1 - INTRODUÇÃO
O tema em questão transcende a fronteira do que é legal, indo de encontro aos preceitos morais e do bom costume. Direitos como prerrogativas do homem são sempre muito questionados por deles se contraírem obrigações, cuja a observância não é vista da mesma forma quando falamos de animais, sendo estes sujeitos não-humanos criaturas protegidas pela Constituição Federal, que reservou o artigo 225 inteiro para tratar com a maior amplitude da matéria, e ainda a regulação em diversos diplomas infraconstitucionais como a Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605 de 12 de fevereiro de 1998).
No que tange a matéria constitucional, a relação humano e não-humanos é tratado sobre o olhar antropocentrista da Constituição, onde prevalece o interesse maior do homem, ainda quando diz tratar de direitos coletivos, direitos de terceira geração, direito a um meio ambiente equilibrado e capaz de satisfazer os interesses mais diversos da existência da espécie dominante, sendo o Direito uma garantia de ordem constitucional o elo de ligação entre o homem e os limites destes ao uso e usufruto dessa fauna. Dessa forma, o trabalho objetivará verificar a aplicação sobre o prisma constitucional destas normas em relação aos animais, como esta garantia é tratada na legislação infraconstitucional, na doutrina, na jurisprudência e ainda o direito comparado pertinente a matéria.
2 HISTÓRICO SOBRE OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DOS ANIMAIS E A LEGISLAÇÃO AO LONGO DO TEMPO
Para começo de conversa é necessário esclarecer e deixar pacífico o entendimento, já incontroverso na ciência e que é premissa de todo este trabalho, o de que os animais são seres vivos (nascem, crescem, reproduzem-se e morrem), que os animais “sentem” (dor, frio, calor, fome, sede, cócegas,...) que os animais “possuem emoções” (alegria, tristeza, tranquilidade, pavor, medo, coragem, saudade,...), que os animais “possuem razão, inteligência” e aqui se vê a impropriedade da designação “irracional” para classificá-los (usam o raciocínio, pensam para executar, escolhem, por exemplo, não se jogar no fogo, esconder uma comida, não se machucar voluntariamente, comunicar-se com linguagem própria entre os seus, usar do olhar e da expressão corporal para falar aos seres humanos,...), “possuem instinto natural” (comem ervas que lhes curam, evitam comer quando indispostos, amamentam e protegem os seus filhotes, aquecem seus ovos, buscam o conforto e o bem-estar, conservam o seu habitat natural...), “possuem pressentimentos, intuições ou percepções mais apuradas” (percebem, a longa distância, um barulho, uma ameaça, um cheiro, a mudança do clima, a intenção de um ser humano que se aproxima e que o faz recuar,ou atacar ou aproximar-se e abanar o rabo,...). Restou comprovado mundialmente pelos neurocientistas, que os animais possuem consciência.
Dessa forma, existem ainda, estudiosos que afirmam que são seres também dotados de espiritualidade, pois a espiritualidade já é uma disciplina estudada nas grades curriculares de algumas conceituadas Universidades do Brasil. Porém, o padrão de conduta humana está pautado no TER, no consumismo desenfreado, no valor de tudo e de todos em função da sua utilidade-custo-lucro e na exploração da fauna e da flora, ao bel prazer das vaidades humanas ilimitadas.
Correia (2007), afirmava em sua filosofia oriental hindu, considera a Ética como o primeiro requisito para uma evolução humana, incluindo neste sentido a não violência contra qualquer forma de vida.
O tema é Jurídico, porque as leis discorrem sobre o assunto e a jurisprudência tem manifestado procedência aos casos contrários à experimentação animal, como será mostrado; é Moral, porque se trata da vida de um ser consciente e senciente (sente dor e prazer); é Social, porque a sociedade tem promovido crescentes movimentos de protestos à experimentação animal; é Ambiental, porque há a destruição do ser vivo e do seu habitat natural; é Científico, porque se tem mostrado que o vício científico, de fazer experimentos em animais, atrasa a ciência; é da Saúde, porque foi constatado que prejudica a saúde humana e animal; é Econômico, porque as empresas precisam atentar para uma gestão ambiental transparente, ecológica e ética e não apenas lucrativa; é Religioso, porque as religiões não apoiam a tortura de animais, este entendimento parece pacífico, a citar – o budismo, o catolicismo, o espiritismo, o hinduísmo etc.
Partindo da premissa, hoje real e incontroversa, de que os animais são seres vivos, sensíveis e que possuem consciência – como será mostrado adiante pela descoberta da neurociência – é por justo que mereçam o reconhecimento do seu direito à dignidade e que sejam mais, efetivamente, assistidos por seus principais tutores legais, que são os Promotores de Justiça, pois, embora esta competência esteja prescrita em lei, tem sido pouco exercida in concreto.
É neste contexto que se insere o Direito, que vem auxiliar na proteção animal mediante a repressão e a organização das condutas humanas, tutelando todas as formas de vida e não só a do ser humano, mediante o reconhecimento de valores intrínsecos e dos direitos inerentes a cada ser.
Ressalta-se que o primeiro país europeu a proteger constitucionalmente os animais foi a Suíça. Há mais de 100 anos (1893) proíbe, em sua constituição, o abate de animais sem anestésico. A Constituição Suíça ao reconhecer, em 1992, uma “dignidade da criatura” (art. 24), conferiu um valor inerente a todos os seres vivos não-humanos, que deve ser respeitado especialmente no âmbito da legislação sobre engenharia genética. O precursor do movimento suíço de reforma constitucional, Peter Saladin, sustenta um novo perfil constitucional para o tratamento da questão ambiental baseado em três princípios éticos: a) princípio da solidariedade (justiça intrageracional); b) principio do respeito humano pelo ambiente não-humano (justiça interespécies); c) principio da responsabilidade para com as futuras gerações (justiça intergeracional)3.
Segundo Silva (2001), a primeira constituição a conferir essa proteção foi a Constituição da República Federal da Alemanha em 19494, sendo que, com a chegada ao poder do partido nazista na Alemanha, 21 em janeiro de 1933, foram aprovadas diversas leis de proteção animal. Criou-se uma nova hierarquia; os arianos no topo, seguidos por lobos, águias e porcos. Os judeus eram equiparados a ratos. Meses mais tarde, Hitler ao promulgar a lei de proteção animal, ele um vegetariano, declarou que nenhuma crueldade contra os animais seria permitida. Mais tarde, ao saber que teria prejuízo em suas pesquisas, Hitler permitiu experimentos com animais. Hoje existe na Constituição alemã, após dez anos de discussão no parlamento, uma finalidade de "proteção aos animais", desde 21 de junho de 2002. Essa finalidade visa que o legislador ordinário crie normas de proteção animal e que não haja retrocesso nas que já existem.
Porém o grande acontecimento ambiental do século XX foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, que ocorreu em Estocolmo, entre os dias 05 e 16 de junho de 1972. Embora não tenha sido estabelecidas metas concretas a serem cumpridas pelos países membros, porém foi concebido um importante documento político chamado Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotado em 6 de junho de 1972. Tratando-se do primeiro documento do direito internacional a reconhecer o direito humano a um meio ambiente de qualidade, que é aquele que permite ao homem viver com dignidade.
Em meados de 1978, surge a Declaração Universal dos Direitos dos Animais da UNESCO, prevendo o direito dos animais a um ambiente biologicamente equi librado, bem como que todos os animais tenham o direito de ser respeitados. A ideia de respeito está diretamente vinculada ao reconhecimento de um valor intrínseco a determinada manifestação existencial, como ocorrido em relação aos seres humanos ao longo da nossa evolução cultural.
Castro5 diz que nenhum documento foi tão claro ao se referir aos direitos dos animais, assegurando que eles são iguais diante da vida, e independentemente de sua utilidade ou valor comercial, devem ser tratados com o mesmo respeito. Destarte, conclui que o que deve determinar o respeito ao animal é o fato que constitui uma vida.
Cumpre observar que a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, adotou uma nova filosofia de pensamento sobre os direitos dos animais, reconhecendo o valor da vida de todos os seres vivos e propondo um estilo de conduta humana condizente com a dignidade e o devidamente merecido respeito aos animais.
Pondera-se que apesar da ausência de força jurídica da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, a discussão moral em seu conteúdo teve ressonância no âmbito de vários ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais, como por exemplos a Conferência do Meio Ambiente do Rio de Janeiro de 1992 (ECO-92), e a Conferência Mundial (de 3 a 14 de junho de 1922), convocada pela Organização das Nações Unidas, que reuniu 114 chefes de Estado, milhares de jornalistas e representantes de várias organizações não governamentais, tendo como objetivo, entre outros, discutir o futuro da Terra.
Há importantes documentos legislativos internacionais que abordam a temática do valor intrínseco de formas de vida não-humanas. Os movimentos que levaram à proteção dos animais iniciaram-se em 1822, quando as primeiras normas contra a crueldade direcionada aos animais foram apresentadas pela Inglaterra através do British Cruelty to Animal Act. Em seguida, a Alemanha editou normas gerais em 1838, e em 1848 a Itália posicionou-se com normas contra os maus-tratos. Em 1911, novamente foi a Inglaterra a pioneira em introduzir a ideia de averiguar a proteção dos animais contra os atos humanos e instituiu o Protection Animal Act.
O Brasil apareceu logo após, quando em 1924 passou a vigorar o Decreto 16. 590 em defesa dos animais. Uma década depois, o Decreto 24.645 de 1934, definiu trinta e uma figuras típicas de maus-tratos aos animais, ressaltando-se que a evolução dessa proteção jurídica brasileira em favor dos animais analisada posteriormente.
Mas acredita Laerte Levai, que o primeiro registro de uma norma a proteger animais de quaisquer abusos ou crueldade, foi o Código de Posturas, de 6 de outubro de 1886, do Município de São Paulo, em que o artigo 220 dizia que os cocheiros, condutores de carroça estavam proibidos de maltratar animais com castigos bárbaros e imoderados, prevendo multa. Prossegue o referido autor:
"Surge, assim, pela primeira vez no Direito brasileiro, um dispositivo capaz de salvaguardar de abusos os animais, com que antecipando a vontade política que se firmaria apenas no século seguinte. A inclusão de uma norma protetora em lei acenava favoravelmente à futura proteção jurídica da fauna. Já se fazia hora."
Durante o período da República Velha, em 1924, através do Decreto 16.590, foi elaborado o primeiro dispositivo normativo de defesa da fauna, que proibiu as rinhas de galo e canário, as corridas de touros e novilhos, regulamentando o funcionamento dos estabelecimentos de diversões públicas, proibindo, deste modo, uma série de maus tratos com animais.
Logo em seguida, 10 anos depois, o Governo Provisório de Getúlio Vargas expediu o Decreto 24.645, de 19346, que proibiu práticas de maus tratos, porém já foi totalmente revogado. Seu mérito consistiu em reforçar a proteção jurídica dos animais por meio de vários dispositivos próprios, permitindo a interpretação de um novo status quo dos animais como sujeitos de direito, em razão da possibilidade de o Ministério Público assisti-los em juízo na qualidade de substituto legal. Esse Decreto apresentou um rol de condutas omissivas e ainda continha algumas definições não expressas na Lei de Crimes Ambientais de 1998.
Em 1941, surge através do Decreto- Lei 3.688 ainda em vigência, conhecido com Lei de Contravenções Penais, a crueldade contra os animais passou a ser considerada contravenção penal (art. 64 do referido diploma), cuminando aos infratores pena de multa. Salienta-se que o art. 64 da referida lei foi em termos práticos revogado pelo art. 32 da Lei nº 9605/98, que apresentou um tipo penal mais amplo e com penas mais alargadas.
Em fevereiro do ano de 1967, a Lei Federal 5.197, chamada de “Código de Pesca”, tratou de cuidar dos animais aquáticos e de disciplinar a atividade da pesca. considerando crime as contravenções penais. Tal diploma foi alterado pela Lei 7.653, de 12.02.1988, que, além de conceituar fauna silvestre como propriedade do Estado, aboliu a concessão de fiança nos crimes cometidos contra os animais.
Cumpre observar que Lei nº 5.197/67 disciplina em seu art. 1º que os animais que compõem a fauna silvestre, de qualquer espécie, estão proibidos de serem caçados. No entanto, em que pese a proibição ser permitida, o §1º abre exceções para o caso de existência de peculiaridades regionais, e o § 2º permite que quanto ao domínio privado, seja proibida a caça, mesmo que liberada conforme o §1º , sendo, neste caso, o particular o responsável.
Importante ressaltar que a Lei 6.638, de 08.05.1979, estabelecia até recentemente as normas para a prática didática e científica da vivissecção6 de animais. A Lei regulamentava a prática em todo o território nacional desde que os biotérios e os centros de experiências e demonstrações com animais vivos estivessem registrados. Medeiros aponta que:
"Um caráter interessante que podia ser destacado na própria legislação referida é que, com a aparência da proteção do animal não-humano, o diploma legal demonstra a brutalidade, a violência e a crueldade do procedimento. O legislador proibia a ponte de imprimir penalidade ao infrator, se ocorresse vivissecção em estabelecimento de ensino ou em qualquer outro local freqüentado por menor de idade, tamanho o choque psicológico que o procedimento pode causar ao expectador, quiçá ao paciente. Urge salientar a quão “benéfica” é a legislação para o animal não-humano “poderá ser sacrificado” e “caso não sejam sacrificados” poderão ser adotados."
A nova redação da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, Lei de 6.938, de 31.09.1981, definiu a fauna como integrante do meio ambiente, disciplinou a ação governamental e inseriu a responsabilidade civil e administrativa pelo dano ambiental. Em 1985, a Lei 7.347 protegeu os interesses difusos, e consequentemente a fauna, ao instituir a ação civil pública por danos ocasionados ao ambiente.
No que tange ao Direito Penal, destaca-se a criminalização de condutas humanas que resultem em crueldade e maus-tratos contra animais. A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), na Seção dos Crimes contra a Fauna, ao mesmo tempo em que criminaliza a conduta humana que atenta contra a vida e o bemestar animal e caracteriza a reprovação social de tal prática, reconhece, em certa medida, um valor inerente à vida animal, tutelando-a de forma autônoma e independentemente da sua utilidade ao ser humano.
No §1º do art. 32, o tipo penal do caput é ampliado para abarcar também quem “realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”, o que evidencia a adoção de um critério de proporcionalidade para justificar a utilização de animais em experiências cientificas ou didáticas, ou seja, aquela prática só será juridicamente legítima quando não houver outros meios alternativos para realizar a experiência.
Pondera-se que, enquanto o Poder Legislativo não alterar a norma, outras condutas contra os animais não-humanos reputadas cruéis, para além do disposto no art. 32 da Lei de Crimes Ambientais, podendo ser anunciadas da seguinte forma: a caça esportiva amadora não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, a caça profissional, que foi proibida pelo art. 2º, da Lei nº 5.197/67; os rodeios e as vaquejadas; a utilização de animais em circos, que constitui contravenção penal, conforme disciplina o art. 64, § 2º, do Decreto-Lei nº. 3.688/41 e mantido pela LCA; a posse de animais de estimação da fauna silvestre, que constitui crime; e, a venda de animais vivos em mercados e feiras ilegais.
Em 18.07. 2000, a Lei 9.985 regulamentou o art. 225, § 1º, incs. I, II, III e IV da Constituição Federal de 1988, instituindo o Sistema de Unidades de Conservação da Natureza. Em 17 de julho de 2002 foi editada a Lei nº. 10.519, que normatiza as atividades de rodeio e provas de montaria. No artigo 1º são considerados, para efeitos da Lei, rodeios de animais as atividades de montaria ou de cronometragem e as provas de laço, nas quais é avaliada a habilidade do atleta em dominar o animal com perícia e o desempenho do próprio animal. Como bem pontuou Medeiros:
"[...] A brutalidade da atividade desenvolvida é tamanha que o legislador teve o cuidado de especificar que os animais utilizados nessas atividades não poderão ser molestados, nem mesmo machucados de nenhuma forma e, para tanto, descrevem, com pormenores, as proteções e impedimentos, quais sejam: os apetrechos utilizados nas montarias não poderão causar injurias nos animais, nem mesmo ferimentos. As cintas e barrigueiras devem ser confeccionadas com dimensões adequadas a ponto de garantir conforto ao animal não-humano. É vedado o uso de esporas com rosetas pontiagudas e aparelhos que provoquem choques elétricos para instigar os animais, dentre outras atividades de proteção. E, mesmo assim, em casos de descumprimento a multa pecuniária é ínfima, e as outras infrações que podem levar até a suspensão definitiva do rodeio, não estabelecem a gradação, deixando para as legislações estaduais a aplicação e a fiscalização."
Em 2004, o Decreto nº 4.998 alterou o artigo 2º do Regulamento da Organização, Funcionamento e Execução dos Registros Genealógicos de Animais Domésticos no País, aprovado pelo Decreto nº. 58. 984/66. O referido artigo define animais domésticos para o ordenamento jurídico brasileiro da seguinte forma:
"São considerados animais domésticos, para os efeitos deste Regulamento, as seguintes espécies: asinina, bovina, bubalina, equina, suína, ovina, caprina, canina, leporina e outras de interesses zootécnico e econômico, assim definidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento."
Em 2008, o Equador aprovou uma Constituição que em seus artigos 71 e 72 reconheceu a natureza como sujeito de direitos. Interessante ressaltar que a aprovação do texto ocorreu por consulta popular, via plebiscito e que o próprio preâmbulo da Constituição ressalta a relação harmônica do homem com a Natureza, vejamos:
"Nosotras e nosotros, El pueblo soberano do Ecuador, reconociendo nuetras raíces milenarias, forjadas por mujeres y hombres de distintos pueblos, celebrando a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que somos parte y que ES vital para nuestra existencia, invocando el nombre de Dios y reconociendo nuetras diversas formas de religiosidad y espiritualidad, apelando a la sabiduría de todas las culturas que nos enriquecen como sociedad (...)"
É neste contexto que se insere o Direito, que vem auxiliar na proteção animal mediante a repressão e a organização das condutas humanas, tutelando todas as formas de vida e não só a do ser humano, mediante o reconhecimento de valores intrínsecos e dos direitos inerentes a cada ser.
2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS ANIMAIS
Somente com o advento da Constituição Federal de 1988, as normas ambientais adquiriram status constitucional, passando o direito à proteção constitucional a ser considerado direito fundamental.
Indubitável ponderar que a legislação ambiental brasileira é tida como uma das mais avançadas do mundo, na medida em que o fundamento jurídico para a proteção da fauna está na própria Constituição Federal, no art. 225, § 1º, inciso VII: “Incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade”.
Como bem pontuou Fensterseifer (2008), com relação à vedação de práticas que submetam os animais a crueldade, de monstra o reconhecimento do legislador constitucional do valor inerente a outras formas de vida não-humanas, protegendo-as, inclusive, contra a ação humana, ressaltando:
"[...] é difícil conceber que o constituinte, ao proteger a vida de espécies naturais em face da sua ameaça de extinção, estivesse a promover unicamente a proteção de algum valor instrumental de espécies naturais, mas, ao contrário, deixa transparecer uma tutela da vida em geral nitidamente desvinculada do ser humano."
Destarte, o constituinte de 1988, ao incluir a proteção animal, delimitou em âmbito constitucional uma nova dimensão do direito fundamental à vida e do próprio conceito de dignidade da pessoa humana. Assim, o texto constitucional, ao consagrar o direito à vida, reflete a consciência do país frente aos bens naturais e aos animais. Segundo Ackel Filho “a vida é bem maior que ao Poder Público incumbe garantir. O respeito por ela, em toda a sua biodiversidade, passou a ser dogma constitucional e elemento cultural do povo brasileiro.” Com bem observa Silva (2009):
"A Constituição Federal de 1988 é o marco para o pensamento sobre a dignidade animal, uma vez que ao proibir que o animal seja tratado de forma cruel, reconhece ao animal não-humano o direito de ter respeitado o seu valor intrínseco, sua integridade, vida e liberdade."
Fensterseifer (2008), aborda o “novo espírito constitucional de matriz ecológica” que objetiva a superação da “coisificação” dos animais e das bases naturais da vida. Nessa linha lógica o autor conclui que a expresão “todos” do art. 225 da Constituição toma uma dimensão de amplitude de todos os seres vivos (humanos e não-humanos) que segundo o mesmo, habitam o planeta. Estabelecendo dessa forma, um direito fundamental a Dignidade a esses seres, dessa forma, faz-se necessário pensar o direito à vida não como direito inerente apenas ao homem, mas como inerente a todos os seres vivos, com uma proteção efetiva e eficaz dos animais não-humanos e da natureza pela legislação brasileira, a fim de proteger o equilíbrio da vida.
2.1.1 Aplicabilidade dos direitos fundamentais aos animais
Na jurisprudência brasileira, a vedação de práticas cruéis contra a vida animal tem encontrado amparo no Supremo Tribunal Federal, que decidiu, respectivamente, pela inconstitucionalidade da prática da “farra do boi” no Estado de Santa Catarina, bem como pela inconstitucionalidade da lei do Estado do Rio de Janeiro que regulamentava a “briga de galo”, fundamentando ambas as decisões na previsão constitucional do art. 225, § 1º, VII.
Nesse sentido, são especialmente relevantes os seguintes trechos do voto do Ministro Francisco Rezek:
"Não posso ver como juridicamente correta a ideia de que em prática dessa natureza a Constituição não é alvejada. Não há aqui uma manifestação cultural com abusos avulsos; há prática abertamente violenta e cruel para com animais e a Constituição não deseja isso. (...) Bem disse o advogado da tribuna: manifestações culturais são as práticas existentes em outras partes do país, que também envolvem bois submetidos à farra do público, mas de pano, de madeira, de “papier maché”; não seres vivos dotados de sensibilidade e preservados pela Constituição da República contra esse gênero de comportamento."
Diz o art. 225 da Constituição Federal de 1988 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
O mesmo dispositivo constitucional afirma que para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, sendo vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Entretanto, dois instrumentos normativos foram editados entre os anos de 2016 e 2017 com a clara intenção de criar uma exceção à regra de proteção dos animais. O primeiro mecanismo foi a Lei n.º Lei nº 13.364/2016, que elevou o rodeio e a vaquejada à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial. Depois, em 07/junho/2017, houve a edição da Emenda Constitucional - EC n.º 96, que acrescentou o § 7º ao art. 225 da CF/88, determinando que práticas desportivas que utilizem animais não são consideradas cruéis”.
A edição da EC n.º 96 e da Lei n.º 13.364/2016 representa é um típico exemplo do processo político que envolve os fatores reais de poder presentes no Congresso Nacional e, também, revela a disputa velada entre os membros do poder legislativo e os ministros do Supremo Tribunal Federal-STF; pois, pode-se se afirmar que o verdadeiro objetivo das normas não foi resguardar a cultura, mas superar a posição da jurisprudência do STF contraria às atividades econômicas e culturais que submetem os animais a tratamentos cruéis.
A pratica desportiva envolvendo animais divide opiniões, havendo quem defenda e quem abomine. As associações protetoras dos animais, por exemplo, criticam as vaquejadas, alegando que os bois e cavalos envolvidos sofrem maus tratos e que, com frequência, ficam com sequelas decorrentes das agressões e do estresse que passam. O Ministro Marco Aurélio, por ocasião da análise da ADI n.º 4983/CE afirmou que laudos técnicos contidos no processo demonstravam as consequências nocivas à saúde dos animais, destacando: fraturas nas patas e rabo, ruptura de ligamentos e vasos sanguíneos, eventual arrancamento do rabo e comprometimento da medula óssea. Já os defensores da atividade sustentam: a) que os animais não sofrem maus tratos; b) que a prática representa um traço centenário da cultura do povo nordestino; c) que a atividade é um esporte e, d) que a atividade gera emprego e renda.
Com a decisão, o STF entendeu que a expressão crueldade, constante da parte final do inciso VII do § 1º do art. 225 da CF/88, engloba a tortura e os maus-tratos sofridos pelos animais durante as práticas culturais e desportivas.
Em todos os casos, o STF, utilizando a técnica da ponderação para resolver conflitos específicos entre manifestações culturais e proteção ao meio ambiente, firmou entendimento a favor de afastar práticas de tratamento inadequado a animais, mesmo dentro de contextos culturais e esportivos.
No caso, conforme explicado, a proteção dos animais contra tratamentos cruéis e maus tratados é um direito tutelado pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, um direito fundamental de terceira geração que constituiu cláusulas pétreas, não podendo ser abolido nem restringido, ainda que por emenda constitucional.
2.2. OS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE OBRIGAÇÕES?
Para nosso ordenamento jurídico, sujeito de direitos é aquele titular de direitos e deveres em uma relação jurídica, sendo a personalidade inerente ao ser humano. Visto desta ótica o animal é objeto de direito, pois não possui personalidade própria, é propriedade de alguém que seja sujeito de direitos.
O artigo 5º da Constituição federal de 1988 enumera os direitos fundamentais aos humanos, no entanto não inclui os animais deixando que este entendimento seja o da Lei 6938/81, já que é a citada lei que dispõe sobre a proteção de outras formas de vida.Essa visão não é ecológica, é econômica e humanista, pois não se tem uma visão ecológica como na ótica de Fritjof Capra que diz que a "ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivo e concebe os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida".(CAPRA, Fritjof. 1996, p. 26.)
Essa coisificação do ser ocorre na Constituição Brasileira de 1988 de forma cristalina em seu artigo 225, ao declarar que é direito do homem um meio ambiente equilibrado, e como decorrência desse direito é que não se deve praticar crueldade contra animais. No entanto também foi estabelecido por essa mesma Constituição a função social da propriedade, o que acabou por restringir o uso dos bens em razão de sua função ecológica, haja vista a supremacia do interesse publico, já que este é um bem de natureza difusa.
Só que desta forma cria-se um paradoxo, afinal se todos temos o dever de proteger a natureza, incumbindo ao poder público a proteção da fauna e da flora, tem-se que a natureza é um bem jurídico Constitucionalmente tutelado, portanto como pode não ser um sujeito de direitos? Ao mesmo tempo questiona-se que se a natureza é detentora de valor intrínseco, como pode os animais que nela habitam e coexistem não serem sujeitos de direitos?
Ao colocar o representante do Ministério Publico como porta-voz dos animais para representá-los juridicamente, a preocupação é com o meio ambiente que deve ser ecologicamente equilibrado para o homem, e não para proteger sujeitos de direitos que tais como crianças não têm como defender-se juridicamente.
Outro ponto negativo, objeto de discussão neste trabalho é que esta Constituição continua a considerar os animais como propriedade, ora do Estado ora do particular de acordo com características deste, ou seja, são protegidos mediante o caráter do direito de propriedade e não por seu valor intrínseco. São objetos de direito.
Eis que os animais domésticos são considerados pelo direito civil como objetos passiveis de direitos reais.Independente da natureza jurídica dos animais, a Constituição instituiu a natureza como objeto de direito, para que se efetivasse a preservação do meio ambiente.Desta forma foi extinta a noção de propriedade absoluta e exclusiva para dar ênfase ao uso condicionado ao bem estar social, o que por si só gerou a tutela do meio ambiente, e a proteção da fauna.
Independentemente de como você vê o conteúdo de direitos dos animais, os direitos dos animais são, básicamente, direitos humanos. Estes são direitos concedidos a pessoas para limitar o comportamento de outras pessoas no tratamento de animais.
Por esta razão, os animais não têm obrigações. Os deveres pertencem às pessoas que querem estabelecer limites e a pessoas que restrigem a liberdade de animais, ou seja, constitucionalmente falando, o bem jurídico a ser protegido pelo artigo 225 da Constituição é o homem e não os animais.
2.2.1 A obrigação dos humanos em reação aos não humanos
Os direitos de terceira geração, o que interessa em nosso caso, são aqueles referentes a solidariedade ou fraternidade que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, com qualidade de vida, progresso, paz e outros direitos difusos que não se esgotam em uma pessoa, mas se espalham para coletividade indeterminada. Existindo nesse contexto, uma obrigação do homem para com o qual, direitos que ultrapassam os desejos individuais, indo de encontro ao bem estar coletivo. Sendo que a forma como o home se relaciona com os animais mudou.
A Constituição ao elencar esse direito para “todos”, cria para o homem uma obrigação para como os animais.
3 - CONCLUSÃO
A própria vida de uma forma em geral, guarda consigo o elemento dignidade, ainda mais quando a dependência entre espécies naturais é cada vez mais reiterada no âmbito cientifico e jurídico. A consagração de direitos à natureza é fundada na noção de que o ambiente é portador de direitos oriundos de seu valor intrínseco, independentemente do uso que o homem lhe dá. Afinal, o debate sobre a atribuição de direitos à natureza em geral, ou aos animais em especial, tem suscitado discussões importantes na doutrina, bem como o fato do direito animal constitucional estar mobilizando forças jurídicas e morais no sistema brasileiro.
É indubitável que a legislação brasileira acerca do assunto é vasta, mas não é suficiente para que possamos entender o valor intrínseco da natureza e os direitos dos animais não-humanos, pois, certamente, a conscientização da população é de fundamental importância, e a educação o principal instrumento para se alcançar esse objetivo. No entanto, isso não priva a utilidade do Direito como uma ferramenta útil no processo de mudança de paradigma.
Nesse prisma, a Constituição Federal de 1988, no art. 225, § 1º, VII, ao vedar a prática cruel contra os animais, mostra de forma translúcida sua preocupação com o bem-estar dos animais não-humanos, reprovando uma visão meramente instrumental da vida animal. Sendo assim, a Magna Carta, ao tutelar a função ecológica da flora e da fauna, contempla a proteção integrada dos recursos naturais e reconhece a vida animal com um fim em si mesmo.
Por fim, como decorrência do reconhecimento da dignidade de tais vidas não humanas, sob o marco jurídico constitucional da proteção dos animais, projeta-se um conjunto de deveres fundamentais que vinculam o Estado e a sociedade, questionando-se, inclusive, a respeito da existência de autênticos direitos atribuídos aos animais, ou pelo menos de interesses fundamentais juridicamente tuteláveis.
4 - REFERÊNCIAS
ACKEL FILHO, Diomar. Direitos dos animais. São Paulo: Themis Livraria e Editora, 2001, p. 75.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF, Pleno, ADI 1.856-6-RJ, Medida Liminar, Rel. Min. Carlos Veloso, decisão unânime, Diário de Justiça, Seção I, 22 set. 2000, p. 69.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF, REXT 153.531-8-SC, Rel. Min. Francisco Resek, decisão em 03.06.97
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília. Senado Federal, 1988. Art. 225. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
BRASIL. Lei nº 13.364 de 29 de novembro de 2016, Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 de novembro de 2016. Art. 1º Esta Lei eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial. Art. 2º O Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, passam a ser considerados manifestações da cultura nacional.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília. Senado Federal, 1988. Disponível em www.planalto.gov.br – Acesso em 02 de out. 2017. § 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem estar dos animais envolvidos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 96, de 2017) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326838.Acessado em 10 de março. 2018.
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