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Danos morais por abandono afetivo

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Entenda por que o abandono afetivo pode gerar obrigação indenizatória e onde a reparabilidade desse tipo de dano encontra respaldo no Código Civil.

Resumo: Este trabalho analisa o dano moral por abandono afetivo. Tal abordagem tem por finalidade retratar a possibilidade de compensação pecuniária aplicada ao direito de família em casos em que se configura o abandono afetivo, no que diz respeito à omissão no dever de cuidado. O propósito deste estudo é demonstrar os aspectos jurídicos do tema, em especial, a situação dos pais que arcam com o pagamento em dia da pensão alimentícia mas negligenciam o afeto e cuidado aos filhos. Este propósito será buscado a partir da revisão bibliográfica. A primeira parte da pesquisa se concentrou na pesquisa em livros, artigos científicos e leis, para o esclarecimento do tema e conceituação do instituto. A segunda parte fala de decisões nos tribunais de justiça, a fim de demonstrar como tem sido analisados os pedidos de indenização por dano moral afetivo no âmbito jurídico brasileiro. O estudo demonstrou que caso um dos genitores abandone afetivamente o filho poderá ser civilmente responsabilizado e condenado por dano moral afetivo, desde que comprovados os requisitos ensejadores do dano.

Palavras-chave: Direito de Família. Dano moral. Abandono Afetivo. Omissão.


1 INTRODUÇÃO

Este trabalho analisa o dano moral por abandono afetivo. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) institui que o Estado deve oferecer proteção especial à família, que é a base da sociedade, e, além disso, deve assegurar, com absoluta prioridade, os direitos das crianças e dos adolescentes, juntamente com a família e a sociedade.

A evolução no conceito de família, acompanhada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, fez com que o afeto viesse às relações familiares como essencial ao desenvolvimento de seus membros, introduzindo o dever de cuidado na ordem jurídica. Assim, se existem obrigações objetivas e estão sendo negligenciadas, é necessário que o Estado puna aquele que não presta com seu compromisso de afeto, cuidado e carinho, e, para tanto, invoca-se a responsabilidade civil.

Diante disso, pergunta-se: É possível que o alimentante que arca com o pagamento em dia da pensão alimentícia possa ser condenado à indenização por danos morais, caso abandone afetivamente o alimentado?

Em relação ao tema proposto, a primeira hipótese é de que a conduta caracterizadora do abandono afetivo seja voluntária, tendo em vista a omissão de cuidado, que deveria ser prestado ao filho e também configura ato ilícito, uma vez que o dever de cuidado é imprescindível ao sadio desenvolvimento do infante, gerando o dever de reparação civil por aquele que negligenciou o tratamento de amor e carinho ao filho, mesmo que arque com o pagamento de pensão alimentícia.

E a segunda hipótese é a de que a possibilidade de responsabilização civil por abandono afetivo não pretende criar um ambiente de amor, afeto e carinho entre pais e filhos, mas sim, demonstrar a necessidade do cuidado familiar e a importância de que sejam cumpridas as obrigações constitucionais atribuídas aos pais.

O objetivo deste estudo é demonstrar os aspectos jurídicos do tema, em especial, a situação dos pais que arcam com o pagamento em dia da pensão alimentícia, mas negligenciam o afeto e cuidado aos seus filhos.

Este propósito será conseguido a partir da revisão bibliográfica. A primeira parte da pesquisa se concentrou na pesquisa em livros, artigos científicos e leis. A segunda parte pesquisou decisões nos tribunais de justiça, a fim de demonstrar como têm sido pautados os pedidos de indenização por dano moral afetivo no âmbito jurídico brasileiro.


2 ASPECTOS GERAIS SOBRE A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

Existem diversos conceitos de família, não sendo possível delimitá-lo em apenas uma frase. De acordo com Gagliano (2017), não é possível delimitar a complexa e multifacetada gama de relações socioafetivas que vinculam as pessoas, tipificando modelos e estabelecendo categorias. Segundo Farias e Rosenvald:

A expressão família vem da língua dos oscos, povo do norte da península italiana, famel (da raiz latina famul), com o significado de servo ou conjunto de escravos pertencentes ao mesmo patrão. Essa origem terminológica, contudo, não exprime a concepção atual de família, apenas servindo para a demonstração da ideia de agrupamento. (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p. 13)

Na sua evolução pós-romana, a família recebeu a contribuição do direito germânico. Recolheu, sobretudo, a espiritualidade cristã, reduzindo-se o grupo familiar aos pais e filhos, e assumiu cunho sacramental (PEREIRA, 2017).

No direito moderno a família é considerada como uma organização democrática- afetiva. Segundo Pereira:

Substituiu-se, à organização autocrática, uma orientação democrático-efetiva. O centro de sua constituição deslocou-se do princípio da autoridade para o da compreensão e do amor. As relações de parentesco permutaram o fundamento político do agnatio pela vinculação biológica da consanguinidade (cognatio). (PEREIRA, 2017, p. 425)

O conceito de família passou por inúmeras alterações com o passar dos tempos. Hoje em dia, de acordo com Farias e Rosenvald (2016, p. 15), possui ―uma concepção múltipla, plural, podendo dizer respeito a um ou mais indivíduos, ligados por traços biológicos ou sociopsicoafetivos, com a intenção de estabelecer, o desenvolvimento de cada um‖. Importante ressaltar que cada sociedade possui seus próprios valores, fazendo com que a família assuma diferentes funções, influenciada pelas circunstâncias de tempo e lugar.

Com isso, de acordo com Farias e Rosenvald (2016), trata-se de um núcleo transmissor de costumes e experiências humanas que vão passando de geração em geração. Sendo assim, a família é, inegavelmente, a instituição social primária, podendo ser considerada um regime de relações interpessoais e sociais, com a finalidade de colaborar para a realização das pessoas humanas que compõem um determinado núcleo.

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A Constituição Federal de 1988 (CF) considera a família como sendo a base da sociedade, segundo Gagliano:

Note-se a importância dada à família, considerada como fundamento de toda a sociedade brasileira. Tal previsão, de per si, já justificaria a necessidade imperiosa — e obrigação constitucional — de os governos, em suas três esferas — federal, estadual e municipal —, cuidarem de, prioritariamente, estabelecer, como metas inafastáveis, sérias políticas públicas de apoio aos membros da família, especialmente a criança, o adolescente e o idoso. (GAGLIANO, 2017, p. 341)

Sobre a família contemporânea, Pereira (2017, p. 425), ensina que ―um mundo diferente imprime feição moderna à família. A família, em qualquer de suas formas, recebe integral proteção do Estado, hoje não mais existe o poder patriarcal que vigorou no Brasil até o Século XX.

De acordo com Pereira (2017, p. 425), o pai, como um pater romano, exercia autoridade plena sobre os filhos, que nada faziam sem a sua permissão. Escolhia-lhes a profissão, elegia o noivo da filha, estava presente em toda a vida de uns e de outros‖.

Para Gagliano (2017), família é o núcleo existencial integrado por pessoas unidas por vínculo socioafetivo, teologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes, segundo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Pode-se dizer que a essência da entidade familiar são os vínculos de afetividade existentes nessa relação. Dispõe Pereira (2017) que o afeto constitui a diferença específica que define a entidade familiar. É o sentimento entre duas ou mais pessoas que se afeiçoam pelo convívio diuturno, em virtude de uma origem comum, ou em razão de um destino comum que conjuga suas vidas.

Nesse tipo de convivência familiar todos trazem experiências anteriores e se veem diante do desafio de criar novos espaços de afetividade. Essa relação de parentesco por afinidade assume, muitas vezes, as funções e cuidados próprios da família biológica, sobretudo em razão da morte ou da separação conjugal (PEREIRA, 2017).

Os genitores afins, quase sempre participam do processo de socialização, do sustento material e educação. Neste núcleo familiar, o diálogo, o afeto e a solidariedade podem ajudar nos conflitos que se apresentam diversificados em cada configuração familiar‖ (PEREIRA, 2017, p. 426).

Segundo Gagliano (2017), é preciso compreender que a família, hoje, não é um fim em si mesmo, mas o meio para a busca da felicidade, ou seja, da realização pessoal de cada indivíduo, ainda que existam arranjos familiares constituídos sem amor.

Portanto, independentemente de a família ser formada biologicamente ou por afinidade, o que deve existir é o amor e a busca pela felicidade de seus componentes.

Existem diversos princípios que norteiam o Direito de Família; passa-se a analisar o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da solidariedade.

Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, dispõe a CF em seu art. 1o, inc. III: ―A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana‖ (BRASIL, 1988, p. 1).

A dignidade da pessoa humana é um conjunto de princípios e valores que tem a função de garantir que cada cidadão tenha seus direitos respeitados pelo Estado. O principal objetivo é garantir o bem-estar de todos os cidadãos (GONÇALVES, 2017).

Já em relação ao princípio da solidariedade familiar, este passou a reger as relações familiares, a partir da entrada em vigor da CF/1988. De acordo com Gagliano (2017), a solidariedade instiga a compreensão da família brasileira contemporânea e se vê em estado de perplexidade para lidar com a liberdade conquistada. Porém, a liberdade não significa destruição dos vínculos e laços familiares, mas reconstrução sob novas bases. Daí a importância do papel da solidariedade, que une os membros da família de modo democrático.


3 RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA

A responsabilidade civil encontra fundamento no Capítulo V, Título III (Dos Atos Ilícitos) art. 186 do CC: ―Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito‖ (BRASIL, 2002, p. 18).

Junto a essa norma, o art. 927, do CC, assim dispõe: "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, seja na esfera material, ou no âmbito extrapatrimonial, fica obrigado a repará-lo" (BRASIL, 2002, p. 66).

Para configuração do dano, é necessário existir os pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil, o que se retira do art. 186, CC, são eles: a) conduta culposa, extraída da expressão ―aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia‖; b) nexo causal, expresso no verbo ―causar‖; c) dano, revelado nas expressões ―violar direito ou causar dano a outrem‖.

Desse modo, o dano moral é a consequência de um ato, praticado por ação ou omissão, violando o direito de outrem. Cabe, neste estudo, analisar o cabimento do dano moral nas relações familiares e sua aplicação nos casos de abandono afetivo.

De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG):

O desamparo pode se manifestar por diversas formas, sendo elencadas as mais comuns, quais sejam: aquelas que decorrem do completo desconhecimento acerca da pessoa dos pais; as decorrentes de um registro formal voluntário não seguido de atuação efetiva pela mãe ou pelo pai; as situações de descaso que persistem mesmo após o pronunciamento estatal nas ações investigatórias; e, por fim, o abandono posterior à cessação da convivência entre os pais. (MINAS GERAIS, 2019, p. 9)

Não bastasse a violação ao art. 227 da CF (BRASIL, 1988), o abandono do filho, o seu não reconhecimento, a descriminação, a humilhação, constituem violação do art. 1.634, I, do CC (BRASIL, 2002), que prevê que compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, dirigir-lhes a criação e educação. Além disso, o ECA, em seus art. 3o, 4o e 5o, assim dispõe:

Art. 3o A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando- se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4o É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5o Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. (BRASIL, 1990, p. 1)

Diante disso, afirma-se que a falta da relação paterno-filial acarreta a violação de direitos próprios da personalidade humana, maculando o princípio da dignidade da pessoa humana.

Segundo o art. 227, da CF, as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e contemplados com enorme número de garantias e prerrogativas (BRASIL, 1988). De acordo com Dias (2016, p. 164): ―o princípio da proteção integral impõe que sejam colocados a salvo de toda forma de negligência. Mas direitos de uns significa obrigações de outros. São responsáveis a dar efetividade a esse leque de garantias: a família, a sociedade e o Estado‖.

Por sua vez, o art. 229 da CF prevê que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (BRASIL, 1988).

Ao regulamentar a norma constitucional, o ECA identifica como direito fundamental de crianças e adolescentes o seu desenvolvimento sadio e harmonioso (art. 7o - BRASIL, 1990). Igualmente lhes garante o direito a serem criados e educados no seio de sua família (art. 19 - BRASIL, 1990).

Segundo os ensinamentos de Dias:

A convivência dos pais com os filhos não é um direito, é um dever. Não há o direito de visitá-lo, há a obrigação de conviver com eles. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida. (DIAS, 2016, p. 164)

O conceito atual de família é centrado no afeto como elemento agregador, e exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade (DIAS, 2016, p. 164).

Segundo Dias:

A enorme evolução das ciências psicossociais escancarou a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação. Não se pode mais ignorar essa realidade, tanto que se passou a falar em paternidade responsável. Assim, a convivência dos pais com os filhos não é um direito, é um dever. Não há o direito de visitá-lo, há a obrigação de conviver com eles. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida. (DIAS, 2016, p. 164)

Nesse mesmo sentido, Madaleno:

Nem sempre os pais exercem o dever de convivência para com os seus filhos, e, embora seja dito representem as visitas um direito-dever dos pais, elas se vinculam muito mais ao direito dos filhos do que ao direito dos pais, pois para o filho em formação é de extrema importância a coexistência sadia com seus genitores, mola mestra e propulsora da sua hígida formação moral e psíquica. (MADALENO, 2017, p. 565)

Diante desse cenário, passou-se a utilizar a responsabilidade civil prevista no ordenamento pátrio para financeiramente ressarcir o prejuízo emocional causado.

O CC trata da responsabilidade civil a partir do art. 927, ao prescrever o dever de reparar o prejuízo quem por ato ilícito causar dano a outrem e, no art. 186, quando pressupõe a ilicitude decorrente do ato efetuado pela ação ou omissão voluntária, pela negligência ou imprudência de quem por qualquer dessas vias viola direito e causa dano material ou moral a outrem, como também comete um dano a ser financeiramente reparado aquele que abusa do seu direito (CC, art. 187).

De acordo com Farias e Rosenvald (2016), a possibilidade de caracterização de um ato ilícito, conforme as regras gerais dos arts. 186 e 187 do CC, em uma relação familiar, é certa e incontroversa, impondo, por conseguinte, a incidência da responsabilidade civil no Direito das Famílias, com o consequente dever de reparar danos, além da possibilidade de adoção de medidas para eliminação do dano (tutela específica, conforme balizamento do art. 497 e 498 do CPC).

A responsabilidade civil no Direito de Família projeta-se para além das relações de casamento ou de união estável, sendo possível a sua incidência na parentalidade, ou seja, nas relações entre pais e filhos. Uma das situações em que isso ocorre diz respeito à responsabilidade civil por abandono afetivo, também denominado abandono paterno-filial ou teoria do desamor (TARTUCE, 2018).

Trata-se de aplicação do princípio da solidariedade social ou familiar, previsto no art. 3.o, inc. I, da CF (BRASIL, 1988), de forma imediata, a uma relação privada (TARTUCE, 2018, p. 631).

Nas palavras de Farias e Rosenvald (2016, p. 132): ―remanesce grande dúvida acerca do alcance da ilicitude nas relações de família. O tema é extremamente polêmico, pertencente, com toda certeza, à área cinzenta do Direito das Famílias‖.

Farias e Rosenvald (2016) expõe duas correntes doutrinárias a respeito da ilicitude nas relações familiares, se não veja:

Em uma margem, encontram-se os adeptos de uma ampla caracterização da ilicitude nas relações familiares, admitindo uma ampliação da responsabilização civil no âmbito interior da família. Sustentam estes que a indenização seria devida tanto nos casos gerais de ilicitude (tomando como modelo os arts. 186 e 187 da Lei Civil), como em casos específicos, decorrentes da violação de deveres familiares em concreto.

Noutra banda, há parcela, não menos significativa, de juristas que aceitam a aplicação da responsabilidade civil no Direito das Famílias tão somente nos casos em que se caracterizar um ato ilícito, conforme a previsão legal genérica. Ou seja, entendem que a responsabilidade civil no seio familiar estaria associada, necessariamente, ao conceito geral de ilicitude, não havendo dever de indenizar sem a caracterização da cláusula geral de ilicitude (arts. 186 e 187, CC). (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p. 132)

Tendo em vista os dizeres acima expostos, não se pode admitir que a pura e simples violação de afeto enseje uma indenização por dano moral. Somente quando uma determinada conduta se caracterizar como ilícita é que será possível indenizar os danos morais e materiais dela decorrentes.

Afeto, carinho, amor, atenção ... são valores espirituais, dedicados a outrem por absoluta e exclusiva vontade pessoal, não por imposição jurídica‖ (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p. 133). Por isso a necessidade de ponderação ao tratar sobre o assunto. O abandono afetivo pode gerar obrigação indenizatória. A reparabilidade do dano encontra respaldo legal (art. 952, parágrafo único, CC), uma vez que atinge o sentimento de estima frente determinado bem (DIAS, 2016, p. 165).

Tartuce cita um caso emblemático julgado pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1.159.242/SP:

Apesar dessas ressalvas verificadas na prática e voltando ao caso emblemático julgado pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1.159.242/SP, e que admitiu a tese que aqui se expõe, conforme entrevista dada ao jornal Folha de S. Paulo, de 05.05.2012, a autora da ação, Luciane Souza, pretendia apenas um mínimo de atenção de seu pai, o que nunca foi alcançado. Diante das perdas imateriais irreparáveis que sofreu, não restava outro caminho que não o da indenização civil. Nas palavras de José Fernando Simão,  ̳a indenização muito representa para Luciane e para muitas outras pessoas abandonadas afetivamente. Para Luciane, compensa-se um vazio, já que os danos que sofreu são irreparáveis. O dinheiro não preenche o vazio, mas dá uma sensação de que a conduta lesiva não ficou impune. Para outros filhos abandonados, nasce a esperança de que poderão receber do Poder Judiciário uma decisão que puna os maus pais, já que o afeto não receberam e nunca receberão‘. As palavras transcritas também são as do presente autor. (TARTUCE, 2018, p. 635)

Contudo, exatamente a carência afetiva, tão essencial na formação do caráter e do espírito do infante, justifica a reparação pelo irrecuperável agravo moral que a falta consciente deste suporte psicológico causa ao rebento, sendo muito comum escutar o argumento de não ser possível forçar a convivência e o desenvolvimento do amor, que deve ser espontâneo e nunca compulsório, como justificativa para a negativa da reparação civil pelo abandono afetivo (MADALENO, 2017).

Diante do abandono afetivo, o poder judiciário vem enfrentando demandas de filhos em face de seus pais em busca de ressarcimento pela sua ausência, o que vem gerando diversas discussões no âmbito jurídico e social. Não sendo possível compelir seus pais a dar carinho, pretendem os filhos com a condenação do pai ou mãe por dano moral reduzir, atenuar o sofrimento, os sentimentos negativos de mágoa, dor e tristeza que suportaram pela sua ausência.

Sobre os autores
Larissa Flauzino Grego

Aluna do Curso de Direito da Faculdade Cenecista de Varginha

Paulo Henrique Reis de Mattosq

Professor orientador do presente trabalho. É mestre em Direito Privado pela PUC MINAS, professor na Faceca nas disciplinas de Direito Civil (Parte Geral, Direito de Família e Direito das Sucessões) e advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GREGO, Larissa Flauzino; MATTOSQ, Paulo Henrique Reis. Danos morais por abandono afetivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6380, 19 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87412. Acesso em: 22 dez. 2024.

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