O presente artigo tem como finalidade apontar a responsabilidade de todos nós, operadores do Direito, em banalizar a ciência jurídica em contrapartida das emoções humanas.
Dentro da comunidade jurídica é fato incontroverso que, com a corrente Neoconstitucionalista, o Poder Judiciário tornou-se protagonista dentro do âmbito jurídico. Este fato é evidenciado haja vista que o papel assumido pelos princípios são preponderantes quando postos em análise nos casos concretos.
Os princípios - normas vagas, abstratas e ligadas à um querer programático dos legisladores - são responsáveis por um subjetivismo, e este subjetivismo é materializado em decisões judiciais quando houver conflitos de interesses, por pessoas incumbidas de decidir. Em outra análise, temos sujeitos responsáveis por decidir conflitos entre sujeitos, e esta decisão precisa ser fundamentada em normas (regras e princípios específicos) e também de modo que não afronte outros princípios que sustentam o ordenamento jurídico.
A sociedade muda, os interesses são alterados, as crenças passam por metamorfoses, e o sentido dado à um determinado costume/princípio é modificado. O que é difícil de alterar é uma disposição positivada em uma Lei.
As decisões judiciais alcançam seu trânsito em julgado e regem, ao menos em tese, para sempre. As fundamentações contidas em um julgado ficará materializado para sempre. Mas àquele que fundamentou em um determinado julgado pode não mais concordar com aquele fundamento.
É inerente ao Direito passar por estas contradições temporais e críticas às estas transformação é, por vezes, desmedidas.
O grande problema é o teor das críticas e quem é objeto delas.
As decisões judiciais podem ser criticadas. Contra decisões, devido ao instinto do ser humano, ao seu inconformismo e a possibilidade de erro por parte daquele (s) que julga (m), cabe Recurso. O recurso é a ferramenta jurídica para atender o pedido de quem sente-se injustiçado. O recurso ataca a decisão. O Direito apenas nos permite atacar as decisões, não quem as proferiu.
Ainda sim, o mundo jurídico exerce papel fundamental em controlar a sociedade, emanando regras de convivência e baseando estas regras em conceitos essenciais para atribuirmos um valor axiológico à sociedade. Ocorre que o mundo jurídico não é decorrente do mundo fenomênico, há estruturas pensantes e controláveis.
A comoção popular não pode ser menosprezada, mas também não pode ser quem move o Direito. Acredito ser o Direito a locomotiva da vida em sociedade, e não o contrário. Mas também acredito que ao Direito há a necessidade de instrumentalizar e fazer possível o convívio harmonioso e fraterno. O Direito deve conceder à sociedade os instrumentos mínimos para que ela seja justa.
O problema não é a comoção popular. O problema reside na utilização da comoção popular como uma forma de controle da vida em sociedade.
Somos, por natureza, controversos.
Os estudiosos do Direito devem ser contra a banalização do Direito. Não podemos criticar os julgadores, devemos criticar os julgados!
A emoção humana transita entre o certo e o errado, os julgadores são pessoas e estão sujeitas a erros, mas os erros não pertencem à pessoa, pertencem aos seus atos.
O poder judiciário, dentro do seu protagonismo ocasionado pela corrente Neoconstitucionalista (cuja qual apoiamos), tornou-se ponto alto à qualquer ser humano, mesmo que leigo (juridicamente). O televisionamento, exposição midiática, as redes sociais, a própria TV Justiça trouxe o julgador ao centro da sociedade e transformou as fundamentações judiciais em entretenimento.
A estrutura burocrática, a necessária liturgia, fez com que as críticas ao poder judiciária fossem potencializadas. A sociedade é um conjunto de pessoas, teoricamente, organizadas. A organização é danosa, maléfica em contrapartida da conceituação popular de "Liberdade".
As garantias dos membros do poder judiciário, previstas no artigo 95 da CF/88, aliado aos subsídios expressivos se comparados ao Salário Mínimo, causam repulsa em um País com tamanha desigualdade social.
As soluções litigiosas judiciais são demoradas. O princípio da celeridade processual nada mais é que um dispositivo programático, um artigo utópico.
A Corte Suprema e a Corte Superior são compostas por Ministros indicados por um Presidente da República e "aprovados" por Senadores. Os políticos exercem funções transitórias e o período político é cíclico. Ainda sim, os julgadores com a palavra final são frutos de achismos e opções políticas. O Senado Federal não questiona, aprova. Requisito de "notável saber jurídico e reputação ilibada" é mais um argumento burocrático sem aplicação concreta alguma.
Os Ministros não podem ter posicionamentos político-partidários, mas suas nomeações advém de políticos que possuem posicionamentos ideológicos. Suas nomeações, por vezes, advém de um favor.
É louvável a indignação popular. É esperado ter críticas endereçadas aos julgadores. Em um País assolado por um corrupção estrutural e agravado por uma desigualdade social, é comum que quem não pode defender uma ideologia seja a válvula de escape para qualquer lado ideológico.
O que não pode ser comum é as críticas emocionais por quem estuda o Direito.
Todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 93, IX da CF/88. Repito. Os erros pertencem aos atos e não às pessoas, e uma decisão judicial pertence à um processo, uma folha ou um ID específico, e não à figura do julgador.
Entender de modo contrário é o mesmo que minimizar, aliás, é o mesmo que desacreditar de uma ciência que precisa de créditos. É necessário que o Direito seja elevado, é crucial ser o Direito debatido com argumentos, é essencial ser o Direito analisado sob a supervisão científica e não emocional. Os "players" jurídicos são apenas pessoas passíveis a erros.
Não podemos, Doutores, banalizar uma ciência em transformação constante, não podemos dar razão à quem julga um ato técnico e complexo com emoção apenas.
Não creditamos uma decisão judicial baseada em um achismo acerca da figura do julgador.
Nossa missão é praticar justiça, e o instrumento pelo qual a fazemos é a ciência jurídica. Não a banalizemos, por favor.