Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A importância da epistemologia, enquanto abordagem filosófica do conhecimento científico

Agenda 18/12/2020 às 13:11

O ensaio trata da importância da epistemologia, enquanto abordagem filosófica do conhecimento científico.

 

Filosofia, expressão que teria sido empregada primeiramente por Pitágoras, é uma palavra que decorre da união de philos, que designa amizade ou amor fraternal, e sophia, que significa sabedoria. O filósofo, em sentido amplo, é aquele que estima a sabedoria e que busca o saber por todos os meios.

É nesse sentido que a atitude filosófica se volta à totalidade do conhecimento, inclusive dos conhecimentos científicos[1]. As ciências[2], de acordo com as proposições de Aristóteles, são fracionadas segundo os objetos e finalidades específicas de cada uma.

Segundo essa ótica, primeiramente, existem as ciências produtivas, ou técnicas, com fins pragmáticos, cujas investigações recaem sobre as ações científicas teologicamente direcionadas. Referem-se a saberes que se destinam a uma obra final, com autonomia em relação ao sujeito, a exemplo da arquitetura, da economia e do direito. Nesse contexto a atuação cognitiva não se esgota em si mesma, transcende o sujeito e se consolida numa obra singular.

Já as ciências práticas são aquelas que, diferentemente das ciências produtivas, correspondem ao saber reflexivo, cujo foco converge para o próprio sujeito, ou seja, o exercício cognitivo favorece o ser humano, independentemente da realização de uma obra autônoma. A política e a ética seriam ciências dessa categoria.

As ciências teoréticas, como a metafísica ou filosofia primeira, de outro passo, se ocupam dos entes independentes da obra humana (independente da técnica, da produção do homem). Diante dos entes, autônomos e independentes, ao sujeito restaria tão somente o mero exercício contemplativo.

Dentro desta classe de saber científico, segundo o pensamento aristotélico, existem diversos graus de abstração. A metafísica propriamente dita, ou a filosofia primeira, é a ciência que estuda o ser. A teologia, ao seu lado, estuda a causa de todas as causas, o divino. Estas duas são as mais abstratas, e correspondem à base de todo agir cognitivo.

Aristóteles aponta ainda as ciências dos entes naturais imutáveis, não sujeitos a mudanças, como a matemática e a astronomia, neste último caso, levando em conta a crença dos gregos na imutabilidade do universo.

Independente das subclassificações categóricas realçadas, antes de se projetar sobre conhecimentos de uma área específica, acreditamos que o cientista, em sentido amplo, deveria se ocupar dos saberes filosóficos mais abrangentes e das normas gerais que condicionam e regem o próprio pensamento.

Antes de escolher e definir o que se pretende investigar nos campos restritos da ciência (e.g. questões relacionadas à ciência do direito ou mesmo ao direito positivo), seria conveniente que o pesquisador buscasse conhecer os fatores que antecedem, legitimam e condicionam essas escolhas e definições[3].  

Dominados os saberes filosóficos mais abrangentes e encontrados os princípios gerais que disciplinam o exercício da busca do conhecimento, o sujeito poderia avançar mais seguramente às especificidades das investigações científicas[4] propriamente ditas.

Em outros termos, além da preocupação com as particularidades das ciências jurídicas, o pesquisador não deve se esquecer da grande importância da epistemologia, enquanto abordagem filosófica do conhecimento científico, pelas inestimáveis contribuições críticas acerca dos fundamentos lógicos, dos princípios e bases da produção científica.

Por isso, com já sustentamos anteriormente[5], o apoio da filosofia[6] é indispensável para o adequado exercício da pesquisa científica, pois oferece bases sólidas e seguras à sua edificação.

Os pesquisadores do direito, portanto, que almejam resultados seguros nos respectivos campos de investigação, não podem desprezar o saber filosófico, a epistemologia ou outras fontes de conhecimento estranhas à sua área de pesquisa.

É preciso acentuar que não sugerimos a inaplicabilidade das regras que disciplinam a atividade científica. O que defendemos é que o pesquisador se mantenha aberto para se nutrir de outros saberes, que podem servir de apoio para ampliar e favorecer suas investigações, lançar luzes mais fortes sobre os objetos que avalia e conferir mais nitidez à imagem dos fenômenos que se apresentam aos seus olhos.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Referências

ARISTÓTELES. Categorias. Tradução José Veríssimo Teixeira da Mata. 3ª ed . São Paulo: Martin Claret, 2012.

DAWKINS, Richard. Ciência na alma. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das letras, 2018.

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2017.

NETTO, Antonio Evangelista de Souza. O controle jurisdicional do plano de recuperação judicial: paradigmas para o protagonismo do magistrado no controle do plano de recuperação judicial. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. (Tese de Doutorado em Direito). 2014.

SHAKESPEARE, William. A megera domada. Tradução Millor Fernandes. Porto Alegre: L&PM, 2003.

 


[1] ARISTÓTELES. Categorias. Tradução José Veríssimo Teixeira da Mata. 3ª ed . São Paulo: Martin Claret, 2012.

[2] Sobre os valores da ciência e a ciência dos valores confira: DAWKINS, Richard. Ciência na alma. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das letras, 2018, p. 34 e seguintes.

[3] É relevante destacar, nesse contexto que, de acordo com Aristóteles, “(...) homônimas são ditas as coisas das quais só o nome é comum, enquanto o enunciado da essência é outro. Por exemplo, animal é tanto o homem quanto o retrato, pois somente o nome deles é comum. O enunciado da essência é outro. Se alguém quiser dar conta do que é a essência do animal, em relação a cada um deles, dará um enunciado próprio; dizem sinônimas as coisas cujo nome é comum, enquanto o enunciado da essência é mesmo, e.g. animal é o homem e o boi, pois cada um deles é chamado pelo nome comum. O enunciado da essência é o mesmo. Se alguém quiser dar conta do que é, para cada um deles, a essência do animal, dará um mesmo enunciado; parônimas são ditas todas as coisas que, diferindo-se de outra coisa pela desinência, obtêm a denominação do nome; assim, da gramática, o gramático; e da coragem, o corajoso. ” ARISTÓTELES. Categorias. Tradução José Veríssimo Teixeira da Mata. 3ª ed . São Paulo: Martin Claret, 2012, p. 71.

[4] Sobre as crises epistemológicas e as novas teorias científicas confira: KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2017, p. 159.

[5] NETTO, Antonio Evangelista de Souza. O controle jurisdicional do plano de recuperação judicial: paradigmas para o protagonismo do magistrado no controle do plano de recuperação judicial. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. (Tese de Doutorado em Direito). 2014.

[6] Vejam este inspirador trecho da obra de Shakespeare. Trânio, aconselhando Lucêncio sobre as aspirações - Ato I – Cena I – dirá que “[...] à doçura da doce filosofia. Amenas, meu bom amo, por mais que admiramos essa virtude, essa disciplina moral, rogo-lhe não nos tornemos estoicos ou insensíveis. Não tal devotos da ética de Aristóteles a ponto de achar Ovídio desprezível. Apoie a lógica nos seus conhecimentos do mundo e pratique a retórica na conversa usual; inspire-se na música e na poesia e não tome a matemática e da metafísica mais do que o estomago pode suportar; o que não dá prazer não dá proveito. Em resumo, senhor, estude apenas o que lhe agradar.” SHAKESPEARE, William. A megera domada. Tradução Millor Fernandes. Porto Alegre: L&PM, 2003, p. 22.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!