Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Existe um dever das instituições de ensino de conceder abatimento na mensalidade em razão da pandemia do Covid-19?

Agenda 08/01/2021 às 12:12

Ao Judiciário cabe, sempre à luz dos princípios da boa-fé e da função social do contrato, equacionar os danos, conduzindo as partes a uma solução que seja justa para ambas. Eis o desafio que se põe, hoje, na seara contratual, aos operadores do direito.

 

É tema candente, suscitando amplo debate entre os juristas, aquele acerca da (in) existência de um dever das instituições de ensino de renegociar o contrato em razão da pandemia do Covid-19. Neste assunto, chama a atenção, no Judiciário, a multiplicação de ações que visam a redução de mensalidades previstas como contraprestação aos serviços educacionais. Isso leva à indagação deste breve artigo: há um dever das escolas de reajustar as parcelas em razão da pandemia do Covid-19? Quais seriam os requisitos para a procedência do pedido inicial?

A questão já tem gerado decisões díspares, mesmo no âmbito de um único tribunal[1].

Cumpre, assim, oferecer uma posição.

De início, é de se apontar que a tão só prestação à distância de aulas previstas para a forma presencial não pode significar, neste cenário atípico em que se vive, que o contrato esteja sendo descumprido. Deve-se levar em conta, aqui, a teoria da imprevisão, ante o fato de que as instituições de ensino foram forçadas à essa modificação em razão da pandemia – não se tratando, portanto, de uma escolha sua –, inclusive mediante autorização do MEC neste sentido.

Também não se pode presumir que os gastos das instituições de ensino diminuíram significativamente, o que, caso não refutado, deveria levar ao reajuste contratual. Isso porque, ao contrário do que seria intuitivo imaginar, seus dispêndios com a suspensão das aulas presenciais podem não ter decrescido, já que muitos dos estabelecimentos educacionais fizeram robustos investimentos para bem ministrar o conteúdo na forma remota. Além disso, como é consabido, suas maiores despesas consistem na folha de pagamento dos professores, o que não se modificou – tampouco substancialmente a ponto de caracterizar uma desproporção contratual – ante a mudança na forma de veiculação das aulas. Não se olvide, ainda, que grande parte das escolas enfrentam, neste momento, considerável inadimplência e evasão escolar.

Do outro lado da equação, igualmente não se pode concluir que a pandemia afetou financeiramente todos os estudantes. Há aqueles que mantiveram sua renda ou mesmo passaram a ganhar mais durante este período, enquanto outros tiveram diminuição ou perderam o emprego.

Por fim, existem instituições de ensino que já adotaram medidas para minimizar o impacto financeiro da pandemia em seus alunos, viabilizando o pagamento da mensalidade de acordo com a situação econômica de cada discente – concedendo descontos e/ou diferimentos.

Desse modo, não se pode conceder abatimentos padronizados, com base em achatamentos das inúmeras especificidades que tocam a cada contrato de ensino – sejam relacionadas às instituições, sejam referentes aos alunos -, sob pena de consagrar iniquidades e, quiçá, em última instância, inviabilizar economicamente a atividade das instituições de ensino. Impõe-se a análise particularizada da situação de cada escola, discente e contrato, a fim de se apurar concretamente a justiça da revisão contratual.

Nessa tarefa, cumpre verificar se, de um lado, o estudante comprovadamente teve um abalo na sua situação financeira e, de outro, se a instituição de ensino teve uma economia, gerando um desequilíbrio contratual – é desta o ônus de provar que seus gastos não diminuíram no período relativo à pandemia. Deve-se analisar, ainda, se esta já facilitou o pagamento das mensalidades àqueles ou se permaneceu irredutível em viabilizar o adimplemento à luz da modificação da situação financeira de cada discente. Em outras palavras, deve-se usar aqui o binômio necessidade/possibilidade. Destaque-se que também é de se conceder o desconto, independentemente da situação financeira do aluno ou da escola, quando se apurar que esta deixou de cumprir o contrato ao prestar o ensino remoto emergencial de forma precária.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Por fim, cabe destacar que, apesar da possibilidade de revisão judicial, os critérios para tanto, como sugerido, são justificadamente rigorosos – de forma a não inviabilizar economicamente a atividade das escolas –. Dessa forma, o ideal parece ser a negociação direta com a instituição de ensino, pleiteando-se diferimento no pagamento da mensalidade ou novos parcelamentos, o que, em um viés pragmático, é de interesse também das escolas, que neste momento se deparam com alta taxa de inadimplência e evasão escolar.

Em conclusão, sem pretender uma solução pronta e acabada, aplicável indistintamente, o que se almejou aqui apontar é que o cenário geral é crítico tanto para as instituições de ensino quanto para os alunos. Ao Judiciário cabe, sempre à luz dos princípios da boa-fé e da função social do contrato, equacionar os danos, conduzindo as partes a uma solução que seja justa para ambas. É o desafio que se põe, hoje, na seara contratual, aos operadores do direito.

 


[1] Na jurisdição do Estado do Paraná, por exemplo, no processo nº 0000648-54.2020.8.16.0067 foi indeferido, em primeiro grau, o pedido de tutela de urgência por meio do qual a autora buscava a imediata redução do valor da mensalidade paga em contraprestação ao curso de odontologia. Por sua vez, também a título de exemplo, um desconto de 50% foi concedido liminarmente, em primeiro grau, no processo n° 0011940-40.2020.8.16.0001, para aluna do curso de arquitetura e urbanismo.

Sobre o autor
Marcos Augusto Bernardes Bonfim

Pós-graduado em Direito das Famílias e Sucessões pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!