qual ela incide, sobrevém, pela causalidade que o ordenamento instituiu, o efeito, a relação jurídica com sujeitos em posições ativa e passiva, com pretensões e deveres (...).

Na segunda (norma secundária), a hipótese fática, o pressuposto é o não-cumprimento, a inobservância do dever de prestar positivo ou negativo que funciona como fato jurídico (...) fundante de outra, pretensão, a de exigir coativamente perante órgão estatal a efetivação do dever constituído na norma primária.

Nas palavras de Vilanova, a norma primária é oriunda de normas de direito material e norma secundária que é oriunda de norma de direito processual objetivo compõem a bimembridade da norma jurídica: a primária sem a secundária desjuridiciza-se; a secundária sem a primária, reduz-se a instrumento, meio, sem fim material, a adjetivo,, sem o suporte do substantivo.

Trata-se de corte simplificado da composição dual da norma jurídica completa. Num exame mais profundo do campo normativo revela que normas que prescrevem providências sancionatórias sem que essas respostas sejam necessariamente aplicadas por meio de atividade jurisdicional.

É o caso das sanções administrativas, das cláusulas penais concebidas para reforçar a eficácia dos deveres jurídicos contemplados em outras normas primárias. Essas normas estatuem sanções extrajudiciais são também normas primárias e o doutrinador Paulo de Barros Carvalho, valendo-se do léxico cunhado por Eurico Di Santi, designa como normas sancionatórias14.

Com Porchat de Assis podemos encontrar no ordenamento jurídico duas espécies de normas primárias. A primeira, já mencionada, que prescreve um dever jurídico, se acontecer o fato previsto em seu antecedente; e uma segunda, que tem pressuposto fático o descumprimento de deveres ou obrigações e com consequente aplicação de uma providência sancionatória, sem a força coercitiva da prestação jurisdicional.

A doutrina egológica15 concebe a norma jurídica completa como uma disjunção proposicional que reúne na mesma estrutura lógica, por meio da disjuntiva “ou” duas proposições de “dever ser” que, a exemplo de Hans Kelsen são designadas segundo um critério funcional.

A primeira que pode ser equiparada à norma primária (a que Kelsen originalmente designou como secundária). Carlos Cossio designou como endonorma e a segunda, paralela à norma secundária (norma primária de Kelsen) o que Cossio chamou de perinorma16.

A norma jurídica completa há de ser disjuntiva para referir à possibilidade das duas situações, a saber: pretensões e sanção.

Trata-se de norma única e, não de duas normas que abrange os dois juízos condicionais em que consistiam a norma primária e a norma secundária de Kelsen.

Maria Helena Diniz apud Machado Neto17 afirma que: “Dado um fato atemporal deve ser prestação pelo sujeito obrigado face ao sujeito pretensor, ou, dada a não-prestação do dever ser, a sanção pelo funcionário obrigado face à comunidade pretensora, eis o enunciado completo da caracterização egológica da norma”.

Cossio pôs em destaque a relevância da norma primária ou endonorma que não poderia ser relegado ao mero papel de recurso de linguagem conforme fazia Kelsen. Não se poderia considerar autêntica unicamente a norma secundária (chamada por Kelsen de norma primária), pois há conduta sem interferência subjetiva tanto na violação como na aplicação da sanção, como na adesão espontânea dos destinatários da norma primária.

Ao depois, a regra numa sociedade é o acatamento espontâneo de deveres jurídicos; a aplicação das sanções é medida excepcional. Portanto, a endonorma não é mero recurso linguístico de sentido puramente didático, mas figura de igual magnitude à da norma secundária, tendo também sentido ontológico.

A norma jurídica completa há de ser disjuntiva enlaçada pelo “ou” para referir-se à possibilidade de duas situações, a saber: a pretensão e a sanção. Assim, a fórmula de Kelsen fora enriquecida por Cossio18 ao mostrar que a estrutura do juízo disjuntivo e ao distinguir entre a perinorma, que é a parte da norma que estabelece do dever, da sanção e a endonorma que contém o dever de realizar aquela conduta cuja omissão ou contravenção constitui o suposto para a sanção.

A fórmula de Kelsen foi enriquecida por Carlos Cossio ao mostrar a estrutura do juízo disjuntivo e distingue entre perinorma (que é a parte que estabelece do dever da sanção) e da endonorma (que contém o dever de realizar aquela conduta cuja omissão ou contravenção constitui o suposto para a sanção).

Cossio, portanto, incorpora, com seus dois termos endonorma19 e perinorma) unidos pela disjunção “ou”, ilícito sem expulsar como já sabemos, o lícito, representando os dois modos de ser da conduta em face da norma: conduta permitida (endonorma) e a conduta proibida e sancionada (perinorma).

Paulo de Barros Carvalho valendo-se do magistério de Romero y Pucciarelli colheu que os juízos podem ser categóricos, hipotéticos ou disjuntivos.

No juízo categórico, a enunciação não está submetida a nenhuma condição. Será hipotético, quando a enunciação se formula condicionalmente, submetida a uma hipótese, a uma situação que não asseguramos senão supomos: “Se chover, não irei à praia”.

Os juízos disjuntivos assim como os hipotéticos são juízos condicionais; porém enquanto juízo hipotético20 o condicionante é uma situação externa ao juízo propriamente dito, no juízo disjuntivo a condição funciona como dentro da proposição.

Nos juízos disjuntivos21 há dois ou mais predicados que se excluem mutuamente, de tal forma que somente um deles, pode ser verdadeiro. Este triângulo é equilátero, isósceles ou escaleno.

Se a norma jurídica completa revela uma dúplice composição, composta por uma norma primária e outra secundária. Internamente, normas primárias e secundárias denotam duas proposições: um antecedente, descritor de determinado fato, a qual se associa em consequente, prescritor de uma relação jurídica que abarca dois sujeitos de direito.

Tais proposições intranormativas (antecedente e consequente) cumprem papel assemelhado ao da prótase e ao apótose na composição do juízo hipotético. A prótase pode ser conceituada como conjunto de critérios para identificação de fato que, acontecido, determina a incidência de certa consequência prevista na apótose. Por sua vez, esta é o conjunto de critérios para a determinação de certa consequência, imputada à realização do fato previsto na prótase.

Toda e qualquer norma jurídica, seja primária ou secundária, exibe uma composição sintática consistente. Se ocorre um fato F qualquer (antecedente) então o sujeito S deve fazer ou não fazer, ou pode omitir a conduta C ante outro sujeito S (consequente).

Exemplo: a norma que comanda o inquilino ao pagamento do aluguel, que é norma primária, exibe a seguinte estrutura: “se se dá o negócio jurídico de locação, então o inquilino deve prestar aluguel ante o locador”.

Destaca Paulo de Barros Carvalho que foi mérito de Kelsen a visualização de proposições jurídicos como juízos hipotéticos e não categóricos como até então sustentara a doutrina tradicional.

Se normas jurídicas consubstanciariam exclusivamente, um ato coativo condicionado ou, em outros termos, amarrariam uma relação de dever ser, uma situação de fato condicionante a uma consequência jurídica condicionada (sanção).

Para Kelsen, a forma lógica de proposição normativa é a de um juízo hipotético para Cossio, a de um juízo disjuntivo. Lourival Vilanova observa in litteris: “considerando-se bem a teoria egológica22, ela não recusa a estrutura hipotética, pois na fórmula: dado A deve-ser B, ou dado não-B deve ser S , encontra-se a relação ascendente para consequente, característica da conexão hipótese/tese (ou prótase/apódase).

Foi principalmente a partir dessas proposições e, em torno destas desenvolveram-se amplos estudos sobre a estrutura lógica da norma jurídica. Dentre os autores que se têm ocupado do tema como: Kafmann, Schreier, Kalinowski, Bobbio, Garcia Maynes, Berto Copello, Delia e Chave, M. Eugenia Urquijo e Ricardo Guibourg. E, no Brasil temos Machado Neto, Lourival Vilanova, Miguel Reale, Maria Helena Diniz, Paulo de Barros Carvalho, Marco Aurélio Greco, L. Fernando Coelho.

Realmente, a disjunção de Cossio está no enlace das duas proposições normativas, na conexão a endonorma e da perinorma. A estrutura interna de cada um desses membros da norma jurídica completa logicamente de uma proposição antecedente e de uma proposição consequente.

Tornou-se célebre e clássica a distinção exposta por Kelsen a respeito das ordens das leis naturais23 e das leis jurídicas. Nas primeiras e que também podem ser formuladas como juízos hipotéticos, a relação entre o antecedente e a consequência é determinada por um nexo de causalidade: ligam-se dois fatos mediante uma relação de causa e efeito.

Nas normas jurídicas, condição e consequência são enlaçadas por um processo de imputação lógica: sob certos pressupostos fixados pela ordem jurídica, deve efetivar-se dada consequência pela mesma ordem jurídica estabelecida24.

A lei natural diz: Se A é B, também é (ou será); a lei jurídica, se A é, B deve ser.

Nas palavras de Bobbio enquanto o nexo que une A e B em uma lei científica é um nexo de causalidade, no sentido que A é a causa de B no sentido de que A é a causa de B, e B é efeito do A, o nexo que une A e B em uma lei jurídica é um A e B em uma lei jurídica, é um nexo, como disse Kelsen, de imputação, no sentido em que a consequência B não é efeito da condição A, mas é imputada a A por um fato humano, mais precisamente por uma norma.

Então, a consequência na lei natural decorre de um fato voluntário, enquanto na norma jurídica a consequência é deflagrada por um ato de imputação, que é uma deliberação voluntária.

Kelsen, ao consagrar o princípio gnosiológico da imputação construiu a lógica do dever ser contrapondo-a à logica do ser. Esta é a da natureza e tem como pressuposto a constância causal e como conectivo de suas proposições o verbo “ser”.

Se a água for aquecida para além de certa temperatura (antecedente), então ocorrerá a ebulição da água (consequente). Aquela, a do ambiente normativo tem como pressuposto a imputação lógica e como característica de suas proposições a expressão “deve ser”. Se ocorrer um ato ilícito (antecedente), então “deve ser “a obrigação do ofensor prestar indenização ao lesado (consequente).

Visualiza-se, então, nas proposições normativas não apenas um, senão dois functores ou conectivos deôntico. Afora o conectivo intraproposicional, que se modalizado em um dos três possível modais deôntico (O, V e P) no interior da proposição consequente, há outro que aflora do nexo entre hipótese e consequência e, bem por isso, por enlaçar duas proposições que compõem a estrutura dual interna da norma jurídica primária ou secundária, é designado como deve ser interproposicional.

Este functor deôntico não cumpre função outra afora conectar as proposições antecedente e consequente, realizando a implicação lógica e, assim não experimenta nenhuma modalização, ou seja, não assume os modos “obrigatório”, “proibido” ou “permitido”. É axiologicamente neutro.

As normas jurídicas revelam internamente uma composição sintática constante, uma estrutura lógica à maneira dos juízos hipotéticos que, formalizada.

O pensamento de Cossio25 valoriza sobremaneira a liberdade do agente diante do comando expresso pela norma, chegando a negar o caráter imperativo da regra jurídica.

O homem é livre para não cumprir a endonorma, a prestação, sendo então sujeitado a uma sanção aplicada pelo órgão competente. A norma é um juízo que diz algo a respeito da conduta em sua liberdade.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

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