Theodor Wiesengrund Adorno nasceu em 11 de setembro de 1903, na cidade de Frankfurt, Alemanha. Seu pai era um negociante de vinho e sua mãe, uma cantora lírica. Em 1924, doutorou-se em Filosofia. Em 1931, conclui sua livre-docência com um trabalho sobre Kierkeegard. Em 1934, vai para a Inglaterra devido ao fato de que a universidade alemã passa a se desmantelar pela ascensão de Adolf Hitler. Em Oxfort, passa a investir em uma teoria crítica da sociedade. Casa-se em 1937, com Gretel Karpluz, e se muda para os Estados Unidos. Publica, juntamente com Max Horkheimer, em 1947, a obra ‘Dialética do Esclarecimento’ (objeto deste trabalho). Retorna a Frankfurt em 1949, como professor de filosofia e diretor do Instituto de Pesquisa Social. Em 1966, após vários outros trabalhos acadêmicos, publica a audaciosa obra ‘Dialética negativa’. Abalado com confrontos com alunos e pelas revoltas estudantis, Adorno sofre um infarto e morre em 6 de agosto de 1969[1].
Como prescreve Luiz Carlos Susin, ao contemplar ‘Dialética do Esclarecimento’, “o que vem à luz nesse empreendimento histórico, o que verdadeiramente nasce dessa incubadora, é a mistificação das massas pela indústria cultural e a violência assassina dos muitos anti-semitismos.”[2]
Já no início da obra, Adorno e Horkheimer prescrevem que o progresso do pensamento ‘via esclarecimento’ se fazia no sentido de tentar “livrar os homens do medo de investi-los na posição de senhores.”[3] Porém, para que isso fosse possível, o esclarecimento deveria desencantar o mundo e substituir os mitos pelo saber, pois “a superioridade do homem está no saber”[4].
Com efeito, o esclarecimento é o destruidor das barreiras. Para o domínio da natureza e para a destruição dos mitos, o esclarecimento deve ser agressivo, pois “só o pensamento que se faz violência a si mesmo é suficientemente duro para destruir os mitos.”[5] Porém, antes de se oporem, mito e esclarecimento possuem certa relação, pois mesmo o mito comporta algo da racionalidade conservadora e o esclarecimento, por sua vez, traz consigo fragmentos do conhecimento mítico ou seja, “o mito converte-se em esclarecimento, e a natureza em mera objetividade (...). Todo conteúdo ele recebe dos mitos, para destruí-los, e ao julgá-los, ele cai na órbita do mitos.”[6]
Os autores explanam que a ciência é o instrumento que dá fim aos mitos, aos sacrifícios, às magias e aos deuses, ou seja; “É a isso que a ciência dá fim. Nela não há nenhuma substitutividade específica: se ainda há animais sacrificados, não há mais Deus. A substitutividade converte-se na fungibilidade universal (...) Ela não se baseia de modo algum na ‘onipotência dos pensamentos’ que o primitivo se atribuiria, segundo se diz, assim como o neurótico.[7]” Neste contexto, quando o homem está esclarecido ele perde o medo pois “do medo, o homem presume estar livre quando não há nada mais de desconhecido. É isso que determina o trajeto da desmitologização e do esclarecimento”, pois “O esclarecimento é a radicalização da angústia mítica.”[8] (...)
Os autores, em tom de crítica, enfatizam que não bastou o esclarecimento do ser para que ele fosse eivado pelo espírito de igualdade. Pelo contrário, a pretensa luz que o esclarecimento trouxe para o ser, não foi capaz de igualar as condições deles mesmos, pois “a passagem do caos para a civilização, onde as condições naturais não mais exercem seu poder de maneira imediata, mas através da consciência dos homens, nada modificou no princípio da igualdade (...). Antes, os fetiches estavam sob a lei da igualdade. Agora, a própria igualdade torna-se fetiche.” [9]
Em sequência, Adorno e Horkheimer dissertam sobre o poder, pois pode-se dizer que ele é o principal precursor da desigualdade; “o poder está de um lado, a obediência de outro” (...). Aquilo que acontece a todos por obra e graça de poucos realiza-se sempre como a subjugação dos indivíduos por muitos: a opressão da sociedade tem sempre o caráter da opressão por uma coletividade.”[10] E o esclarecimento nada fez para deter a insegurança e tornar o mundo mais igual. Pelo contrário, pois “diante do esclarecimento, os conceitos estão na mesma situação que os aposentados diante dos trustes industriais: ninguém pode sentir-se seguro.”[11] E o esclarecimento sob a pecha de conhecimento, ao invés de auxiliar, embruteceu os pensamentos. Assim:
O preço da dominação não é meramente a alienação dos homens com relação aos objetos dominados; com a coisificação do espírito, as próprias relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as relações de cada indivíduo consigo mesmo. Ele se reduz a um ponto modal das reações e funções convencionais que se esperam dele algo objetivo. O animismo havia dotado a coisa de uma alma, o industrialismo coisifica as almas. O aparelho econômico, antes mesmo do planejamento total, já provê espontaneamente as mercadorias dos valores que decidem sobre o comportamento dos homens. (...) As inúmeras agências de produção em massa e da cultura por ela criada servem para inculcar no indivíduo os comportamentos normalizados como os únicos naturais, decentes racionais.[12]
Nestes termos, ao buscar o esclarecimento com tanto afinco, o homem se esqueceu de esclarecer-se a si próprio. Assim, “a expulsão do pensamento da lógica ratifica na sala de aula a coisificação do homem na fábrica e no escritório.”[13] E sob o ideal burguês, “ao subordinar a vida inteira às exigências de sua conservação, a minoria que detém o poder garante, justamente com sua própria segurança, a perpetuação do todo.”[14] E assim:
Com a difusão da economia mercantil burguesa, o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol da razão calculadora, sob cujos raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie. Forçado pela dominação, o trabalho humano tendeu sempre a se afastar do mito, voltando a cair sob o seu influxo, levado pela mesma dominação.[15]
Percebe-se, durante o transcurso do trabalho, que os autores claramente enfatizam o empobrecimento do pensamento e a errônea utilização do conhecimento como instrumento de um progresso útil apenas para alguns, pois a “maldição do progresso irrefreável é a irrefreável regressão” e é “da imaturidade dos dominados que se nutre a hipermaturidade da sociedade,” pois “quanto mais complicada e mais refinada a aparelhagem social, econômica e científica, para cujo manejo o corpo já há muito foi ajustado pelo sistema de produção, tanto mais empobrecidas as vivências de que ele é capaz.”[16]
E finalmente, mostrando a tristeza a que se reduziu a sociedade, Adorno e Horkheimer arrematam da seguinte forma:
Pela mediação da sociedade total, que engloba todas as relações e emoções, os homens se reconvertem exatamente naquilo contra o que se voltara a lei evolutiva da sociedade, o princípio do eu, meros seres genéricos, iguais uns aos outros pelo isolamento na coletividade governada pela força. Os remadores que não podem se falar estão atrelados a um compasso, assim como o trabalhador moderno na fábrica, no cinema e no coletivo. São as condições concretas do trabalho na sociedade que forçam o conformismo e não as influências conscientes, as quais por acréscimo embruteceriam e afastariam da verdade os homens oprimidos. A impotência dos trabalhadores não é mero pretexto dos dominantes, mas a consequência lógica da sociedade industrial, na qual o fado antigo acabou por se transformar no esforço de a ele escapar.[17]
Referências:
ADORNO, Theodor W. Notas de Literatura. Trad. de Jorge M. B. de Almeida. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003.
ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Trad. de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
SUSIN, Luiz Carlos [et al] (Orgs.). Éticas em diálogo: Levinas e o pensamento contemporâneo: questões e interface. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.
[1] ADORNO, 2003, p.167.
[2] SUSIN, 2003, p.253.
[3] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.19.
[4] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.19.
[5] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.20.
[6] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.24/26.
[7] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.25.
[8] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.29.
[9] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.30.
[10] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.34/35.
[11] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.35.
[12] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.40.
[13] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.42.
[14] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.43.
[15] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.43.
[16] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.46.
[17] ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.47.