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Dialética do esclarecimento: uma análise acadêmica da obra

Agenda 04/01/2021 às 09:35

A obra enfatiza o empobrecimento do pensamento e a errônea utilização do conhecimento como instrumento de um progresso útil apenas para alguns.

Theodor Wiesengrund Adorno nasceu em 11 de setembro de 1903, na cidade de Frankfurt, Alemanha. Seu pai era um negociante de vinho e sua mãe, uma cantora lírica. Em 1924, doutorou-se em Filosofia. Em 1931, conclui sua livre-docência com um trabalho sobre Kierkeegard. Em 1934, vai para a Inglaterra devido ao fato de que a universidade alemã passa a se desmantelar pela ascensão de Adolf Hitler. Em Oxfort, passa a investir em uma teoria crítica da sociedade. Casa-se em 1937, com Gretel Karpluz, e se muda para os Estados Unidos. Publica, juntamente com Max Horkheimer, em 1947, a obra ‘Dialética do Esclarecimento’ (objeto deste trabalho). Retorna a Frankfurt em 1949, como professor de filosofia e diretor do Instituto de Pesquisa Social. Em 1966, após vários outros trabalhos acadêmicos, publica a audaciosa obra ‘Dialética negativa’. Abalado com confrontos com alunos e pelas revoltas estudantis, Adorno sofre um infarto e morre em 6 de agosto de 1969[1].

Como prescreve Luiz Carlos Susin, ao contemplar ‘Dialética do Esclarecimento’, “o que vem à luz nesse empreendimento histórico, o que verdadeiramente nasce dessa incubadora, é a mistificação das massas pela indústria cultural e a violência assassina dos muitos anti-semitismos.[2]

Já no início da obra, Adorno e Horkheimer prescrevem que o progresso do pensamento ‘via esclarecimento’ se fazia no sentido de tentar “livrar os homens do medo de investi-los na posição de senhores.”[3] Porém, para que isso fosse possível, o esclarecimento deveria desencantar o mundo e substituir os mitos pelo saber, pois  “a superioridade do homem está no saber[4].

Com efeito, o esclarecimento é o destruidor das barreiras. Para o domínio da natureza e para a destruição dos mitos, o esclarecimento deve ser agressivo, pois “só o pensamento que se faz violência a si mesmo é suficientemente duro para destruir os mitos.”[5] Porém, antes de se oporem, mito e esclarecimento possuem certa relação, pois mesmo o mito comporta algo da racionalidade conservadora e o esclarecimento, por sua vez, traz consigo fragmentos do conhecimento mítico ou seja, “o mito converte-se em esclarecimento, e a natureza em mera objetividade (...). Todo conteúdo ele recebe dos mitos, para destruí-los, e ao julgá-los, ele cai na órbita do mitos.[6]

Os autores explanam que a ciência é o instrumento que dá fim aos mitos, aos sacrifícios, às magias e aos deuses, ou seja; “É a isso que a ciência dá fim. Nela não há nenhuma substitutividade específica: se ainda há animais sacrificados, não há mais Deus. A substitutividade converte-se na fungibilidade universal (...) Ela não se baseia de modo algum na ‘onipotência dos pensamentos’ que o primitivo se atribuiria, segundo se diz, assim como o neurótico.[7]” Neste contexto, quando o homem está esclarecido ele perde o medo pois “do medo, o homem presume estar livre quando não há nada mais de desconhecido. É isso que determina o trajeto da desmitologização e do esclarecimento”, pois “O esclarecimento é a radicalização da angústia mítica.[8] (...)

Os autores, em tom de crítica, enfatizam que não bastou o esclarecimento do ser para que ele fosse eivado pelo espírito de igualdade. Pelo contrário, a pretensa luz que o esclarecimento trouxe para o ser, não foi capaz de igualar as condições deles mesmos, pois “a passagem do caos para a civilização, onde as condições naturais não mais exercem seu poder de maneira imediata, mas através da consciência dos homens, nada modificou no princípio da igualdade (...). Antes, os fetiches estavam sob a lei da igualdade. Agora, a própria igualdade torna-se fetiche.[9]

Em sequência, Adorno e Horkheimer dissertam sobre o poder, pois pode-se dizer que ele é o principal precursor da desigualdade; “o poder está de um lado, a obediência de outro” (...). Aquilo que acontece a todos por obra e graça de poucos realiza-se sempre como a subjugação dos indivíduos por muitos: a opressão da sociedade tem sempre o caráter da opressão por uma coletividade.”[10] E o esclarecimento nada fez para deter a insegurança e tornar o mundo mais igual. Pelo contrário, pois “diante do esclarecimento, os conceitos estão na mesma situação que os aposentados diante dos trustes industriais: ninguém pode sentir-se seguro.[11] E o esclarecimento sob a pecha de conhecimento, ao invés de auxiliar, embruteceu os pensamentos. Assim:

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O preço da dominação não é meramente a alienação dos homens com relação aos objetos dominados; com a coisificação do espírito, as próprias relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as relações de cada indivíduo consigo mesmo. Ele se reduz a um ponto modal das reações e funções convencionais que se esperam dele algo objetivo. O animismo havia dotado a coisa de uma alma, o industrialismo coisifica as almas. O aparelho econômico, antes mesmo do planejamento total, já provê espontaneamente as mercadorias dos valores que decidem sobre o comportamento dos homens. (...) As inúmeras agências de produção em massa e da cultura por ela criada servem para inculcar no indivíduo os comportamentos normalizados como os únicos naturais, decentes racionais.[12]

Nestes termos, ao buscar o esclarecimento com tanto afinco, o homem se esqueceu de esclarecer-se a si próprio. Assim, “a expulsão do pensamento da lógica ratifica na sala de aula a coisificação do homem na fábrica e no escritório.”[13] E sob o ideal burguês, “ao subordinar a vida inteira às exigências de sua conservação, a minoria que detém o poder garante, justamente com sua própria segurança, a perpetuação do todo.”[14] E assim:

Com a difusão da economia mercantil burguesa, o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol da razão calculadora, sob cujos raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie. Forçado pela dominação, o trabalho humano tendeu sempre a se afastar do mito, voltando a cair sob o seu influxo, levado pela mesma dominação.[15]

Percebe-se, durante o transcurso do trabalho, que os autores claramente enfatizam o empobrecimento do pensamento e a errônea utilização do conhecimento como instrumento de um progresso útil apenas para alguns, pois a “maldição do progresso irrefreável é a irrefreável regressão” e é “da imaturidade dos dominados que se nutre a hipermaturidade da sociedade,” pois “quanto mais complicada e mais refinada a aparelhagem social, econômica e científica, para cujo manejo o corpo já há muito foi ajustado pelo sistema de produção, tanto mais empobrecidas as vivências de que ele é capaz.”[16]

E finalmente, mostrando a tristeza a que se reduziu a sociedade, Adorno e Horkheimer arrematam da seguinte forma:

Pela mediação da sociedade total, que engloba todas as relações e emoções, os homens se reconvertem exatamente naquilo contra o que se voltara a lei evolutiva da sociedade, o princípio do eu, meros seres genéricos, iguais uns aos outros pelo isolamento na coletividade governada pela força. Os remadores que não podem se falar estão atrelados a um compasso, assim como o trabalhador moderno na fábrica, no cinema e no coletivo. São as condições concretas do trabalho na sociedade que forçam o conformismo e não as influências conscientes, as quais por acréscimo embruteceriam e afastariam da verdade os homens oprimidos. A impotência dos trabalhadores não é mero pretexto dos dominantes, mas a consequência lógica da sociedade industrial, na qual o fado antigo acabou por se transformar no esforço de a ele escapar.[17]


Referências:

ADORNO, Theodor W. Notas de Literatura. Trad. de Jorge M. B. de Almeida. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003.

ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Trad. de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

SUSIN, Luiz Carlos [et al] (Orgs.). Éticas em diálogo: Levinas e o pensamento contemporâneo: questões e interface. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.


[1] ADORNO, 2003, p.167.

[2] SUSIN, 2003, p.253.

[3] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.19.

[4] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.19.

[5] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.20.

[6] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.24/26.

[7] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.25.

[8] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.29.

[9] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.30.

[10] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.34/35.

[11] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.35.

[12] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.40.

[13] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.42.

[14] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.43.

[15] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.43.

[16] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.46.

[17] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.47.

Sobre o autor
Emerson Benedito Ferreira

Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais (Direito) pela Universidade de Ribeirão Preto - (UNAERP - 1999). Especialista em Direito Educacional (2009), Filosofia da Educação (2011) e MBA em Gestão Estratégica de Pessoas pela Faculdade de Educação São Luis de Jaboticabal (FESL; Mestre e Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) na linha de pesquisa 'Educação, Cultura e Subjetividade'; Desenvolve investigações vinculadas à linha de pesquisa 'Diferenças: relações étnico-raciais, de gênero e etária' e participa do grupo de estudos sobre 'a criança, a infância e a educação infantil: políticas e práticas da diferença' vinculado à UFSCar. Atua principalmente nas seguintes áreas: Estatuto da Criança e Adolescente, História da Infância, Sociologia da Infância, do Desastre e da Diferença. Tem interesse nos estudos sobre a história da infância e da criança, da família, criminalidade infantil, relações étnico-raciais, abolicionismo penal (tendência estrutural historicista de Michel Foucault), patologias forense, história da sexualidade infantil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Emerson Benedito. Dialética do esclarecimento: uma análise acadêmica da obra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6396, 4 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87679. Acesso em: 5 nov. 2024.

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