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À procura da definição de República

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Agenda 25/12/2020 às 13:29

[1] A intervenção de Sócrates é sábia: governar é estar a serviço dos governados, como um médico curando os doentes. A justiça é superior à injustiça e é preferível sofrer a injustiça do que praticá-la. Onde se pratica a injustiça, aí está a desunião e a discórdia. Onde houver justiça, aí está a felicidade. Gláucon e Adimanto contra-argumentam dizendo que todos os homens são gananciosos e querem mais do que seriam merecedores e que assim cumprem as leis por pura conveniência.

[2] Marco Túlio Cícero (106–43 a.C.) em latim: Marcus Tullius Cicero, em grego clássico: Κικέρων; transl.: Kikerōn) foi um advogado, político, escritor, orador e filósofo da gens Túlia da República Romana eleito cônsul em 63 a.C. com Caio Antônio Híbrida. Era filho de Cícero, o Velho, com Élvia e pai de Cícero, o Jovem, cônsul em 30 a.C., e de Túlia.

Cícero nasceu numa rica família municipal de Roma de ordem equestre e foi um dos maiores oradores e escritores em prosa da Roma Antiga. Sua influência na língua latina foi tão imensa que se acredita que toda a história subsequente da prosa, não apenas no Latim, como nas línguas europeias, no século XIX seja ou uma reação contra seu estilo ou uma tentativa de retornar a ele.

Segundo Michael Grant, "a influência de Cícero sobre a história da literatura e das ideias europeias em muito excede a de qualquer outro escritor em prosa de qualquer língua". Cícero introduziu os romanos às principais escolas da filosofia grega e criou um vocabulário filosófico latino (inclusive com neologismos como evidentia, humanitas, qualitas, quantitas e essentia), destacando-se como tradutor e filósofo.

[3] Nas clássicas representações do golpe militar que marcou o fim da monarquia no Brasil e o início da República, a imagem do marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), erguendo seu quepe cheio de glórias, é a que prevalece. No quadro de Henrique Bernardelli (1857-1936), o militar é propositadamente recuperado como a figura central, o representante maior dos ideais de liberdade associados ao novo período.

Esses e outros retratos da época ajudaram a disseminar uma visão parcial do episódio, apagando outros personagens que desempenharam papel relevante na mudança. Iluminar esses grupos esquecidos é o ponto de partida para apresentar uma visão crítica da proclamação da República aos estudantes. a instauração do novo modo de governo decorre de uma série de fatores que contribuíram para criar um cenário propício à República. Expor essa realidade aos alunos, privilegiando a visão de processo histórico, permite um entendimento mais profundo da realidade política, econômica e social da época.

Com base nessa revisão histórica, o próprio papel dos militares no episódio passa a ser relativizado, uma vez que outros agentes com importante função no gradativo enfraquecimento do antigo governo são trazidos à luz. É possível, por exemplo, reavaliar o que de fato ocorreu no dia da proclamação. Em 14 de novembro de 1889, os republicanos fizeram circular o boato de que o governo imperial havia mandado prender Deodoro e o tenente-coronel Benjamin Constant, líder dos oficiais republicanos. O objetivo era instigar o marechal, um militar de prestígio, a comandar um golpe contra a monarquia.

[4] Na república presidencialista, o Chefe de Estado e o Chefe de Governo são a mesma pessoa, e podem ser eleitos tanto de maneira indireta como direta. Desta maneira, o cargo supõe uma responsabilidade imensa e para tirá-lo do cargo há um custo enorme de tempo e energia. Exemplos de república presidencialista com voto direto: Brasil e Argentina. Exemplo de república presidencialista com voto indireto: Estados Unidos.

Na república semipresidencialista convivem o primeiro-ministro e o presidente. Ao contrário das repúblicas parlamentaristas, aqui o presidente é o Chefe de Estado e Governo e o primeiro-ministro é escolhido pelo mandatário. O primeiro-ministro atua como locutor dos interesses do seu partido e do presidente junto ao Legislativo. Em caso de crise, o primeiro-ministro pode ser demitido pelo Congresso ou pelo próprio presidente. Exemplos: França, Portugal e Egito.

Já na república parlamentarista o Chefe de Estado é o presidente, eleito por voto popular, mas não tem poderes efetivos. Sua atuação se resume aos casos de crises e exerce como representante do país no exterior. Por sua vez, o Chefe de Governo é o primeiro-ministro que é eleito durante as eleições legislativas. Geralmente, o primeiro-ministro é o deputado que encabeçou a lista de candidatos do partido mais votado nas eleições.

O primeiro-ministro pode ser demitido a qualquer momento, especialmente se seu governo não esteja agradando sua coalização partidária.  Também se a oposição consegue os votos necessários para derrubar o governo. Igualmente, se for um governo de coalizão, com vários partidos fazendo parte do Poder Executivo, e um dos partidos deixar esta aliança, o governo termina e novas eleições devem ser convocadas. Exemplos: Alemanha e Índia.

[5] O problema está em saber o que é um povo, essa expressão derivada do latim populus, equivalente ao grego demos. Porque, povo tanto pode significar o corpo total dos cidadãos, como uma parcela deste, tomando a parte pelo todo. Desde o grupo constituído pelas classes mais baixas, ou mais pobres, ao multitudinário, ao que se manifesta ou se movimenta, onde há sempre uma minoria dinamizadora que organiza a manifestação ou promove o movimento e onde até não faltam os vanguardistas que querem construir o mesmo povo.

O povo distingue-se da multidão ou populaça (plethos) ou da massa, enquanto grande número (polloi). Esta, por vezes, dita plebs, vulgus e multitudo, chega a ser vista depreciativamente sempre que dominam concepções aristocráticas, como acontecerá com o humanismo renascentista. Segundo Cícero, o povo (populus) não é uma multidão unida de qualquer maneira (coetus multitudinis quoque modo congregatus), mas antes como uma multidão unida pelo consenso do direito e pela utilidade comum.

[6] Em toda comunidade ou grupo de pessoas existe um imaginário coletivo, ou seja, um conjunto de símbolos, costumes ou lembranças que tem significado específico para ela e comum a todas as pessoas que fazem parte dela. Por exemplo, nos países ocidentais existe uma religião predominante que é o Cristianismo. Mesmo para pessoas que não são cristãs, os símbolos do cristianismo, a história e os valores são muito conhecidos. A grande maioria das pessoas conhece a história de Jesus, e de alguns outros personagens bíblicos, pois fazem parte do chamado “imaginário coletivo”.

[7] George Michael Claude André Dubai (1919-1996) foi um historiador francês, especialista em Idade Média. Deu início à sua carreira universitária em Lyon, no ano de 1949 onde foi aluno e logo após o termino de seus estudos se tornou professor assistente, tendo sido posteriormente professor na Universidade de Bonançoso, passando também por Aix-en-Provence. Membro da Academia Francesa e professor do Collège de France entre os anos de 1970 e 1992. Foi um especialista em história medieval, lançou mais de 70 livros e coordenou coleções importantes, como a História da Vida Privada.

[8] Jacques Le Goff (1924 -2014) foi um historiador francês especialista em Idade Média. Autor de dezenas de livros e trabalhos, era membro da Escola dos Annales, pertencente à terceira geração, empregou-se em antropologia histórica do ocidente medieval. Antigo estudante da École Normale Supérieure, estudou na Universidade Carolina em 1947-48, professor de história em 1950 e membro da École Française de Rome, foi nomeado assistente da Faculté de Lille (1954-59) antes de ser nomeado pesquisador no CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica), em 1960.

Em seguida, mestre-assistente da VI seção da École pratique des hautes études (1962) - sucedeu a Fernand Braudel no comando da École des hautes études en sciences sociales, onde ele foi diretor dos estudos. Cedeu seu lugar a François Furet em 1967. Na qualidade de diretor de estudo na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Jacques Le Goff publicou estudos que renovaram a pesquisa histórica, sobre mentalidade e sobre antropologia da Idade Média.

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Seus seminários exploraram os caminhos então novos da antropologia histórica. Ele publicou os artigos sobre as universidades medievais, o trabalho, o tempo, as maneiras, as imagens, as lendas, as transformações intelectuais da Idade Média. Le Goff atuou no sentido de levar a História para além do mundo acadêmico, apresentando um programa na rádio estatal francesa France Culture, sendo consultor de produções para a TV e cinema, incluindo o filme “O Nome da Rosa”, adaptação do livro de Umberto Eco, estrelado por Sean Connery. Era poliglota, sendo fluente nos idiomas inglês, italiano, polonês e alemão.

[9] O termo cidade-Estado significa cidade independente, com governo próprio e autônomo, sendo comum, esta denominação, na antiguidade, principalmente na Grécia Antiga, tais como Tebas, Atenas e Esparta. Mais tarde, as cidades-Estado e suas ligas, também vieram a fazer um papel importante na península Itálica. Por exemplo, as repúblicas de Gênova, Pisa, Florença, Amalfi e, a mais famosa de todas, Veneza. O mesmo ocorreu na Alemanha, como a Liga Hanseática medieval ('Hansa' é um termo do alemão antigo que significa ‘Liga').

Na Alemanha moderna existem três cidades que muitas vezes podem ser classificadas erroneamente de cidades-Estado: Hamburgo, Berlim e Bremen, que apesar de não pertencerem a nenhuma província ou subdivisão do país (tendo status político ao mesmo nível destas),  ainda estão sob o poder da República Federal da Alemanha, isto é, não são independentes, como uma cidade que é corretamente tida como  "cidade-Estado" deve ser (como é o caso de Singapura).

[10] Como San Marino é o terceiro menor país do mundo (perde para Mônaco e Vaticano) não é possível chegar ao país de trem ou avião. Com esses meios de transporte é possível chegar até a cidade de Rimini e de lá pegar um ônibus. A história de São Marino começa ainda no século IV quando São Marino e um grupo de monges dentre eles San Leo fugiram para os Apeninos (Cordilheira que corta a Itália) por conta da perseguição do imperador Diocleciano contra os católicos e se refugiaram no monte Titano.

A comunidade de San Marino foi crescendo e possuía suas próprias regras independentes dos ducados que os cercavam. No ano de 1243, o primeiro conselho da até então comunidade de San Marino foi formado com intuído de organizar a política da comunidade. Em 1291 o Papa Nicolau IV reconheceu a comunidade como um estado independente garantido a San Marino o título de primeira república do mundo. A independência de San Marino foi confirmada pelo Papa Urbano VIII em 1631.

[11] Dentre as acusações polêmicas de Berlin encontra-se a inclusão de Rousseau na sua lista dos pensadores que considerava traidores da causa da liberdade. E, dentre as ideias perniciosas atribuídas a Rousseau, a mais perniciosa, segundo Berlin, é sua visão de que, para encontrar a verdadeira liberdade, é preciso render-se incondicionalmente à vontade geral.

Trata-se de uma submissão incondicional, pois, como interpreta Berlin, Rousseau não à deriva, tal como em Hobbes, de um acordo ou de um “trade-off” entre interesses pessoais, mas de um ato racional por meio do qual cada um se submete a ninguém mais senão a si mesmo. É assim que a famosa frase de Rousseau de que a sociedade pode legitimamente forçar cada um a ser livre faria sentido. Rousseau parte, como era costume, de uma pressuposição voluntarista: somente se é livre quando se faz aquilo que a própria vontade comanda.

[12] O que o racionalismo buscava, na verdade, era conhecer a essência. Por isso, não se prendia aos fatos ou ao mundo sensível, mas afirmava que a razão humana poderia transcender e chegar ao conhecimento de realidades transcendentes. Pela força da abstração e das concatenações racionais. Essa corrente se aproximava, assim, da metafísica, de Platão.

Não se pode, entretanto, incorrer no erro de achar que o Racionalismo é apenas uma corrente teórica. Ao contrário, terá consequências também na ética e, mesmo, na política como veremos a seguir. Procuraremos também fazer a relação entre o racionalismo e a fé, mostrando como seus principais expoentes, Descartes, Kant e Hegel, trataram da problemática acerca de Deus e da religião, tema central das discussões filosóficas medievais, agora com as contribuições do homem moderno.

[13] Sir Moses Finley (1912-1986) foi um historiador americano radicado na Inglaterra, especialista na economia do mundo greco-romano. Suas obras também incluem estudos sobre a política e sociedade gregas, e ensaios teórico-metodológicos sobre o estudo da Antiguidade. É o principal expoente da vertente primitivista dos estudos sobre a economia antiga, defendendo que valores como o status e a ideologia cívica governavam a economia antiga ao invés de motivações econômicas racionais.

[14] A política aristotélica é essencialmente unida à moral, porque o fim último do Estado é a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para isso. O Estado é um organismo moral, condição e complemento da atividade moral individual, e fundamento primeiro da suprema atividade contemplativa.

A política, contudo, é distinta da moral, porquanto esta tem como objetivo o indivíduo, aquela a coletividade. A ética é a doutrina moral individual, a política é a doutrina moral social.  Visto que o Estado se compõe de uma comunidade de famílias, assim como estas se compõem de muitos indivíduos, antes de tratar propriamente do estado será mister cogitar da família, que precede cronologicamente o estado, como as partes precedem o todo.

Segundo Aristóteles, a família compõe-se de quatro elementos: os filhos, a mulher, os bens, os escravos; além, naturalmente, do chefe a que pertence a direção da família. Deve este guiar os filhos e as mulheres, em razão da imperfeição destes.

Deve fazer frutificar seus bens, porquanto a família, além de um fim educativo, tem também um fim econômico. E, como ao Estado, é-lhe essencial a propriedade, pois os homens têm necessidades materiais. No entanto, para que a propriedade seja produtora, são necessários instrumentos inanimados e animados; estes últimos seriam os escravos. Não obstante a sua concepção ética do Estado, Aristóteles, diversamente de Platão, salva o direito privado, a propriedade particular e a família. O comunismo como resolução total dos indivíduos e dos valores no estado é fantástico e irrealizável.

O Estado não é uma unidade substancial, e sim uma síntese de indivíduos substancialmente distintos. Se se quiser a unidade absoluta, será mister reduzir o estado à família e a família ao indivíduo; só este último possui aquela unidade substancial que falta aos dois precedentes. Reconhece Aristóteles a divisão platônica das castas, e, precisamente, duas classes reconhece: a dos homens livres, possuidores, isto é, a dos cidadãos e a dos escravos, dos trabalhadores, sem direitos políticos.

[15] O termo “ciência política” foi cunhado em 1880 por Herbert Baxter Adams, professor de História da Universidade Johns Hopkins.  A ciência política é a teoria e prática da política e a descrição e análise dos sistemas políticos e do comportamento político.

Abrange diversos campos, como a teoria e a filosofia políticas, os sistemas políticos, ideologia, teoria dos jogos, economia política, geopolítica, geografia política, análise de políticas públicas, política comparada, relações internacionais, análise  de relações exteriores, política e direito internacionais, estudos de administração pública e governo, processo legislativo, direito público (como o direito constitucional) e outros. A ciência política emprega diversos tipos de metodologia.

As abordagens da disciplina incluem a filosofia política clássica, interpretacionismo, estruturalismo, behaviorismo, racionalismo, realismo, pluralismo, institucionalismo e igualitarismo.  Na qualidade de uma das ciências sociais, a ciência política usa métodos e técnicas que podem envolver tantas fontes primárias (documentos históricos, registros oficiais) quanto secundárias (artigos acadêmicos, pesquisas, análise estatística, estudos de caso e construção de modelos).

Ainda que o estudo de política tenha sido constatado na tradição ocidental desde a Grécia antiga, a ciência política propriamente dita constituiu-se tardiamente. Esta ciência, no entanto, tem uma nítida matriz disciplinar que a antecede como a filosofia moral, filosofia política, política econômica e história, entre outros campos do conhecimento.

[16] A República contém diversos temas filosóficos, sociais e políticos entrelaçados. A questão chave é a da justiça em seu sentido amplo, oportunidade que Platão aproveita para tecer comentários sobre a educação e o tema genérico do conhecimento das coisas. O livro I goza de uma certa independência, sendo que os demais (ao todo são X), se dispersam em temas variados: A formação das lideranças (os guardiões), nos livros II, III, IV e V.

A formação dos governantes, classe especial dos guardiões, nos livros VI e VII. Uma vez compreendida a tarefa pública, Platão a compara com o que acontece nas cidades existentes (livro VIII). Diante do desafio de Trasímaco ao tratar das conveniências da tirania (livro IX), Platão termina (livro X), com a proposição de um mito (sobre a arte, o destino e a liberdade).

[17] O povo, em nossa República, não é alienado, é pior pois, é alijado. E, o  motivo é a engrenagem do maquinário republicano nasceu com defeito de fabricação, e na base  desse defeito está o conceito sociológico de patrimonialismo, desenvolvido por Max Weber, mas tratado, aqui, além da simples apropriação do público pelo  privado — patrimonialismo bem mais amplo, o patriarcado da Casa Grande e do velho coronelismo.

O nosso patrimonialismo foi amplamente estudado (de Gilberto Freyre a Sérgio Buarque de Holanda,  de Raymundo Faoro a Fernando Henrique Cardoso e Maria Sylvia de Carvalho Franco), e tal estudo é importante na explicitação do poder das elites — é um “entre-lugar” a separar e a juntar, ao mesmo tempo, sociedade e Estado, na exata análise do sociólogo André Botelho.

[18] Para Gadamer, “o conceito de práxis que se desenvolveu nos últimos dois séculos é uma deformação horrível do que a práxis é em realidade”, ou seja, na modernidade o conceito vem sendo utilizado enquanto uma execução prática de uma teoria científica aplicada a modalidades tecnológicas.Com relação ao conceito de práxis, Heidegger difere de Aristóteles, pois o primeiro atribui à práxis a superioridade sobre todas as características do homem, enquanto autênticas decisões relativas ao Dasein.

Enquanto que Aristóteles enxerga a práxis como uma simples disposição da alma ou de atividades, sendo a filosofia prática somente uma parte, que, inclusive, não é considerada a mais importante, reconhecendo que a ética é do âmbito da práxis (racionalidade humana e ação humana) e, portanto, não é uma ciência exata como a matemática, uma vez que, como já foi dito, cabe ao agente da ação possuir o discernimento na aplicação de princípios generalizantes em suas ações individuais.

[19] Se nos anos sessenta e setenta, a América Latina ofereceu numerosos exemplos de regimes autoritários, nos anos 80 ela passou a oferecer muitos exemplos de "novas democracias". Algumas destas, particularmente as da Argentina, Brasil, Guatemala e Peru, são tomadas aqui como referências, mas pretendo considerar também, embora de modo não-sistemático, alguns casos da Europa Oriental, como a Rússia, Polônia e Hungria. Nos tempos que correm, alguma comparação das transições da América Latina com países da Europa do Leste é não apenas inevitável, mas também desejável.

[20] A relação entre ética e política adquiriu formas e valores bem distintos ao longo da história da humanidade, desde uma forte relação entre ética e política na Antiguidade, uma ruptura entre ambas no Renascimento e início da modernidade, uma crise de valores característica da contemporaneidade até uma proposta atual de reaproximação entre ambas. Uma marca característica da ética na Antiguidade é sua indissociabilidade com a política. Desde Platão e seu discípulo Aristóteles, que a ideia de constituição da polis é perpassada pelo princípio de que a cidade deve ser dirigida por governantes sábios, justos e virtuosos.

É de Aristóteles, por exemplo, a afirmação de que o homem é um animal político – zoon politikon. “Trata-se de um homem ‘essencialmente destinado à vida em comum na polis e somente aí se realiza como ser racional. Ele é um zoon politikón por ser exatamente um zoon logikón, sendo a vida ética e a vida política artes de viver segundo a razão’”.

E, Hélcio Corrêa afirma que na polis grega o cidadão só é reconhecido como tal a partir de sua inserção na comunidade política e a razão prática que norteia a ação do cidadão grego está intimamente ligada ao ethos “[...] entendido este como um conjunto de tradições, costumes e valores próprios da vida na polis” e, no caso de Aristóteles,  “[...] as noções de ética e política se completam reciprocamente na teoria da justiça”.

[21] Henrique Cláudio de Lima Vaz, S.J. (1921—2002) foi um padre jesuíta, professor, filósofo e humanista brasileiro. Autor de uma vasta obra filosófica, hoje preservada e divulgada em seu memorial mantido pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.

[22]  A ideia de justiça, segundo se verifica da doutrina, remete a diversos segmentos que a tornam subdividida na construção de um consenso delineador. Para grande parte dos doutrinadores, para se cogitar em justiça é necessário saber primeiro de qual segmento de justiça se está falando.

Para John Rawls, por exemplo, a justiça ganha destaque no estudo das relações sociais, é a chamada “justiça social” que decorre da chamada justiça distributiva, em que se objetiva a distribuição dos bens existentes entre todos os indivíduos de uma sociedade, o que pode ocorrer inclusive da redistribuição por meio dos tributos.

Percebe-se que o conceito de Justiça trazido por Ulpiano é uma ideia que predomina no sistema normativo até nos dias de hoje, correlacionando-se com a teoria de Spencer que defendia que “a justiça é determinada pela liberdade que cada um tem de fazer aquilo que quer, logo que não ofenda a liberdade igual dos outros”.

[23] Hannah Arendt (nascida Johanna Arendt; 1906–1975) foi uma filósofa política alemã de origem judaica, uma das mais influentes do século XX. A privação de direitos e perseguição de pessoas de origem judaica ocorrida na Alemanha a partir de 1933, assim como o seu breve encarceramento nesse mesmo ano, fizeram-na decidir emigrar.

O regime nazista retirou-lhe a nacionalidade em 1937, o que a tornou apátrida até conseguir a nacionalidade norte-americana em 1951. Trabalhou, entre outras atividades, como jornalista e professora universitária e publicou obras importantes sobre filosofia política.

Contudo, recusava ser classificada como "filósofa" e também se distanciava do termo "filosofia política"; preferia que suas publicações fossem classificadas dentro da "teoria política". Arendt defendia um conceito de "pluralismo" no âmbito político. Graças ao pluralismo, o potencial de uma liberdade e igualdade política seria gerado entre as pessoas. Importante é a perspectiva da inclusão do Outro. Em acordos políticos, convênios e leis, devem trabalhar em níveis práticos pessoas adequadas e dispostas.

Como frutos desses pensamentos, Arendt se situava de forma crítica ante a democracia representativa e preferia um sistema de conselhos ou formas de democracia direta. Entretanto, ela continua sendo estudada como filósofa, em grande parte devido a suas discussões críticas de filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles, Immanuel Kant, Martin Heidegger e Karl Jaspers, além de representantes importantes da filosofia moderna como Maquiavel e Montesquieu. Justamente graças ao seu pensamento independente, a teoria do totalitarismo (Theorie der totalen Herrschaft), seus trabalhos sobre filosofia existencial e sua reivindicação da discussão política livre, Arendt tem um papel central nos debates contemporâneos.

[24] O Brasil passou a adotar o regime republicano a partir do dia 15 de novembro de 1889, quando um golpe articulado pelo Exército e parte da elite cafeicultura, depôs o Imperador Dom Pedro II. Na Constituição de 1891 foi definida a república presidencialista como forma de governo. Igualmente, estava prevista a realização de um referendo para consultar à população qual o regime político deveria ser implantado no Brasil.

No entanto, esta consulta só aconteceu em 1992, com a vitória da república presidencialista. Somente na década de sessenta o Brasil passaria brevemente por uma experiência de república parlamentarista. Isto aconteceu para contentar os militares e a direita, que desejavam impedir a posse de João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros. É muito comum pensar que a república é sinônimo de democracia. Afinal, as duas tem origem no mesmo lugar, a Grécia Antiga. Porém, democracia não é forma de governo.

É uma organização social, onde os cidadãos têm direitos garantidos assim como deveres a cumprir. Portanto, a democracia pode existir tanto na República quanto na Monarquia. No entanto, a república pode privar os seus cidadãos de direitos políticos, instituir a censura e decretar prisões arbitrárias. Caso isso acontecesse, estaríamos diante de uma ditadura. Igualmente, quando o poder do rei não é limitado por um Parlamento ou uma Constituição, o regime de governo é chamado de monarquia absoluta.

[25] Nesse novo milênio, onde a ciência e a tecnologia se desenvolvem acentuadamente mais do que a existência humana interior. Porém, apesar de importantes inegáveis conquistas do homem não proporcionam igual evolução na seara ética e moral. A atividade material homem gera até uma sadia disputa para melhor se colocar na sociedade.

Os meios de comunicação, por sofisticados processos têm o poder de conduzir o homem, lhe impondo valores de forma quase mecânica. Entre estes podemos identificar a discriminação. A grande disputa de espaços e a perene luta pelo poder brutalizam o homem, que passa a ver o seu semelhante como um oponente e competidor, descartando sua identidade de parceiro que habita nesse maravilhoso mundo que a todos agrega. A sociedade passa por uma profunda crise ética e moral, isso porque a prática dos valores humanos foi esquecida. Somos seres dotados de inteligência, isto que nos diferencia dos demais animais — não questionam o passado, e também não se preocupam com o futuro na medida em que são conduzidos mecanicamente por seu instinto de conservação — temos como atributo a capacidade de distinguir o certo do errado, através do livre-arbítrio.

Mas como também estamos sujeitos a natureza, os apetites, paixões e inclinações também são fatores que contribuem para dirigir nossos atos. Usando mal nossa capacidade, o critério ao utilizar a razão deve encontrar a verdade sobre si mesmo. Esse formato será de grande valia no desenvolvimento das qualidades fundamentais na realização dos valores.

[26] Como conceito, a justiça social parte do princípio de que todos os indivíduos de uma sociedade têm direitos e deveres iguais em todos os aspectos da vida social. Isso quer dizer que todos os direitos básicos, como a saúde, educação, justiça, trabalho e manifestação cultural, devem ser garantidos a todos. Essa ideia parte do princípio de que não é possível falar em desenvolvimento de uma sociedade considerando apenas o crescimento econômico.

Nesse sentido, a noção de justiça social está atrelada à construção do que é chamado de Estado de Bem-Estar Social, isto é, um tipo de organização política que prevê que o Estado de uma nação deve prover meios de garantir seguridade social a todos os indivíduos sob a sua tutela, o que significa que o acesso a direitos básicos e as ações de seguridade social devem ser estendidos a todos.

A justiça social, entretanto, diferencia-se da ideia da justiça civil, isto é, a justiça dos tribunais e da imagem da estátua vendada. Enquanto a justiça civil busca a imparcialidade em seu julgamento, sempre partindo dos aparatos legais para justificar suas ações, a justiça social busca a remediação de desigualdades por meio da verificação das dificuldades particulares de cada grupo e da implementação de ações que venham remediar a situação.

[27] Ciro Flamarion Santana Cardoso (1942—2013) foi um historiador brasileiro. Possuía larga produção bibliográfica, incluindo interesses temáticos que vão da Historiografia e da Metodologia da História até os estudos sobre Antiguidade e, mais particularmente dentro deste campo, a Egiptologia. Também foi responsável por uma revisão significativa da discussão conceitual acerca do escravismo colonial brasileiro, contribuindo para o estabelecimento do conceito de "Modo de Produção Escravista Colonial" nos anos 1980.

Um dos primeiros livros, talvez o que o tornou mais conhecido do público acadêmico nos primeiros tempos por ter se propagado como uma manual importante no campo da metodologia da história, foi Os métodos da História, livro que escreveu em parceria com Hector Perez Brignole no período em que foi professor da Universidade da Costa Rica, durante o período repressivo da Ditadura Militar no Brasil. A morte de Ciro Flamarion Cardoso causou impacto na comunidade de historiadores brasileiros. Em nome da Associação Nacional de História (ANPUH), Sílvia Petersen emitiu nota de pesar pelo seu falecimento. A Revista de História da Biblioteca Nacional também prestou suas homenagens.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

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