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A apologia de Sócrates e o júri brasileiro.

Breve comparação

Agenda 22/12/2020 às 17:19

Trabalho sobre o julgamento de Sócrates (Apologia de Sócrates) e júri brasileiro.

Resumo: O presente trabalho não tem maiores ambições ou pretensões, mas tem como objetivo dissertar a cerca do legado da obra de Platão sobre o julgamento de seu mestre e filosofo Sócrates numa perspectiva moderna, mais especificamente o Tribunal do Júri Brasileiro, seus aspectos, seus conceitos legais e as diferenças deste com aquele que teria sido o julgamento e consequente condenação do mestre grego.

Sumário: Introdução. 1. Platão e Sócrates. 1.1. Apologia de Sócrates, breve comentário. 2. Breves considerações sobre o Júri no Brasil. 3. Apologia de Sócrates numa perspectiva do Júri Brasileiro. Conclusão.


INTRODUÇÃO

Sempre me fascinou a história de Sócrates, aquele que para a filosofia seria uma espécie de Jesus Cristo, tendo em vista não só seu destino, como também o fato da filosofia ser dividida entre os pré-socráticos, socráticos e pós-socráticos. Como Cristo não há livros escritos por Sócrates, o que existem são várias referencias de autores, o mais notório Platão que escreveu a obra objeto deste trabalho. Além de ser Sócrates um pensador original e revolucionário para sua época. Tendo escrito a cerca de moral e ética inclusive “A filosofia, ou teoria racional da ética, principia com Sócrates, foi ele, afirma Aristóteles no seu livro M da Metafisica, quem primeiro procurou definir as virtudes morais, isto é, exprimir a sua essência por meio de uma formula geral”. 1 De igual modo a obra cerne desse trabalho trás aspectos que cativam todos que vivem inseridos nas ciências jurídicas. Portanto buscarei nesse modesto trabalho fazer um paralelo da obra de Platão sobre seu mestre numa perspectiva do Direito Brasileiro, de forma mais direta com o Tribunal do Júri. Nos capítulos que se seguiram, trarei primeiro a apresentação da obra Apologia de Sócrates, trarei em capitulo próprio um breve contexto de nosso ordenamento jurídico atual. Tratarei do Tribunal do Júri, seus aspectos e suas especificidades, e depois farei uma correlação entre a obra citada acima e o referido Tribunal.


1. Platão e Sócrates

Apologia de Sócrates é um livro que fora escrito por Platão, filosofo grego e discípulo de Sócrates, nessa pequena obra o autor relata de forma concisa as palavras do mestre em sua defesa. Platão, provavelmente não era o nome do autor, mas um apelido, um termo grego que trazia a ideia de algo plano ou amplo “platos”. Platão nasceu em atenas por volta do século V a.C., por volta do ano 428. O mesmo tornou-se discípulo de Sócrates. Já Sócrates, o mestre, teria nascido em Atenas, possivelmente entre os anos 470 e 469 a.C., “Diferentemente de seus predecessores, não fundou escola nem deixou nada escrito” 2 .

As ideias de Sócrates foram levadas ao conhecimento geral por intermédio de seus discípulos, inclusive Platão. O método utilizado por Sócrates era o dialético “A ironia socrática consiste na formulação de perguntas, a partir de uma dúvida fictícia”. 3 O pensamento e o método do filofoso influencia até hoje em todos os ramos de pensamento humano.

O método socrático desenvolve-se em dois momentos : a ironia e a maiêutica. A ironia socrática consiste na formulação de perguntas, a partir de uma dúvida fictícia. Tais questões são conduzidas com a finalidade de refutar uma determinada tese e, ao final, auxiliar a exposição do que verdadeiramente se deseja expor. O objetivo dessas interpelações, que deixavam o interlocutor sem meios de apresentar respostas, era o de despojar o individuo da ilusão de seu saber, livrando-o dos preconceitos e das falsas opiniões que o impediam de alcançar a verdade. 4

Este método secular adotado pelo filosofo grego é encontrado até os dias atuais, nas teses apresentadas pelas partes de um processo, e de forma muito clara na oratória em debates no Tribunal do Júri.

1.1. Apologia de Sócrates, breve comentário.

O livro que narra a defesa de Sócrates é dividido em três partes, num primeiro momento Sócrates faze a defesa diante dos juízes atenienses, já na segunda parte Platão relata a contagem dos votos. Já na terceira parte Sócrates, depois da definição da condenação Sócrates “desabafa” para seus concidadãos.

A eloquência de Sócrates é presente em cada momento, embora o mesmo use dessa capacidade inclusive como ironia.

O que vocês , ó homens de Atenas, sentiram diante das palavras de meus acusadores, eu não sei. Quanto a mim, frente a argumentos tão convincentes, por pouco ia me esquecendo de quem sou. Posso afirmar que não há nenhuma verdade nessas palavras, mas surpreendeu-me, entre tudo o que disseram contra mim, a recomendação para que tivessem cuidado e não se deixassem enganar por minha eloquência. 5

Note que apesar do texto não descrever os argumentos usados pelos acusadores, é de fácil compreensão de que os acusadores tentaram produzir a imagem de um homem “perigoso”, que poderia usar de elementos persuasivos a fim de desvirtuar as pessoas.

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Sócrates tenta no decorrer de sua peroração ser enfático em demonstrar que não usaria de elementos retóricos, talvez em oposição a linguagem jurídica, técnica usada pelos acusadores.

Pois o meu discurso, ó homens de Atenas, diferente do deles, não será rebuscado, ornamentado por palavras e frases cuidadosamente arranjadas, mas com palavras que acaso trouxer a minha boca. 6

O julgamento de Sócrates fora um julgamento político, onde se perseguia alguém pelo peso de suas ideias e pela repercussão dessas ideias principalmente na juventude.


2. Breves considerações sobre o Júri no Brasil.

Está posto na constituição de 1988 em seu Art. 5º, XXXVIII, que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; 7

E quais seriam estes crimes dolosos contra a vida?

Estes crimes estão previstos nos artigos 121 a 126 do Código Penal, quais sejam: homicídio, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio, aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento e o aborto provocado sem o consentimento da gestante.

São aqueles crimes que de forma mais grave atingem o sentimento coletivo, uma vez que, o primeiro direito fundamental de qualquer ser humano é a própria vida, e uma vez que tendo este direito violado cabe aos cidadãos da polis apreciar e julgar seus pares.

Mas a lei processual penal disciplina o instituto.

O Tribunal do Júri é composto de um juiz de direito (presidente), que sorteará vinte e cinco jurados para a reunião periódica e extraordinária (art. 433. do Código de Processo Penal), e é regido por princípios previstos especialmente no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, dentre os quais podemos citar:

No que concerne à plenitude de defesa, está é mais ampla podendo as partes, no caso o acusado usar de todos os elementos permitidos em Lei a fim de se defender.

Note que de acordo com o que prescreve a CF e a legislação processual, o júri é composto de juízes leigos, cidadãos da cidade (comarca) que são convocados para este importante múnus.

Em apertada síntese, são convocados 25 jurados, destes é obrigatório que no dia do júri estejam presentes pelo menos 15 que serão sorteados dando origem ao conselho de sentença de 07 jurados.

A constituição do conselho de sentença está prevista no artigo 447 do Código de Processo Penal, que trata da composição do Tribunal do Júri, prevendo que o mesmo é composto de um juiz de direito, que é seu presidente, e de 7 jurados leigos (membros da comunidade), que são sorteados dentre uma lista de 25 indicados. O conselho de sentença realiza o julgamento ao responder os quesitos, que são as perguntas que o presidente do júri faz aos jurados sobre o fato criminoso e demais circunstâncias essenciais ao julgamento. Os jurados decidem sobre a matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido ou não.9

O auge na carreira de qualquer advogado criminalista é a participação de um júri, pelas suas especificidades, sua carga emocional, a predominância oral, a formação de estratégias, e isso fascina.


3. Apologia de Sócrates numa perspectiva do Júri Brasileiro.

Nos capítulos precedentes, observamos de maneira sintética o que fora o livro escrito pelo filosofo Platão, que narra o julgamento e a defesa de seu mestre Sócrates. Neste capitulo tentaremos traçar algumas semelhanças e diferenças entre aquele julgamento e o Tribunal do Júri Brasileiro.

Sócrates fora acusado pelos seus detratores Anito, Meleto e Líncon por ter “influenciado” com suas ideias a juventude ateniense.

Imperioso destacar que Sócrates fora condenado a morte por envenenamento por cicuta.

E é aqui que reside a primeira distinção entre este julgamento e o atual ordenamento jurídico Brasileiro.

Nossa constituição veda a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; 10

Embora consciente do destino que lhe aguardava, o filosofo não abdicou de suas ideias. Isso fica claro em cada palavra proferida pelo filósofo.

No entanto, ao examinar tal homem, do qual não posso dizer o nome, mas que é um de nossos políticos, depois de dialogar com ele, ó homens de Atenas, a mim me pareceu que embora esse homem parecesse um sábio para muitos outros e, especialmente, para si mesmo, na verdade não o era. Tentei então demonstrar que ele não era tão sábio como acreditava ser, mas com isso só não consegui o seu ódio e o dos outros que ali estavam. Quando os deixei, pensei comigo mesmo: “Embora nenhum de nós saiba nada de belo e bom, talvez eu seja mais sábio que esse homem, pois enquanto ele acredita que sabe algo, sem saber, eu, que nada sei, não creio nada saber. Pode ser, então, que eu seja mesmo um pouco mais sábio que ele, pois não penso saber aquilo que não sei”. 11

Sócrates manteve durante toda a sua vida a integridade de pensamento, mesmo tendo certeza de que seria condenado.

Muitos motivos me levaram a permanecer indiferente, ó homens de Atenas, diante dos votos que me condenaram. Um deles, o fato de não ser nenhuma surpresa para mim tal resultado. Só me surpreendi com o número de votos contra e a favor. Eu não esperava tão pequena maioria, mas uma diferença maior. 12

Mas de acordo com o proposito desse capitulo vamos avançar em tentar trazer breves distinções sobre o julgamento de Sócrates e nosso júri.

Notem, de acordo com a obra, o julgamento se deu na presença de um numero grande de cidadãos. Foram 501 atenienses que votaram , sendo 281 pela condenação e 220 pela absolvição. 13

Como dito no capitulo 02 , o tribunal do júri nacional, 25 pessoas são convocadas, 15 destes devem estar presentes no dia designado e 07 são escolhidos por sorteio, sendo estes 07 responsáveis pelo veredito.

Uma similaridade se dá com a oralidade predominante, com uma pequena diferença, no Brasil é obrigatório que o réu esteja representado por um advogado, que fará sua defesa técnica. A doutrina costuma dividir a defesa (seja ela ampla ou plena) em duas modalidades: a autodefesa e a defesa técnica. A defesa técnica se refere ao profissional do direito que representa o acusado, em face do jus postulandi. 14

No Brasil uma das formas de autodefesa se dá principalmente no interrogatório do acusado. O auge da aplicação da autodefesa se dá no interrogatório. Ali, o réu poderá expor sua versão dos fatos, a fim de convencer o julgador em adotar seus argumentos e assim garantir uma decisão favorável 15

No que concerne ao sigilo das votações, a obra não trás maiores detalhes de que forma se deram estas votações, embora seja presumível que não foram sigilosas. No Brasil o voto não só é sigiloso, como não existe mais o resultado como existia antes “7x0” , “4x3”, obtido 4 votos, contra ou a favor, a contagem é suspensa e o resultado proferido pelo juiz presidente.

Outra diferença é que em nosso ordenamento jurídico são entregues ou lidos quesitos aos jurados que votam Sim ou Não.

Note que o julgamento de Sócrates se dá pela acusação de que o mesmo estaria corrompendo os jovens por seus ensinamentos e de não crer nos deuses da cidade.

No Brasil, a constituição protege a liberdade de expressão art. 5º, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. 16

Sócrates sequer seria julgado de acordo com nosso ordenamento pátrio. Como dito no capítulo 2, o Tribunal do Júri deve julgar crimes dolosos contra a vida, numa rol taxativo.


CONCLUSÃO

A evolução da sociedade trouxe enormes conquistas para a humanidade, inclusive para o ser humano isolado. O Estado democrático de direito, onde a Lei é soberana protege o cidadão dos arbítrios de pessoas ou grupos .

O julgamento de Sócrates foi apenas mais um julgamento político com ares de “legalidade”, onde elementos subjetivos e a própria lei vigente na época foram utilizados como ferramenta de perseguição política.

É evidente, e imperioso que as leis possam avançar no sentido de trazer ainda mais segurança aos cidadãos. Mas a CF de 1988, principalmente por ter rompido com um regime de exceção como fora a ditadura, é um marco civilizatório para o nosso país. E o Tribunal do Júri tal como está posto é uma referencia.


Notas

1 Comparato, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno/Fábio Konder Comaparato—São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

2 Platão Apologia de Socrates/Platão; Tradução Sueli Maria de Regino. –São Paulo: Marin Claret, 2009.

3 Platão Apologia de Socrates/Platão; Tradução Sueli Maria de Regino. –São Paulo: Marin Claret, 2009.

4 Platão Apologia de Socrates/Platão; Tradução Sueli Maria de Regino. –São Paulo: Marin Claret, 2009.

5 Platão Apologia de Socrates/Platão; Tradução Sueli Maria de Regino. –São Paulo: Marin Claret, 2009.

6 Platão Apologia de Socrates/Platão; Tradução Sueli Maria de Regino. –São Paulo: Marin Claret, 2009.

7 Constituição Federal 1988

8 https://www.direitonet.com.br/resumos/exibir/246/Tribunal-do-juri-Geral

9 https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/conselho-de-sentenca

10 Constituição Federal 1988.

11 Platão Apologia de Socrates/Platão; Tradução Sueli Maria de Regino. –São Paulo: Marin Claret, 2009.

12 Platão Apologia de Socrates/Platão; Tradução Sueli Maria de Regino. –São Paulo: Marin Claret, 2009.

13 Platão Apologia de Socrates/Platão; Tradução Sueli Maria de Regino. –São Paulo: Marin Claret, 2009.

14 https://jus.com.br/artigos/13083/a-defesa-no-tribunal-do-juri

15 https://jus.com.br/artigos/13083/a-defesa-no-tribunal-do-juri

16 Constituição Federal 1988


Abstract: The present work has no major ambitions or pretensions, but it aims to talk about the legacy of Plato's work on the judgment of his master and philosopher Socrates in a modern perspective, more specifically the Brazilian Jury Tribunal, its aspects, its legal concepts and the differences between this and what would have been the judgment and consequent condemnation of the Greek master.

Sobre o autor
Lucio Wagner Barbosa Correia Vieira

Advogado, Especialista em Direito Penal e proc. Penal , pós-graduando em Ciências Políticas..

Informações sobre o texto

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