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Considerações sobre ação monitória no ordenamento processual civil brasileiro

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Agenda 24/12/2020 às 16:34

[1] A duplicata é um título de crédito que sempre corresponde a uma compra e venda mercantil ou a uma prestação de serviço. A duplicata sem aceite é a que não tem a assinatura do devedor. A 4ª turma do STJ manteve a decisão do TJ/MG que considerou válidas, para cobrança em ação de execução, duplicatas sem aceite. Os títulos foram emitidos pela Rádio Belo Horizonte Ltda. por serviços publicitários prestados à prefeitura do município mineiro de Santa Luzia, que se recusou pagar as duplicatas. Vide Resp 631684.

[2] Título executivo é o documento que representa uma obrigação líquida, certa e exigível, sendo, pois, um elemento que autoriza o Estado a realizar, coativamente, e mesmo contra a vontade do executado, os atos de expropriação, desapossamento e transformação com o fim de satisfazer o enunciado da norma jurídica individualizada. O título executivo funciona, assim, como um fator de legitimação da realização dos atos executivos pelo Estado que serão suportados pelo executado. O título executivo designa todo ato jurídico adequado para determinar a realização de direitos, seja mediante execução por quantia certa, de entrega de coisa ou de obrigação de fazer ou não fazer. Do título emerge, necessariamente, o direito a uma prestação a que corresponde, no lado oposto da relação jurídica, o dever de prestar.

[3] Trata-se de um rol exemplificativo, isto é, estabelece apenas alguns itens de uma lista.

[4] Existem outras tríades processuais, tais como a jurisdição, ação e processo. E, a tríade secundária formada pelo conflito de interesses, pretensão e lide e, ainda, a tríade de ligação composta por pedido, demanda e petição inicial. Quanto à tríade acima citada abriga os pressupostos processuais que são requisitos à existência e validade da relação processual. E, segundo J.J. Calmon de Passos distinguem-se dos requisitos da seguinte maneira: "os primeiros seriam “supostos prévios e anteriores a serem satisfeitos, com vistas à existência ou validade de um ato ou de um negócio jurídico, relação jurídica ou situação jurídica”, os segundos “condição a ser previamente satisfeita para alcançar um certo fim preestabelecido na norma”. A capacidade de ser parte coincide com a capacidade civil, que pode ser plena, limitada ou ausente (inexistente), que vem a ser a capacidade jurídica ou gozo de direitos e assunção de obrigações. Não se confunde, dessa dita, com capacidade postulatória, típica dos advogados, com a capacidade para a causa que advém da titularidade do direito natural e com capacidade processual, para estar em juízo. A primeira das condições da ação é a legitimidade das partes para a causa, consistente na titularidade ativa ou passiva da ação, sendo ativa o titular do interesse apresentado e passiva o titular do interesse oposto. Pode haver a legitimação extraordinária por substituição processual, onde a parte substituidora responde em nome da substituída, na forma do art. 6.º da Lei instrumental Civil. A segunda, por sua vez, é o interesse de agir, que se constitui na necessidade de obter-se através do processo a proteção do interesse violado, caracterizando-se pela utilidade e necessidade da tutela requerida. Frise-se que a figura do assistente, como forma de intervenção voluntária de terceiro, na defesa do direito de outrem, embora visando um interesse próprio a proteger indiretamente. Para propor ação necessário possibilidade jurídica (inserida atualmente no interesse de agir) que consiste na admissibilidade em abstrato do pronunciamento pedido segundo o ordenamento pátrio. Haverá legitimidade ad causam quando houver pertinência subjetiva da ação, existindo correspondência entre a posição do autor e do réu. O interesse de agir, condição da ação, advém da necessidade de obter através do processo a proteção do seu interesse através de via adequada, que revela a utilidade do provimento proposto.

[5] Numa cena teatral peculiar da época, o direito romano antigo registrou: O primeiro reivindicante novamente falava, dirigindo-se ao segundo: “Quero que digas a que título reivindicas”. O outro respondia:” usando de meu direito coloquei sobre ele a varinha (vindictam imposui)”. O primeiro replicava: “como tu vindicaste sem direito, eu te desafio para um sacramentum de quinhentos asses”. O adversário respondia: “E eu igualmente”. Encerrado tal diálogo solene, o pretor concedia a posse provisória da coisa a um dos litigantes, ordenando-lhe que oferecesse caução à parte contrária pelo processo e pelo objeto da reivindicação (principal e frutos). Além dessa caução unilateral, exigia de ambas as partes o valor do sacramentum, de cinquenta ou quinhentos asses, conforme a causa que, afinal, seria destinado ao erário público. Servia-se nessa oportunidade de uma vara a título de lança, como símbolo do domínio e, essa é a razão por que uma lança é fixada em terra perante o tribunal dos centúviros.  Se a coisa litigiosa não pudesse ser transportada à presença do juiz pela sua natureza, coo uma coluna, navio, rebanho, tomava-se uma parte desta que simbolicamente fazia as vezes da coisa toda, um pedaço, uma ovelha, ou outro objeto que simbolizasse o bem litigioso.

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[6] A primeira fase referente a sacramentum revela ser resquício do direito sacral, que era um misto de religião e jus laico. As palavras derivadas da raiz sacer são muitas dentro da história romana. Sacer pode ser sagrado como também execrado. Cogita-se igualmente em jus sacrum, em que a religião pagã imprimira seus traços mais enfáticos. Sacramentum, nas suas origens, seria um juramento de cunho religioso, mas com consequências obrigacionais e, assim, registrou Monier no seu Petit Vocabulaire de Droit Romain. Do juramento transformou-se numa espécie de aposta sacramental, com valor econômico-financeiro de 50 ou 500 asses (moeda da época), em conformidade com valor da causa.

[7] A Lei das doze Tábuas (Lex Duodecim Tabularum ou simplesmente Duodecim Tabulae, em latim) constituía uma antiga legislação que está na origem do direito romano. Formava o cerne da constituição da República Romana e do mos maiorum (antigas leis não escritas e regras de conduta). Foi uma das primeiras leis que ditavam normas eliminando as diferenças de classes, atribuindo a tais um grande valor, uma vez que as leis do período monárquico não se adaptaram à nova forma de governo, ou seja, à República e por ter dado origem ao direito civil e às ações da lei, apresentando assim, de forma evidente, seu caráter tipicamente romano (imediatista, prático e objetivo).

[8] O processo por fórmula, também chamado de formular e, para alguns erroneamente chamado de formulário, surgiu no final da república e consolidou-se em duas etapas, a primeira com a Lei Ebúcia (aebutia) e, a segunda com as Leis Júlias Judiciárias. A primeira lei é de data incerta, mas segundo Girard (Mélanges de Droit Romain, Volume I, p.108) situa-se entre 605 e 628 da fundação de Roma. Há divergência entre romanistas eminentes quanto à substituição total das legis actiones pelas fórmulas, substituição parcial e convivência dos dois sistemas. (In: MEIRA, Sílvio. Delineamentos históricos do processo civil romano. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181839/000437681.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em 22.11.2020).

[9] Dos três períodos do Direito Romano, podemos dizer que são estes os elementos da jurisdição:

Notio, que é a aptidão que o Estado confere ao magistrado, como seu representante (rectius, como representante do poder político), para conhecer de determinadas causas, que lhe sejam submetidas a exame.

Vocatio, que corresponde ao poder de fazer vir a juízo qualquer cidadão que possa, de alguma forma, colaborar para firmar o convencimento do magistrado em relação a determinado processo.

Coertio, que corresponde ao poder de fazer-se respeitar como membro do poder judiciário, como representante de um Poder do Estado e de reprimir condutas ofensivas ao exercício da jurisdição.

Iudicium, consequência natural do conceito de notio, é o poder de julgar, de decidir sobre a lide posta a seu exame.

Imperium, o poder de fazer cumprir a sua decisão (específico para o período da cognitio extraordinária).

[10] As Ordenações Manuelinas também aplicaram o conceito em sede da "ação de assinação de dez dias", bem como o mesmo se deu em todas as correspondências legislativas ocorridas até chegarmos à codificação brasileira atual. Portanto, embora a inserção da ação monitória date de 1995 no atual ordenamento jurídico brasileiro, sua raiz remonta ao no Direito romano-germânico.

[11] Conforme estabelece o artigo 1.102-A, do Código de Processo Civil de 1973, poderá se valer de ação monitória o detentor de direito creditório que, diante da inadimplência, detenha prova escrita sem eficácia executiva, que prescreva obrigação de pagamento de valor em dinheiro, entrega de coisa fungível, ou de específico bem móvel (bem móvel infungível). Notório, pode-se afirmar, que referida ação veio a conciliar dois extremos, mensurando a presença de requisitos legais e comprovação do direito alegado, com a força da medida judicial de que pode o titular do crédito se valer.

De um lado, com força executiva pujante, tem-se a ação executiva, que se respaldada em título executivo - o que não é objeto de ação monitória - que cita o devedor para pagamento em três dias, sob pena de penhora, sendo ainda outorgada possibilidades cautelares de arresto, cabíveis em diferentes cenários e inclusive no caso de citações infrutíferas em endereços reconhecidamente válidos para as diligências.

De outro, sem força executiva e condicionada à preexistência de rito judicial completo, ordinário, de amplo contraditório e de cognição exauriente, cuja coisa julgada acerca da existência ou não da dívida demandada, valor, exigibilidade, e todas e quaisquer outras discussões passíveis de serem travadas; se faz imprescindível para que se inicie o efetivo cumprimento da execução forçada, nesse caso um cumprimento de sentença, há a ação de cobrança.

[12] Na forma do revogado artigo 1.102-C, §3º, do Código de Processo Civil de 1973, o que acarreta a constituição de título executivo judicial de pleno direito é a rejeição dos embargos monitórios, o que se dá por sentença de mérito, do que se infere que a analogia do rito adotado pela ação monitória quando opostos embargos inerentes ao rito especial é meramente figurativa e aplicável com ressalvas.

[13] A ação monitória é uma espécie de ação judicial para recuperação de créditos/cobrança de dívidas de caráter dúplice, e bem por isso foi alocada como procedimento especial de jurisdição contenciosa no Código de Processo Civil atualizado pela nova legislação adjetiva. Referida ação é resultante de uma combinação de ação executiva, de rito executivo, com ação de cobrança, de rito ordinário e cognição alongada, seguindo a corrente internacional do instituto que o concebe como procedimento monitório puro e não como procedimento de injunção.

[14] Dentre as alterações promovidas pelo CPC, inegável a evolução intrínseca ao aumento do rol de obrigações não cumpridas que podem ser objeto de ação monitória: exigir coisa infungível, exigir bem imóvel e exigir cumprimento de obrigações de fazer e não fazer, eram pretensões que não encontravam guarida na ação monitória pelo regramento do Código de Processo Civil de 1973. Em termos legislativos propriamente ditos, o inciso III do artigo 700 do CPC é a grande diferença entre o novo sistema e aquele sistema existente no antigo Código de Processo Civil, posto que se admitiu, a partir de então, ação monitória que busca o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer. O Código Fux também inovou ao inserir disposição asseverando que monitória somente poderá ser proposta contra "devedor capaz", inserindo um requisito objetivo de aferição subjetiva para a ação monitória. Não nos parece razoável afirmar que exista óbice à ação monitória no caso de a situação de incapacidade civil surgir durante o curso da ação. A presença de tal requisito deve ser observada tão somente no momento do ajuizamento, posto que o CPC, ao tratar da questão da capacidade, em seu artigo 700, se utilizar do verbo "propor".

[15] Trilhando esse entendimento, o enunciado da súmula 292 do STJ tratou a ação monitória como procedimento especial e, não coo tipo diferente de processo, já que a reconvenção é cabível na monitória, após a conversão do procedimento em ordinário. Portanto, não é escorreito cogitar em processo monitório e, sim, em procedimento monitório, pois parece ter sido essa a real intenção do legislador pátrio, ao incluí-la no rol de procedimentos especiais, que não pode ser compreendido como processo autônomo.

[16] A ata notarial é um instrumento público no qual o tabelião documenta, de forma imparcial, um fato, uma situação ou uma circunstância presenciada por ele, perpetuando-os no tempo. A ata notarial tem eficácia probatória, presumindo-se verdadeiros os fatos nela contidos.

"Ata notarial é o instrumento público pelo qual o tabelião, ou preposto autorizado, a pedido de pessoa interessada, constata fielmente os fatos, as coisas, pessoas ou situações para comprovar a sua existência, ou o seu estado." In: FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata Notarial - Doutrina, prática e meio de prova, p. 112. São Paulo: Quartier Latin, 2010.

"Ata notarial é a narração circunstanciada de fatos presenciados ou verificados pelo notário, ou por substituto legal do mesmo, convocado para sua lavratura". MANICA, Sérgio Afonso. Ata notarial. Porto Alegre: Edição do ator, [s.d.], p. 8.

"Ata notarial trata-se de uma das espécies do gênero instrumento público notarial, por cujo meio o tabelião de notas acolhe e relata, na forma legal adequada, fato ou fatos jurídicos que ele vê e ouve com seus próprios sentidos, quer sejam fatos naturais quer sejam fatos humanos, esses últimos desde que não constituam negócio jurídico." SILVA, João Teodoro da. Ata Notarial Sua utilidade no cenário atual Distinção das Escrituras Declaratórias. In: SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de (coord.), Ideal Direito Notarial e Redistral. São Paulo: Quinta Editorial, 2010, p. 33.

[17] A nova criação surge da possibilidade de se formalizar depoimento pessoal ou testemunhal, e a partir disso constituir "prova literal" de obrigações passíveis de serem objetos de ação monitória. Neste caso, o resultado da prova pericial e da prova testemunhal, por exemplo, podem vir autorizar o ajuizamento da ação monitória. Neste contexto, faz-se uma ponderação sobre a possibilidade de admissão, para a instrução da ação monitória, dos witness statements, meio de prova que se materializa e consiste no depoimento pessoal/testemunhal escrito, onde constam todas as informações a respeito de um determinado fato, subscritas e assinadas pela testemunha.

[18] Os bens fungíveis são aqueles que podem ser substituídos por outros de mesma espécie, qualidade e quantidade, por exemplo, o dinheiro. ... São exemplos de bens infungíveis as obras de arte, bens produzidos em série que foram personalizados, ou objetos raros dos quais restam um único exemplar.

A fungibilidade é característica de bens móveis, mas pode ocorrer, no entanto, em certos negócios, que venha alcançar os imóveis, como no ajuste entre sócios de um loteamento, sobre eventual partilha em caso de desfazimento de sociedade, quando o que se retira receberá certa quantidade de lotes. Enquanto não lavrada a escritura, será este credor de coisas determinadas apenas pela espécie. quantidade e qualidade. Atente-se que a fungibilidade ou infungibilidade resultam não apenas da natureza do bem, como também da vontade das partes. A moeda é bem fungível. Mas, pode tornar-se infungível para um colecionador, por exemplo.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

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