DOS MECANISMOS DE CONTROLE DE GASTOS COM PESSOAL NA LRF E NO DIREITO COMPARADO
Até a LRF, várias tentativas de controle dos gastos com pessoal foram feitas ao longo dos anos 90 com a denominada Lei Camata I, (Lei Complementar nº 82, de 27/3/1995), revogada pela Lei Camata II (Lei Complementar nº 96, de 31/5/99), que foi revogada pela LRF, que, em seu art. 19, expressamente estatui a função de disciplinar os limites previstos no art. 169 da Constituição. Da simples fixação de limites por esfera da Federação passou-se com a LRF à segregação de tais limites por esfera em razão dos Poderes constituídos (arts. 19 e 20). Ademais, fixaram-se limites prudenciais e mecanismos de redução caso ultrapassados (arts. 22 e 23).
O caput do art. 20 conceitua minudentemente o conceito de despesas com pessoal para fins da LRF, tendo inovado ao incluir os gastos com terceirização em seu parágrafo único, dificultando a burla aos limites por ela impostos. [02]
O art. 21 da LRF decretou nulidade absoluta, juris et de jure, dos atos que criem despesa com pessoal sem a observância das exigências previstas em seus arts. 16 e 17 e nos arts. 37, XIII, e 169,§ 1º, ambos da Constituição. [03]
O art. 16 da LRF volta-se para a criação de gastos no âmbito administrativo pelo gestor e o art. 17 da LRF destina-se ao processo legislativo ao conceituar despesa obrigatória de caráter continuado como sendo a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.
Ao apreciar as consequências da decretação da nulidade dos atos que infrinjam os dispositivos acima mencionados Maria Cristina Dourado (2001:263) faz as seguintes considerações:
Do exposto, tem-se que, relativamente à nulidade dos atos, estatuída no art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal, não se aplica o prazo decadencial de 5 (cinco) anos, nem são esses passíveis de convalidação.
Outro aspecto interessante a abordar quanto à nulidade aqui tratada, consiste na verificação dos efeitos decorrentes da prática de tais atos.
Com efeito, considerando, de um lado, a total vinculação da atividade administrativa aos princípios jurídicos, aqui particularmente aos da legalidade e da moralidade administrativa, traduzida na conduta de boa-fé e, de outro, o atributo da presunção de legitimidade que peculiariza o ato administrativo, resulta que, embora nulos, são reconhecidos os seguintes efeitos:
a) os que atingem terceiros de boa-fé;
b) os de natureza patrimonial correspondentes a despesas já realizadas ou prestações já incorporadas à Administração, realizadas por administrado de boa-fé, em atendimento ao próprio comando do ato.
Nesse segundo caso, cumpre à Administração Pública efetivar as devidas indenizações, sob pena de estar a mesma se locupletando.
Os atos que criarem ou aumentarem despesa obrigatória continuada deverão vir instruídos com a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que entrar em vigor e nos dois seguintes, com demonstração de que não afetarão as metas fiscais (resultado primário), e deverão ter seus efeitos financeiros compensados, seja pela redução de despesa permanente seja pelo aumento de receita permanente, mediante, neste caso, elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, criação ou majoração de tributos. As medidas de compensação deverão integrar o ato que criou ou aumentou despesa obrigatória, o qual só entrará em vigor depois que entrarem em vigor as medidas de compensação.
Assim, passa-se do controle genérico com limites amplos para os gastos com pessoal para o regime da compensação puntual e específica, verificável caso a caso, com a imediata compensação pela redução de despesas permanentes ou aumento de receitas permanentes.
Como bem delineado por Wéder de Oliveira (2005:736), o regime de controle fiscal pela compensação específica estatuído pela LRF, apesar do modelo geral ter se inspirado no neozelandês da Fiscal Responsability Act, mostra traços semelhantes com as regras norte-americanas do "pay-as-you-go", ou "PAYGO".
Esse modelo foi implantado nos Estados Unidos a partir de 1990 com a edição do Budget Enforcement Act (BEA), um conjunto de novas regras orçamentária, parte de um pacote de medidas que visava reduzir o crescente deficit norte-americano, entre as quais estava o processo PAYGO. Voltado para restringir futuras decisões orçamentárias do Congresso e do Presidente, o PAYGO requer que as legislações sobre receitas e despesas obrigatórias aprovadas no ano sejam, em seu conjunto, neutras quanto ao déficit orçamentário.
A criação ou expansão de programas mandatórios ou a redução de tributos deve ser compensada por aumento em outras receitas, redução de despesas obrigatórias, ou ambos. Ocorre que no modelo norte-americano tal compensação não deve se dar necessariamente no projeto de lei que afeta o resultado fiscal mas no conjunto de gastos. Para Wéder de Oliveira esse conjunto poderia ser, em nosso modelo, representado pela margem de expansão das despesas obrigatórias. Ocorre, como reconhece o mesmo autor que ainda não dispomos de órgãos e procedimentos especializados na estimação do impacto e quantificação dessa margem, fazendo-se de forma apriorística e superficial.
Nossos gastos com pessoal se assemelham aos "entitlements", como conceituado pelo "The Congressional Budget Act", de 1974, ou seja, são autorizações, por meio de lei, para efetuar pagamentos ou destinar recursos orçamentários a qualquer pessoa ou entidade governamental. Assim, a lei fixa não o montante de gastos a serem realizados, mas as condições que devem ser preenchidas pelos interessados para poderem exigir o bem, serviço, ou transferência de recursos.
A nosso ver, os crescentes déficits norte-americanos põem em dúvida a eficácia do sistema de controle de gastos obrigatórios mencionado, fazendo crer que um procedimento genérico como o lá vigente está mais propenso a injunções de políticas conjunturais, como a Guerra no Iraque, do que subsistemas próprios e segregados, a exemplo do controle de gastos com pessoal adotado por nosso ordenamento.
Apesar das várias proposições apresentadas ao Congresso Nacional propondo alterações nos critérios e limites para gastos com pessoal presentes na LRF, em regra os abrandando, até o presente nenhuma atingiu seu desideratum.
DA REGULAÇÃO PELAS LDOs DA CRIAÇÃO OU ALTERAÇÃO DOS GASTOS COM PESSOAL
A Constituição de 1988, ao fixar em seu art. 169 a atribuição das LDOs de conterem a autorização para qualquer aumento de gasto direto com pessoal, exceto a revisão geral prevista no art. 37, X, transformaram-no no instrumento por excelência do controle dos gastos com pessoal. [04]
Ocorre que, desde a Lei nº 9.995/2000 (LDO/2001), art. 62, tais autorizações vêm sendo remetidas a anexo da lei orçamentária anual, atualmente Anexo V – autorizações específicas de que trata o art. 169, § 1º, inciso II, da Constituição, relativas a despesas de pessoal e encargos sociais, conforme estabelece o art. 89 da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2006.
Tal delegação legislativa, cuja constitucionalidade inicialmente chegou a ser questionada, mostrou-se com o tempo a mais adequada em razão de a apropriação dos recursos a serem futuramente alocados quando da aprovação da lei específica se dar melhor operacionalmente quando da discussão dos montantes disponíveis, o que só vem a ocorrer durante o processo orçamentário propriamente dito. Ainda que presente nas LDOs, os anexos com a margem para despesas obrigatórias de duração continuada mostraram-se, ao menos para as autorizações para gasto com pessoal, distantes no tempo e circunstância do debate orçamentário, tendo sido substituído pelo anexo da lei orçamentária.
O mecanismo de preverem-se especificamente por Poder, órgão e carreiras, já na lei orçamentária anual, as alterações em termos orçamentário-financeiros da criação e/ou provimentos de cargos, empregos e funções, bem como ou provimento de cargos, empregos e funções, bem como admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, e as alterações de estrutura de carreiras e aumento de remuneração, mostrou-se eficaz pois os valores ali autorizados devem necessariamente ser compatíveis com as dotações presentes nos respectivos créditos orçamentários da mesma lei. Alterações do Anexo V ocorrem ao longo do exercício, tendo em 2005 sido apresentados três projetos de lei de alteração do Anexo V aumentando limites ali fixados.
As LDOs têm criado progressivamente procedimentos visando dar transparência e confiabilidade às informações relativas aos gastos com pessoal, a exemplo de:
1. fixação de limites para elaboração das propostas orçamentárias para os Poderes, em regra a folha de pagamento de abril do exercício vigente projetada com os acréscimos legais, com exceções expressas, a exemplo da revisão geral ou da justiça eleitoral em anos de eleições;
2. publicação periódica de informações sobre os quantitativos e valores relativos a gastos com pessoal para todos os órgãos, inclusive demonstrativo dos saldos das autorizações para admissões ou contratações de pessoal a qualquer título prevista no art. 169,§1º, II, da Constituição;
3. disposições sobre provimento de cargos e funções e realização de serviços extraordinários;
4. exigências quanto aos projetos de lei relacionados a aumentos de gastos com pessoal e encargos sociais que deverão ser acompanhados de:
I - declaração do proponente e do ordenador de despesas, com as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, conforme estabelecem os arts. 16 e 17 da Lei Complementar nº 101, de 2000;
II - simulação que demonstre o impacto da despesa com a medida proposta, destacando ativos e inativos, detalhada, no mínimo, por elemento de despesa;
III - manifestação, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no caso do Poder Executivo, e dos órgãos próprios dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público da União, sobre o mérito e o impacto orçamentário e financeiro;
IV - em se tratando de projetos de lei de iniciativa do Poder Judiciário e do Ministério Público da União, parecer sobre o mérito e o atendimento aos requisitos deste artigo, respectivamente, do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, de que tratam os arts. 103-B e 130-A da Constituição;
5. previsão do Anexo da lei orçamentária para atendimento ao disposto no art. 169, § 1º, II, da Constituição;
6. execução de despesas não previstas nos limites estabelecidos na LDO somente podendo ocorrer após a abertura de créditos adicionais para fazer face a tais despesas; e
7. obrigatoriedade de os demais Poderes e o Ministério Público fornecerem dados à Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para a unificação e consolidação das informações relativas a despesas de pessoal e encargos sociais e elaboração do demonstrativo da execução previsto art. 165, § 3º da Constituição.
O PLDO/2007 inova ao reconhecer a necessidade do controle das despesas obrigatórias e determinar em seu art. 2º, §3, que: "as propostas de atos que resultem em criação ou aumento de despesa obrigatória de caráter continuado, entendida aquela que constitui ou venha a se constituir em obrigação constitucional ou legal da União, além de atender ao disposto no art. 17 da Lei Complementar no 101, de 2000, deverão, previamente à sua edição, ser encaminhadas aos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda, para que se manifestem conjuntamente sobre a adequação orçamentária e financeira dessas despesas face ao disposto no § 2o deste artigo (redução das despesas correntes em 0,1% do PIB)". O autógrafo da LDO/2007 preserva a autonomia dos demais Poderes e sujeita o exame aos órgãos competentes desses Poderes.
A análise de adequação e compatibilidade orçamentária e financeira realizada na Câmara dos Deputados consiste em verificar a conformidade da proposição legislativa com as leis orçamentárias previstas no art. 165 da Constituição Federal e com as normas pertinentes a elas e à despesa e receita públicas. Essa análise decorre da necessidade de observância do princípio de equilíbrio orçamentário acolhido pelo art. 167, II, III e V, da Carta Magna, pelo art. 7º, § 1º, da Lei nº 4.320/64 e pela LRF. Essa análise tem por finalidade preservar a programação de trabalho da União aprovada pelo Congresso Nacional e os compromissos relativos ao equilíbrio fiscal.
Observamos não possuir o Senado Federal procedimento próprio ao exame de compatibilidade e adequação orçamentário-financeira das proposições relativas à legislação permanente, exceto nos casos das medidas provisórias, para as quais rege a Resolução nº 1/2002-CN.
O exame de adequação e compatibilidade orçamentário-financeira da legislação permanente que veicula gastos com pessoal está prevista no art. 53, II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD). Nos termos do art. 32, X, "h", é atribuição da CFT o exame dos aspectos financeiros e orçamentários públicos de quaisquer proposições que importem aumento ou diminuição da receita ou da despesa pública, quanto à sua compatibilidade ou adequação com o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e o orçamento anual.
O exame se dá antes da deliberação do Plenário da Casa ou independente de sua deliberação, quando dispensado, no caso de matérias que tramitem em caráter conclusivo pelas Comissões.
O exame de compatibilidade verifica a conformidade da proposição legislativa com o Plano Plurianual (PPA), com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e com o Orçamento Anual (LOA) e com as normas pertinentes a eles e à receita e despesa públicas, em especial com a LRF. Já a adequação se dá em relação à existência dos recursos orçamentários exigidos pela proposição, verificado por seu impacto orçamentário-financeiro oriundo dos compromissos e obrigações gerados pelas disposições legais.
O art. 54 do RICD fixa o caráter terminativo do parecer emitido pela CFT no tocante à incompatibilidade ou inadequação, significando que a incompatibilidade ou inadequação da proposição acarreta seu arquivamento, salvo recurso ao Plenário. A incompatibilidade ou inadequação orçamentária ou financeira pode ser saneada por meio de emenda. Se a emenda saneadora for aprovada pela CFT e incorporada em substitutivo, a matéria prosseguirá em seu curso normal. Mas, se for apresentada em Plenário, terá prioridade na votação (RICD, art. 145, § 1º), quando, em apreciação preliminar, o Plenário deliberará sobre a proposição somente quanto à sua adequação financeira e orçamentária.
Desde 1996 vige a Norma Interna da CFT, que dispõe sujeitar-se ao exame qualquer proposição "que implicar aumento ou diminuição da receita ou da despesa da União ou que repercutir, de qualquer modo, sobre os respectivos orçamentos, sua forma ou seu conteúdo" (§ 2º, art. 1º, da NI-CFT), de conformidade com o art. 139, II, "b", do RICD. Esse dispositivo determina que apenas a proposição que "envolver aspectos financeiro ou orçamentário públicos" será distribuída à CFT por despacho do Presidente, para o exame da compatibilidade ou adequação orçamentária. Incluem-se no rol de proposições sujeitas ao exame as emendas apresentadas tanto nas Comissões como no Plenário da Câmara (art. 121 do RICD).
A apreciação das Medidas Provisórias Congresso Nacional é normatizada pela Resolução nº 1, de 2002-CN. Seu art. 5º determina o exame de compatibilidade e adequação orçamentária e financeira no prazo de 14 dias pela Comissão Mista ad hoc; ocorre que em regra essa não chega a se reunir e o parecer de adequação é dado no Plenário das duas Casas. O art. 19 da Resolução nº 1/2002-CN também determina a elaboração de Nota Técnica pela Consultoria de Orçamentos da Casa a que pertencer o Relator, como subsídio para esse e a Comissão, em sua análise da compatibilidade e adequação das medidas propugnadas na MP, fazendo parte do processado. [05]