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Legitimidade passiva do agente na ação de responsabilidade civil

Agenda 22/12/2020 às 15:29

No presente artigo, pretende-se fazer sucinta digressão sobre os entendimentos e contradições entre os julgados do STF e do STJ no que se refere à legitimidade passiva do agente na ação de responsabilidade civil.

No presente artigo, pretende-se fazer sucinta digressão sobre os entendimentos e contradições entre os julgados do STF e do STJ no que se refere à legitimidade passiva do agente na ação de responsabilidade civil.

 

Pois bem, como bem se sabe, o Estado deve responder objetivamente com relação aos danos causados por seus agentes, nessa qualidade, aos destinatários dos serviços públicos.

 

Esta é interpretação mais direta que se pode fazer do art. 37, §6º, da Constituição Federal:

 

Art. 37 (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

 

Contudo, é dúvida corriqueira a concernente ao momento em que o agente, pessoalmente, deve responder pelas consequências danosas geradas pelos atos e omissões.

 

O Superior Tribunal de Justiça, num primeiro momento, adotava o entendimento de que seria “faculdade do autor promover a demanda em face do servidor, do estado ou de ambos, no livre exercício do seu direito de ação” (STJ, REsp 731.746/SE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 04/05/2009):

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM TAMBÉM DO AGENTE PÚBLICO CAUSADOR DO DANO. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/73.

II. Trata-se, na origem, de Agravo de Instrumento, interposto pela agravante contra decisão do Juízo da 2ª Vara da Comarca de Lagoa Santa/MG, que, em Ação de Indenização por danos morais ajuizada por Genesco Aparecido de Oliveria Neto contra a Promotora de Justiça e o Estado de Minas Gerais, rejeitou as preliminares de incompetência absoluta e de ilegitimidade passiva ad causam. O acórdão do Tribunal de origem negou provimento ao Agravo de Instrumento.

III. Na forma da jurisprudência do STJ, "é faculdade do autor promover a demanda em face do servidor, do estado ou de ambos, no livre exercício do seu direito de ação" (STJ, REsp 731.746/SE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 04/05/2009).

IV. Agravo interno improvido.

(AgInt no AREsp 583.842/MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 24/08/2017)

 

Segundo o STJ, o ajuizamento da ação pelo particular diretamente contra o Poder Público seria uma prerrogativa do particular, que poderia, muito bem, não ser utilizada. Noutras palavras, a Constituição não promoveria uma demanda de curso forçado em que somente o Estado poderia ser litigado; assim como o agente público não estaria isento de responder diretamente pelo dano causado. Nesse caso, o particular, por óbvio, teria que demonstrar a culpabilidade do agente – o que não seria necessário caso litigasse apenas contra o Estado. Enfim, como dito, seria uma prerrogativa da qual o particular poderia abrir mão.

 

Nessa mesma linha:

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. SENTENÇA PUBLICADA ERRONEAMENTE. CONDENAÇÃO DO ESTADO A MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INFORMAÇÃO EQUIVOCADA. AÇÃO INDENIZATÓRIA AJUIZADA EM FACE DA SERVENTUÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. DANO MORAL. PROCURADOR DO ESTADO. INEXISTÊNCIA. MERO DISSABOR. APLICAÇÃO, ADEMAIS, DO PRINCÍPIO DO DUTY TO MITIGATE THE LOSS. BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO DANO.

1. O art. 37, § 6º, da CF/1988 prevê uma garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica que, em princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Vale dizer, a Constituição, nesse particular, simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco administrativo; não prevê, porém, uma demanda de curso forçado em face da Administração Pública quando o particular livremente dispõe do bônus contraposto. Tampouco confere ao agente público imunidade de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, aliás, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá de outra forma, em regresso, perante a Administração.

2. Assim, há de se franquear ao particular a possibilidade de ajuizar a ação diretamente contra o servidor, suposto causador do dano, contra o Estado ou contra ambos, se assim desejar. A avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o servidor público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios. Doutrina e precedentes do STF e do STJ. (...)

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(REsp 1325862/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 10/12/2013)

 

Porém, longe de ser tema pacífico, o Supremo Tribunal Federal entendia de forma diferente. Para a Suprema Corte, primeiro o Poder Público deveria ser demandado para, daí então (havendo a sua responsabilização), a Fazenda Pública buscar o ressarcimento contra o servidor nos casos em que houver a culpabilidade deste, seja por dolo ou culpa:

 

Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Responsabilidade civil do estado. Inclusão do agente público no polo passivo da demanda. Impossibilidade. Ilegitimidade passiva. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de não reconhecer a legitimidade passiva do agente público em ações de responsabilidade civil fundadas no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, devendo o ente público demandado, em ação de regresso, ressarcir-se perante o servidor quando esse houver atuado com dolo ou culpa. 2. Agravo regimental não provido.

(ARE 908331 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 15/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-101  DIVULG 17-05-2016  PUBLIC 18-05-2016)

 

Em que pese o STF entendesse que se tratava de jurisprudência firmada na Corte, preferiu julgar a questão sob a sistemática da repercussão geral: “Possui repercussão geral a controvérsia alusiva ao alcance do artigo 37, § 6º, da Carta Federal, no que admitida a possibilidade de particular, prejudicado pela atuação da Administração Pública, formalizar ação judicial contra o agente público responsável pelo ato lesivo.” (RE 1027633 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 23/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-263 DIVULG 20-11-2017 PUBLIC 21-11-2017)

 

E o fez por meio da fixação da tese em 14.08.2019 de que “A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

 

Portanto, hoje se entende definitivamente, de forma vinculante, de que primeiramente deve o particular ajuizar ação contra o Poder Público; e este, caso venha a ser considerado responsável pelo dano causado por seu agente, deve então demandá-lo para procurar ser ressarcido – encerrando-se, dessa forma, relevantíssima controvérsia que existia entre o STF e o STJ.

Sobre o autor
Gentil Ferreira de Souza Neto

Procurador de Estado e Advogado. Mestre em Direito Constitucional. Especialista em Direito Público e Direito Constitucional.

Informações sobre o texto

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