INTRODUÇÃO
É consenso que os recursos naturais são finitos e que a utilização das matérias primas como fontes inesgotáveis provocam poluição acentuada, desastres naturais, entre outras ações que prejudicam direta ou indiretamente uma vida com qualidade. A natureza não pode ser vista apenas como um bem econômico, ou um bem de consumo, mas sim um ente indispensável à sobrevivência do homem na Terra.
À vista disso, essencial descobrir como aliar economia e sustentabilidade, de modo que o desenvolvimento econômico de um país possa estar, necessariamente, atrelado à proteção ambiental e, sobretudo, garantir a melhoria das condições de vida da sua população.
Nessas tintas, e diante do inequívoco impacto ambiental provocadados por determinadas atividades econômicas, o Estado é peça fundamental na contenção desse processo, devendo ajustar as práticas econômicas ao uso equilibrado dos recursos naturais, de modo a assegurar às necessidades da presente geração sem, contudo, comprometer o igual direito das gerações futuras, consoante disposições estabelecidas na Constituição Federal de 1988.
Buscando cumprir essa determinação constitucional, o Estado tem à sua disposição os instrumentos econômicos, dos quais o tributo ecologicamente orientado é a principal ferramenta, cujo maior interesse se relaciona exatamente ao seu forte poder de induzir comportamentos ambientalmente responsáveis.
Através de mecanismos tributários o Estado pode desestimular atividades, contrárias à causa ambiental, ou estimular aqueloutras, que se mostrem consentâneas com esse objetivo. A lógica é bastante simples, tributa-se mais a atividade que se pretende desincentivar e, ao contrário, tributa-se menos aquela que se pretende incentivar.
Outrossim, através de uma eficiente intervenção estatal sobre a ordem econômica, principalmente com o esverdeamento do atual sistema tributário nacional, os tributos já existentes podem ser utilizados como eficientes mecanismos de proteção ambiental.
Equilíbrio ambiental como essencial à sadia qualidade de vida
No Brasil, os direitos fundamentais passaram a ocupar posição de destaque principalmente com a CF/88 e a instituição do Estado Democrático de Direito. Diferentemente das constituições que lhe antecederam, o constituinte de 1988 procurou dar efetiva tutela ao meio ambiente, trazendo mecanismos para sua proteção e controle, criando um verdadeiro “Estado de Direito Ecológico”[1]. Em momento algum da história brasileira a preservação ecológica obteve tamanha importância dentro de um texto constitucional.
A Carta Constitucional alçou a fruição do meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado como direito fundamental e galgado sob a perspectiva do desenvolvimento sustentável, direito esse que demonstra sua essencialidade e importância como garantia de uma digna qualidade de vida.[2]
À vista disso, e diante do atual contexto da sociedade de risco, a dimensão ecológica para a dignidade humana não pode ser desconsiderada, dado que o direito de gozar de um meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dos denominados direito de terceira geração ou direitos do gênero humano, fundamentados no valor da solidariedade.
E mais, sendo o respeito ao meio ambiente, em última análise, respeito à propria vida, sua concretização faz-se necessária para o gozo dos demais direitos humanos, pois, conforme salientado por Fiorillo e Rodrigues: “[...] somente aqueles que possuírem vida, e, mais ainda, vida com qualidade e saúde, é que terão condições de exercitarem os demais direitos humanos [...]”.[3]
Desse modo, os direitos de solidariedade passaram a conformar o conteúdo da dignidade humana, ampliando o seu âmbito de proteção e pretendendo materializar as exigências da sociedade de risco da época moderna, com um forte conteúdo humanístico, que exige responsabilidades de caráter global.
Não há que se olvidar que a vida em um ambiente degradado compromete o livre desenvolvimento da personalidade humana, sobremodo no tocante à integridade psicofísica. O ser humano vive e sobrevive dentro do meio ambiente do qual forma parte. Como pressuposto, conforme destaca Aloísio Ely “A ação poluidora do homem é um suicídio, pois ele destrói e degrada o próprio meio onde encontra as condições para se desenvolver biológica, social e psiquicamente”.[4]
Assim sendo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado encerra um direito-dever fundamental não só do Estado, mas, também, de todos os cidadãos, dado sua essencialidade para a garantia de uma saudável qualidade de vida. Pelo mandamento constitucional, o Estado tem a obrigação e função irrenunciável de velar pelo respeito e proteção do meio ambiente, utilizando mecanismos de prevenção e promoção de comportamentos sustentáveis. Igualmente, os cidadãos também têm o dever de atuar com fins de proteção do meio ambiente, baseados no valor da solidariedade e orientados pelos princípios da sustentabilidade, da essencialidade ambiental e da equidade intergeracional, garantindo que essa e as futuras gerações possam viver em condições de qualidade ambiental[5].
O compromisso da presente geração em entregar um meio ambiente ecologicamente equilibrado, igual, ou melhor, ao que ela encontrou, à futura geração, levou François Ost[6] a assinalar que o meio ambiente é uma herança das gerações passadas, recurso das gerações presentes e também garantia das gerações futuras, em relação às quais se contrai dívida de transmissão.
2. Mecanismos tributários e o desenvolvimento sustentável
O livre jogo do mercado e a “mão invisível”, preconizados por Adam Smith no auge do liberalismo, mostraram-se insuficientes para tratar dos interesses da proteção ambiental, possibilitando a ocorrência de falhas de mercado e exigindo a intervenção do Estado na economia com forma de resguardar os interesses coletivos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Como corolário, aquelas atividades econômicas que provocam degradação ambiental e que, ao invés de internalizar suas externalidades negativas atribui esses custos marginais à sociedade, que não participou dessa atividade, conclamam que o Estado intervenha de forma enérgica nessa atividade, seja obrigando o agente econômico a reduzir os efeitos das externalidades, seja com o objetivo de introduzir seus custos no sistema de preços, o que pode ser feito através de comando e controle ou de instrumentos econômicos. Aqui se inferi o princípio do poluidor-pagador.
Por conseguinte, os tributos ambientais, ou a simples reordenação do sistema tributário, mostram-se como um eficiente instrumento a ser utilizado para correção dessas falhas, dado sua capacidade de implementar mudanças comportamentais e introduzir no mercado econômico práticas mais amigáveis ao ambiente.
Inequívoco que dentro do contexto de integração das políticas ambientais às demais políticas públicas, a política tributária se sobrepõe, e está intimamente ligada a todas as outras, eis que originam de sua implantação e execução os recursos que irão financiar os programas e projetos vinculados a cada uma daquelas políticas.
Enfim, os tributos ecológicos ou a ambientalização do sistema fiscal, podem e devem ajudar à consecução dos objetivos de desenvolvimento sustentável, quando sabidamente combinados e complementados com medidas sancionatórias ou econômicas e coordenadas com outras políticas. [7]
3. O tributo como instrumento de proteção ambiental e concretizador do princípio da dignidade da pessoa humana
A utilização de tributos como instrumento de proteção ao meio ambiente pode se dar de maneira direta ou indireta. No primeiro caso, haveria a criação de um novo tributo, eminentemente ambiental, que teria como hipóteses de incidência a poluição ambiental e a utilização de recursos naturais. Por outro lado, a utilização indireta se daria com o “esverdeamento” do sistema tributário nacional. Ou seja, aproveitando-se dos tributos já existentes, que não incidem sobre a poluição, criando alíquotas diferenciadas que permitam onerar mais aqueles que poluem ou reduzir o ônus de quem adota condutas favoráveis ao meio ambiente.
A Constituição de 1988 não previu nenhum tributo ambiental específico. A despeito disso, e superadas algumas dificuldades impostas pela própria rigidez constitucional, em tese, seria possível a criação de um tributo direto, eminentemente ecológico.
Nada obstante, para que o tributo possa ser utilizado como instrumento de proteção ambiental, conforme bem asseverado pelo professor Heleno Tôrres[8], não haveria necessidade de se criar uma conceituação específica de tributação ambiental, bastando que nessa espécie tributária esteja presente o motivo constitucional de preservação do meio ambiente, não se vinculando meramente à finalidade no sentido de determinar o destino da receita.
Consequentemente, o ingresso da variável ambiental em determinada regra-matriz de incidência tributária poderia promover uma derivação de sua finalidade originária, de modo que um tributo, originariamente concebido sem qualquer objetivo ambiental, uma vez imantado por valores ambientais constitucionais, passaria a adquirir potencialidade para servir como instrumento de proteção ambiental.
Importante consignar, por oportuno, que do ponto de vista econômico, a tributação ambiental negativa, que concede benefícios e isenções fiscais, se mostra mais eficiente, pois induz o setor produtivo a uma nova perspectiva de lucros, estimulando a utilizar tecnologias limpas e corrigindo a poluição na fonte, tendo em vista que os investimentos em tecnologia para produção ecologicamente correta será compensado pela redução na carga tributária e pelo crescimento da demanda. Essa medida, além de evitar a poluição, contribui para a melhoria da imagem da empresa perante os consumidores, os quais estarão estimulados a adquirir seus produtos, principalmente por sua adequação ao meio ambiente.
Destarte, “o caminho para ligar a tributação à sustentabilidade ambiental não deve ser simplesmente onerar as empresas através de novos tributos ambientais”. Ao contrário, diante da já elevada carga tributária, “os incentivos fiscais têm sido no Brasil o melhor instrumento fiscal para fomentar a mudança de postura dos cidadãos e dos empresários”.[9]
Por meio dos incentivos é possível cogitar-se do alcance de uma coexistência equilibrada entre economia e meio ambiente. Nesse sentido, consoante ponderado por Derani[10], o desenvolvimento sustentável implica o ideal de um desenvolvimento harmônico da economia e da ecologia, que devem ser ajustadas numa correlação de valores, em que o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico.
Por fim, nessa linha de compreensão, depreende-se que, para que seja possível a inclusão da variável ambiental na realidade jurídica brasileira, não haveria a necessidade de se promover uma grande reforma constitucional, bastando a reordenação do sistema tributário com foco na sustentabilidade ambiental.
Considerações finais
A intensificação da industrialização, juntamente com a explosão demográfica, a produção e o consumo desenfreado, a urbanização e a modernização agrícola são alguns aspectos da evolução histórica das sociedades humanas que geraram desenvolvimento econômico, mas que resultaram numa degradação ambiental sem precedentes, comprometendo a qualidade de vida dos seres humanos.
Por conseguinte, a urgência na análise e solução da crise ambiental em seu aspecto de desenvolvimento sustentável impõe mudanças de perspectivas e adequação dos atuais padrões de vida da sociedade.
Nesse contexto, não há que se olvidar que a atual maneira de produzir e consumir precisa mudar radicalmente e isso somente poderá ser alcançado através do fornecimento seguro de energias renováveis e de tecnologias eficientes de reutilização dos recursos naturais.
Lado outro, é de responsabilidade do Estado e de toda sociedade o cuidado permanente com a preservação do meio ambiente, os quais deverão dispor de ações permanentes para tal finalidade. Assim, destaca-se a importância do Estado para buscar meios, aplicar e manter os princípios e ações relacionados ao desenvolvimento sustentável, que não se limitam somente em relação ao meio ambiente e a atividade econômica, abrangendo também aspectos de políticas sociais entre outras. E, aliar o desenvolvimento econômico com ações sustentáveis é inicialmente uma das funções do Estado, que poderá atuar, considerando questões tributárias extrafiscais.
Nessas tintas restou demonstrado que os tributos que levam em consideração questões ambientais são eficientes instrumentos que podem ser utilizados para correção de falhas do mercado, dado sua capacidade de implementar mudanças de comportamentos dos contribuintes.
Em se tratando de questões ambientais, o caráter extrafiscal dos tributos deve ser considerado, vez que é um importante instrumento utilizado pelo Estado para intervir na economia.
Daí afirmar que o desenvolvimento econômico somente poderá ser concebido como adequado, quando coexistir em harmonia com sustentabilidade ambiental.
Destarte, resta assentado que a tributação ambiental é um importante instrumento de materialização de políticas públicas de natureza ambiental que podem ser aliadas com ações econômicas, sociais entre outras com o objetivo de estimular ou desestimular certas ações, condutas ou atividades, que propiciem ações favoráveis às finalidades que devem ser direcionadas pelo Estado.
Nesse sentido, em que pese a Constituição de 1988 não ter previsto expressamente nenhum tributo ambiental específico, conclui-se que para uma eficiente proteção ambiental, não haveria necessidade de se criar novos tributos com essa finalidade, bastando apenas adaptar as modalidades tributárias já existentes, mediante a inclusão de elementos ambientais nas suas estruturas tributárias, imantando-as com os valores ambientais acolhidos pela Carta Constitucional.
Por fim, além das ações do Estado em prol do meio ambiente saudável é preciso que toda sociedade tenha consciência do seu papel no cenário da sustentabilidade com as adequações e readequações do consumo de bens que possam contribuir neste processo, incluindo aí a educação ambiental.
[1] ALEXY, Robert. Coalisão de Direitos fundamentais e a realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 217, p. 67-79, jul./set. 1999.
[2] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. Ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
[3]FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito
ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997.
[4] ELY, Aloísio. Economia do meio ambiente: uma apreciação introdutória intercisciplinar da poluição ecológica e qualidade ambiental. 3. ed. Ver. e ampl. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, 1988.
[5]AYALA, Patryck de Araújo. A proteção jurídica das futuras gerações na sociedade do risco global: direito ao futuro na ordem constitucional brasileira. In: LEITE, José Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini. Estado de direto ambiental: perspectivas. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2003.
[6] OST, François. A natureza à margem da lei: A ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
[7] EZCURRA, Marta Villar. La fiscalidad al servicio de la eliminación de los resíduos urbanos.
Noticias de la Union Europea. Madrid: Ciss Práxis, v. 17, n. 193, fev-2001. p. 99-124.
[8] TÔRRES, Heleno Taveira. Da Relação entre competências constitucionais tributária e ambiental – os limites dos chamados ‘tributos ambientais’. In: TÔRRES, Heleno Taveira (org.). Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 96-156.
[9] CAVALCANTE, Denise Lucena: Tributação ambiental: Por uma remodelação ecológica dos tributos. Nomos: Revista de Pós-Graduação em Direito da UFC. Fortaleza, v. 32, 2002. p. 101-115.
[10] DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997.