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Diferença entre danos morais e meros aborrecimentos ou dissabores

É preciso restaurar a dignidade e importância do instituto dos danos morais ressignificando sua importância

Agenda 20/12/2020 às 14:12

Nem tudo é caso de dano moral. Instituto de alta relevância para o mundo atual, mas que é visto como oportunidade de obtenção de dinheiro fácil. Precisamos resgatar a importância desse instituto jurídico. Nem toda abencerragem jurídica gera dano moral.

1) Diferença entre Danos Morais e Meros Aborrecimentos ou Dissabores

Consoante se defende no presente trabalho, os danos morais merecem a devida e justa reparação, quando ocorrem na vida da pessoa. Afinal, os danos morais, que são decorrentes da violação dos direitos da personalidade, estão previstos tanto em esfera constitucional, nos incisos V e X, do art. 5o da CF/88, quanto em esfera infraconstitucional, previsto no art. 186 do CC/02.

Os danos morais, consoante já dito, se traduzem nos prejuízos sofridos pela pessoa em sua intimidade, em sua honra, em sua imagem e vida privada, enfim, nos direitos de personalidade, causando danos de tão ampla profundidade, que a pessoa tem sua vida abalada de tal ordem, que se sente impotente diante dos acontecimentos da vida, ficando, muitas vezes, sem reação para continuar a viver normalmente. Muitas pessoas, diante de um abalo moral, quedam em distúrbios psicológicos como depressão, melancolia extrema, síndrome do pânico e tantos outros problemas, que imobilizam a pessoa diante dos afazeres do cotidiano. Por isso, os danos morais devem receber a devida indenização.

Entretanto, há casos que não configuram dano moral, mas sim, meros aborrecimentos ou meros dissabores. Os meros aborrecimentos ou dissabores são as contrariedades que se sofre na vida. Há situações em que podemos receber uma repreensão de determinada pessoa, diante de um comportamento equivocado que tivemos para com a mesma. Esta repreensão, consistente na crítica da atitude perpetrada, pode não nos agradar, pois, raras pessoas recebem com humildade as críticas que lhes são endereçadas. Todavia, esta contrariedade ou aborrecimento, por se ter tido o ego arranhado não é passível de indenização. Estes dissabores são decorrentes da vida em sociedade e mais, da grande disciplina da convivência humana, para se usar uma feliz expressão do saudoso professor e jurista Goffredo Telles Junior.

Sobre a disciplina da convivência, o professor e jurista Goffredo Telles Junior, em sua obra “Iniciação na ciência do direito”, 4a edição, revista e atualizada, 2a tiragem, Editora Saraiva, 2009, p. 381, assim faz constar:

 

A sociabilidade própria dos seres humanos, a convivência norteada pelo bem-comum como condição do bem individual das pessoas, o regime da recíproca dependência, o sistema de direitos e deveres entrelaçados, tudo isso exige, como é óbvio, regulamentação adequada, ordenação congruente. Exige disciplinação racional.

Da natureza específica dessa disciplina é do que cuidamos neste livro.

Agora sabemos o que é o Direito. Afinal, o Direito é uma DISCIPLINA DA CONVIVÊNCIA.

Este conceito não é uma definição, em sentido estricto, porque há disciplinas da convivência que não são jurídicas. Não são jurídicas, por exemplo, as disciplinas religiosas e as disciplinas das práticas habituais, que também regem a convivência. Não são jurídicas porque não são autorizantes, no sentido especializado e técnico deste termo: não autorizam os lesados pela violação delas a exigir reparação pelo dano praticado.

Mas, para a ordem da comunidade, o Direito é a disciplina da convivência por excelência. É importantíssima. Dela depende o reino efetivo do bem-comum e o empenho da justiça no entrechoque dos interesses. Dela dependem as garantias do respeito pelo próximo, ou seja, do respeito de cada um pelas pessoas e pelos direitos dos outros, assim como do respeito dos outros pela pessoa e pelos direitos de cada um. Dela depende a correlação impositiva entre direitos e deveres.

 

No decorrer da prática da disciplina da convivência é evidente que surgirão desentendimentos, rusgas, chispas e contrariedades entre as pessoas, pois, ninguém aprende os regramentos de determinada disciplina, sem cometer erros e deslizes. É do erro que vem o aperfeiçoamento. Ninguém chega ao acerto, sem ter percorrido o caminho tortuoso dos erros. Entretanto, consoante é cediço, o maior entrave para se aprender as verdades da vida é a arrogância, ou seja, o sentimento equivocado, que as pessoas nutrem dentro de si mesmas, de que tudo sabem, dispensando os aconselhamentos sábios das outras pessoas. Ninguém basta por si mesmo.

Portanto, os desentendimentos são comuns, notadamente em uma sociedade tão complexa, quanto a sociedade humana atual. O problema é que ninguém admite ser contrariado em seus melindres, ou em sua delicadeza egocêntrica exacerbada. As pessoas pensam que tem razão em tudo e diante de todos. E, quando contrariadas, ou seja, quando seus gostos não são devidamente atendidos, quedam como vítimas neuróticas, pleiteando exacerbadas reparações, tendo por base queixumes infundados. Às vezes, o suposto dano moral não passa de um simples arranhão no ego e na arrogância da suposta vítima. E isso, evidentemente, não é passível de indenização. Meros infortúnios do cotidiano não geram indenização por danos morais.

O tema relacionado à diferenciação entre danos morais e meros dissabores ou aborrecimentos, certamente merece a devida atenção dos estudiosos da temática relacionada aos danos morais e desperta, no judiciário, muita preocupação. Um grande número de pedidos de indenização por danos morais adentra as portas do Poder Judiciário, todos os dias. Ocorre que, fundamentando referidos pedidos, verificam-se situações fáticas configuradoras de meros aborrecimentos ou dissabores, meras contrariedades, decorrentes dos transtornos diários, que são inerentes ao cotidiano de sociedades complexas, notadamente nas sociedades do século XXI, com um desenvolvimento tecnológico e da informática tão vertiginoso.

Os relacionamentos se tornaram mais intensos, rápidos e complexos. As pessoas respondem às mais variadas situações e opiniões com grande velocidade, quase em tempo real. Instrumentos tecnológicos da informática como “Orkut”, “Comunidades virtuais”, “youtube”, ou mesmo o mais comum dos instrumentos do mundo virtual, o e-mail (correio eletrônico), possibilitaram uma troca de informações cada vez maior.

Na disciplina da convivência é muito comum que as pessoas se desentendam. Destes desentendimentos podem surgir situações conflitantes, principalmente, quando uma pessoa começa a apontar os defeitos da outra. A pessoa apontada, geralmente, não aceita ou admite ser portadora dos defeitos indicados e isso, certamente, gerará um conflito. No entanto, ainda que a pessoa que recebe a crítica se sinta ofendida ou desgostosa com a opinião emitida, a mesma não terá direito a qualquer indenização por danos morais. Afinal, é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, nos termos do inciso IV, do art. 5o da CF/88.

Não se nega que estas situação sejam desagradáveis, gerando no suposto ofendido certo desconforto, aborrecimento ou dissabor, mas, estes sentimentos, certamente, estão muito longe de configurarem dano moral. A pessoa não irá deixar de viver sua vida, apenas porque se sentiu contrariada numa determinada situação. Portanto, o mero aborrecimento ou dissabor, se traduz numa simples contrariedade a determinadas expectativas, ou por arranhões na própria estrutura egóica. Há pessoas que são excessivamente sensíveis, comportando-se como se fossem feitas de porcelana, ou seja, que trincam ao menor toque. Estas pessoas hipersensíveis encontram-se abaixo da linha de normalidade comportamental da média da população. Há pessoas que, apenas aparentemente são afáveis, mas, que escondem sobre o verniz desta suposta bondade o melindre de um ego gigantesco e que não admite qualquer tipo de contrariedade. Pensam estar sempre certas e, infeliz dos que discordam de seus posicionamentos.

Na obra “O Evangelho segundo o Espiritismo”, livro codificado pelo ilustre pensador francês Allan Kardec (pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail), 124a edição, 2004, Rio de Janeiro: Editora FEB (Federação Espírita Brasileira), tradução de Guillon Ribeiro da 3a edição francesa, revista e modificada pelo autor de 1866, no Capítulo IX – “Bem-aventurados os que são brandos e pacíficos”, item 6 (A afabilidade e a doçura), p. 185 a 186, assim está escrito:

 

 

A benevolência para com os seus semelhantes, fruto do amor ao próximo, produz a afabilidade e a doçura, que lhe são as formas de manifestar-se. Entretanto, nem sempre há que fiar nas aparências. A educação e a freqüentação do mundo podem dar ao homem o verniz dessas qualidades.

 

Quantos há cuja tingida bonomia não passa de máscara para o exterior, de uma roupagem cujo talhe primoroso dissimula as deformidades interiores! O mundo está cheio dessas criaturas que têm nos lábios o sorriso e no coração o veneno; que são brandas, desde que nada as agaste, mas que mordem à menor contrariedade; cuja língua, de ouro quando falam pela frente, se muda em dardo peçonhento, quando estão por detrás.

 

A essa classe também pertencem esses homens, de exterior benigno, que, tiranos domésticos, fazem que suas famílias e seus subordinados lhes sofram o peso do orgulho e do despotismo, como a quererem desforrar-se do constrangimento que, fora de casa, se impõem a si mesmos.

 

Não se atrevendo a usar de autoridade para com os estranhos, que os chamariam à ordem, acham que pelo menos devem fazer-se temidos daqueles que lhes não podem resistir. Envaidecem-se de poderem dizer: “Aqui mando e sou obedecido”, sem lhes ocorrer que poderiam acrescentar: “E sou detestado.”

 

Não basta que dos lábios manem leite e mel. Se o coração de modo algum lhes está associado, só há hipocrisia. Aquele cuja afabilidade e doçura não são tingidas nunca se desmente: é o mesmo, tanto em sociedade, como na intimidade. Esse, ao demais, sabe que se, pelas aparências, se consegue enganar os homens, a Deus ninguém engana. – Lázaro. (Paris, 1861.)

 

 

Há pessoas, aparentemente afáveis, educadas, solícitas e dóceis, mas que, se tornam seres animalescamente enraivecidos, diante da menor das contrariedades. Se erram, exigem que o erro fique a coberto, pelo manto da hipocrisia e da resignação alheias. Quando o erro é apontado, tende a cair a máscara da afabilidade, da doçura e da suposta bonomia que, em realidade, era mero verniz, adornando a superfície áspera e opaca de uma personalidade anômala.

É inegável que existem acontecimentos do cotidiano, extremamente desagradáveis. Discussões, desentendimentos, contrariedades, chateações, contratempos dos mais variados, fazem com que nosso emocional sofra muitas alterações psicossomáticas. Entretanto, estes meros aborrecimentos e dissabores são a oportunidade que todas as pessoas têm para aprenderem a gerenciar o emocional. Através do equilíbrio entre mente e coração, as pessoas podem erigir as contrariedades e os aborrecimentos do cotidiano, em excelente material pedagógico para se autodisciplinarem. É sabido pela Medicina que, atualmente, quase 80% (oitenta por cento) das patologias que acometem os seres humanos são de origem psicossomática, ou seja, produzidas pelos mais variados desequilíbrios emocionais, que findam por afetar a fisiologia dos mais diversos órgãos e sistemas.

 

O estresse (Med. Conjunto de reações do organismo a agressões de ordem física, psíquica, infecciosa, e outras, capazes de perturbar-lhe a homeostase; estricção), por exemplo, que acarreta uma ampla variedade de doenças, decorre de desequilíbrios emocionais e afetivos. O estresse, consoante definição acima descrita, afeta a homeostase (ou homeóstase) do organismo. O homeostase ou homeóstase é a “tendência à estabilidade do meio interno do organismo”, ou ainda, a “propriedade auto-reguladora de um sistema ou organismo que permite manter o estado de equilíbrio de suas variáveis essenciais ou de seu meio ambiente”. O funcionamento, considerado normal, do organismo humano é obtido por meio do equilíbrio, ou homeostase. Os desequilíbrios, como o estresse, provocam os mais diversificados problemas biológicos, ocasionando várias afecções dos órgãos e sistemas. Essas afecções são as doenças, que podem afetar tanto o físico da pessoa, quando sua estrutura psíquica, causando, por conseguinte, patologias físicas e/ou psíquicas.

 

O sistema da homeostase visa manter o equilíbrio, consoante dito, para evitar a estricção, ou seja, “propriedade que têm certos materiais de apresentar grandes deformações plásticas antes de se romperem”. O adequado gerenciamento do emocional visa, justamente, evitar a estricção da saúde física e psíquica da pessoa. A estricção, que é a deformidade do equilíbrio, por si só, já é fator etiológico de várias patologias. Fatores como o estresse, por exemplo, tendem a romper o almejado equilíbrio físico e emocional das pessoas e, em decorrência da deformidade de referido equilíbrio, as mais diversificadas doenças se instalam no ser humano. Portanto, todas as pessoas são responsáveis pela manutenção de sua saúde física e psíquica.

 

A preocupação deve ser com a deformidade (estricção) do equilíbrio biopsíquico, pois, havendo o rompimento do mesmo, nada mais há que se fazer, uma vez que o rompimento pode acarretar o suicídio, que ocorre quando a pessoa põe termo à própria vida, ou, o óbito, que ocorre quando algum problema, não desejado diretamente pela pessoa, produz a falência do funcionamento de seu organismo.

 

Pessoas desequilibradas emocionalmente tendem a ser mais sensíveis, pois, muitas passam a considerar-se vítimas de tudo e de todos. Esse fenômeno, consoante já estudado neste trabalho, denomina-se vitimismo. E ninguém, a não ser a própria pessoa, é responsável por esta deficiência de personalidade. Como ninguém pode ser responsável pelo vitimismo sentido por muitas pessoas, tem-se que, os meros dissabores ou aborrecimentos não são passíveis de indenização, tendo em vista que não causam qualquer dano moral no suposto lesado.

 

Ao se pretendem indenizar os meros aborrecimentos ou meros dissabores sentidos por muitas pessoas, estar-se-ia dando vazão a duas situações, totalmente contraproducentes e desagregadoras da estrutura social, quais sejam: 1) incentivar o vitimismo e, por conseguinte, agravar o estado de saúde mental de muitas pessoas, que, espontaneamente, carrearam a si referido desequilíbrio emocional; 2) negar ao indivíduo, supostamente causador do dano, sua própria personalidade, pois, o mesmo estaria impedido de manifestar-se sobre os mais diversificados comportamentos de seus semelhantes, com medo de arranhar o ego inflado de alguns, ou, extremamente adoecido, de outros. Os meros aborrecimentos ou dissabores afetam mais a vaidade do que a personalidade do supostamente lesado.

 

A indenização dos meros dissabores ou aborrecimentos decretaria a falência do próprio Estado, pois, a função estatal é tutelar juridicamente os bens mais relevantes e não se preocupar com os distúrbios emocionais de seus jurisdicionados. Os distúrbios emocionais são de competência dos setores de saúde do Estado e não do Poder Judiciário.

 

Logo, diante dos argumentos acima alinhavados, os meros dissabores ou aborrecimentos não podem ser merecedores da tutela jurisdicional e, menos ainda, serem confundidos com o instituto jurídico dos danos morais, pois, isso representaria a implantação da instabilidade e da insegurança jurídicas na sociedade. Afinal, a reparação do dano moral não tem como objetivo amparar sensibilidades afloradas ou susceptibilidades exageradas[1].

 

 

2) Repertório de Jurisprudência sobre os Meros Dissabores ou Aborrecimentos

Transcreverei, neste momento, alguns julgados dos tribunais pátrios, nos quais se concluiu pela negativa da indenização em casos de meros aborrecimentos ou dissabores experimentados pela suposta vítima. Referidos julgados foram extraídos do CD Jurídico “Dano moral e sua quantificação”, 3a edição (ISBN 85-88512-06-8), da Editora Plenum.

 

Compra de Automóvel. Defeito de Fábrica. Ausência de Danos Morais. Meros Dissabores ou Aborrecimentos

O primeiro julgado que tomarei como referência é do Superior Tribunal de Justiça, da lavra do eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, que assim redigiu a ementa do Recurso Especial, pelo mesmo relatado:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA DE AUTOMÓVEL NOVO. DEFEITO DE FÁBRICA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DA CONCESSIONÁRIA. ART. 18 DA LEI Nº 8.078/90. CASO CONCRETO. RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA AFASTADA. DECISÃO ANTERIOR IRRECORRIDA. PRECLUSÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DANOS MORAIS. LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO. DESNECESSIDADE. FIXAÇÃO DESDE LOGO. QUANTUM. MEROS DISSABORES E ABORRECIMENTOS. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

 

I - Em princípio, considerando o sistema de comercialização de automóvel, através de concessionárias autorizadas, são solidariamente responsáveis o fabricante e o comerciante que aliena o veículo.

 

II - Tratando-se de responsabilidade solidária, a demanda pode ser direcionada contra qualquer dos coobrigados. A existência de solidariedade, no entanto, não impede que seja apurado, no caso concreto, o nexo de causalidade entre as condutas dos supostos responsáveis para concluir-se pela responsabilidade de apenas um deles.

 

III - A fixação do dano moral não exige liquidação por arbitramento. Recomenda-se, na verdade, que o valor seja fixado desde logo, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento na solução jurisdicional.

 

IV - Na espécie, o valor do dano moral merece redução, por não ter o autor sofrido abalo à honra e nem sequer passado por situação de dor, sofrimento ou humilhação. Na verdade, os fatos ocorridos estão incluídos nos percalços da vida, tratando-se de meros dissabores e aborrecimentos.

 

V - Para fins de prequestionamento, é indispensável que a matéria seja debatida e efetivamente decidida pelo acórdão impugnado, não bastando a suscitação do tema pela parte interessada.

 

(Recurso Especial nº 402356/MA (2001/0192783-3), 4ª Turma do STJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. j. 25.03.2003, maioria, DJ 23.06.2003).

 

Referência Legislativa:

 

Leg. Fed. Lei 8.078/1990 Código de Defesa do Consumidor Art. 18

Leg. Fed. Lei 3.071/1916 Código Civil Art. 1553

Leg. Fed. Lei 5.869/1973 Código de Processo Civil Art. 459

 

Doutrina:

Obra: Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Forense Universitária, 5ª ed., p. 168. Autor: Zelmo Denari. (grifos acrescidos)

 

O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), na Apelação Cível nº 048020091475, 4ª Câmara Cível, Relator o Desembargador Dair José Bregunce de Oliveira, assim se decidiu:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - RECURSO IMPROVIDO.

 

O dano moral que a lei quer indenizável é a ofensa de caráter extraordinário, capaz de afetar as relações psíquicas, a tranqüilidade, os sentimentos e os afetos da pessoa. É a lesão da personalidade moral. Meros dissabores ou aborrecimentos a que todos estão sujeitos no dia-a-dia da vida moderna não podem ser havidos como configuradores de dano moral passível de indenização pecuniária, sob pena de banalização do instituto. (Apelação Cível nº 048020091475, 4ª Câmara Cível do TJES, Rel. Des. Dair José Bregunce de Oliveira. j. 10.08.2004, unânime, DJ 22.10.2004). (grifos acrescidos)

 

Bloqueio da Porta Giratória de Segurança de Instituição Financeira – Travamento - Pedido de Indenização por Danos Morais – Inocorrência – Presença de Meros Aborrecimentos ou Dissabores

Em outro julgado, também do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), tendo sido relator do mesmo o Desembargador Carlos Simões Fonseca, decidiu-se que:

APELAÇÃO CÍVEL - SISTEMA DE SEGURANÇA - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - LEI Nº 7.102/83 - BLOQUEIO - PORTA DE ENTRADA DE BANCO - MEROS ABORRECIMENTOS E TRANSTORNOS - REPARAÇÃO POR DANO MORAL - ART. 333, I, CPC - ÔNUS DA PROVA - DISCRIMINAÇÃO NÃO PROVADA - INDENIZAÇÃO INDEVIDA - RECURSO IMPROVIDO.

 

1) O sistema de segurança instalado em todas as instituições financeiras oficiais ou privadas são imprescindíveis para o seu adequado funcionamento, à luz do disposto na Lei nº 7.102/83.

 

2) O bloqueio da porta de entrada do banco pode causar aborrecimentos e até mesmo transtornos, mas dissabores dessa natureza, por si só, não ensejam reparação por dano moral.

 

3) Conforme preconiza o art. 333, I, do CPC, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito. Assim, quem alega deve provar a existência de discriminação que possibilita a prestação jurisdicional para conceder a indenização por dano moral.

 

4) Negado provimento ao recurso.

 

(Apelação Cível nº 024000071829, 2ª Câmara Cível do TJES, Rel. Substituto Designado Carlos Simões Fonseca. j. 09.11.2004, unânime, DJ 05.01.2005). (grifos acrescidos)

 

Alguns comentários sobre o Sistema de Segurança das Portas Giratórias

É muito comum, nas agências bancárias, que as portas giratórias de segurança travem. Principalmente, quando a pessoa se esquece de retirar de seus bolsos chaves, telefones celulares e demais objetos metálicos. Ao lado destas portas, há determinados compartimentos de acrílico (uma espécie de plástico transparente), no qual as pessoas, ao esvaziarem seus bolsos, devem colocar seus objetos. O fato de serem transparentes é para que os agentes de segurança da instituição financeira, ou do local, no qual referidos equipamentos estejam presentes, possam averiguar qual o tipo de material metálico que está sendo transportado pelas pessoas. Isso para se evitar que alguém adentre o local com armas de fogo.

Pode ocorrer, portanto, que, diante do esquecimento da retirada de certos objetos dos bolsos, referidas portas travem. Quando isso ocorre, tem sido comum os agentes de segurança pedirem, educadamente, que as pessoas retirem dos bolsos, eventuais objetos que possam estar contidos nos mesmos. Ao retirar o objeto, ou objetos solicitados, o agente de segurança do local destrava a porta e a pessoa passa, livremente, pela mesma. Portanto, o simples travamento da porta giratória de segurança não configura dano moral. Mas, pode configurar. Senão vejamos.

Quando a porta giratória de segurança trava, o agente de segurança tem a obrigação de dirigir-se, de forma educada, à pessoa e solicitar a esta que retire de seus bolsos possíveis objetos metálicos. Se, ao travar a porta, o segurança de dirige de forma ríspida e truculenta à pessoa, este comportamento, do agente de segurança da localidade, pode sim configurar dano moral, por expor a pessoa ao ridículo, ao constrangimento e à humilhação pública. Portanto, neste caso, não é o travamento da porta giratória que causa o dano moral, mas, o comportamento do agente de segurança do local que, mal treinado ou instruído por seu empregador, comportou-se de forma inadequada, submetendo a pessoa a tratamento vexatório e humilhante, provocando danos em seus direitos de personalidade. Neste caso há dano moral, passível de ser indenizado.

Outro comportamento do agente de segurança, passível de gerar dano moral, traduz-se em apontar uma arma à pessoa, quando do travamento da porta giratória de segurança e submeter-lhe à revista pessoal. Outra situação, igualmente vexatória e constrangedora, ocorre quando o agente de segurança é do sexo masculino e procede à revista pessoal em uma mulher. Como se sabe, a revista pessoal em mulheres deve ser feita por agentes de segurança femininas. Se a pessoa revistada for do sexo feminino e o agente de segurança, do sexo masculino, há evidente situação de constrangimento, geradora de dano moral. São cautelas simples, que podem evitar situações desnecessárias.

Entretanto, se a pessoa barrada na porta giratória adentrar com pedido de indenização por danos morais, alegando que foi vítima de discriminação, seja por ser de descendência afro-brasileira, ou de descendência indígena, ou de qualquer outra etnia, ou ainda, por ser deficiente física, ou por ser pessoa economicamente humilde, terá que provar tal fato. Consoante o art. 333, inciso I[2], do CPC, a prova do fato, constitutivo do direito alegado, compete ao autor. Defendo, no presente trabalho, que o dano moral, em si, não necessita de prova, ou seja, a dor alegada, a humilhação sentida, o constrangimento sofrido, enfim, a dor moral, decorre do próprio arcabouço fático narrado pela vítima. Porém, os fatos ensejadores dos danos morais alegados, necessitam de prova. A vítima tem que provar a ocorrência dos fatos, dos quais alega decorrem os danos morais, cuja indenização pleiteia por meio de ação indenizatória. No caso dos fatos constitutivos do direito do autor da ação indenizatória por danos morais, incumbe ao mesmo prová-los, sendo seu o ônus da prova.

Quanto ao ônus da prova, o professor Moacyr Amaral Santos, obra citada, p. 21 a 22, assim faz constar:

14. Ônus da prova – O autor, na inicial, alega o fato, ou fatos, em que se fundamenta o pedido, e o réu, por sua vez, na contestação, o fato, ou fatos, em que se fundamenta a defesa (arts. 282, n.o III, e 300). Tais fatos, se possíveis e juridicamente relevantes, serão levados em conta pelo juiz ao proferir a sentença, uma vez convencido quanto à verdade dos mesmos. Mas como a simples alegação não é suficiente para formar a convicção do juiz (allegatio et non probatio quase non allegatio), surge a imprescindibilidade da prova da existência do fato. E dada a controvérsia entre autor e réu com referência ao fato e às suas circunstâncias (quaestiones facti), impondo-se, pois, prová-lo e prová-las, decorre o problema de saber a quem incumbe dar a sua prova. A quem incumbe o ônus da prova? Esse é o tema que se resume na expressão ônus da prova.

Ônus do latim onus – quer dizer: carga, fardo, peso. Onus probandi, traduz-se apropriadamente por dever de provar, no sentido de necessidade de provar. Trata-se apenas de dever no sentido de interesse, necessidade de fornecer a prova destinada à formação da convicção do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes.

15. O ônus da prova no direito romano. – No direito romano aplicava-se a regra semper onus probandi ei incumbit qui dicit – ou seja – semper necessitas probandi incumbit illi qui agit.

Incumbe o ônus da prova a quem diz, afirma ou age. Ora, quem vem a juízo em primeiro lugar é o autor; quem inicia a lide é o autor; quem afirma o fato é o autor. Donde tudo parecia mostrar, como corolário imediato daquele preceito, que ao autor cumpria o ônus da prova: actori incumbit onus probandi.

Portanto, ao autor competirá provar seu direito, ou seja, os fatos constitutivos do mesmo. Já ao réu competirá, nos termos do inciso II, do art. 333 do CPC, a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

 

Recusa no Recebimento de Cheque de Pessoa inclusa em Cadastros Negativadores de Crédito – Meros Aborrecimentos ou Dissabores

Voltando à análise da jurisprudência pátria quanto a não indenizabilidade dos meros dissabores ou aborrecimentos, temos o julgado, da lavra do Desembargador Jorge Luiz Habib, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que, sobre a recusa de cheque, devido a inclusão do nome de seu titular em cadastros negativadores de crédito, assim fez constar:

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. RECUSA DE CHEQUE. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. MEROS ABORRECIMENTOS.

 

O dano moral não precisa ser provado através de prova testemunhal, documental, oral ou pericial, pois trata-se de um dano interno, traduzido na dor, sofrimento, e constrangimento sofrido. Entretanto, os fatos geradores de tais danos é que podem ser provados. É indisputável que a aquisição de qualquer mercadoria em estabelecimento comercial de venda a varejo com o pagamento do preço mediante cheque, limita-se, logicamente, à prévia consulta de dados cadastrais do emitente, a fim de amenizar eventuais prejuízos. A jurisprudência já se posicionou no sentido de que os dissabores, a irritação, os aborrecimentos, as mágoas, não conferem, a qualquer das partes, direito à reparação a título de dano moral.

Desprovimento do recurso.

 

(Apelação Cível nº 2004.001.28254, 18ª Câmara Cível do TJRJ, Rel. Des. Jorge Luiz Habib. j. 03.02.2005). (grifos acrescidos)

 

Alguns comentários sobre os Direitos Creditícios

 

Inegavelmente, a sociedade capitalista moderna exige das pessoas, que as mesmas tenham crédito perante o mercado de consumo. O direito de crédito plasma-se na prerrogativa de comprar, os mais variados produtos, a prazo, ou seja, em parcelas. Nem sempre as pessoas podem adquirir os mais variados produtos de consumo à vista, ou seja, pagando, no ato da compra, o valor integral do produto. Diante disso, os consumidores tendem a parcelar o valor do produto, pagando pelo mesmo a prazo.

 

Ocorre que, se de um lado há o direito de crédito do consumidor, do outro há o direito do comerciante (produtor, fornecedor, etc.) de efetivamente receber o valor do produto vendido, bem como precaver-se contra pessoas mal-intencionadas, que compram e, posteriormente, recusam-se a pagar pelo produto comprado. Muitas pessoas têm se convertido em estelionatárias contumazes, pois, não são incomuns as pessoas que abrem contas bancárias e requerem talonário de cheques, com o único propósito de causarem danos aos comerciantes. Estas pessoas compram grandes quantidades de produtos, emitindo cheques, sem suficiente provisão de fundos, pois, sendo a compra a prazo, o comerciante apenas terá ciência de tal fato, quando proceder ao depósito do título de crédito para compensação, e, simplesmente, desaparecem. Muitas se mudam, inclusive, da cidade na qual residiam e na qual deram o golpe, ou ainda, dirigem-se a determinadas cidades, alugam casas, ou ficam hospedadas em quartos de hotéis, apenas pelo tempo necessário para aplicar o golpe. Diante disso, necessário se tornou a criação de órgãos de proteção ao crédito, que servem de garantia e proteção, principalmente, aos comerciantes. Sendo uma eficiente ferramenta contra pessoas inescrupulosas e de índole criminosa.

 

Com a criação dos órgãos de proteção ao crédito, com expressa previsão no art. 43 (Seção VI – Dos Bancos de Dados e Cadastros dos Consumidores), do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.o 8.078, de 11 de setembro de 1990), os comerciantes foram munidos de um eficiente sistema de salvaguarda de seus direitos creditórios e, dentro das especificações legais, podem ser usados a qualquer momento. O sistema visa, justamente, proteger as relações comerciantes, fazendo com que as mesmas se processem dentro de certos padrões éticos. Quem compra, tem o direito de receber o produto comprado, mas, o dever de pagar o preço convencionado, bem como, quem vende, tem o dever de entregar o produto adquirido e o direito de receber pelo mesmo. Isso mantém o equilíbrio nas relações comerciais.

 

Quando um consumidor tem seu nome incluso, nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, isso gera uma presunção, em nossa opinião relativa (“juris tantum”), de que a pessoa tem problemas em honrar seus compromissos creditícios, gerando ao comerciante que está procedendo à consulta, o direito de recusar a venda a prazo. No caso de venda a prazo, com o recebimento de cheques pré-datados, o comerciante (vendedor) tem todo direito de recusar o recebimento das cártulas, se constatar que o nome do comprador (emitente dos títulos) encontra-se “negativado”, ou seja, inserido nos bancos de dados do órgãos de proteção ao crédito. E essa recusa no recebimento dos títulos de crédito, pelo vendedor não gera, no consumidor, qualquer tipo de dano moral, mas, mero aborrecimento ou dissabor, por um comportamento próprio (deixar de ter honrado determinado compromisso creditício), não imputável a mais ninguém. Portanto, no caso de recusa do recebimento de cheques, de pessoas cujos nomes estejam inseridos em banco de dados de órgãos de proteção ao crédito, tal comportamento não gera qualquer dano moral, pois, trata-se do exercício de um direito legítimo do comerciante.

 

 

Má Prestação de Serviços – Inocorrência de Dano Moral – Meros Dissabores ou Aborrecimentos

 

Há, atualmente, situação que tem se tornado comum nos tribunais nacionais e diz respeito ao setor de prestação de serviços, ou melhor, à má prestação de referidos serviços. Muitos consumidores têm ido até o Poder Judiciário deduzir pretensões indenizatórias por danos morais, colocando como fato gerador dos mesmos a má qualidade na prestação dos serviços que lhes são prestados, nos mais diversificados setores. Os setores de telefonia, principalmente, da telefonia móvel (celular) e o bancário, estão, certamente, no topo das listas das ações indenizatórias por danos morais.

 

Ocorre que, em muitas situações, a situação fática içada como fato gerador do dano moral alegado, configura apenas um mero transtorno, aborrecimento ou dissabor diante da expectativa frustrada. Estes erros na prestação de determinados serviços, acabam por estar inseridos dentro da contextualização da vida em sociedade e são decorrentes da comodidade tecnológica. Porém, muito embora estes fatos gerem transtornos na vida do consumidor, referidos fatos não causam dano moral.

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Tem-se como exemplo, julgado do Colégio Recursal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), versando sobre caso de telefonia móvel celular, no qual a operadora cobrou valores indevidos do consumidor, bem como lhe impôs multa da qual, anteriormente, havia sido alforriado, para a troca de um aparelho, por outro de mais avançada tecnologia. A operadora reconheceu o erro e estornou os valores indevidamente cobrados. Mesmo assim, irresignado, o consumidor adentrou com ação de indenização, alegando ter sofrido danos morai em decorrência da atitude da operadora. O caso foi relatado pelo Juiz Teófilo Rodrigues Caetano Neto, que concluiu pela inexistência dos alegados danos morais, reformando, por conseguinte, decisão monocrática, da qual a operadora havia recorrido. Considerou que, no caso, teria havido, em decorrência do comportamento culposo da operadora, meros aborrecimentos ou dissabores ao consumidor e não os alegados danos morais. Segue íntegra da decisão, nestes termos:

 

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS (TJDFT)

 

ACJ 2004 01 1 051156-2

Órgão: 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Classe: ACJ - Apelação Cível no Juizado Especial

Nº Processo: 2004 01 1 051156-2

Apelante(s): TELE CENTRO OESTE S/A

Apelado(s): MARCO ANTÔNIO VERONESE

Relator Juiz: TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO

 

EMENTA

 

CDC. RESPONSABILIDADE CIVIL. SERVIÇOS TELEFÔNICOS. FATURAS INCORRETAS. LANÇAMENTOS DE DÉBITOS INDEVIDOS. RECLAMAÇÃO DO CONSUMIDOR. ESTORNOS EFETIVADOS. ABORRECIMENTOS. FATOS IMPASSÍVEIS DE QUALIFICAREM COMO DANO MORAL. COMPENSAÇÃO INDEVIDA. 1. O lançamento de débitos desprovidos de origem legítima e o endereçamento de faturas contemplando cobranças indevidas qualificam-se como falha nos serviços fornecidos pela operadora de telefonia móvel celular, mas o ocorrido, a despeito dos aborrecimentos que provocaram ao consumidor, impregnando-lhe certa dose de frustração, não tendo sujeitado-o a constrangimentos efetivos ou a situações vexatórias e humilhantes e nem afetado sua imagem e decoro, qualificando-se como fato ordinário, inteiramente previsível e inserido nas contingências da vida social, não é passível de qualificar-se como ofensa aos seus atributos pessoais, caracterizando-se como dano moral e legitimando o deferimento da compensação pecuniária que reclamara com o objetivo de minorar suas conseqüências. 2. O temperamento conferido aos fatos passíveis de serem tidos como geradores do dano moral, pacificando o entendimento segundo o qual os aborrecimentos, percalços, frustrações e vicissitudes próprios da vida em sociedade não geram o dever de indenizar, ainda que tenham impregnado no atingido pelo ocorrido certa dose de amargura, pois a reparação do dano moral não tem como objetivo amparar sensibilidades afloradas ou susceptibilidades exageradas, denotando que nem todo inadimplemento contratual ou transtorno casual é passível de gerá-la, não autoriza o deferimento de qualquer compensação em decorrência de simples equívoco havido por ocasião da emissão das faturas emitidas em desfavor do consumidor. 3. Recurso conhecido e provido. Unânime.

 

ACÓRDÃO

 

Acordam os Senhores Juízes da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO - Relator, NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO - Vogal, LEILA CRISTINA GARBIN ARLANCH - Vogal, sob a presidência da Juíza NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO, em CONHECER. PROVIDO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas

 

Brasília (DF), 03 de maio de 2005.

 

NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO

Presidenta

 

TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO

Relator

 

RELATÓRIO

 

Cuida-se de ação de reparação de danos morais aviada por Marco Antônio Veronese em desfavor da Tele Centro-Oeste Celular Participações S/A almejando a obtenção de provimento jurisdicional que comine à ré a obrigação de não inserir seu nome em cadastros de devedores inadimplentes e lhe assegure o recebimento da importância que individualizara - R$ 2.000,00 - como compensação pelos danos morais que lhe teriam sido impingidos. Como estofo material das pretensões que aduzira argumentara, em suma, que, em sendo cliente da operadora de telefonia acionada, fora motivado por ela a trocar o aparelho celular que até então vinha utilizando por um aparelho da tecnologia CDMA, sendo absolvido da multa ajustada em decorrência da celebração do primitivo contrato, pois contemplava cláusula de fidelização e o sujeitava à penalidade avençada em se verificando o distrato antecipado. Asseverara que, ultimada a substituição de aparelhos no molde proposto pela própria operadora de telefonia móvel celular, se deparara, na fatura que se vencera no mês subseqüente à operação - fevereiro de 2.004-, com o lançamento da multa da qual havia sido absolvido, motivando-o a contactá-la de forma a ser isentado da cobrança indevida que lhe estava sendo destinada, e, a despeito de estornada a penalidade, nas faturas que se venceram nos meses seguintes - março e abril de 2.004 - se deparara com outros débitos, nos valores de R$ 19,90 e R$ 10,97, lançados de forma ilegítima, determinando que novamente entrasse em contato com a fornecedora de serviços de forma a ser absolvido das obrigações que indevidamente lhe estão sendo imputadas, ensejando a correção dos equívocos. Sustentara que, dessa forma, patenteados os sucessivos equívocos que o vitimaram, restando afetado na sua credibilidade e sujeitado a aborrecimentos e contratempos ante as cobranças indevidas que insistentemente lhe têm sido destinadas, denotando o desprezo da ré para com os seus clientes, resta patenteado que fora ofendido nos atributos da sua personalidade, legitimando sua contemplação com uma compensação de natureza pecuniária de forma a serem amenizados os danos de natureza moral que experimentara.

 

Ao fundamento de que a ré não negara os equívocos que teriam vitimado o autor ao lhe endereçar cobranças indevidas, notadamente da multa que lhe fora imposta quando dela já havia sido inclusive absolvido em decorrência da liberalidade dela originária, e que os fatos, caracterizando-se como falha nos serviços fornecidos, submetera o consumidor a aborrecimentos e constrangimentos, restando caracterizadas as ofensas que experimentara nos atributos da sua personalidade e que eram passíveis de se qualificarem como danos de natureza moral, legitimando a compensação que reclamava, o pedido fora parcialmente acolhido, cominando-se à ré a obrigação negativa de não inscrever o nome do autor em cadastros de devedores inadimplentes, sob pena de se sujeitar a multa pecuniária para a hipótese de descumprimento desse preceito, e condenando-a no pagamento da quantia de R$ 1.600,00 (hum mil e seiscentos reais), reputada pelo Juízo monocrático como suficiente para compensar o consumidor pelos danos morais que teria experimentado em decorrência dos constrangimentos que experimentara, devidamente atualizada monetariamente e acrescida dos juros de mora legais a partir da citação.

 

Inconformada com o provimento que lhe fora desfavorável, a ré recorrera almejando sua absolvição da condenação que lhe fora imposta ou, de forma alternativa, a minoração da sua expressão pecuniária. Asseverara, em suma, que, considerando que reconhecera que os lançamentos questionados pelo autor haviam sido efetivados de forma indevida, promovendo seu estorno e impedindo até mesmo que viesse ele a desembolsar o equivalente aos débitos lançados, não se verificara a ocorrência de nenhum fato passível de se qualificar como ofensa aos seus predicados morais de forma a legitimar a compensação que lhe fora assegurada.

 

Ressalta que, não obstante caracterizadas as falhas havidas, os pequenos transtornos e contratempos experimentados pelo autor em decorrência das cobranças indevidas que lhe foram destinadas não podem ser caracterizadas como ofensa aos seus sentimentos ou à sua honra de forma a se qualificarem como dano moral e ensejarem a reparação pecuniária que reclama, mesmo porque não evidenciara ele que sofrera qualquer exposição indevida da sua intimidade e vida privada ou que as cobranças que lhe foram encaminhadas sujeitaram-no a situações vexatórias passíveis de impingir-lhe uma mágoa e ferir seus sentimentos, devendo o ocorrido, ao contrário, ser reduzido à sua verdadeira dimensão e alcance, pois qualificara-se como meros transtornos e aborrecimentos próprios da vida em sociedade e da utilização das comodidades oferecidas pela tecnologia.

 

Argumentara, ainda, que o ocorrido, que restringira-se ao encaminhamento de cobranças indevidas por serviços que não lhe haviam sido prestados, não se caracterizam como ofensa à honra subjetiva ou à personalidade do autor de forma a legitimar o deferimento da indenização que persegue, não sendo, mesmo, passível de caracterizar-se como lesão à personalidade ou moral de alguém, inscrevendo-se, ao contrário, como mero transtorno e aborrecimento a que qualquer cidadão é passível de sujeitar-se, ainda mais quando já cuidara de reconhecer que efetivamente não remanesciam os débitos que lhe estavam sendo imputados e providenciara seu estorno das faturas que foram emitidas posteriormente. Além do mais, a lesão hipotética ou conjectural não é causa apta a gerar qualquer obrigação de indenizar, ante a inocorrência do evento lesivo que consubstanciar-se-ia no seu fato gerador, o que, inclusive, fazia desaparecer o nexo de causalidade entre a negligência que lhe fora imputada e os danos morais cuja composição fora reclamada pelo consumidor diante da inexistência da causa que teria gerado-os, não lhe assistindo, em conseqüência, o direito a qualquer reparação.

 

Ao final, asseverando que a condenação que lhe fora imposta afigura-se excessiva e desconforme com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, fomentando o enriquecimento sem causa lícita e não oriundo do labor do ofendido, defendera o acolhimento da irresignação que agitara para que reste absolvida da cominação que lhe fora imposta, pois não praticara qualquer ato passível de ser reputado ilícito e nem o autor experimentara quaisquer danos em decorrência das cobranças que lhe foram encaminhadas ou da anotação que a atingira, ou, alternativamente, para que a indenização fixada seja reduzida consideravelmente e conformada com o alcance dos fatos havidos e do seu potencial ofensivo.

 

O autor, a despeito de regularmente intimado, não acudira o chamamento que lhe fora destinado, deixando fluir em branco o decêndio que legalmente lhe era assegurado para contrariar o recurso interposto.

 

É o relatório.

 

VOTOS

 

O Senhor Juiz TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO - Relator

 

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso interposto.

 

Cuida-se de ação de indenização de danos morais aviada ao estofo de que, a despeito de não ter incorrido em mora e de ter sido contemplado com a substituição do aparelho móvel celular do qual vinha se utilizado por um novo mediante as condições que lhe foram propostas pela própria operadora de telefonia celular, o autor passara a ser vitimado por cobranças de débitos inexistentes, determinando que, de forma a ser alforriado das obrigações que lhe estavam sendo imputadas, tivesse que manter sucessivos contactos com os atendentes da ré, fatos que lhe provocaram sérios aborrecimentos e constrangimentos que se transmudaram em sofrimento e abatimento psicológico, afetando sua estima e moral, merecendo, então, uma compensação pecuniária pelos danos que experimentara. O pedido fora parcialmente acolhido e, inconformada com a condenação que lhe fora desferida, a ré recorrera perseguindo sua absolvição da cominação que lhe fora imposta ao argumento de que, a despeito do equívocos havidos ao serem lançados nas faturas emitidas em desfavor do autor débitos inexistentes, não podem ser reputados como ofensa aos seus atributos pessoais de forma a se qualificarem como dano moral, pugnando, ainda, em caso de não ser integralmente eximida da culpabilidade pelo ocorrido, pela mitigação da indenização balizada por não guardar conformação com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

 

Conquanto atualmente esteja pacificado o entendimento quanto ao cabimento da indenização derivada do dano moral puro e, ainda, a exegese segundo a qual a composição pecuniária é cabível ainda que as ofensas intrínsecas não tenham redundado em perda pecuniária ou patrimonial efetiva, a sua concessão e deferimento requer, todavia, a averiguação acerca da presença dos pressupostos legalmente insculpidos para que o dever de indenizar reste caracterizado e evidenciado de forma incólume, pois que é um truísmo que no universo da responsabilidade civil o direito à indenização somente emerge quando o dano suportado por alguém resulta da atuação de outrem, seja esta conduta voluntária ou não, consoante exsurge cristalino do contido no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.

 

Esse dispositivo representara a elevação à condição de mandamento constitucional de regramento concernente à outorga de proteção aos direitos da personalidade representados pela honra, liberdade, recato, imagem, incolumidade física e ao nome, que, em síntese, podem ser agrupados na moral intrínseca e exclusiva dos seres humanos, visto que o legislador constituinte, com o pragmatismo que lhe é peculiar e diante de uma sociedade progressivamente interligada e interdependente, o que a vitima, também, por conflitos interpessoais mais constantes diante dos resultados sempre mais elevados que são perseguidos com a progressiva proliferação das relações sociais, cuidara especificamente da proteção dos valores da personalidade e, sepultando as controvérsias até então existentes, assegurara, agora de forma irreversível, o cabimento da indenização do dano puramente moral. Estabelecidas essas premissas, resta a ser averiguada a presença, ou não, dos requisitos legalmente alinhavados para a caracterização do dano de natureza moral aventado pela apelada e içado como lastro para a pretensão compensatória que aduzira.

 

Da argumentação alinhavada na inicial depura-se que o apelado, ao estofo de que após efetuar a troca do aparelho móvel celular do qual vinha se utilizando por um novo aparelho de tecnologia mais avançada nas condições que lhe foram propostas pela própria operadora de telefonia fora vitimado pelo lançamento, nas 03 (três) faturas que se venceram após a consumação da operação, de débitos inexistentes, inclusive de uma penalidade da qual havia sido absolvido ao consumar a transação, sendo, então, submetido a situações constrangedoras e sujeitado a aborrecimentos e percalços, pois, de forma a resolver o equívoco e se alforriar das obrigações que lhe estavam sendo imputadas, fora instado a contactar os atendentes da apelante, persegue a obtenção de uma compensação pecuniária pelas ofensas que teria experimentado nos atributos da sua personalidade, pois reputara que o equívoco que o afetara teria sido apto a macular a intangibilidade do seu patrimônio moral, qualificando-se como dano moral. De seu turno, a apelante, ao se defender contra a pretensão aviada em seu desfavor e ao se irresignar contra o provimento que lhe fora desfavorável, sustentara que, a despeito de o apelado ter sido vitimado pelos indevidos lançamentos que questionara nas faturas emitidas em seu desfavor, o ocorrido, tendo sido sanado sem que dele tivesse originado qualquer desembolso, não o sujeitara a quaisquer constrangimentos ou situações vexatórias, pois se restringira a simples erro, não lhe tendo sido dispensado tratamento ofensivo e nem se verificado a ocorrência de qualquer ofensa à sua credibilidade ou honorabilidade, sendo impassível de se qualificar como ofensa aos seus atributos pessoais de forma a legitimar a compensação pecuniária que lhe fora assegurada.

 

Desses parâmetros deriva a irreversível ilação de que, a despeito de o apelado efetivamente ter sido vitimado pelas falhas que alinhara e imputara aos serviços que lhe foram fornecidos, pois a apelante reconhecera que efetivamente fora alcançado por 03 (três) lançamentos desprovidos de causa subjacente legítima nas faturas emitidas em seu desfavor, a verdade é que, malgrado a negligência havida, o ocorrido não sujeitara o consumidor a quaisquer constrangimentos efetivos e nem submetera-o a situações vexatórias passíveis de atingirem sua dignidade e afetar seu decoro e auto-estima.

 

Em verdade, a despeito de patenteada a falha havida, o apelado não fora sujeitado a nenhum constrangimento efetivo e nem experimentara nenhuma mácula na sua dignidade ou credibilidade em decorrência do havido. O ocorrido se restringira, ao invés, tão-somente ao lançamento de 03 (três) débitos desprovidos de origem legítima nas faturas que foram lançadas em seu desfavor. A despeito dos lançamentos se qualificarem como indevidos, tanto que a própria apelante cuidara de reconhecer a inexistência dos débitos que os ensejaram e os extirpara das faturas que foram emitidas em seguida, prevenindo, inclusive, que fossem pagos ou que ensejassem a caracterização da mora do consumidor, irradiando os efeitos dela originários, inclusive a inscrição do seu nome em cadastros de devedores inadimplentes, o apelado fora sujeitado a simples aborrecimentos. É que, deparando-se com os lançamentos indevidos, fora motivado a contactar a operadora de telefonia acionada de forma a serem estornados e normalizadas as faturas emitidas em seu desfavor, impedindo que fosse compelido a desembolsar além do que efetivamente estava obrigado e guardava conformação com os serviços que efetivamente lhe haviam sido fomentados.

 

Ou seja, o fato gerador dos danos de natureza extrapatrimonial içado pelo apelado como lastro para a pretensão compensatória que veiculara está enliçado exclusivamente aos lançamentos que foram inseridos nas faturas emitidas em seu desfavor, e que ao menos chegara a quitar, e à circunstância de que, de forma a ser eximido do seu pagamento, tivera que contactar a apelante, relatando o ocorrido e reclamando o estorno dos débitos que indevidamente lhe estavam sendo imputados. Não se verificara, ressalte-se, a inscrição do seu nome em nenhum cadastro de devedores inadimplentes e nem alçara como estofo para a pretensão que veiculara o fato de que lhe estava sendo exigida indevidamente a multa pecuniária que estaria amalgamada no derradeiro ajuste que concertara com a apelante ao reclamar o distrato desse contrato, pois não aviara nenhum pedido destinado a ser eximido dessa penalidade e nem reclamara a afirmação do distrato dessa avença.

 

Desses parâmetros infere-se que, a despeito de caracterizadas as falhas imputadas aos serviços fornecidos, pois efetivamente o apelado fora vitimado por lançamentos desprovidos de origem legítima nas faturas emitidas em seu desfavor, são insuficientes para qualificarem-se como ofensa aos atributos da sua personalidade e transmudarem-se em ofensa moral, consubstanciando-se no aparato material da pretensão que aduzira. Das falhas havidas, é inexorável, efetivamente lhe advieram aborrecimentos, pois estava sendo cobrado por débitos desprovidos de origem legítima e de forma a deles ser alforriado tivera que contatar a fornecedora de serviços. Esses fatos lhe impregnaram certamente contrariedade. Não foram, contudo, de gravidade suficiente para macular os atributos da sua personalidade e se qualificarem como fato gerador do dano moral.

 

As cobranças experimentadas pelo apelado, apesar de desprovidas de lastro material subjacente e de se qualificarem como falha nos serviços fomentados pela operadora de telefonia móvel celular, não o sujeitaram a constrangimentos e humilhações públicos e nem macularam sua credibilidade e honorabilidade, caracterizando-se, em suma, como simples aborrecimentos que não transbordaram das vicissitudes que permeiam a vida em sociedade. Em sendo assim, se não sofrera ofensas em sua honra e dignidade e nem experimentara constrangimentos e humilhações, resta patenteado que o apelado não comprovara os danos de ordem moral que teria sofrido em decorrência dos atos comissivos praticados pela apelante, deixando desprovido de aparato a pretensão que aduzira ante a circunstância de que não se aperfeiçoara o silogismo delineado pelo artigo 186 do Código Civil para que o dever de indenizar resplandecesse.

 

Os equívocos ocorridos, e os seus desdobramentos, qualificam-se como fato ordinário e próprio das contingências da vida. A vida em sociedade, em verdade, é permeada por relacionamentos casuais e contratuais que nem sempre alcançam o objetivo almejado por aqueles que neles foram envolvidos. É comum, principalmente nos tempos atuais, a quebra de contratos, a resistência ao cumprimento das obrigações ajustadas e o simples implemento de compromissos sociais assumidos de forma graciosa e despretensiosa. Diante dessa realidade insofismável, que decorre das próprias nuances da vida e da diversidade de formação dos humanos, e malgrado a tutela dos direitos da personalidade esteja em franca evolução, censurando-se os atos que, além da honra, dignidade, decoro e bom nome, ofendam o bem-estar íntimo, o conforto, a auto-estima daquele que fora atingido pelo ilícito praticado, não se chegara ao ponto de qualquer contrariedade, qualquer frustração, qualquer descumprimento de acordo gracioso ou contrato formal qualificar-se como fato gerador da ofensa moral passível de merecer uma compensação pecuniária. Se assim fosse, os relacionamentos sociais estariam comprometidos e os sentimentos humanos seriam banalizados de tal forma que teriam que ser objeto de mensuração legal de forma a nortear a reparação devida em conformação com o grau do desapontamento verificado.

 

Felizmente não se alcançara esse patamar. O judiciário e os mais eméritos doutrinadores vêm temperando os fatos passíveis de serem tidos como geradores do dano moral, pacificando o entendimento segundo o qual os aborrecimentos, percalços, frustrações e vicissitudes próprias da vida em sociedade não geram o dever de indenizar, ainda que tenha impregnado no atingido pelo ocorrido certa dose de amargura. E isso porque a reparação do dano moral não tem como objetivo amparar sensibilidades afloradas ou susceptibilidades exageradas, destinando-se a censurar os atos que efetivamente desprezam e maculam os atributos da personalidade e o patrimonial moral da pessoa, denotando que nem todo inadimplemento contratual ou aborrecimento casual é passível de gerá-la.

 

E é que se verifica na espécie cotejada, pois, não obstante tenha experimentado os aborrecimentos de ser cobrado por débitos desprovidos de contraprestação originária da fornecedora de serviços com a qual guardava liame obrigacional, o apelado não restara maculado em sua credibilidade e nem experimentara dissabores ou se sujeitara a situações vexatórias passíveis de impregnarem uma indelével nódoa em seu âmago e ensejar a concessão de qualquer reparação pecuniária como forma de ser compensado pela decepção que enfrentara. O havido, malgrado lhe impregnando certa dose de amargura e dissabor, efetivamente não ofendera a intangibilidade do seu patrimônio moral de forma a legitimar a compensação de natureza pecuniária que reclamara. Qualificara-se, em verdade, como simples intercorrência a que todo consumidor está sujeito a enfrentar e deve contornar com um mínimo de bom senso, complacência e tolerância, refletindo a própria dinâmica da vida e de que o ser humano deve se adaptar ao meio social em que está inserido e superar as vicissitudes com as quais se depara com serenidade e o mínimo de estoicismo passível de ser exigido e esperado do homem médio.

 

Ora, o realce conferido à proteção dos direitos individuais pelo legislador constituinte, içando à condição de dogmas constitucionais a possibilidade do dano moral derivado de ofensa à vida privada, à honra e à imagem das pessoas ser indenizado, destinara-se a preservar a intangibilidade dos direitos inerentes à personalidade na medida em que, contrariando a finitude da existência física, os atributos intrínsecos da pessoa são perenes, consubstanciando seu bom nome, moral e caráter em legado deixado aos seus herdeiros a ser cultuado e tomado como paradigma pelas gerações que o sucedem, principalmente numa época em que tem sido mensurado o caráter das pessoas pelo patrimônio que possuem e não pelos predicados que efetivamente nutrem e estão amalgamados à sua própria vida.

 

Almejando preservar e resgatar esses atributos e a intangibilidade da personalidade é que o constituinte alçara à qualidade de regramento constitucional a possibilidade do dano moral puro ser passível de ser compensado pecuniariamente (CF, artigo 5º, incisos V e X). Contudo, o dano moral, como se sabe, é a ofensa a interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, proveniente de um ato lesivo. Qualquer lesão que alguém sofra no objeto do seu direito repercutirá, necessariamente, em seu interesse, gerando, conseqüentemente, o direito de ser indenizado. Assim, qualquer ofensa que a pessoa sofra na sua integridade física ou moral, provocando-lhe danos materiais efetivos ou afetando seu bem-estar intrínseco, ceifando-lhe as perspectivas de vida ou felicidade, causando-lhe uma diminuição da sua capacidade de viver bem consigo mesmo e no contexto social, desviando-a do seu projeto de vida inicial, é passível de merecer a correspondente reparação.

 

Dessas premissas emerge a irreversível evidência de que as ocorrências que foram içadas pelo apelado como fato lesivo que teria afetado-o e deflagraria a obrigação de indenizar o sofrimento moral que experimentara não guarda conformação com o almejado pelo legislador constituinte e nem com os princípios que nortearam a construção da teoria da responsabilidade civil no atinente à reparabilidade do dano exclusivamente moral, denunciando, ao revés, que utilizara-se de simples e insignificantes falhas que o atingiram, e que efetivamente lhe acarretaram certa dose de frustração e aborrecimento, como forma de residir em Juízo com o escopo deliberado de obter uma considerável compensação pecuniária derivada de um fato corriqueiro e desprovido de qualquer relevância. Essas assertivas, aliás, encontram conforto na tranqüila jurisprudência da egrégia Corte de Justiça local, que, de forma pragmática, assentara a exegese segundo a qual simples aborrecimento, estando inserido na contextualidade da vida em sociedade, não se qualifica como fato gerador do dano moral, elidindo sua compensação pecuniária, consoante testificam os arestos adiante ementados:

 

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DANOS MORAIS. DEVOLUÇÃO DE CHEQUES. FALTA DE DESBLOQUEIO. OFENSA À IMAGEM E À HONRA PESSOAL INEXISTENTE. 1 - É pressuposto para a caracterização do dano moral o fato lesivo, o dano e o nexo de causalidade. A conduta do réu, que deu razão ao inconformismo da autora, não configura danos morais, haja vista inexistir dano à sua imagem, intimidade e honra pessoal. O mero dissabor experimentado nas contingências da vida não enseja indenização. 2 - Recurso improvido." (TJDF, 4ª Turma Cível, Apelação Cível nº 20030110002466, Reg. Int. Proc. 201243, relator Desembargador Cruz Macedo, data da decisão 16.08.2004, publicada no Diário da Justiça de 28.10.2004, pág. 64)

 

"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPENSAÇÃO DO CHEQUE ADULTERADO. RESPONSABILIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. DEVOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DO VALOR INDEVIDAMENTE PREENCHIDO NO TÍTULO. RECURSO IMPROVIDO. I - Na espécie, o banco apelado não se esquivou de sua responsabilidade em arcar com o prejuízo decorrente da compensação de cheque adulterado, tanto que, espontaneamente, restituiu à autora os valores indevidamente descontados de sua conta-corrente, do que se conclui que os prejuízos materiais experimentados já foram ressarcidos, sendo que uma nova condenação resultaria em verdadeiro bis in idem, e, por conseguinte, o enriquecimento sem causa da apelante. II - Os aborrecimentos mencionados pela recorrente não configuram dano moral, pois segundo já assentou o egrégio STJ, "o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar da dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem a ela se dirige" (AGRGRESP Nº 403.919/RO, REL. MIN. Sálvio de Figueiredo Teixeira). III - Recurso improvido. Sentença mantida." (TJDF, 1ª Turma Cível, Apelação Cível nº 20030110459927, Reg. Int. Proc. 200139, relator Desembargador Nívio Gonçalves, data da decisão 09.08.2004, publicada no Diário da Justiça de 14.10.2004, pág. 15)

 

"AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - CORTE DE LINHAS TELEFÔNICAS - ESTABELECIMENTO COMERCIAL. I - O Desligamento de telefones, mesmo que indevido, não agride a honra, moral e patrimônio da parte, desde que não tenha ocorrido recalcitrância por parte do prestador dos serviços em restabelecer o seu funcionamento, tão logo tenha recebido a comunicação de que o pagamento foi efetuado. O fato pode ter provocado transtornos e incômodos passageiros, sem caracterizar dano moral. II - Recurso conhecido e não provido. Unânime." (TJDF, 5ª Turma Cível, Apelação Cível nº 20010111222362, Reg. Int. Proc. 207697, relatora Desembargadora Haydevalda Sampaio, data da decisão 22.11.2004, publicada no Diário da Justiça de 17.03.2005, pág. 84)

 

No mesmo sentido também vem se pronunciando o egrégio Superior Tribunal de Justiça, corte encarregada de ditar a derradeira palavra na exegese do direito federal infraconstitucional e velar pela uniformidade da sua aplicação, conforme pontificam os arestos que guardam os seguintes enunciados:

 

"RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. A mera contrariedade ou aborrecimento cotidiano não dão ensejo ao dano moral. Recurso especial não conhecido." (STJ, 4ª Turma, REsp nº 592776/PB, Reg. Int. Proc. 2003/0164995-7, relator Ministro César Asfor Rocha, data da decisão 28.09.2004, publicada no Diário da Justiça de 22.11.2004, pág. 359)

 

"RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. NOTIFICAÇÃO FEITA PELO ESTABELECIMENTO BANCÁRIO A CORRENTISTA, COMUNICANDO-LHE O INTENTO DE NÃO MAIS RENOVAR O CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. MERO ABORRECIMENTO INSUSCETÍVEL DE EMBASAR O PLEITO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL. - Não há conduta ilícita quando o agente age no exercício regular de um direito. - Mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, 4ª Turma, REsp nº 303396/PB, Reg. Int. Proc. 2001/0015696-7, relator Ministro Barros Monteiro, data da decisão 05.11.2002, publicada no Diário da Justiça de 24.02.2003, pág. 238)

 

"RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. INTERRUPÇÃO SERVIÇO TELEFÔNICO. MERO DISSABOR. O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, 4ª Turma, REsp nº 606382/MS, Reg. Int. Proc. 2003/0206071-6, relator Ministro César Asfor Rocha, data da decisão 04.03.2004, publicada no Diário da Justiça de 17.05.2004, pág. 238)

 

Dos argumentos alinhavados deflui a irreversível evidência de que não restaram caracterizadas ofensas à credibilidade, decoro e dignidade do apelado de forma a serem qualificadas como estofo apto a aparelhar a pretensão compensatória que veiculara, pois, a despeito dos aborrecimentos que experimentara, em verdade não fora sujeitado a nenhum constrangimento, humilhação ou afetação na sua credibilidade, ficando patente que os fatos que alinhara não podem ser reputados como origem genética dos danos de ordem moral que teria experimentado em decorrência da falha havida nos serviços fomentados pela apelante, restando a pretensão que aduzira desprovida de lastro material subjacente e elidido o conteúdo lesivo dos fatos geradores dos danos que teria experimentado e cuja mitigação almejava através da compensação pecuniária que reclamara, donde emerge a ilação de que o direito que invocara ficara carente de estofo ante a não comprovação da ocorrência do dano que içara como aparato para a pretensão aduzida e da relação de causalidade jungindo-o a qualquer ato praticado pela operadora de telefonia, impondo-se, então, o acolhimento da pretensão recursal aduzida e a conseqüente absolvição da irresignada da condenação que lhe fora imposta.

 

Em conformação com os argumentos expendidos, provejo o recurso manejado, reformando o ilustrado provimento vergastado e rejeitando a pretensão indenizatória agitada. Sem custas e sem honorários advocatícios, pois que a apelante se sagrara vencedora e o regramento derivado do artigo 55 da Lei de Regência dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) não autoriza a cominação de qualquer verba sucumbencial ao vencido que não recorrera.

 

A Senhora Juíza NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO - Presidenta e Vogal

Com o Relator.

 

A Senhora Juíza LEILA CRISTINA GARBIN ARLANCH - Vogal

Com a Turma.

 

DECISÃO

 

Conhecido. Provido. Unânime.

 

(grifos acrescidos)

 

Portanto, os meros dissabores ou aborrecimentos decorrentes da má qualidade na prestação dos mais variados serviços, não oferecem substrato suficiente para a configuração do dano moral. Sem a comprovação da ocorrência de fatos sérios, que desrespeitem os direitos da personalidade da vítima, como direito à honra, à imagem, à intimidade, à vida privada, não há que se falar em danos morais. Quando a pessoa iça os meros aborrecimentos ou dissabores, em estofo para sua pretensão indenizatória, não há como não se ver, em referida pretensão, o intuito da obtenção fácil, de um enriquecimento indevido, ou seja, que não apresenta suporte fático-fenomenológico.

 

Anulação de Concurso Público – Inexistência de Dano Moral – Meros Dissabores ou Aborrecimentos – Poder Discricionário da Administração Pública

Outra temática singular, dentro da jurisprudência dos tribunais, tem sido a relativa à reparação de danos morais, decorrentes da anulação de concurso público. Alguns candidatos, diante da anulação do certame para o qual haviam se preparado, despendendo, não raras vezes, longos períodos de tempo com estudos e determinadas somas, em dinheiro, com o pagamento de cursinhos preparatórios, sentem-se lesados e enganados com a situação, e, diante do sentimento de frustração, adentram com pleitos indenizatórios, requerendo a devida reparação. Todavia, no concurso público, há uma expectativa de direito, pois, dentro do poder de discricionariedade da Administração Pública, e, sendo o ato administrativo permeado pelos princípios da oportunidade e conveniência, o mesmo pode ser anulado a qualquer momento. Eis uma decisão neste sentido:

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS (TJDFT)

 

APC/RMO Nº 2003011083617-5

Órgão: Quinta Turma Cível

Classe: APC/RMO - Apelação Cível e Remessa Ex Officio

Nº Processo: 2003011083617-5

Apelante: DISTRITO FEDERAL

Apelados: REJANE SANTOS SILVEIRA, PATRÍCIA SANTOS SILVIERA E FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

Relatora Desa.: HAYDEVALDA SAMPAIO

 

EMENTA

 

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - CONCURSO PÚBLICO ANULADO - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - TAXA DE INSCRIÇÃO - DESPESAS - DANO MORAL.

 

I - Não havendo relação direta entre o candidato e a fundação contratada para a realização do certame, esta deve ser excluída do pólo passivo da relação processual. Comprovado falhas na condução do concurso, poderá ser proposta ação regressiva contra a contratada.

 

II - As despesas com transporte, alimentação e cursinhos, não são passíveis de indenização, pois decorreram da livre escolha do candidato, que tem direito apenas a devolução da taxa de inscrição.

 

III - Meros aborrecimentos decorrentes da anulação do concurso, não caracterizam dano moral.

 

IV - Recurso conhecido e parcialmente provido. Unânime.

 

ACÓRDÃO

 

Acordam os Desembargadores da Quinta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, HAYDEVALDA SAMPAIO - Relatora, DÁCIO VIEIRA e ROMEU GONZAGA NEIVA - Vogais, sob a presidência do Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA, em CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO AOS RECURSOS VOLUNTÁRIO E OFICIAL. UNÂNIME, de acordo com a ata de julgamento e notas taquigráficas.

 

Brasília (DF), 08 de novembro de 2004.

 

ROMEU GONZAGA NEIVA

Presidente

 

HAYDEVALDA SAMPAIO

Relatora

 

RELATÓRIO

 

REJANE SANTOS SILVEIRA e PATRÍCIA SANTOS SILVEIRA propuseram ação de reparação de danos contra o DISTRITO FEDERAL e a FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, ao argumento de que participaram de processo seletivo visando aprovação em concurso público para o cargo de Professor. Esclarecem que o certame contou com o pagamento de taxas no valor de R$ 23,00 (vinte e três reais), tendo sido realizado e posteriormente cancelado, em virtude de falhas na sua condução. Asseveram que perderam tempo e dinheiro. Informam que novamente foi noticiado a realização de novo certame, tendo as autoras participado, mas outra vez foi anulado.

 

Asseveram que sofreram prejuízos materiais em decorrência dos gastos com a inscrição, sendo que tal gasto, individualmente, de R$ 46,00 (quarenta e seis reais), bem como com o deslocamento para o local da prova. Verberam que freqüentaram cursinhos específicos, arcando com mensalidades e interrompendo suas férias. Alongam-se a respeito do tema. Apontam a responsabilidade dos Réus e pedem que sejam condenados ao pagamento de dez salários mínimos para cada uma, a fim de reparar o dano imaterial sofrido.

 

Devidamente citado, o DISTRITO FEDERAL apresentou contestação, relatando os fatos e argüindo ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, sustenta que as despesas, no tocante à taxa de inscrição, são de responsabilidade da segunda Ré. Assegura que improcede o pedido de indenização no que pertine às despesas com alimentação, bem como no tocante aos cursinhos realizados. Alonga-se a respeito do tema. Refuta a ocorrência de dano moral. Requer a extinção do processo, sem julgamento de mérito, por sua ilegitimidade passiva ad causam; alternativamente, pede a improcedência do pedido.

 

De igual forma, a segunda Ré apresentou contestação. Alega ilegitimidade ativa e passiva ad causam. Aduz que as lesões que as Autoras teriam sofrido pelo cancelamento do concurso, foram causadas única e exclusivamente pela Secretaria de Gestão Administrativa do Distrito Federal. Transcreve jurisprudência. Refuta os pedidos formulados. Tece considerações a respeito. Pede o acolhimento da preliminar, ou caso assim não se entenda que o pedido seja julgado improcedente.

 

O MM. Juiz declarou extinto o processo, sem julgamento do mérito, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, com relação a Fundação Getúlio Vargas, e julgou parcialmente procedente o pedido inicial para condenar o Distrito Federal a pagar a quantia de R$ 61,00 (sessenta e um reais) para cada Autora, a título de dano material, bem como a quantia de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) para cada uma, à título de dano moral.

 

O DISTRITO FEDERAL, inconformado, interpôs recurso de apelação. Reexamina os fatos, bem como a r. sentença. Refuta a ocorrência de danos morais e reitera os termos da contestação. Postula a reforma da r. sentença, para que o pedido seja julgado improcedente.

 

Contra-razões às fls. 250/252 e 266/279, pugnando pelo não provimento do recurso.

 

É o relatório.

 

VOTOS

 

A Senhora Desembargadora Haydevalda Sampaio – Relatora

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da remessa necessária e do recurso de apelação.

 

Da análise acurada dos autos, verifica-se que REJANE SANTOS SILVEIRA e PATRÍCIA SANTOS SILVEIRA se inscreveram e participaram de concurso público para o ingresso no Magistério Público do Distrito Federal, mediante o pagamento de taxas; ocorre que o concurso foi anulado. Posteriormente, foi realizado novo certame, sem qualquer pagamento, novamente anulado.

 

Em conseqüência interpuseram ação de reparação de danos em desfavor do DISTRITO FEDERAL e da FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, ao argumento de que sofreram danos materiais e morais. O sentenciante extinguiu o feito, sem exame de mérito, em relação à segunda Ré e condenou o primeiro Réu ao pagamento de R$ 61,00 (sessenta e um reais), a título de dano material, e de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) para cada Autora, a título de dano moral.

 

Em parte, razão assiste ao Apelante.

 

A anulação do concurso, mesmo visando o aperfeiçoamento do sistema, por estar viciado, ante a inobservância dos princípios da moralidade, da impessoalidade, da legalidade e da eficiência, como assinalado à fl. 290, não desobriga a Administração Pública de restituir aos candidatos os valores relativos às taxas pagas por ocasião da inscrição, muito embora possa anular seus próprios atos.

 

Não existe, todavia, uma relação direta entre o candidato e a Fundação Getúlio Vargas, contratada para a realização do certame, tendo bem decidido o sentenciante ao excluí-la do feito. Poderá o Apelante, posteriormente, se for comprovado falhas na condução do concurso, propor ação regressiva contra a referida fundação, visando o ressarcimento do que tiver pago.

 

No que pertine às demais despesas com transporte, alimentação e cursinhos, não são indenizáveis, pois foi o candidato quem livremente decidiu participar do concurso público.

 

Discordo do sentenciante, todavia, no tocante ao dano moral ou imaterial.

 

Como preleciona José de Aguiar Dias, "o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão, abstratamente considerada. O conceito de dano é único, e corresponde a lesão de direito". (in "Da Responsabilidade Civil", vol. II, 9ª ed., pág. 737).

 

Ressalte-se, ainda, que, segundo Roberto de Ruggiero, para ser o dano indenizável "basta a perturbação feita pelo ato ilícito nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos, nos afetos de uma pessoa, para produzir uma diminuição no gozo do respectivo direito" (RT 614/237).

 

In casu, as Autoras sofreram meros dissabores e contrariedades que não chegaram a caracterizar danos morais, encontrando-se ausentes os requisitos previstos no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.

 

Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso de apelação e à remessa necessária, para afastar a condenação pertinente aos danos morais e reduzir a condenação por danos materiais ao valor de R$ 46,00 (quarenta e seis reais) para cada Autora, valor pago pela taxa de inscrição, devidamente atualizado desde o respectivo desembolso. Ante a sucumbência mínima do Réu, condeno as Autoras ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 400,00 (quatrocentos reais), pro rata. Por força do artigo 12, da Lei nº 1.060/50, suspendo a execução.

 

É como voto.

 

O Senhor Desembargador Dácio Vieira – Vogal

 

Adiro ao entendimento da eminente Relatora em manter a decisão monocrática, apenas com a ressalva feita em relação ao quantum fixado na ação de dano material e inexistência do dano moral.

 

Realmente, o concurso público tem um caráter singular; a pessoa que presta um concurso público e freqüenta um curso e se prepara para isso, está investindo em si mesma.

 

Em relação também à hipótese de haver dano moral, acredito que essa é a tese prevalente: que ocorrendo mero aborrecimento não há como configurar esta situação.

 

Com essas breves considerações, entendo que realmente prospera a indignação demonstrada pelo ilustre advogado em sua sustentação. Há que restituir à parte o equivalente à inscrição do concurso.

 

Com a eminente Relatora.

 

O Senhor Desembargador Romeu Gonzaga Neiva - Presidente e Vogal

 

No meu voto peço licença para aderir inteiramente às razões da eminente Relatora, porque, de fato, também não vejo nenhuma legitimidade passiva da Fundação Getúlio Vargas, ora executora do concurso. A relação material que possa existir entre as autoras é com o Distrito Federal e não com a Fundação.

 

No tocante aos danos materiais, também da mesma forma que Sua Excelência entendo que de modo próprio as autoras resolveram investir em si e, por isso, não há que se falar em indenização por despesas.

 

No tocante ao dano moral, de fato, pelo que sempre temos entendido, no seio desta egrégia Turma, a hipótese não configura, eis que os fatos não passaram de meros dissabores e aborrecimentos, mas nunca capazes de configurar a verdadeira essência da reparação por dano moral que é aquela ofensa capaz de causar um prejuízo emocional.

 

Por isso que, com essas breves considerações, encampo inteiramente o voto de Sua Excelência, também dou parcial provimento a ambos os recursos.

 

DECISÃO

 

Conhecido. Deu-se parcial provimento aos recursos voluntário e oficial. Unânime.

 

(grifos acrescidos)

 

Comentários sobre a Anulação de Concurso Público

O jurista Petrônio Braz, em sua obra “Atos administrativos – Doutrina e Prática”, 2a edição, Leme: Editora Cronus, 2008, p. 39, acerca do Princípio da Discricionariedade, assim faz constar:

Princípio da discricionariedade

A Administração Pública, no exercício de suas funções, dispõe, de liberdade de atuação tendo em vista o estabelecimento da oportunidade e da conveniência da prática de qualquer ato. Essa maior liberdade de atuação vincula-se à supremacia do interesse público sobre o privado, pelo que pode a Administração agir ou abster-se de agir.

A discricionariedade não pode ultrapassar os limites impostos pela indisponibilidade do interesse público, que não se encontra entregue à livre disposição da vontade do administrador.

Lembra CAIO TÁCITO que a Administração não titulariza interesses públicos.  O titular deles é o Estado que, em certa esfera, os protege e exercita através da função administrativa, mediante o conjunto de órgãos (chamados administração, em sentido subjetivo ou orgânico), veículos da vontade estatal consagrada em lei.

O princípio da discricionariedade, de íntima interligação com o da razoabilidade, exige uma atuação da Administração em sintonia com um senso normal de pessoas equilibradas. A margem de discrição subordina-se também ao princípio da moralidade, obrigando o administrador a adotar, entre as providências possíveis, a que melhor atenda aos interesses e finalidade da Administração, dentro dos limites da lei, isto porque as pessoas administrativas não têm disponibilidade sobre os interesses públicos confiados à sua guarda e realização (CELSO ANTÔNIO).

 

Decidindo a Administração Pública, que o concurso público realizado não atende aos interesses da sociedade, poderá, livremente, anular o mesmo. Ademais, poderá a Administração Pública concluir que, caso emposse os candidatos aprovados, isso representará grande dispêndio financeiro aos cofres públicos, recomendando a “conveniência”, que o certame deve ser anulado. Os candidatos, por evidente, terão direito à restituição dos valores pagos com as inscrições, caso estes valores tenham sido cobrados. Afinal, não seria lícito à Administração Pública, experimentar um enriquecimento indevido, decorrente da retenção do valor das inscrições. Mas, dano moral, certamente não haverá.

O argumento, corriqueiramente erigido pelo autor da ação de indenização, nestes casos, para embasar sua pretensão reparatória, de que houve dispêndio de tempo com estudos e que, diante da anulação do concurso, referido tempo foi perdido, gerando um dano de ordem moral, não convence. Nenhum tempo utilizado com estudos é tempo perdido, ou gasto inocuamente. No caso citado, as autoras da ação de indenização por danos morais e materiais, requereram: 1) por danos materiais, os valores que despenderam com as taxas de inscrição para se submeterem ao certame; 2) danos morais, decorrentes do tempo e dinheiro que despenderam com cursinhos preparatórios, bem como com hospedagem e viagens para a localidade das provas.

Consoante defendi acima, havendo a anulação do concurso público, os valores das taxas de inscrição, devem ser devolvidos aos candidatos, pois, caso contrário, isso representaria um enriquecimento indevido para a Administração Pública. Nisso, concordo plenamente com o julgado acima.

Todavia, quanto ao requerimento de danos morais, decorrentes da anulação do concurso público, isso foi indevidamente deferido pelo juízo de primeiro grau e, sabiamente reformado pelo tribunal “ad quem”. Quem se submete à condição de concursando, ou seja, de estudioso para determinada carreira do setor público, assume riscos e, dentre estes riscos, estão inclusos: despesas com material didático específico para a carreira pública almejada, incluindo-se a frequência a cursinhos preparatórios; despesas com viagens para a localidade na qual a prova será realizada; gastos com hospedagem e alimentação. A tudo isso, a pessoa adere espontaneamente, como decorrência de seu poder de escolha. Não há como se imputar a culpa por estes gastos a ninguém. Logo, sendo o concurso anulado, a pessoa não terá como se ressarcir. O maior prêmio do estudioso é saber que, quando mais adquire conhecimento, melhor preparado para a vida estará. Esta deve ser a maior recompensa. Uma pessoa instruída é uma pessoa em condições de tornar-se mais sabia e, por conseguinte, feliz.

No caso dos concursos públicos, só há, em nossa opinião, duas obrigações para a Administração Pública, quais sejam: 1) respeitar a ordem classificatória dos candidatos, caso opte por convalidar o concurso e proceder à contratação dos aprovados; e 2) respeitar os regramentos do Edital, que se traduz no Princípio da Vinculação ao Edital ou Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório. Por meio de referido princípio, a Administração Pública deve seguir o Edital que publica. No Edital estão as regras do concurso, como, por exemplo, as matérias que serão objeto de avaliação, o local das avaliações, as exigências que os candidatos deverão atender para serem classificados, dentre outros regramentos.

Publicado o Edital, o mesmo se torna lei para o concurso para o qual fora criado. E, durante todo o transcorrer do concurso público, seus regramentos são cláusulas pétreas, ou seja, inalteráveis. Isso o que determina os princípios norteadores dos atos administrativos, emanados das autoridades públicas e todos esculpidos no art. 37 da Carta Magna de 1988. São estes princípios os da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Os concursandos não podem ser pegos de surpresa durante o processo seletivo, de provas e de provas e títulos, o que permite uma concorrência justa, legalizada e escorada em princípios éticos, morais e legais. Isso garante a moralidade dos atos administrativos. Todo candidato que obedece ao Edital, tem garantido o direito de concorrer, em igualdade de condições, com os demais concursandos. Ferir estes primados constitucionais é colocar em descrédito o próprio Estado Constitucional, Social, Democrático e Humanitário de Direito. Portanto, publicado o Edital, a Administração Pública se obriga ao cumprimento do mesmo.

A outra obrigação da Administração Pública é seguir a ordem classificatória, caso opte por preencher as vagas oferecidas e submetidas a concurso público.

A Administração Pública, segundo alguns entendimentos doutrinários de administrativistas de escol, não é obrigada a contratar os aprovados em concursos públicos, mas, se proceder à convocação dos aprovados, deve obedecer à ordem classificatória.

 

Sabe-se que, a aprovação em concurso público, gera apenas uma expectativa de direito ao candidato aprovado. Entretanto, se houver a contratação, ou seja, a efetivação do ato administrativo de preenchimento das vagas ofertadas, por meio do concurso público realizado, deve-se obedecer à ordem classificatória do mesmo.

 

Aliás, referido entendimento encontra-se sumulado pelo Supremo Tribunal Federal que, na Súmula n.º 15, assim faz constar:

Súmula 15: Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação.

E, complementando tal entendimento, tem-se a Súmula n.º 16, do mesmo Pretório Excelso, que assim reza:

Súmula 16: Funcionário nomeado por concurso tem direito à posse.

Se a Administração Pública for contratar o candidato aprovado para o cargo submetido ao crivo do concurso público, deve obedecer a ordem classificatória.

 

Corroborando tal entendimento, assim o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, no Mandado de Segurança n.º 21.870[3], nestes termos:

CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - CONCURSO PÚBLICO - DIREITO A NOMEAÇÃO - SÚMULA 15 - STF - A aprovação em concurso não gera direito a nomeação, constituindo mera expectativa de direito. Esse direito somente surgirá se for nomeado candidato não aprovado no concurso ou se houver o preenchimento de vaga sem observância de classificação do candidato aprovado. Súmula 15-STF (STF - MS 21.870 - DF - T.P. - rel. Min. Carlos Velloso – DJU 19/12/1994).

No RMS 19478-SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Relator Nilson Naves, foi mais além, reconhecendo ao aprovado, em concurso público, não apenas uma expectativa de direito, em caso de aprovação, mas sim, de verdadeiro direito de ser nomeado – direito à nomeação - dentro do número de vagas pré-estabelecido pela Administração Pública. Referido processo encontra-se assim ementado:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 19.478 - SP

(2005/0012499-9)

 

RELATOR: MINISTRO NILSON NAVES

RECORRENTE: CLAUDIO MORANDI ROMANO

ADVOGADO: VALÉRIA LÚCIA DE CARVALHO SANTOS

T. ORIGEM: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

IMPETRADO: DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO: ESTADO DE SÃO PAULO

 

EMENTA

Servidor público. Concurso para o cargo de oficial de justiça do Estado de São Paulo. Candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital. Direito líquido e certo à nomeação.

 

1. O concurso representa uma promessa do Estado, mas promessa que o obriga – o Estado se obriga ao aproveitamento de acordo com o número de vagas.

 

2. O candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, como na hipótese, possui não simples expectativa, e sim direito mesmo e completo, a saber, direito à nomeação.

 

3. Precedentes: RMS-15.034, RMS-15.420, RMS-15.945 e RMS-20.718.

 

4. Recurso ordinário provido.

 

Assim se lê da notícia[4] acerca do julgamento do RMS 19478-SP, pelo Superior Tribunal de Justiça, nestes termos:

Candidato aprovado em concurso público tem direito à nomeação

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso em Mandado de Segurança (RMS 19478-SP), relatado pelo ministro Nilson Naves, entendeu que candidato aprovado em concurso público e classificado dentro do número de vagas previstas em edital possui direito líquido e certo à nomeação e à posse.

Com essa decisão o STJ contraria jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal (STF), consolidada no enunciado da Súmula nº 15, de que o candidato aprovado em concurso tem direto à nomeação apenas na hipótese de preterição da ordem de classificação.

No caso concreto, o edital do concurso realizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e homologado em outubro de 1999 previa o preenchimento de 1.200 vagas de oficial de Justiça. O candidato foi aprovado em 799º lugar, mas, decorrido o prazo de validade de quatro anos previsto no edital – dois anos prorrogáveis por mais dois –, o Tribunal nomeou apenas 241 aprovados.

Em 2003, diante da proximidade de término do prazo de validade do concurso, o candidato tentou ingressar no cargo pela via administrativa mediante requerimento dirigido ao presidente do TJSP. Seu pedido foi negado sob a alegação de que as chamadas ocorrem segundo o interesse da Administração Pública e dentro das possibilidades orçamentárias existentes.

O candidato, então, recorreu ao órgão especial do TJSP, que entendeu que a aprovação em concurso público não origina direito líquido e certo à nomeação e indeferiu o recurso. Daí o mandado de segurança interposto no STJ contra o acórdão do tribunal paulista.

Em seu voto, o relator fez questão de reproduzir trechos do recurso no qual a defesa sustenta que, durante muito tempo, a doutrina e a jurisprudência firmaram o entendimento de que a aprovação em concurso público gerava mera expectativa de direito à nomeação, permitindo a ocorrência de situações absurdas, como a de candidatos que, após intensa dedicação, obtinham aprovação dentro do número das vagas oferecidas e amargavam o dissabor de ver expirar-se o prazo de validade de um concurso sem nomeação.

Para o ministro Nilson Naves, ao lançar um concurso público, o Estado se obriga ao recrutamento de acordo com o número de vagas. “Não creio que se trate de simples expectativa, e sim de um direito à nomeação”, ressaltou.

Fonte: Notícias STJ

A decisão do Ministro Nilson Naves, do Superior Tribunal de Justiça, no recurso acima citado, inegavelmente, gerará muita discussão. Em sua opinião, dentro do número de vagas oferecidas pela Administração Pública, o Estado se obriga ao recrutamento de todos os candidatos aprovados no concurso público. Portanto, o que antes era mera expectativa de direito foi considerado como direito à nomeação. Não se tratou, em referido julgado, da temática dos danos morais. Em minha opinião, como ressaltado acima, continuo esposando o entendimento, no sentido de ser incabível a pretensão indenizatória por danos morais, utilizando-se, como lastro material do pedido indenizatório, o argumento da perda de tempo e dinheiro para se preparar para o concurso, posteriormente, anulado pela Administração Pública, pois, a pessoa, como dito, espontaneamente opta por se submeter ao concurso público de sua preferência, assumindo o risco de tal empreitada.

 

Todavia, caso a pessoa sinta-se lesada com a decisão da Administração Pública em anular o concurso público, resta à mesma, com base no novo entendimento jurisprudencial, adentrar com Mandado de Segurança, alegando seu direito líquido e certo de ser nomeada ao cargo para o qual fora aprovada e esperar que o provimento jurisdicional acolha sua pretensão.

 

Essas as considerações e os apontamentos que havíamos a fazer acerca da anulação de concurso público.

 

 

Descumprimento parcial de contrato de viagem. Hospedagem em hotal similar ao prometido. Requerimento de danos morais pelo ocorrido. Inocorrência. Meros Dissabores decorrentes de situações facilmente subsumíveis nas contingências da vida em sociedade.

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS (TJDFT)

 

ACJ 2004 07 1 009126-3

Órgão: 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Classe: ACJ - Apelação Cível no Juizado Especial

Nº Processo: 2004 07 1 009126-3

Apelante(s): FIDELIDADE VIAGENS E TURISMO LTDA.

Apelado(s): JAIRO MESSIAS DA PURIFICAÇÃO JÚNIOR

Relator Juiz: TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO

 

EMENTA

 

CIVIL E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PACOTE TURÍSTICO. HOSPEDAGEM EM HOTEL DIVERSO DO INICIALMENTE PROMETIDO. INADIMPLÊNCIA PARCIAL CARACTERIZADA. ACOMODAÇÃO EM HOTEL SIMILAR. FATO IMPASSÍVEL DE SE QUALIFICAR COMO GERADOR DE DANO MORAL. PEDIDO REJEITADO. 1. Entabulado o contrato de prestação de serviços tendo como objeto pacote turístico e individualizado o hotel em que o consumidor deveria ser hospedado, sua acomodação em hotel diverso revela falha nos serviços fornecidos pela agência de turismo e inadimplência parcial do ajustado. 2[5]. A despeito da falha havida, se o consumidor viaja na forma inicialmente programada e é hospedado em hotel de padrão similar àquele inicialmente contemplado pelo ajustado, sendo-lhe assegurada a plena fruição de tudo que a viagem lhe oferecia, o ocorrido torna-se impassível de se qualificar como fato gerador de danos de natureza moral ante a prevenção dos efeitos derivados da inadimplência em que incorrera a fornecedora de serviços, restando elidido o nexo de causalidade enliçando a falha havida a quaisquer danos que efetivamente o afetaram. 3. A caracterização da obrigação indenizatória tem como pressuposto genético a ocorrência do dano, afigurando-se insuficiente para sua qualificação a simples inadimplência contratual se dela não germinara nenhuma conseqüência para o adimplente. 4. A frustração originária da falha havida e a angústia que daí germinara para o consumidor devem ser mensuradas de conformidade com o seu real alcance, pois, não obstante seja impassível de questionamento o fato de que lhe impregnara certa dose de angústia, não o sujeitara, todavia, a quaisquer constrangimentos efetivos ou a situações vexatórias e humilhantes e nem afetara sua imagem e decoro, qualificando-se como fato ordinário, inteiramente previsível e inserido nas contingências da vida, não podendo, pois, qualificar-se como ofensa aos seus atributos pessoais, caracterizando-se como dano moral e legitimando o deferimento da compensação pecuniária que reclamara com o objetivo de minorar suas conseqüências. 5. Recurso conhecido e provido. Unânime. (sic)

 

ACÓRDÃO

 

Acordam os Senhores Juízes da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO - Relator, NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO - Vogal, JESUÍNO APARECIDO RISSATO - Vogal, sob a presidência da Juíza NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO, em CONHECER. PROVER. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

 

Brasília (DF), 08 de março de 2005.

 

NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO

Presidente

 

TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO

Relator

 

RELATÓRIO

 

Cuida-se de ação de indenização de danos materiais e morais proposta por Jairo Messias da Purificação Júnior em desfavor da Fidelidade Viagens e Turismo Ltda. almejando a obtenção de provimento jurisdicional que lhe assegure o recebimento das importâncias que individualizara como composição dos danos materiais que experimentara e compensação pelos danos morais que também lhe foram provocados. Como suporte material das pretensões que aduzira sustentara, em suma, que concertara contrato de prestação de serviços com a ré tendo como objeto um pacote turístico, nele incluídas passagens aéreas e diárias de hotel, destinado a viabilizar viagem de lazer que empreenderia à cidade de Fortaleza. Contudo, descurando-se quanto às obrigações que lhe estavam destinadas na condição de fornecedora de serviços e ignorando o que havia ficado ajustado, a ré, consumada a viagem até a cidade almejada, o hospedara em hotel de padrão inferior e situado em local diverso daquele em que almejava se hospedar e lhe havia sido prometido, determinando, inclusive, que no dia do retorno tivesse que suportar despesas imprevistas com o objetivo de viabilizar o transporte de parte da sua bagagem até o aeroporto, pois havia sido esquecida pelos prepostos da agência encarregados de cuidarem do seu embarque, fatos que prejudicaram consideravelmente a viagem de turismo que então realizava na medida em que não pudera fruir dos serviços prometidos na forma inicialmente avençada e de acordo com as expectativas que lhe foram criadas. Observara que, dessa forma, o ocorrido, provocando-lhe constrangimentos e a decepção decorrente da frustração da tão esperada viagem, tanto mais porque ficara impossibilitado de antecipar seu retorno a esta capital ante a circunstância de que os vôos em que viajara eram fretados, ferira sua estima e provocara-lhe abatimento e angústia, assistindo-lhe, então, o direito de merecer uma compensação pecuniária em decorrência dos danos morais e materiais, correspondente ao que despendera com o transporte da sua bagagem, que lhe foram provocados pela conduta negligente da prestadora de serviços, mesmo porque, a despeito de ter sido a única causadora dos fatos que a atingiram, não adotara qualquer providência ou medida aptas a preveni-los ou afastá-los, tecendo comentários acerca dos danos abstratos que lhe foram impingidos e sobre o cabimento da reparação que almeja.

 

Ultrapassada a fase conciliatória, a ação fora regularmente processada. Ao final, ao fundamento de que restaram caracterizados o contrato de prestação de serviços entabulado entre as partes e a inadimplência parcial da contratada, pois, após ter se comprometido em hospedar o autor no hotel que lhe fora indicado inicialmente e que constava do anúncio que o levara a contratar o pacote turístico oferecido, a ré o acomodara em hotel diverso, a despeito de situado no mesmo bairro, e permitira que no dia do traslado do hotel em que se hospedara até o aeroporto parte da sua bagagem fosse esquecida, ensejando-lhe dispêndio financeiro destinado a viabilizar a recuperação da parte esquecida, ficando patente que, além do prejuízo material que experimentara, o consumidor também sofrera os dissabores, frustração e angústia de não ter fruído da viagem que empreendera na forma planejada, o que efetivamente afetara sua disposição e frustrara suas expectativas, qualificando-se como ofensa aos atributos da sua personalidade, o pedido fora acolhido, condenando-se a ré a pagar-lhe às quantias de R$ 41,00 (quarenta e um reais), como composição do dano material que sofrera ao ter que custear o transporte de parte da sua bagagem, e de R$ 2.894,00 (dois mil, oitocentos e noventa e quatro reais), como compensação pelos danos morais que também experimentara, devidamente atualizadas monetariamente e acrescida dos juros de mora legais.

 

Inconformada com a condenação que lhe fora imposta, a ré recorrera almejando sua absolvição sustentando, em suma, que, a despeito de ter ficado patenteado que efetivamente o autor fora hospedado em hotel distinto daquele que inicialmente lhe havia sido indicado e integrara o objeto do pacote turístico que lhe fora vendido, fora ele acomodado em hotel de padrão similar situado no mesmo bairro, não podendo o fato, então, ser caracterizado como ofensa aos seus sentimentos ou à sua honra de forma a qualificar-se como dano moral e ensejar a reparação pecuniária que reclama, mesmo porque não evidenciara ele que sofrera qualquer exposição indevida da sua intimidade e vida privada ou que a alteração havida quanto ao hotel em que fora hospedado sujeitara-no a situações vexatórias passíveis de impingir-lhe uma mágoa e ferir seus sentimentos, devendo o ocorrido, ao contrário, ser reduzido à sua verdadeira dimensão e alcance, pois qualificara-se como meros transtornos e aborrecimentos próprios da vida em sociedade e da utilização das comodidades oferecidas pelo modernização dos serviços oferecidos.

 

Sustentara, ainda, que o ocorrido, que restringira-se à hospedagem do autor em hotel diverso daquele que inicialmente lhe havia sido indicado, mas de padrão idêntico, não se caracteriza como ofensa à sua honra subjetiva ou à sua personalidade de forma a legitimar o deferimento da indenização que persegue, não sendo, mesmo, passível de caracterizar-se como lesão à personalidade ou moral de alguém, inscrevendo-se, ao contrário, como mero transtorno e aborrecimento a que qualquer cidadão é passível de sujeitar-se, ainda mais quando pudera fruir da viagem de lazer que empreendera sem qualquer transtorno ou contratempo. Além do mais, a lesão hipotética não é causa apta a gerar qualquer obrigação de indenizar, ante a inocorrência do evento lesivo que consubstanciaria-se no seu fato gerador, o que, inclusive, fazia desaparecer o nexo de causalidade entre a inadimplência que lhe fora imputada e os danos morais cuja composição fora reclamada pelo consumidor diante da inexistência da causa que teria gerado-os, não lhe assistindo, em conseqüência, o direito a qualquer reparação.

 

Observara, de outra parte, que o desfalque financeiro experimentado pelo autor derivara da sua exclusiva negligência, pois não lhe competia, na condição de prestadora de serviços, cuidar do embarque da sua bagagem no hotel em que estava ele hospedado, denotando que, em tendo ele se esquecido de parte da sua bagagem e necessitado contratar serviço de táxi para buscá-la, se tornara o único responsável pelo fato gerador do desfalque que suportara, não lhe podendo ser transferida a responsabilidade pela incúria do próprio consumidor e ser compelida a fomentar um serviço que não lhe estava destinado e nem havia se comprometido a fomentar.

 

Ao final, asseverando que, ainda que a condenação que lhe fora imposta seja mantida, a indenização fixada à guisa de composição dos danos morais que teriam sido experimentados pelo autor deve ser mitigada e fixada em parâmetros módicos e razoáveis e condizentes com o princípio da razoabilidade e com ocorrido e as conseqüências dele oriundas como forma, inclusive, de se coibir o locupletamento sem causa lícita e derivada do labor do ofendido, mesmo porque a indenização decorrente de danos morais não tem caráter reparatório mas, isso sim, compensatório e deve ser fixada mediante arbitramento criterioso do Juízo, o que não se verificara na espécie, porquanto a compensação assegurada ao consumidor alcança o equivalente ao que vertera com o custeio do pacote turístico que lhe fora vendido, evidenciado sua desproporcionalidade em relação ao ocorrido, defendera o acolhimento da irresignação que agitara para que reste absolvida da cominação que lhe fora imposta, pois não praticara qualquer ato passível de ser reputado ilícito e nem o autor experimentara quaisquer danos em decorrência da simples alteração no hotel em que se hospedara, ou, alternativamente, para que a indenização fixada seja consideravelmente reduzida.

 

O autor, a despeito de regularmente intimado, deixara fluir em branco o decêndio que legalmente lhe era assegurado para contrariar o recurso interposto.

 

É o relatório.

 

VOTOS

 

O Senhor Juiz TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Relator

 

Porque patente o interesse recursal, apropriado o recurso, atempadamente manejado, regularmente preparado e subscrito por advogado regularmente constituído, fazendo-se presentes, pois, os pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

 

Cuida-se de ação de indenização de danos morais e materiais aviada ao estofo de que, em tendo as partes concertado um contrato de prestação de serviços tendo como objeto um pacote turístico, nele incluídas as passagens aéreas e as despesas de hospedagem necessárias à efetivação da viagem almejada, a ré não prestara os serviços que lhe estavam afetos de forma perfeita, pois não cuidara de viabilizar a hospedagem do autor no hotel que lhe havia sido indicado e integrara a proposta que o motivara a entabular a contratação, sujeitando-o, então, aos dissabores e frustração de não ter fruído da viagem que empreendera na forma esperada e ao desfalque patrimonial derivado do fato de que por ocasião do retorno e no momento em que fora efetivado o traslado do consumidor do hotel até o aeroporto parte da sua bagagem fora esquecida no hotel em que se hospedara, determinando que custeasse o serviço de táxi destinado a recuperar a bagagem esquecida. O pedido fora acolhido, contemplando-se o autor com a indenização do dano material que teria sofrido e com a quantia que inicialmente reclamara à guisa de compensação pelos danos morais que também experimentara, e, insatisfeita com a condenação que lhe fora imposta, a fornecedora de serviços apelara reclamando sua absolvição da obrigação de compor os danos aventados por seu cliente ou, de forma alternativa, a mitigação do importe que fora mensurado como compensação pelos danos morais que teriam sido por ele experimentados.

 

De conformidade com a argumentação alinhavada pelo apelado como lastro material subjacente passível de aparelhar a pretensão que veiculara infere-se que sustentara que, ignorando o que lhe havia sido prometido como meio de motivá-lo a contratar os serviços que lhe foram fornecidos e que consistiram num pacote turístico cujo objeto fora a viagem que empreendera à cidade de Fortaleza, a apelante, na condição de fornecedora de serviços, não o acomodara no hotel que lhe havia sido indicado, ceifando suas expectativas e causando-lhe frustração, e permitira que na data em que embarcara de volta a esta capital parte da sua bagagem fosse esquecida no hotel em que se acomodara, determinando que custeasse serviço de táxi destinado à recuperá-la e conduzi-la até o aeroporto no qual embarcaria.

 

Outrossim, dos argumentos alinhavados pela apelante como lastro passível de ensejar sua absolvição da condenação que lhe fora imposta infere-se que reconhecera que efetivamente o apelado não fora acomodado no hotel que lhe havia sido indicado e integrara o objeto do contrato que entabularam, pois em decorrência de falha havida não lhe fora assegurada a reserva necessária, ressalvando, todavia, que, a despeito da falha havida, dela não germinara nenhum dano ao consumidor passível de legitimar sua contemplação com qualquer compensação pecuniária, porquanto viajara na forma programada e fora acomodado em hotel similar situado no mesmo bairro em que está sediado aquele em que deveria ter se hospedado, denotando que esse pequeno transtorno é impassível de se qualificar como ofensa aos seus sentimentos ou predicados morais.

 

Alinhavadas essas premissas e sendo incontroverso o fato de que efetivamente a inadimplência parcial imputada à apelante se verificara, pois não cuidara de hospedar o apelado no hotel que inicialmente integrara o pacote turístico que lhe fora vencido, resta a ser aferido se essa circunstância se consubstancia em fato passível de se qualificar como ofensa aos atributos da personalidade do consumidor de forma a legitimar sua contemplação com a compensação pecuniária que almeja.

 

Desses parâmetros deriva a irreversível ilação de que, a despeito de o apelado efetivamente ter sido vitimado pela falha havida nos serviços fornecidos pela apelante, pois restara apurado de forma incontroversa que fora hospedado em hotel distinto daquele que lhe havia sido indicado e passara a integrar o objeto do contrato que entabularam, a verdade é que, malgrado a inadimplência parcial havida, o ocorrido não o sujeitara a quaisquer dissabores ou frustração passíveis de atingirem sua dignidade ou afetar seu decoro e auto-estima. Ora, o hotel em que o apelado efetivamente fora acomodado, consoante deflui dos argumentos que alinhavara, é de padrão idêntico ao que inicialmente seria acomodado, tanto que os fundamentos que içara como lastro passível de aparelhar a pretensão que veiculara não estão alicerçados na alegação de que seria de categoria inferior e, por conseguinte, teria restado desprovido da comodidade e conforto que almeja e lhe haviam sido prometidos. Quanto a esse aspecto, a única ressalva que alinhara está adstrita ao fato de que o hotel em que efetivamente se hospedara não estaria situado na orla marítima, ao contrário do que se verifica com aquele em que deveria ter se acomodado. Da mesma forma, do que emerge dos argumentos que alinhavara infere-se que reconhecera que efetivamente viajara na forma programada, usufruindo plenamente do que a viagem que empreendera podia lhe proporcionar.

 

Dessas circunstâncias deflui a constatação de que, a despeito de patenteado o descumprimento do que havia restado ajustado por parte da apelante, da inadimplência parcial em que incorrera, denotando a falha imputada aos serviços que fornecera, não derivara nenhum transtorno ou frustração passível de se qualificar como ofensa aos predicados pessoais do apelado e se consubstanciarem em dano de natureza moral. E isso porque, a despeito de caracterizada a falha havida, do que restara delineado apura-se que o apelado viajara na forma programada e se hospedara em hotel de padrão similar àquele que inicialmente lhe havia sido indicado, não redundando da alteração havida no local de hospedagem qualquer transtorno ou frustração aptos a se consubstanciarem em ofensa aos seus sentimentos.

 

Em verdade, a substituição de hotel havida, a despeito de lhe ter impregnado certa dose de preocupação e dissabor, frustrando suas expectativas iniciais, não redundara em qualquer prejuízo efetivo para sua viagem ou em ofensa à sua auto-estima. Fora, de qualquer sorte, hospedado em hotel de padrão similar e situado no mesmo bairro em que está sediado aquele em que inicialmente seria acomodado, possibilitando-lhe fruir plenamente de tudo o que a viagem que empreendera poderia lhe oferecer. A alteração do local de hospedagem, então, não tendo redundado em nenhum prejuízo efetivo, não pode se qualificar como fato apto a melindrar os sentimentos do apelado de forma a se qualificarem como dano de natureza moral, tanto mais porque o simples fato de ter ficado desprovido do deleite que lhe proporcionaria a vista do mar da qual fruiria se houvesse se hospedado na forma prometida não afetara a fruição do oferecido pela viagem, ao menos que tivesse se deslocado até a capital cearense exclusivamente para ficar postado na janela do apartamento em que ficaria com o objetivo de contemplar a beleza do oceano atlântico, do que evidentemente não se cogita.

 

A frustração originária da mudança do local em que fora hospedado e o dissabor que daí germinara para o apelado devem ser mensuradas de conformidade com o seu real alcance, pois, não obstante seja impassível de questionamento o fato de que lhe impregnara certa dose de angústia, não o sujeitara, todavia, a quaisquer constrangimentos efetivos ou a situações vexatórias e humilhantes e nem afetara sua auto-estima ou conceito pessoais. Qualifica-se, em verdade, como fato ordinário, inteiramente previsível e inserido nas contingências da vida, não podendo, pois, qualificar-se como ofensa aos seus atributos pessoais, caracterizando-se como dano moral e legitimando o deferimento da compensação pecuniária que reclamara com o objetivo de minorar suas conseqüências.

 

A vida em sociedade, como consabido, é permeada por relacionamentos casuais e contratuais que nem sempre alcançam o objetivo almejado por aqueles que neles foram envolvidos. É comum, principalmente nos tempos atuais, a quebra de contratos, a resistência ao cumprimento das obrigações ajustadas e o simples implemento de compromissos sociais assumidos de forma graciosa e despretensiosa. Diante dessa realidade insofismável, que decorre das próprias nuances da vida e da diversidade de formação dos humanos, e malgrado a tutela dos direitos da personalidade esteja em franca evolução, censurando-se os atos que, além da honra, dignidade, decoro e bom nome, ofendem o bem-estar íntimo, o conforto, a auto-estima daquele que fora atingido pelo ilícito praticado, não se chegara ao ponto de qualquer contrariedade, qualquer frustração, qualquer descumprimento de acordo gracioso ou contrato formal qualificar-se como fato gerador da ofensa moral passível de merecer uma compensação pecuniária. Se assim fosse, os relacionamentos sociais estariam comprometidos e os sentimentos humanos seriam banalizados de tal forma que teriam que ser objeto de mensuração legal de forma a nortear a reparação devida em conformação com o grau do desapontamento verificado.

 

Felizmente não se alcançara esse patamar. O judiciário e os mais eméritos doutrinadores vêm temperando os fatos passíveis de serem tidos como geradores do dano moral, pacificando o entendimento segundo o qual o simples descumprimento contratual ou os aborrecimentos, percalços, frustrações e vicissitudes próprias da vida em sociedade não geram o dever de indenizar, ainda que tenha impregnado no atingido pelo ocorrido certa dose de amargura. E isso porque a reparação do dano moral não tem como objetivo amparar sensibilidades afloradas ou susceptibilidades exageradas, destinando-se a censurar os atos que efetivamente desprezam e maculam os atributos da personalidade e o patrimonial moral da pessoa, denotando que nem todo inadimplemento contratual ou aborrecimento casual é passível de gerá-la.

 

E é que se verifica na espécie cotejada, pois, não obstante tenha experimentado a frustração de não ter se hospedado na forma que inicialmente lhe fora prometida, o apelado viajara no molde que havia programado e, em tendo sido hospedado em hotel de padrão similar àquele em que almejava se acomodar, não experimentara dissabores ou se sujeitara a situações vexatórias passíveis de impregnarem uma indelével nódoa em seu âmago e ensejar a concessão de qualquer reparação pecuniária como forma de ser compensado pela decepção que enfrentara. O havido, malgrado lhe impregnando certa dose de amargura e dissabor, efetivamente não ofendera a intangibilidade do seu patrimônio moral de forma a legitimar a compensação de natureza pecuniária que reclamara. Qualificara-se, em verdade, como simples intercorrência a que todo consumidor está sujeito a enfrentar e deve contornar com um mínimo de bom senso, complacência e tolerância, refletindo a própria dinâmica da vida e de que o ser humano deve se adaptar ao meio social em que está inserido e superar as vicissitudes com as quais se depara com serenidade e o mínimo de estoicismo passível de ser exigido e esperado do homem médio.

 

Ora, o realce conferido à proteção dos direitos individuais pelo legislador constituinte, içando à condição de dogmas constitucionais a possibilidade do dano moral derivado de ofensa à vida privada, à honra e à imagem das pessoas ser indenizado, destinara-se a preservar a intangibilidade dos direitos inerentes à personalidade na medida em que, contrariando a finitude da existência física, os atributos intrínsecos da pessoa são perenes, consubstanciando seu bom nome, moral e caráter em legado deixado aos seus herdeiros a ser cultuado e tomado como paradigma pelas gerações que o sucedem, principalmente numa época em que tem sido mensurado o caráter das pessoas pelo patrimônio que possuem e não pelos predicados que efetivamente nutrem e estão amalgamados à sua própria vida.

 

Almejando preservar e resgatar esses atributos e a intangibilidade da personalidade é que o constituinte alçara à qualidade de regramento constitucional a possibilidade do dano moral puro ser passível de ser compensado pecuniariamente (CF, artigo 5º, incisos V e X). Contudo, o dano moral, como se sabe, é a ofensa a interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, proveniente de um ato lesivo. Qualquer lesão que alguém sofra no objeto do seu direito repercutirá, necessariamente, em seu interesse, gerando, conseqüentemente, o direito de ser indenizado. Assim, qualquer ofensa que a pessoa sofra na sua integridade física ou moral, provocando-lhe danos materiais efetivos ou afetando seu bem-estar intrínseco, ceifando-lhe as perspectivas de vida ou felicidade, causando-lhe uma diminuição da sua capacidade de viver bem consigo mesmo e no contexto social, desviando-a do seu projeto de vida inicial, é passível de merecer a correspondente reparação.

 

Dessas premissas emerge a irreversível evidência de que a ocorrência que fora içada pelo apelado como fato lesivo que teria afetado-o e deflagraria a obrigação de indenizar o sofrimento moral que experimentara não guarda conformação com o almejado pelo legislador constituinte e nem com os princípios que nortearam a construção da teoria da responsabilidade civil no atinente à reparabilidade do dano exclusivamente moral, denunciando, ao revés, que utilizara-se de um simples e insignificante incidente que o atingira, e que efetivamente lhe acarretara certa dose de frustração e amargor, como forma de residir em Juízo com o escopo deliberado de obter uma considerável compensação pecuniária derivada de um fato corriqueiro e desprovido de relevância jurídica.

 

Ressalte-se, inclusive, que, malgrado o relacionamento contratual que enliçara os litigantes qualifique-se efetivamente como uma relação de consumo, sujeitando-se, pois, à incidência dos regramentos que estão amalgamados no Estatuto de Proteção e de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) como forma de igualar as partes, dispensando tratamento diferenciado ao hipossuficiente como forma de colocá-lo em situação análoga à fornecedora de serviços, inclusive com a inversão do ônus probatório, a verdade é que, diante das circunstâncias em que se verificaram os fatos que foram içados como estofo para a pretensão indenizatória deduzida, a argumentação delineada ficara carente de verossimilhança de forma a autorizar a responsabilização da fornecedora de serviços a indenizar seu cliente com um importe pecuniário destinada a compensá-lo pelas conseqüências derivadas da falha de serviços havida.

 

É que o apurado em conformação com a dinâmica do ocorrido e com os elementos de convicção que foram amealhados revela que, malgrado a responsabilidade da apelante na condição de prestadora de serviços seja objetiva e tenha ficado patenteado a falha imputada aos serviços que fomentara, denotando o descumprimento parcial do que havia ficado ajustado, do ocorrido não derivara nenhum dano ao consumidor, pois lhe fora assegurada a fruição da viagem que empreendera na forma inicialmente prometida, qualificando-se a alteração havida no hotel em que se hospedara como a única intercorrência havida, o que, todavia, não se consubstancia em fato gerador de ofensa aos seus predicados morais, rendendo ensejo à sua absolvição da obrigação de compensá-lo pelo ocorrido ante a inexistência de liame causal enliçando a falha nos serviços havida a quaisquer danos sofridos pelo seu cliente, consoante dispõe o artigo 14, parágrafo 3º, do Estatuto Consumerista.

 

De outra parte, o dano material invocado pelo apelado germinara da sua exclusiva desídia, pois que, de conformidade com as mais comezinhas formulações consuetudinárias que governam as relações empreendidas entre o consumidor e as agências de viagem, não assumem elas a obrigação de velar pela guarda da bagagem do seu cliente e nem de cuidar para que seja embarcada por ocasião do traslado dele para o aeroporto. Ao invés, compete ao próprio proprietário da bagagem velar e zelar para que seja embarcada e somente após tê-la despachado é que, em se deparando com qualquer dano nos bens transportados ou extravio da bagagem, lhe passa a assistir o direito de reclamar junto à responsável pelo havido a composição dos danos que experimentara. Por conseguinte, se o apelado, ao se deslocar para o aeroporto, esquecera parte da sua bagagem no hotel em que se hospedara, denunciando sua desídia na guarda dos seus pertences e descumprimento da obrigação que lhe estava afeta, não pode imputar a responsabilidade pelo ocorrido à apelante e nem muito menos pretender ser reembolsado quanto ao que vertera objetivando providenciar sua recuperação, restando evidenciado, então, que a composição que reclamara também carece de lastro material passível de ensejar seu deferimento.

 

Apurado que os fatos que afligiram o apelado não provocaram quaisquer danos aos atributos da sua personalidade e a angústia que germinara do ocorrido deve ser mensurada de conformidade com o seu real alcance, qualificando-se como fato impassível de ofender sua honra, decoro, credibilidade ou auto-estima, restam afastados os pressupostos delineados para que a apelante ficasse jungindo à obrigação de compor os danos materiais ou morais experimentara seu cliente ante o não aperfeiçoamento do silogismo delineado pelo artigo 186 do Código Civil.

 

Diante desses parâmetros aflora a inequívoca constatação de que, a par da completa ausência de comprovação do nexo de causalidade existente entre qualquer ato culposo praticado pela apelante e as agruras que eventualmente experimentara, porquanto o imprevisto que o vitimara não afetara sua dignidade ou decoro e nem desqualificara sua credibilidade ou afetara os predicados da sua personalidade, a pretensão veiculada pelo apelado deve ser integralmente refutada, impondo-se, então, a reforma do ilustrado provimento monocrático.

 

Diante do exposto, provejo o recurso manejado, reformando a ilustrada sentença guerreada e rejeitando integralmente o pedido. Sem custas e sem honorários, porquanto, de conformidade com o regrado pelo artigo 55 da Lei de Regência dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), o vencido que não recorrera não se sujeita a qualquer cominação sucumbencial.

 

É como voto.

 

A Senhora Juíza NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO - Presidente e Vogal

Com o Relator.

 

O Senhor Juiz JESUÍNO APARECIDO RISSATO - Vogal

Com a Turma.

 

DECISÃO

 

Conhecido. Provido. Unânime.

 

Comentários ao caso do Descumprimento Parcial de Contrato de Viagem

No caso analisado, inquestionavelmente, o autor pretendeu alçar seu desconforto psíquico, em matéria embasadora de uma pretensão indenizatória por danos morais. Diferente seria a situação se, quando do adimplemento do contrato de viagem, a prestadora de serviços o deixasse em hotel de qualidade inferior ao do contratualmente pactuado, ou, simplesmente, o deixasse sem qualquer hospedagem. Isso seria, evidentemente, motivo embasador de uma pretensão indenizatória, pois, tal situação frustraria, completamente, a normal fruição do lazer planejado. Ao invés de lazer, a pessoa, certamente, seria submetida a situação de sofrimento psíquico intenso, de exposição a situação vexatória e humilhante.

Imagine-se chegar até determinada localidade e não se ter onde instalar-se com as bagagens. Contratar um serviço de turismo, por meio da aquisição de um pacote de viagem, com hotel, refeições e guia turístico e, de repente, ver-se frustrado, sem local para ficar, sem nem mesmo o desjejum, ou guia para se conhecer os locais mais importantes da localidade turística. Isso seria submeter a pessoa ao máximo desrespeito de seus direitos de personalidade. O que, por conseguinte, geraria a matéria de estofo de uma pretensão indenizatória por danos morais.

Todavia, no caso citado, a pessoa foi alocada em hotel similar ao contratado. Logo, houve um descumprimento parcial do contrato entabulado entre as partes contratantes. O consumidor, no caso citado, não ficou sem local para se hospedar, apenas não ficou no local prometido. Tendo ficado em local similar ao do contratualmente pactuado, infere-se disso que, ficou em local da mesma qualidade e comodidade do previsto no contrato de viagem. Logo, a pessoa pôde fruir do lazer a que houvera se preparado sem maiores contratempos.

Houve um dissabor ou aborrecimento, evidentemente, mas, não a ponto de referido contratempo se erigir em matéria embasadora de uma pretensão indenizatória por danos morais. Como muito bem apontado pelo Desembargador Teófilo Rodrigues Caetano Neto, no Acórdão acima descrito “não obstante tenha experimentado a frustração de não ter se hospedado na forma que inicialmente lhe fora prometida, o apelado viajara no molde que havia programado e, em tendo sido hospedado em hotel de padrão similar àquele em que almejava se acomodar, não experimentara dissabores ou se sujeitara a situações vexatórias passíveis de impregnarem uma indelével nódoa em seu âmago e ensejar a concessão de qualquer reparação pecuniária como forma de ser compensado pela decepção que enfrentara”.

Portanto, fica mais do que evidenciado que, situações comuns do cotidiano, muito embora causem ao ser humano, certas doses de contrariedade e frustração, não servem de alicerce a estruturar uma pretensão indenizatória de danos morais. Certos acontecimentos, apenas se fazem presentes na vida do homem moderno, para lhe proporcionar material pedagógico para o seu próprio amadurecimento e crescimento moral e espiritual. Se qualquer contrariedade puder ser içada em argumento embasador e deflagrador de uma reparação por danos morais, a vida em sociedade tornar-se-ia insustentável. Albergar tais pretensões não é objetivo do Direito.

 

(Fonte: DELGADO, Rodrigo Mendes. O valor do dano moral: como chegar até ele. 3.ed. Leme: Editora JH Mizuno, 2011)

 

 


[1] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS (TJDFT). Órgão: 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Classe: ACJ - Apelação Cível no Juizado Especial. Nº Processo: 2004 01 1 051156-2. Apelante(s): TELE CENTRO OESTE S/A. Apelado(s): MARCO ANTÔNIO VERONESE. Relator Juiz: TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO. Fonte: CD Jurídico “Dano moral e sua quantificação”, 3a edição, ISBN 85-88512-06-8, Editora Plenum.

[2] CPC. Art. 333.  O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

[3] Fonte: http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev0/files/JUS2/STF/IT/MS_21870_DF%20_07.10.1994.pdf

[4] Fonte: http://direitoadministrativoemdebate.wordpress.com/2008/05/28/candido-aprovado-em-concurso-publico-tem-direito-a-nomeacao/

[5] O item “2” desta EMENTA foi por nós corrigido ortograficamente. O texto original assim dispunha: “2. A despeito da falha havida, se o consumidor viaja na forma inicialmente programada e é hospedado em hotel de padrão similar àquele inicialmente contemplado pelo ajustado, sendo-lhe assegurada a pela fruição de tudo o viagem lhe oferecia, o ocorrido torna-se impassível de se qualificar como fato gerador de danos de natureza moral ante a prevenção dos efeitos derivados da inadimplência em que incorrera a fornecedora de serviços, restando elidido o nexo de causalidade enliçando a falha havida a quaisquer danos que efetivamente o afetaram.”

Sobre o autor
Rodrigo Mendes Delgado

Advogado. Escritor. Palestrante. Parecerista. Pós-Graduado (título de Especialista) em Ciências Criminais pela UNAMA – Universidade do Amazonas/AM. Ex-presidente da Comissão e Ética e Disciplina da 68ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo por dois triênios consecutivos. Membro relator do Vigésimo Primeiro Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP pelo 3º triênio consecutivo. Autor dos livros: O valor do dano moral – como chegar até ele. 3.ed. Leme: Editora JH Mizuno, 2011; Lei de drogas comentada artigo por artigo: porte e tráfico. 3.ed. rev., atual. e ampl. Curitiba: Editora Belton, 2015; Soluções práticas de direito civil comentadas – casos concretos. Leme: Editora Cronus, 2013 (em coautoria com Heloiza Beth Macedo Delgado). Personal (Life) & Professional Coach certificado pela SOCIEDADE BRASILEIRA DE COACHING – SBCOACHING entidade licenciada pela BEHAVIORAL COACHING INSTITUTE e reconhecida pelo INTERNACIONAL COACHING COUNCIL (ICC). Carnegiano pela Dale Carnegie Training Brasil. Trainer Certificado pela DALE CARNEGIE UNIVERSITY, EUA, tendo se submetido às certificações Core Competence e Endorsement, 2014. (Contatos profissionais: Cel./WhatsApp +55 018 9.9103-5120; www.linkedin/in/mdadvocacia; macedoedelgadoadvocacia@gmail.com)

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