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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ESTENDIDOS AOS NÃO HUMANOS

Modificações introduzidas pela Lei nº 14.064/2020

Discute-se a necessidade da extensão dos direitos e garantias fundamentais previstos na CF aos seres não humanos, bem como, as modificações nas penas de maus-tratos ao animais introduzidas pela Lei nº 14.064/2020.

1 INTRODUÇÃO

Após incansáveis estudos e testes científicos cognitivos, descobriu-se nos não humanos a senciência, um atributo cerebral que assemelha os sentidos das dores, aflições, angústias, alegrias e demais sentimentos e sensações a espécie humana.

Por isso que, diante dessa assertiva constatação subjetiva das experiências mentais similares, surgiu a necessidade de reavaliar e rediscutir no ordenamento jurídico brasileiro, a extensão de normas jurídico-normativas de cunho protetivo, aos seres que são capazes de sofrer, erigindo preceitos que os livrem de violências e abusos pela espécie mais evoluída, como meio de garantir-lhes a dignidade.

Logo, discute-se a extensão de direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, como a exemplo o direito à vida, liberdade, igualdade de tratamento, à propriedade, à saúde e outras prerrogativas legais, a aqueles que não possuem a capacidade de exigi-los, mas são dignos de desfrutá-los, como forma de reconhecer, no ser senciente, seu valor particular, seus sentidos sensíveis e conscientes, desmistificando a atribuição de “coisas” conferida pela legislação brasileira, atribuindo uma categoria especial que vai além da “coisificação”, para a possibilidade de rediscussão dos direitos a essas espécies.

Mas para tanto, forçoso se faz também, além da reformulação jurídica classificatória, a criação de normas reprimendas mais severas, com o intuito de intensificar o efeito punitivo da norma, com a finalidade de inibir as práticas de maus-tratos e posteriormente, servindo como fonte de efetivação dos direitos e garantias estendidos aos não humanos, uma vez que, no atual ordenamento jurídico brasileiro, denota-se uma vasta discrepância legal tanto de proteção às vítimas de maus-tratos, como de repreensão aos seus algozes.

 

2 SENCIÊNCIA

Senciência é um termo designado para tratar dos não humanos que possuem substratos neurológicos similares às pessoas humanas. A terminologia surgiu após estudos realizados por neurocientistas, neurofarmacologistas, neurofisiologistas, neuroana-tomistas e neurocientistas computacionais cognitivos que se reuniram na Universidade de Cambridge para reavaliar os substratos neurobiológicos da experiência consciente e comportamental relacionados em seres humanos e não humanos. Após a assertiva constatação da verossimilhança entre os substratos neurológicos entre os objetos de estudos, foi proclamado publicamente a Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos, no Reino Unido, em 07 de julho de 2012, na Francis Crick Memorial Conference on Consciousness in Human and non-Human Animals, no Churchill College, da Universidade de Cambridge, por Low, Edelman e Koch (LOW, 2012, p. 1).

Nesse estudo científico, com auxílio do termo filosófico qualia, vislumbrou as afeições similares compartilhadas entre as pessoas humanas e não humanas, subjetivas das experiências mentais, como a experiência pessoal das cores, da sensação de ouvir música, dos odores, das dores e entre outros, ratificando a analogia entre a composição de sentidos.

Assim, faz-se necessário a transcrição da referida Declaração de Cambridge escrita por Low (2012, p. 1) como escopo basilar:

A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos.

A Declaração de Cambridge abriu caminho para uma postura mais compassiva ao reconhecer cientificamente a senciência nas pessoas não humanas. Se o direito dos animais é movido pelo mesma concepção do justo que deve inspirar o direito dos homens, a senciência surge como espeque para tornar-se reais estes direitos.  Nestes tempos de perplexidade e violência, em que a competição se sobrepõe à solidariedade e humanidade, em que o prazer do consumo vale mais do que a vida consumida, em que a vaidade e a ambição esmagam as utopias, é preciso agir com benevolência perante o outro.

Em observância a senciência dos não humanos, Levai (2011, p. 33) afirma:

Não é preciso muito esforço imaginativo para concluir que o animal é um ser sensível. O comportamento social de cães, gatos, coelhos, porcos, macacos, papagaios ou golfinhos, por exemplo, não deixa dúvida nesse sentido. Eles têm desejos, sentem alegria, tristeza, raiva, dor, prazer, criam relações de amizade, brincam, podem ser afetuosos e fiéis em relação ao homem. Se porventura a capacidade cerebral dos animais é limitada, ou seja, se eles não possuem condições de abstrair ou de transcender, isso não deveria autorizar sua desconsideração moral ou a exploração pela espécie mais inteligente (...).

Neste diapasão, o reconhecimento da senciência animal é, acima de tudo, uma questão de princípio. Um princípio ético que requer um princípio jurídico para maior efetividade das relações jurídicas-normativas para equiparar o direito das pessoas humanas com as não humanas.

Embora aparentemente distante da realidade social, não podemos ignorar a ideia de acrescentar em nossa Carta Magna, princípios como fonte norteadora de preceitos jurídicos, com o intuito de alcançar, equitativamente, os mesmos direitos humanos aos demais seres vivos. Visando avanços legais, é necessário alicerçar a senciência como princípio presente na Constituição Federal, levando em conta ademais princípios como fonte para erigir preceitos que assegurem os direitos e garantias fundamentais dos seres que vivem. A exemplo, ainda da verossimilhança, faz-se necessário abordar o princípio da Homolia, que demonstra a semelhança das vias neurais da dor das pessoas humanas e não humanas, como reforço da referida ideia de equiparar a semelhança e igualdade de proteção normativa, evitando a crueldade em que alguns animais sencientes são submetidos e garantido a sua dignidade.

Reconhecer no animal seu valor particular, seus sentidos sensíveis e conscientes, a realidade da dor que deveras sente, é enxergá-lo sob uma visão diversificada da maioria dos diplomas jurídicos embasados na filosofia antropocêntrica, onde o único sujeito de direitos e usufrutuários da natureza é apenas o ser humano. É fazer valer a bioética social e alcança-los com a devida empatia, com o olhar sensível para outro ser que vive reconhecendo a necessidade de aplicar os mesmos direitos e garantias fundamentais desfrutados pela pessoa humana.

A ética ambiental não estabelece óbices entre as espécies e a mesma noção do justo que a inspira deve ser considerada em relação a todos os seres vivos. O Biocentrismo aborda essa concepção, pois é uma proposta antagônica ao antropocentrismo (homem como centro do universo), defendendo que a humanidade não é o centro da existência e que toda forma de vida são igualmente importantes. Os preceitos do Biocentrismo põem o homem, os animais e a natureza em igualdade de condições no mundo natural. Sua vertente é uma visão que respeita a vida em sua singularidade existencial e que reconhece o planeta como um sistema orgânico onde tudo depende de tudo, numa íntima conexão entre os ecossistemas, a biodiversidade e as espécies que dela fazem parte. Atribuir um valor central à vida surge como um necessário contraponto ao antropocentrismo predatório que, na sociedade de consumo,  excluem da esfera de consideração moral humana, as criaturas que possuem configuração biológica diversa  e que, em razão dessa contingência, acabam desrespeitadas em sua dignidade.

 O Papa Francisco (2017, p. 1) é mais enfático no que tange a visão Biocêntrica “caminhamos juntos como irmãos e irmãs e um laço nos une com terna afeição, ao irmão sol, à irmã lua, ao irmão rio e à Mãe Terra”.

Biocentrismo é um estudo aperfeiçoado pelo cientista Robert Lanza, um renomado especialista em medicina regenerativa e diretor científico da Advanced Cell Technology Company, o qual já desenvolveu brilhantes projetos, a exemplo da sua extensa pesquisa com células-tronco e por várias experiências bem sucedidas sobre clonagem de espécies animais ameaçadas de extinção (ENTREVISTA, 2016, p. 1).

Em uma situação inusitada observada no Zoológico Smithsonian National, em Washington, DC, uma mamãe gorila, nominada como Calaya, após dar à luz seu filhote Moke aconchega-o em seus braços e lhe acaricia com um beijo, deixando os telespectadores que acompanhavam o parto deslumbrados com a atitude do animal, conforme figura abaixo, referente à [1]Mãe Gorila beija filhote a que acaba de dar à luz:

Um estudo realizado na Universidade Azabu, pelo departamento de biotecnia, no Japão, entre pessoas humanas e não humanas, constataram o hormônio ocitocina (hormônio do amor) entre os cães e seus donos. O hormônio ocitocina, também conhecido como oxitocita, é o responsável pela promoção de afeição, diminuição de stress e pressão arterial, incentivando também no instinto protetor (DONO, 2015, p. 1).

No corpo humano, principalmente no corpo feminino, a ocitocina funciona como um estimulante na liberação do leite materno, promovendo as contrações musculares uterinas; reduzindo o sangramento durante o parto; desenvolvendo apego e empatia entre pessoas; produzindo também parte do prazer do orgasmo; e modula a sensibilidade ao medo (do desconhecido) (VILLAMIL, 2015, p. 1).

Diante de todo o esboço e exposição de estudos científicos ora comprovados, não resta dúvidas nas semelhanças de personalidades e sentidos entre as pessoas humanas e não humanas, nascendo assim, como já dito, o dever jurídico em estabelecer uma extensão de direitos e garantias fundamentais, a fim de resguardar a qualidade de vida dos não humanos como seres sencientes.

 

3 AS CONSEQUÊNCIAS DA EXTINÇÃO DE DIVERSOS ANIMAIS POR AÇÕES HUMANAS E O REFLEXO DIRETO EM SUA SUBSISTÊNCIA

O dito popular “Uma borboleta bate asas em São Paulo e um tufão atinge Pequim” refere-se à conexão entre os seres vivos com a natureza. Contudo, tal dito, nas circunstâncias atuais, refere-se ao “Efeito Borboleta” advindo da Teoria do Caos, ou seja, a extinção de espécies animais e insetos por ações voluntárias humanas, que atingem diretamente na fauna e flora e se estende ao ser humano, situação que compreende o risco da extinção de tudo que possui vida (PEREIRA, 2011, p.1).

Para corroborar com o esboço fático, vale lembrar o soneto escrito pelo grande poeta e fundador da LBV (Legião da Boa Vontade), Zarur (2019, p. 1) que diz:

A Suprema Vergonha

Mãe Natureza, eu — Poeta — sou teu filho,

E em teu piedoso seio, calmo, ingresso.

Basta-me olhar-te, e a vislumbrar começo

A miséria sem fim do humano trilho.

Dessa contemplação eis que regresso,

E, ó Mãe Perfeita, vê quanto eu me humilho:

Só o homem maculou esse teu brilho

Com a cínica mentira do progresso!

Ante a tua bondade intraduzível,

Serenissimamente inconsuntível,

As humanas grandezas todas somem...

E, ó Mãe Natura, se algo me envergonha

Ao contemplar-te, Mãe, eis a vergonha:

É a suprema vergonha de ser homem!

A utilização de recursos naturais de forma inconsciente e desenfreada para aumentar o progresso da economia de um país, torna-se o mesmo caminho para galgar a extinção de sua espécie, pois na ausência de alguns predadores, o agronegócio, a exemplo, seria o principal ramo econômico a ser ao mesmo tempo vítima e ofensor, pois haveria um aumento de pragas consumindo a plantação devida à ausência de predadores para seu controle e consequentemente, o aumento de agrotóxicos na intenção de contê-los, bem como o aumento de veneno como fonte de alimento nas mesas, havendo um aumento significante de pessoas nas filas de postos de saúde e hospitais médicos decorrentes de intoxicação alimentar e demais doenças provenientes dos venenos incutidos em nossos alimentos, mas isso é um assunto para outrora.

Dessa forma, Levai (2011, p. 33) aduz:

O antropocentrismo, corrente de pensamento que faz do homem o centro do mundo, como pretenso gestor e usufrutuário do Planeta, perdura há mais de 2.000 anos na cultura ocidental e desencadeou, ao longo da história, a contínua degradação do ambiente e a incondicionada exploração dos animais. Em nome da recreação humana ou de qualquer outro hábito cultural, os animais passaram a sofrer violência institucionalizada, sendo-lhes impingidos dor e sofrimento. Não obstante tudo isso, os animais têm direito.

Denota-se assim, um leve resquício de ineficácia ou até mesmo inconstitucionalidade do artigo 225 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Vejamos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O referido artigo demarcou claramente a atribuição ao Poder Público e a coletividade o encargo a proteção da fauna e da flora brasileira, pressupondo a vedação de atos que colocam em risco o meio ambiente, como forma de garantir a preservação do ecossistema à geração atual e futura.

Entretanto, na prática presenciamos a ausência da aplicabilidade do supracitado dispositivo. Embora reconheça o relevante teor da norma, o que vemos é a exploração desenfreada dos recursos naturais por empresas mineradoras, a exemplo, no qual, com as práticas de usufruir dos recursos naturais, acabam cometendo crimes ambientais que causam danos irreparáveis ao meio ambiente, ceifando vidas de uma significativa parte da fauna, flora e vidas humanas.

Não basta aplicar a punição após consumação do crime, mas sim, afastar o perigo direto e iminente reconhecido na seara penal, conforme artigo 132 do Código Penal (BRASIL, p. 1940), assim “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente”. Assim, tais condutas que de antemão se reconhece a possibilidade de danos ambientais, devem ser impraticáveis, fazendo valer os dispositivos legais que visam a real proteção do meio ambiente e consequentemente, a subsistência das pessoas humanas e não humanas.

As principais ações humanas que corroboram para a extinção de espécies de seres vivos são as poluições de águas, solos e destruições de habitats naturais desses animais e insetos.

A real causa dessa problematização, é a falta de reconhecer no pequeno ao maior ser vivo, sua importância na vida social da pessoa humana, é a ausência de olhar sensível em reconhecer neles a sua essencialidade para a sobrevivência da nossa espécie. Pois vale lembrar que, a destruição da natureza é a extinção da raça humana.

Entretanto, no contexto legal, conforme a legislação brasileira, os animais sencientes são vistos como bens móveis propriamente ditos, assim como tantos outros (carros, bolsas, sapatos – que geralmente são feitos com suas peles), os animais são objetos semoventes, ou seja, são bens móveis que se locomovem, não sendo reconhecida a sua importância natural e social como deveria.

Contudo, em um julgamento diverso do que de costume, nasceu um resquício de esperança no ordenamento jurídico brasileiro, após sentença da Excelentíssima Juíza Karen Francis da 3ª Vara da Família de Joinville/SC, que desconsiderou reconhecer o animal como bem móvel. No processo, tratava-se de divórcio consensual em que o casal possuía dois animais de estimação, acordando que cada um ficaria com um animal. Na sentença, a Douta Juíza decidiu que o ex-marido seria responsável em arcar com as custas de veterinário, medicações e vacinas do animal que ficara com sua ex-esposa. Salientou em sua sentença que o animal deveria estar enquadrado entre a categoria intermediária de coisa e pessoa (MEDEIROS, 2019, p.1).

Para isso, a referida magistrada utilizou-se dos artigos 82 (BRASIL, 2002) e 1228 do Código Civil (BRASIL, 2002). Vejamos:

Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Também mencionou em sua sentença, o Projeto de Lei n. 3670/15 que altera a classificação jurídica do animal no Código Civil. Tal projeto tem como escopo reaver a natureza jurídica dos animais, considerados como coisas, para desconsiderá-los como bens inanimados, revertendo essa classificação para colocá-los sobre uma tutela jurisdicional especial. Assim, torna-os bens especiais, diferenciando-os dos demais bens móveis, por considerá-los como seres sencientes e não como simples mesas e cadeiras.

Seguindo a decisão da referida Magistrada, o núcleo da questão em si é distinguir, por meio termo, a real e justa classificação jurídica dos não humanos, que estão inseridos em nossa sociedade desde a criação.

Não obstante, ainda há outros dispositivos civis que ensejam a coisificação da pessoa não humana. Como exemplo, o artigo 445 (BRASIL, 2002) que dispõe sobre a venda de animais e seus vícios ocultos; os artigos 936 (BRASIL, 2002) e 1263 (BRASIL, 199) do referido Código que tratam os animais como coisas de uso, gozo, disposição e reinvindicação da pessoa humana e ainda, conforme artigo 1442 (BRASIL, 2002), em seu inciso V também do Código Civil reconhece a possibilidade de penhor de animais agrícolas.

Ainda, Santana e Oliveira (2004) indicam outras formas de classificações mais apropriadas aos sencientes no ordenamento jurídico brasileiro, conforme exposto abaixo:

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A importância de se mudar “posse responsável” para “guarda responsável” abrange muito mais do que uma simples questão de estética. O emprego do termo “posse” apresenta uma ideologia implícita em sua semântica: o animal ainda continuaria a ser considerado um “objeto”, uma “coisa”, que teria um “possuidor” ou “proprietário”, visão que consideramos já superada, sob a ótica dos direitos dos animais, visto que o animal é um ser que sofre, tem necessidades e direitos; frisando-se, ainda, o fato de, tradicionalmente, ser o animal o mais marginalizado de todos os seres, ao ser “usado” e “abusado” sob todas as formas possíveis, e, sem, ao menos, a possibilidade de se defender, visto sua notória dificuldade de se manifestar perante os “racionais” seres humanos, tal como já ocorreu, em passado, não tão remoto, com os “surdos-mudos”, “mulheres”, “loucos de todo o gênero”, “índios” e “negros”.

Além do mais, Brandão (2011, p. 28) leciona sobre a classificação e reconhecimento histórico que eram concedidos aos animais, e que ainda permanecem algumas dessas classificações nas normas atuais:

Os maus-tratos têm origem no Direito Romano, o que ensejou o trato dos animais como mera coisa de domínio particular ou da União, no campo do Direito Civil. No Direito Penal, falava-se em objeto material da conduta humana e não em vítimas, enquanto o Direito Ambiental, via de regra, os recebia como recurso ambiental ou bem de uso comum do povo. Nessa concepção privatista, de raiz jurídico-romana, os animais foram afastados do âmbito da moralidade humana e, muito lamentável e surpreendentemente, no curso do século XXI, ainda há um assistir mudo, passivo e conivente, principalmente por parte da comunidade jurídica, das atrocidades praticadas contra os animais, em flagrante abuso de poder do forte e racional sobre o fraco e irracional, embora todos os seres vivos sejam merecedores, à luz da lei e da divindade, de dignidade e respeito.

Entretanto, em meio a tanta incompatibilidade classificatória dos animais na seara jurídica brasileira, surge um arauto de esperança, com a recente aprovação do Projeto Lei nº 6799/2013, ora aprovado no Senado Federal, que visa desconsiderar a classificação dos animais como meras coisas, conforme dispõe o supracitado artigo 82 do Código Civil Brasileiro (SENADO, 2019).

As pessoas humanas e não humanas são unidas pelo vínculo da afetividade e não por apego material das “coisas”, como a exemplo, a criança que tem em sua certidão de nascimento o nome de um pai que fora a vida toda ausente, nunca a criou ou pagou pensão, mas, essa criança recebeu todo suporte familiar de seu padrasto. O que os uniram? O Sangue? O Direito? Não, foi o vínculo afetivo.

Nas novas composições de família em que os animais estão inseridos, são denominadas como família multiespécies ou famílias interespécies.

Entende-se que as ações humanas têm se voltando para reconhecer nos não humanos algo que vai além de “coisas” em nossa legislação, para isso, exige-se um reconhecimento jurídico-normativo para ensejar aquilo que já fora reconhecido conforme costume social. São reconhecidos como membros da família, como seres sujeitos à proteção e tutela legal (antiviolência), como seres importantes para manter o ecossistema em seu funcionamento pleno e em conseguinte, garantindo a subsistência da espécie humana.

 

4 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ESTENDIDOS AOS NÃO HUMANOS

No decorrer da evolução social, nossa Carta Magna de 1988 teve como escopo para concepções normativas o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

Nota-se que Ferreira Filho (1995, p. 57) refutou o tema da revolução francesa em 3 gerações “a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade”.  

Seguindo o referido contexto histórico de forma breve, ressalta-se que tais direitos foram conquistados pela luta dos cidadãos em busca de direitos que assegurassem a dignidade da pessoa humana.

Com a adoção dessas gerações, a Constituição Federal de 1988 findou os direitos e garantias fundamentais à pessoa humana, correspondendo a interesses universais e invioláveis. Assim, Moraes (2017, p. 29-30), atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, salientou que os direitos e garantias fundamentais são subdivididos em 5 partes, sendo direitos individuais e coletivos; direitos sociais; direitos da nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos. Para o respectivo estudo, é de relevância apenas a primeira seara, os direitos individuais e coletivos, que são os pontos principais que abrangem os princípios da igualdade e justiça das pessoas humanas.

O conceito de igualdade, em suma, é a garantia que os cidadãos têm de gozar de tratamento isonômico pela lei. Por meio deste princípio, são vedados os tratamentos arbitrários e injustificadamente privilegiados. Para Moraes (2017, p. 36) “A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas”.  Já o princípio da justiça, que está dentro do princípio da bioética, embasa-se na equidade, no tratamento igualitário a cada indivíduo, sob a visão do que é moralmente correto e adequado. A Constituição Federal de 1988 assegura os supracitados princípios em seu artigo 5º, caput (BRASIL, 1988), assim “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

São com estes espeques constitucionais que discutimos a abrangência de tais direitos e garantias fundamentais aos não humanos, pois os mesmos direitos que asseguram a dignidade, igualdade, liberdade e entre outros, é que deveras fazer valer sobre a visão ética e moral de uma sociedade a aqueles que não podem exigir os mesmos direitos, mas que são dignos de desfrutá-los. Com auxílio do filósofo Regan (2000, p. 72), ou defendemos os direitos dos animais sob a égide do princípio da moral, da igualdade, ou não temos justificativa para sustentar os direitos humanos. Não se trata de defender os animais como quem não se importa ou tenha cansado da humanidade, mas defender os direitos dos não humanos com a mesma intensidade, com os mesmos preceitos éticos e morais para estabelecer a igualdade de direitos de ambos, ou ao menos uma parcela desses direitos que sejam suficientes para resguardar também a dignidade de outros seres vivos, que possuem características e personalidades similares à espécie humana.

Ainda, para Regan, quando se desconsidera um valor moral de um indivíduo, também ignora seu valor intrínseco, ficando subentendido apenas o valor instrumental desse sujeito, ou seja, reconhecendo apenas os benefícios que possa propiciar para os caprichos de outrem. A respeito da valorização moral, Levai (2011, p. 32), com auxílio do pensamento de Charles Darwin, também se posiciona a favor da concessão desta característica aos menos afortunados de valor moral:

A dor, como experiência subjetiva de cada ser, possui um alcance universal e atinge homens e animais, indistintamente. Enquanto os humanos podem expressar, pela linguagem, a dimensão ou a origem do seu sofrimento, aos bichos não resta outra alternativa senão recorrer à própria natureza (...) Charles Darwin, a partir da publicação de “A Origem das Espécies (1859)”, fez ruírem antigas crenças, demonstrando que homens e animais compartilham da mesma escala evolutiva, com modos peculiares de exprimir emoções e sentimentos. No seu último livro, a “Expressão das Emoções nos Homens e nos Animais, Darwin apresenta provas concludentes de que os animais vivenciam processos emotivos similares aos dos humanos, o que autoriza a enxerga-los como criaturas suscetíveis de consideração moral.

Frisa-se mais uma vez, o erro na classificação jurídica de humanos e não humanos em que os primeiros tratam os segundos como meros meios, coisas ou recursos naturais utilizáveis para a satisfação do interesse individual, criando um mecanismo de exploração exacerbada que não encontra respaldo nos valores morais.

Seguindo a estrutura da senciência, os animais possuem uma estrutura psicológica que os tornam sujeitos dignos de uma vida, o que se assemelha aos humanos. Possuindo, assim, valores intrínsecos para que sejam tratados com o mesmo respeito quanto às pessoas humanas.

A legislação brasileira reconhece a irracionalidade das pessoas não-humanas, usando essa característica como escopo para interiorização das espécies irracionais. Contudo, pessoas humanas de tenra idade, enfermos mentais, idosos senis e entre outros que também não possuem o atributo da racionalidade possuem direitos iguais quando comparados aos sujeitos racionais, possuindo, ainda, algumas prerrogativas de tratamento.

O doutrinador Singer cita o filósofo inglês Jeremy Bentham que defende os direitos dos não humanos e questiona o aspecto da racionalidade como quesito diferenciador entre as espécies:

Poderá existir um dia em que o resto da criação animal adquirirá aqueles direitos que nunca lhe poderiam ter sido retirados senão pela mão da tirania. Os franceses descobriram já que a negrura da pele não é razão para um ser humano ser abandonado sem mercê ao capricho de um algoz. Poderá ser que um dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a forma da extremidade dos sacrum são razões igualmente insuficientes para abandonar um ser sensível ao mesmo destino. Que outra coisa poderá determinar a fronteira do insuperável? Será a faculdade da razão, ou talvez a faculdade do discurso? Mas um cavalo ou cão adultos são incomparavelmente mais racionais e mais comunicativos do que uma criança com um dia ou uma semana ou mesmo um mês de idade. Suponhamos que eram de outra forma – que diferença faria? A questão não é: Podem eles raciocinar? Nem: Podem eles falar? Mas: Podem eles sofrer? (BENTHAM, 1823, apud SINGER 2004, p.9)

Prova-se que usar a racionalidade para distinguir as duas espécies é instável. Ao contrário, a comprovação das semelhanças de sentimentos e personalidades em ambas as espécies é uma válvula propulsora para reconhecer a importância, garantir direitos e proteger a dignidade dos não humanos como forma de entender que o mundo foi criado para todas as espécies que nele habitam e devem conviver em comum harmonia, é refutar novamente a importância de reconhecer a abrangência do Biocentrismo em nossa legislação, que iguala os mesmos direitos a todas as espécies como reconhecimento de seus valores morais.

Assim, os direitos dos homens não precedem aos direitos dos não humanos, pois, se seguir o critério de criação, os animais os antecedem, como primeiros seres terrestres, verdadeiros “anfitriões da vida terrestre – os primeiros a habitar a terra”, devendo ser tratados com devido respeito, fazendo valer seus valores culturais, sociais e morais, como forma de reconhecer o importante valor histórico da criação.

 

4.1 Direito a vida e a liberdade

Em que momento cessa o direito do indivíduo de ser sujeito de sua própria vida e liberdade?

Mais uma vez, faz-se necessário mencionar o artigo 5º, caput, da Carta Magna de 1988 que cauciona a inviolabilidade do direito à vida e à liberdade da pessoa humana. Seguindo o Excelsior doutrinador Moraes (2017, p. 35), menciona que a Constituição Federal protege a vida de forma geral.

Se seguirmos o entendimento do referido doutrinador, a mesma garantia inviolável do direito à vida e à liberdade deveria se estender aos não humanos, sob a égide dos princípios da senciência, homolia, da moral, igualdade e justiça já outrora mencionados.

Ainda, a inviolabilidade desses direitos está fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana, segundo art.1 da supracitada Constituição Federal (BRASIL, 1988), assim:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Veras asseverar que a dignidade da pessoa humana não se realiza em sua plenitude as custas da indignidade dos não humanos.

A submissão de animais para deleite próprio confronta diretamente a dignidade de qualquer ser vivo. Forçoso se faz citar as práticas humanas consideradas culturais em alguns determinados Estados do País, como no Nordeste brasileiro que contempla como evento festivo a vaquejada, que é demasiadamente brutal, violando diretamente a dignidade a vida e a liberdade desses seres sencientes. Assim como a Farra do Boi abolida há 22 anos pelo Supremo Tribunal Federal, como prática cultural do Estado de Santa Catarina, o mesmo deveras se estender às tais práticas que violam os princípios fundamentais da Constituição Federal.

Não obstante, há outras situações de violência à dignidade dos não humanos, como a submissão a testes de cosméticos que ferem violentamente o físico desses animais, submetendo-os a um nível de dor, aflição e angústia insuportáveis de ser assistido por olhos humanos; bem como a privação de liberdade de animais, na maioria silvestres, em zoológicos e circos, incutindo-os em jaulas para mera distração humana.

Nesta vasta seara de violência, impossível não mencionar aqueles que são condenados à prisão perpétua sem ao menos terem cometido crime algum, como os pássaros, aprisionados em gaiolas minúsculas que os impedem de bater, por um breve instante sequer, suas asas. Asas que lhe foram dadas pela própria mãe natureza, para deslumbrar as belezas do oriente ao ocidente, são postas a inutilidade por seres humanos que os privam brutalmente de sua característica inata, o voo.

Em decisão histórica, a Índia proibiu pássaros em gaiolas. O juiz responsável pela proibição, Singh (2019, p. 1), disse:

Tenho claro em minha mente que todos os pássaros têm os direitos fundamentais de voar nos céus e que os seres humanos não têm o direito de mantê-los presos em gaiolas para satisfazer os seus propósitos egoístas ou o que quer que seja.

A Corte de magistrados reforçou, dizendo (2019, p. 1) “Eles merecem compaixão. Pássaros têm direitos fundamentais que incluem o direito de viver com dignidade e não podem ser submetidos à crueldade por ninguém”.

Ainda que sejam mencionadas as diversas formas de violência e seus graus de crueldade em desfavor dos não humanos, é necessário reforçar a necessidade de estender esses direitos e garantias aos seres sencientes, para que cessem todas as formas de crueldade, ou ao menos diminuam consideravelmente práticas que confrontam a própria Constituição Federal e seus princípios.

Como já mencionado anteriormente, o Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2019, p. 1), recentemente, considerou constitucional a submissão de sencientes para abate em cultos de religiões com matriz africana, ignorando todas as normas preexistentes de proteção a estes seres.

Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio (Relator), Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, que também admitiam a constitucionalidade da lei, dando-lhe interpretação conforme. Em seguida, por maioria, fixou-se a seguinte tese: “É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não participaram da fixação da tese os Ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 28.03.2019.

 Conforme a decisão supra, o mínimo é confrontar sua constitucionalidade, pois, por mais que haja esforços do referido Tribunal para convencer a sociedade sobre a constitucionalidade em exaurir a vida de outrem, por outro lado mais empático e moral, é mais adequado, coerente e justo reconhecer o valor intrínseco de cada vida, pois nenhuma prática religiosa equivale a uma vida ceifada.

Oportuno se faz, nesta fase do presente estudo, citar o brilhantíssimo poeta Antônio Francisco (2011, p. 1) que com o seu poema “Os Animais Tem Razão” nos leva a reflexão empática sobre os seres sencientes que suportam a crueldade das mãos humanas:

[...] O porco dizia assim:

– “Pelas barbas do capeta!

Se nós ficarmos parados

A coisa vai ficar preta...

Do jeito que o homem vai,

Vai acabar o planeta.

 

Já sujaram os sete mares

Do Atlântico ao mar Egeu,

As florestas estão capengas,

Os rios da cor de breu

E ainda por cima dizem

Que o seboso sou eu.

 

Os bichos bateram palmas,

O porco deu com a mão,

O rato se levantou

E disse: – “Prestem atenção,

Eu também já não suporto

Ser chamado de ladrão.

 

O homem, sim, mente e rouba,

Vende a honra, compra o nome.

Nós só pegamos a sobra

Daquilo que ele come

E somente o necessário

Pra saciar nossa fome. ”

 

Palmas, gritos e assovios

Ecoaram na floresta,

A vaca se levantou

E disse franzindo a testa:

– “Eu convivo com o homem,

Mas sei que ele não presta.

 

É um mal-agradecido,

Orgulhoso, inconsciente.

É doido e se faz de cego,

Não sente o que a gente sente,

E quando nasce e tomando

A pulso o leite da gente.

 

Entre aplausos e gritos,

A cobra se levantou,

Ficou na ponta do rabo

E disse: – “Também eu sou

Perseguida pelo homem

Pra todo canto que vou.

 

Pra vocês o homem é ruim,

Mas pra nós ele é cruel.

Mata a cobra, tira o couro,

Come a carne, estoura o fel,

Descarrega todo o ódio

Em cima da cascavel.

 

É certo, eu tenho veneno,

Mas nunca fiz um canhão.

E entre mim e o homem,

Há uma contradição

O meu veneno é na presa,

O dele no coração.

 

Entre os venenos do homem,

O meu se perde na sobra...

Numa guerra o homem mata

Centenas numa manobra,

Inda tem cego que diz:

Eu tenho medo de cobra [...]”

Ainda, Silva (2002 p. 342) defende a inclusão dos animais no ordenamento jurídico constitucional, não como forma piedosa, mas fazendo valer sua dignidade a vida e liberdade:

Entretanto, o preceito constitucional pode ser compreendido num outra perspectiva. Neste olhar, a proibição de se produzir crueldades contra os animais está a de garantir um mínimo de tutelas cujo centro é a integridade física dos animais. Este núcleo está para além de qualquer valor moral. [...] As garantias jurídicas destinadas à preservação da função ecológica da flora e dos direitos dos animais não são apenas uma manifestação de piedade ou uma afirmação do refinamento “espiritual” humano. As garantias têm como pressuposto que a integridade física do animal é condição do equilíbrio ambiental e um valor em si.

Nem mesmo a Bíblia, em seu livro de Provérbios (2011, p. 878), deixou de mencionar o devido valor a ser dado à vida dos não humanos “O justo atenta para a vida dos seus animais, mas o coração dos perversos é cruel”.

Assim, não podem ser conferidas as tutelas constitucionais ao homem e negados aos animais, com a justificativa de que a superioridade da racionalidade do homem é premissa para um tratamento desigual. Todos têm direito à vida e um pouco a mais, direito a uma vida digna.

 

4.2 Direito de igualdade de tratamento nas relações sociais e de segurança

O direito ao tratamento igualitário visa inibir as disparidades discriminatórias entre pretos e brancos, homens e mulheres, maioria e minoria, impelindo o julgamento inapropriado entre os homens em razão da ideologia, religião, política, sexualidade, e entre outros modos de vida.

Nesta linha de raciocínio, subjugar interesses iguais de outras espécies por não se enquadrarem na raça humana, é um tanto discrepante. O nível de raciocínio e diferenças físicas não deve servir como aspectos basilares para legitimar ou justificar a discriminação.

Neste ínterim, Bontempo (2005, p. 71) elucida que:

Os direitos sociais são, por conseguinte, sobretudo, endereçados ao Estado, para quem surgem na maioria das vezes, certos deveres de prestações positivas, visando à melhoria das condições de vida e à promoção da igualdade material.

Logo, Meireles (2008, p. 79) complementa que:

Os direitos sociais se ligam ao direito à igualdade, pois são pressupostos do gozo dos direitos de liberdade à medida que criam condições materiais mais propícias ao aferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona o surgimento de condições mais compatíveis com o exercício efetivo da liberdade.

Se um ser sofre, seu sofrimento deve ser levado em consideração como o dos demais, ou seja, suas dores devem ser consideradas em igualdade com o sofrimento alheio. Se há vedação em diferenças injustificáveis de equidade, assim deve ser para todas as pessoas humanas e não humanas que se assemelham para usufruir desta prerrogativa. Neste diapasão, Levai (2011, p. 33) corrobora alegando que:

 O direito, como meio à realização da justiça, não pode excluir de sua tutela quaisquer criaturas sensíveis, com base em critérios especistas de configuração biológica, caso contrário, estará legitimando com a injustiça. Se a ciência já demonstrou que dor é dor para qualquer ser vivo que possui córtex cerebral e percepções sensoriais, em situações de crueldade, portanto, o animal – não a coletividade – é a verdadeira vítima da ação agressiva.

Sabemos, pois, que os não humanos estão em graus de vulnerabilidade em relação a dispositivos constitucionais efetivos de proteção, e nesse ponto de partida, Nery Junior (1999, p. 42) salienta na forma de tratamento adequado para fazer valer o princípio da igualdade em “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”.

Também, tal princípio encontra-se ensejado na Constituição 1988 (BRASIL, 1988). Vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Com escopo na Carta Magna é que podemos consumar a extensão de igualdade de direitos e garantias fundamentais a seres similares a raça humana, fazendo valer a inviolabilidade da igualdade e exaurimento de qualquer tipo de discriminação ou submissão a atos violentos.

Para isso, são necessários programas que assegurem a qualidade de vida desses animais como forma de protegê-los em nosso meio, livrando-os das indiferenças sociais.

É garantir programas como castração para diminuir a taxa de natalidade de animais de rua. A castração, a exemplo, concede inúmeros benefícios a cães e gatos, como a obstrução de câncer de mama nas fêmeas. É a promoção de recintos capazes de abrigá-los, livrando-os do calor e frio excessivos das ruas, oferecendo subsídios alimentícios para cessar a fome e sede, é garantir no todo uma qualidade de vida, principalmente no meio urbano, local onde se presencia majoritariamente os descasos em desfavor dos sencientes.

Garantir, também, através de projetos sustentáveis e adaptativos que confere aos animais os subsídios de sobrevivência, como canos adaptados em árvores que possam ser utilizados como repositórios de alimentos e águas para animais de rua. E além de zelar por essas vidas, ainda servirá de incentivo para a sociedade em um todo, como forma de interação entre pessoas humanas e não humanas, colaborando como estímulo de desenvolvimento a um olhar empático e humano para aqueles que não podem falar, mas que podem expressar seus sentimentos através de um olhar que reflete os maus-tratos, um rosnado melancólico, uma lágrima de sofrimento, ou feridas aparentes, que comprovam a crueldade incessante daqueles que praticam o desamor com o próximo.

Não há possibilidades de conferir aos não humanos parcelas de direitos que nitidamente são insuficientes para protegê-los e lhes garantir qualidade de vida. É incontroverso concederem direitos e garantias limitadas, incompatível concederem dignidade de tratamento a uma parcela da sociedade enquanto a outra carrega sobre si o peso da desigualdade. É ter o discernimento de que a terra foi criada para todos que possuem vida e não somente a uma parcela que desfrutam de privilégios às custas de outrem.

 

4.3 Direito à propriedade/moradia

Nos primórdios, os primeiros a habitarem a terra foram os animais, sendo os únicos titulares do exercício pleno de posse de toda a extensão terrestre.

Possuíam os poderes da GRUD (gozo, uso, disposição e reivindicação) entre si, usando dos recursos naturais, desfrutando destes, dispondo quando não mais os favoreciam e reivindicando locais que foram tomados por invasores.

Após a criação do homem e a subordinação dos animais por aqueles, usurparam seus direitos de habitarem até mesmo em seus habitats naturais. Pois levando em conta os requisitos da perda de posse, essa se consuma com a alienação, renúncia, abandono ou com o seu perecimento. Notamos que nenhum desses requisitos foram praticados pelos não humanos, que se observa a cada esquina um deles sem um lar ou local adequado para garantir sua saúde e segurança. Observa-se também o próprio descaso e ingratidão das pessoas humanas a aqueles que lhes foram os anfitriões terrestres, retirando o direito de propriedade, depois de desenfreado crescimento urbano, afunilando os espaços geográficos e sufocando-os em pequenas reservas florestais por grandes prédios urbanos.

Em um vídeo de grande repercussão nas redes sociais, mostra um Orangotango em uma florestal tropical da Indonésia, lutando contra uma escavadeira que desmatava seu local de moradia, no vídeo, mostra o pequeno animal empurrando a escavadeira com as próprias mãos com o intuito de pará-la, conforme figura abaixo [2]Orangotango tenta combater e impedir que escavadeira destrua sua casa.

 

No Projeto de Lei 3.672/2012 de Padilha (2012, p. 1), dispõe em seu artigo 7º que todos os animais deverão ter um local que os abriguem para os manterem seguros de chuva, frio e sol.

É claro que não haverá uma escritura pública em nome das pessoas não humanas como proprietários de imóveis. A discussão trata do direito de terem um local seguro de moradia, a fim de oferecer uma qualidade de vida digna à subsistência desses seres, em vez de estarem jogados como objetos descartáveis, perambulando sem rumo em qualquer lugar, estando sujeitos à maldade humana.

O artigo 1228, parágrafo 1º do Código Civil (BRASIL, 2002) estabelece o direito de propriedade dos indivíduos, desde que sejam preservadas a fauna e flora, o equilíbrio ecológico e as belezas naturais, sem que os prejudiquem. Neste contexto, vislumbra a interpretação da norma em que garante, para os não humanos de espécies silvestres, o direito de propriedade, seu local natural de moradia, que correspondem as necessidades inatas desses seres, como forma de preservar a sua subsistência.

 

4.4 Direito à saúde

Do artigo 196 ao artigo 200, a Constituição da República Federativa do Brasil garante o direito à saúde de todos, tendo o Estado como titular do dever de assegurar uma saúde igualitária aos cidadãos.

O artigo 196 da referida Carta Magna (BRASIL1988) dispõe:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Como princípio norteador jurídico ensejado no regramento constitucional, especificamente em seu artigo 196, caput, regula preceitos de políticas sociais e econômicas que visam à redução de riscos de enfermidades e outros agravos à incolumidade da pessoa humana, caucionando a garantia de uma saúde com dignidade para a subsistência da espécie supra.

Mas como já fora tratado anteriormente da incontestável importância da proteção dos não humanos para a subsistência da raça humana, aqueles fazem jus aos mesmos preceitos referentes à saúde, sendo seres já detentores de alguns direitos e passíveis de dores e sofrimentos como os demais seres considerados evoluídos, assim se deve o alcance da norma para também garanti-los a mesma dignidade a programas de tratamento de doenças e demais enfermidades físicas que visem inibir suas chagas.

De tal modo, os direitos sociais, mais precisamente o direito à saúde, plenamente assegurado no artigo 6º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), possui como objetivo a igualdade material, exigindo prestações positivas pelo Estado, o qual deverá realizar a implementação destes “mediante políticas públicas concretizadoras de determinadas prerrogativas individuais e/ou coletivas, destinadas a reduzir as desigualdades sociais existentes e garantir uma existência humana digna” (NOVELINO, 2009, p. 481).

Considerando os demais direitos e garantias discutidos e visando o direito à saúde equitativa, Schwartz (2001, p. 52) aduz que “um dos principais componentes da vida, seja como pressuposto indispensável para sua existência, seja como elemento agregado a sua qualidade. Assim, a saúde se conecta ao direito à vida”.

Conforme preceitua Souza, o direito à saúde e à vida estão interligados diretamente a dignidade humana. E como já mencionado, a dignidade de uns não se desenvolve sobre a indignidade de outros. Destarte “a saúde é componente da vida, estando umbilicalmente ligada à dignidade da pessoa humana. Dessa forma, pode-se dizer que o direito à vida e à saúde são consequências da dignidade humana” (SOUZA, 2010, p.15).

Ainda, seguindo o mesmo pensamento doutrinário, Paranhos deixa claro que o tratamento à saúde oferecido a uns e negado a outros, pode levar o fim dos menos favorecidos, porém, não menos importantes, “o direito à saúde é direito à vida, pois a inexistência de um leva, inevitavelmente, ao fim da outra” (PARANHOS, 2007, p. 156).

Entretanto, Souza (2010, p. 24) leciona que “a efetivação do direito à saúde encontra diversos obstáculos, quais sejam, de ausência de recursos, bem como de ausência de políticas públicas ou de descumprimento das existentes”.

É evidente que, o atual cenário de políticas públicas, principalmente no que tange a saúde, encontra-se desestabilizado economicamente, e implementar novos programas que assegurem a saúde de uma outra parcela da população, seria ineficaz, assim como estão sendo os já existentes. Contudo, não é prudente desconsiderar a necessidade ulterior de implementação de políticas de assistência social voltada à saúde dos não humanos, visando assegurar o seu direito a uma vida digna, como já dito.

 

5 DOS CRIMES E DAS PENAS

Os não humanos são os únicos seres realmente inocentes que são condenados à prisão perpétua, sessões de tortura e a pena de morte. Sanções como estas, porém, são inconstitucionais quando aplicadas em desfavor dos humanos, conforme Artigo 5º, em seu inciso XLVII (BRASIL, 1988) da Carta Maior:

 XLVII - não haverá penas:

 a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

 b) de caráter perpétuo;

 c) de trabalhos forçados;

 d) de banimento;

 e) cruéis;

Porém, no ordenamento jurídico atual, existem alguns preceitos jurídicos que sancionam práticas criminosas com penas brandas, em desfavor dos indivíduos que cometem atos cruéis contra os seres sencientes. O artigo 32 da Lei dos Crimes Ambientais nº 9.605/98 (BRASIL, 1998) é um exemplo:

Art. 32 – Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

Todavia, a Lei 14.064/2020 de 29 de setembro (BRASIL, 2020), acresceu o §1º-A ao artigo 32 da Lei 9.605/98 (BRASIL, 1998), no qual prevê uma sanção de 02 (dois) a 05 (cinco) anos, multa e proibição de guarda aos indivíduos que praticarem as condutas descritas no caput do mesmo artigo, contra cães e gatos. Vejamos:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.  (Incluído pela Lei nº 14.064, de 2020)

Nota-se que, embora seja uma tentativa de avanço normativo no intento de elevar a punição contra indivíduos que praticarem maus-tratos contra animais, e ao mesmo tempo inibir ou ao menos diminuir tais atos, ainda assim, a respectiva alteração normativa limita-se a punir de forma mais severa somente a uma determinada casta de animais, a saber cães e gatos, estando os demais seres sencientes a “proteção” ineficaz da pena prevista no artigo 32 da Lei 9.605/98 (BRASIL, 1998).

Não obstante, na mesma lei supra em seu artigo 29 (BRASIL, 1988), pune com pena ineficaz, todo aquele que praticar o núcleo da reprimenda em matar, perseguir, caçar, apanhar e utilizar animais do tipo silvestre, nativo ou em rota migratória. Vejamos:

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.

No contexto geral dos 82 artigos expressos na Lei nº 9605/98, a pena máxima prevista é a privativa de liberdade que pode ser substituída por restritivas de direitos, pois a Lei 9.099/95 (BRASIL, 1995) é aplicável aos crimes ambientais. Assim, os crimes contra o meio ambiente são considerados de menor potencial ofensivo, ou seja, sua natureza e gravidade não são capazes de causar um dano considerável ao bem jurídico tutelado.

As sanções aos crimes de violência aos sencientes sempre foram ineficazes para inibir práticas de maus-tratos, devido às baixas penas cominadas aos crimes. Nesse sentido, entende o Magistrado Ackel Filho (2001, p. 26):

A reprimenda atualmente prevista é de pouca ou nenhuma eficácia para assegurar as finalidades da norma penal. Não bastasse, as condutas são puníveis tão somente a título de dolo, o que requer intenção ou assunção de risco. Isso significa que, se a conduta for meramente culposa, decorrente de negligência, imperícia ou imprudência, sem ânimo doloso, o crime não se tipifica. A pena prevista no art. 29, de detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e aquela cominada pelo art. 32, de detenção e 3 (três) meses a 1 (um) ano, ainda, direcionam o julgamento dos rimes à competência dos Juizados Especiais, introduzidos pela Lei nº 9.099/95.

Segundo a norma, em regra, será admitida a transação penal (art. 76), que implica, apenas, algum tipo de prestação comunitária, geralmente na forma de cesta básica, além de ser possível a suspensão condicional do processo (art. 89), que conduz, inevitavelmente, à extinção da punibilidade. Sem dúvida, a resposta penal é tímida, meramente simbólico e de efeito pífio. Não previne, nem intimida.

Ainda, nas palavras de Orlandi (2001, p. 36):

 Apesar de todos os motivos morais que desautorizam a sujeição dos seres vivos a qualquer tipo de sofrimento e dos inúmeros instrumentos administrativos e processuais pertinentes ao cumprimento da legislação protetiva aos animais, ainda prosseguem impunes os atos de abuso e de maus-tratos contra animais.

A primeira norma legal brasileira a dispor sobre proteção aos animais foi o Decreto nº 16.590, de 1924, proibindo corridas de touros e novilhos e lutas entre galos e canários.

Em seguida, foi editado o Decreto nº 24.645 pelo Ex-Presidente Getúlio Vargas, conhecido como “Lei de Proteção aos Animais”, relacionando 31 situações de maus-tratos aos não humanos.  Segundo o disposto no artigo 1º “Todos os animais existentes no País são tutelados do Estado” (BRASIL, 199-?).

A partir da década de 60, jurisdições Federais e Estaduais passaram a regulamentar leis de proteção aos não humanos, sendo aprovadas no Congresso Nacional. Alguns exemplos: Código de Pesca – Lei nº 221, de 1967 (BRASIL, 1967); Lei de Proteção à Fauna – Lei nº 5197, de 1967 (BRASIL, 1967); Lei da Vivissecção – Lei nº 6638, de 1979 (BRASIL, 1979); Lei dos Zoológicos – Lei nº 7173, de 1983 (BRASIL, 1983); Lei dos Cetáceos – Lei nº 7643, de 1987 (BRASIL, 1987).

 Retomando a Carta Magna, o artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII (BRASIL, 1988) confere ao ente Público e a coletividade o respectivo dever “VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.”.

Na esfera Federal, a Lei Arouca nº 11.794/2008 (BRASIL, 2008) regulamenta a utilização de animais para experimentos educacionais, desde que as instituições de ensino requeiram antecipadamente o credenciamento no CONCEA (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal). Ainda, regula que os animais não serão submetidos às práticas repetitivas e de sofrimento, e caso algum experimento possa causar dor ou angústia, desenvolver-se-ão sob sedação, analgesia ou anestesia adequadas.

Da respectiva lei, em seu artigo 18 (BRASIL, 2008), dispõe sobre as penalidades em desfavor daqueles que praticarem atividades contrárias ao disposto na lei Federal. Contudo, não deixa de observar a ausência de rigidez da reprimenda aos malfeitores, assim:

Art. 18.  Qualquer pessoa que execute de forma indevida atividades reguladas por esta Lei ou participe de procedimentos não autorizados pelo CONCEA será passível das seguintes penalidades administrativas:

I – advertência;

II – multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 5.000,00 (cinco mil reais);

III – suspensão temporária;

IV – interdição definitiva para o exercício da atividade regulada nesta Lei.

Conforme na seara Federal, na esfera Estadual há o Código Estadual de Proteção aos Animais nº 11.915/2003 (BRASIL, 2003), com vigência no território do Rio Grande do Sul. Em seu artigo 2º, inciso I (BRASIL, 2003), veda qualquer prática de ofensa a integridade física dos não humanos:

Art. 2º - É vedado: 

I - ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência; 

Assim como o documento universal que declara os direitos do homem, também há a Declaração Universal dos Animais (D.U.D.A), proclamado em Bruxelas, na Bélgica em 27 de janeiro de 1978 que dispõe em seu Preâmbulo (DECLARAÇÃO, [1978], p. 1):

Considerando que todo o animal possui direitos; Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza; Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo; Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros; Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante; Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais.

Conforme discutidos nos tópicos acima, a Declaração Universal dos Animais dispõe sobre cada um deles, a começar do direito a vida, em seu artigo 1º “Todos os animais nascem iguais diante da vida, e têm o mesmo direito à existência.” (1978, p. 1).

Também regula sobre o direito a liberdade em seu artigo 4º, alínea “a”, em que “Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-se.” (1978, p. 1).

Trata também do direito a propriedade/moradia em seu artigo 5º, alínea “a”, “Cada animal pertencente a uma espécie, que vive habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade que são próprias de sua espécie.” (1978, p. 1-2).

E por fim, o direito à saúde, conforme artigo 2º, alínea “c”, “Cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem.” (1978, p. 1). Além de demais dispositivos que asseguram a dignidade dos não humanos, impondo restrições a todas as práticas que ferem seus direitos e garantias fundamentais expressos neste documento, mas ignorado na legislação nacional.

 

6 CONCLUSÃO

A saber, que a dignidade dos humanos não se desenvolve em sua plenitude através da indignidade de seus semelhantes, é que se deve estender, equitativamente, os referidos direitos aos sencientes, dando-lhes o devido valor moral e social, e em conseguinte, inibindo as constantes práticas que os submetem à violência, com auxílio de normas reprimendas de penas efetivas.

Esse alcance equitativo normativo de proteção, seria uma forma de inibir as exacerbadas ondas de violências que perseguem e aterrorizam os animais sencientes, e as efetivações desses preceitos legais estariam sob a égide de normas reprimendas rigorosas, que além de assegurar a aplicação eficaz da norma protetiva, também servirá de punição em desfavor dos malfeitores.

Por isso, deve-se, a princípio, afastar qualquer óbice que impede essa evolução normativa de equidade de direitos, não permitindo a incidência de critérios vagos para inferiorização das espécies sencientes que evidentemente, estão em maior estado de vulnerabilidade no tocante a proteção legislativa.

Além do mais, a comprovação das semelhanças de sentimentos, personalidades e percepções sensoriais em ambas as espécies, torna-se uma válvula propulsora para reconhecer a importância, garantir direitos e proteger a dignidade dos não humanos como forma de entender que o mundo foi criado para todas as espécies que nele habitam e devem conviver em comum harmonia.

Pois, reforça-se que os direitos dos homens não precedem aos direitos dos não humanos, uma vez que, se seguirmos o critério da criação, os animais os antecedem, como verdadeiros anfitriões da vida terrestre, os primeiros a habitarem a terra. Sendo assim, os direitos e garantias fundamentais estendidos aos não humanos, seria uma forma de reconhecer e respeitar o importante valor histórico de criação.

Destarte, a humanidade só atingirá seu estado de plenitude evolutiva, quando entender que os humanos não é o centro da existência e que todas as formas de vida são igualmente importantes ao planeta, uma vez que, todos os seres vivos são merecedores, à luz da lei e da divindade, de dignidade e respeito.

 

REFERÊNCIAS

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BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. 2. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2011. 1664 p.

BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos sociais: eficácia e acionabilidade à luz da Constituição de 1988. Curitiba: Juruá, 2005.

BRANDÃO, Alessandra. Os direitos dos animais na sociedade contemporânea: Revista Jurídica Consulex, a.15, n. 358, p. 28, 15 dez. 2011.

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______. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. Disponível em: https://bit.ly/2WfO0x6. Acesso em: 31 ago. 2019.

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______. Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências. Disponível em: https://bit.ly/1MxMwoK. Acesso em: 31 ago. 2019.

______. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código civil. Disponível em: https://bit.ly/2MP17Cp. Acesso em: 31 ago. 2019.

______. Lei nº 7.643, de 18 de dezembro de 1987. Proíbe a pesca de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras, e dá outras providências. Disponível em: https://bit.ly/TDO4W9. Acesso em: 31 ago. 2019.

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[1] Fonte: https://bit.ly/2KUPRlE

[2] Fonte: http://twixar.me/K1z1

 

Sobre os autores
Alessandro Dorigon

Mestre em direito pela UNIPAR. Especialista em direito e processo penal pela UEL. Especialista em docência e gestão do ensino superior pela UNIPAR. Especialista em direito militar pela Escola Mineira de Direito. Graduado em direito pela UNIPAR. Professor de direito e processo penal na UNIPAR. Advogado criminalista.

Luiz Henrique Sabion da Silva

Graduado em direito pela Universidade Paranaense - UNIPAR.

Informações sobre o texto

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