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Aplicação subsidiária do CPC nos juizados especiais cíveis

Agenda 01/02/2021 às 17:38

A pandemia da COVID-19 trouxe abalos para diversos segmentos. O direito não fica para trás. A necessidade do trabalho remoto foi de encontro com os procedimentos processuais. O que levaria anos, os Tribunais aplicaram em meses.

Muito vem sendo dito sobre as consequências da pandemia da COVID-19, pois a necessidade do isolamento social acelerou a aplicação das tecnologias de streaming, reuniões virtuais, entre outras.

O mundo jurídico foi duramente impactado, pois os Tribunais viram a necessidade de fechar as portas e suspender os prazos. Sendo o acesso à justiça um serviço essencial, além de uma garantia constitucional, a adaptação do trabalho remoto era de suma importância.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução 329 que estabeleceu as medidas a serem praticadas na realização de audiências e atos processuais feitos por videoconferência, em razão da pandemia.

Diversos tribunais, estaduais e federais, passaram a adotar o trabalho remoto e, vagarosamente, as audiências virtuais, principalmente usando o sistema oficial do CNJ.

Aos poucos, as audiências virtuais se tornaram uma nova realidade, mas não para todos os tribunais.

Em 29 de abril de 2020, a Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro regulamentou a realização de audiências virtuais durante o período da pandemia do Coronavírus.

Todavia, a prática nos mostra que o Tribunal Estadual do Rio de Janeiro não se adaptou bem as audiências virtuais, passando a adotar novas medidas para o seguimento dos processos.

No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis os magistrados passaram a marcar audiências presenciais, após a possibilidade de abertura dos Tribunais, ou do julgamento antecipado, dispensando qualquer audiência.

No entanto, analisando a Lei nº. 9.099/95 é possível verificar que não há qualquer previsão para a continuidade do processo sem audiência de conciliação, instrução e julgamento.

De acordo com a lei, ao distribuir uma ação nos juizados, o magistrado designara audiência de conciliação, podendo ser convolada em instrução e julgamento, artigos 21 a 29 da Lei nº. 9.099/95.

O prazo para resposta do Réu não encontra previsão expressa na lei dos juizados, sendo aplicado o entendimento do Enunciado 10 do Fórum Nacional de Juizados Especiais, onde “a contestação poderá ser apresentada até a audiência de Instrução e Julgamento”.

Entretanto, o que acontece quando não houver audiência de conciliação ou instrução e julgamento?

No cotidiano o advogado se depara com diversas situações que denotam um regramento específico para cada magistrado, estabelecendo um rito próprio em sua unidade jurisdicional, causando extrema insegurança quanto ao momento de apresentação da defesa, eis que já nos deparamos com demandas em que os juízos determinam apresentação da defesa em 48 (quarenta e oito) horas.

Durante a pandemia essa prática se tornou muito comum, causando insegurança jurídica e contrariando os princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio de Janeiro (OAB/RJ), por meio de sua Comissão dos Juizados Especiais Estaduais (CEJE) enviou ofício à Comissão Judiciária de Articulação dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) pedindo que o órgão recomende aos julgadores uma série de mudanças que, no contexto da pandemia da Covid-19, poderão diminuir os problemas que os colegas vêm enfrentando no dia a dia.

Entre eles, está a insegurança jurídica provocada pela falta de padronização dos prazos para juntada de contestação.

Ora, não há qualquer motivo para tal debate, visto que já existe em nosso ordenamento jurídico o Código de Processo Civil com a previsão do termo inicial para contagem do prazo para contestação, bem como da quantidade de dias para apresentação da resposta do réu, artigo 335.

Ocorre que a Lei nº. 9.099/95 não possui em seu texto disposição para aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, como acontece com o Código Penal e o de Processo Penal, artigo 92.

Para tornar mais complicada a situação, o Enunciado 161 do Fórum Nacional de Juizados Especiais informa que “considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2º da Lei 9.099/95”.

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Não expressa remissão ao Código de Processo Civil, justamente porque o legislador quis criar um sistema mais simples em comparação ao formalismo apresentado em 1995.

Além do enunciado, a ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi já havia se manifestado contra a aplicação do código de Processo Civil no Sistema dos Juizados[1].

No entanto, analisando o cenário pandêmico, onde os Tribunais não adotaram o sistema de audiências virtuais, optando pelo prosseguimento do processo através do protocolo das contestações, não há razão para a não aplicação do Código do Processo Civil.

A Comissão Judiciária de Articulação dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça (TJRJ) atendeu o pedido da Comissão dos Juizados Especiais Estaduais da OABRJ e orientou aos juízes que, no contexto da pandemia da Covid-19, estabeleçam um prazo único para apresentação de contestação quando houver dispensa da realização de audiências, mas recomendando o prazo de 10 (dez) dias, contados de intimação específica.

A recomendação segue o mesmo prazo fixado para o recurso inominado, artigo 42 da Lei nº. 9.099/95.

O Código de Processo Civil prevê em seu artigo 15 “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

O CPC é a lei processual comum, assim entendida a lei processual básica, que rege os processos em geral.

De acordo com Alexandre Câmara, “é certo que o CPC veicula a lei processual comum, a ser aplicada como regra geral a todos os processos judiciais ou administrativos em curso no Brasil, ressalvada apenas a existência de lei específica ou, no caso de omissão da lei específica, de incompatibilidade entra esta e a lei geral”[2].

A prática nos mostra que a maior parte das aplicações expressas do CPC ao sistema dos Juizados Especiais é bem recepcionada pela doutrina, como o incidente de desconsideração de personalidade jurídica e as alterações referentes aos embargos de declaração, apesar de não estarem de livre de críticas e controvérsias.

Inclusive, com a vigência do CPC/2015 os juristas pleitearam a aplicação do artigo 219 (prazo em dias úteis) no Sistema dos Juizados, vindo a ser promulgada a Lei nº 13.728, de 31 de outubro de 2018, incluindo o artigo 12-A na Lei nº. 9.099/95, com texto idêntico ao CPC: “Art. 12-A. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, para a prática de qualquer ato processual, inclusive para a interposição de recursos, computar-se-ão somente os dias úteis”.

Na verdade, as aplicações subsidiárias do Código de Processo Civil nos juizados cíveis encontram maior resistência por parte da magistratura, como visto em relação à contagem de prazos processuais em dias úteis e a questão da fundamentação das decisões judiciais, sob a afirmação de incompatibilidade de tais regramentos com os princípios orientadores dos Juizados.

A contagem dos prazos seguindo o Código de Processo Civil, principalmente em momentos de pandemia, traz segurança jurídica e segue o princípio do devido processo legal.

Conceder poder aos magistrados fixarem o prazo para o réu contestar reforça a tendência do Poder Judiciário de propagar o ativismo judicial, legislando e contrariando o ordenamento jurídico, criando seu próprio procedimento.


[1] https://www.conjur.com.br/2016-mai-23/sergio-niemeyer-cpc-aplica-supletivamente-lei-90991995

[2] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015.

Sobre o autor
Wellington Silva

Advogado. Bacharel em Direito e Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá. Com mais de 11 anos de experiência na área jurídica. Atuando nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Responsabilidade Civil e Direito Securitário. Com conhecimentos teóricos e práticos nas áreas do Direito das Famílias, Imobiliário, Tributário e do Trabalho. Autor do livro “A banalização do dano moral”, publicado pela Editora Multifoco (ISBN 978-85-5996-541-4), além de artigos jurídicos em sites especializados. Autor participante da Bienal Internacional do Livro 2017.

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