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Síntese analítica da obra "Que é uma Constituição?", de autoria de Ferdinand Lassalle

Trata-se de uma síntese analítica que os autores elaboraram quando eram discentes do programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Mestrado em Direito - UFRN).

Capítulo I – QUE É UMA CONSTITUIÇÃO?

 

O autor inicia este capítulo lançando a pergunta do que seria uma Constituição, aduzindo que em todo lugar e a toda hora se ouve falar da mesma e dos problemas dela decorrentes.

 

Em seguida relata que a definição da mesma não é tão fácil como arrisca a maioria das pessoas. Segundo Lassalle, para muitos, Constituição é apenas um texto escrito, tido como a principal Lei de um Estado. Para tanto cita que muitos procurariam o volume que fala da legislação da Prússia de 1850 até encontrarem dispositivos da Constituição do reino da Prússia[1]. Para outros, um pacto juramentado entre o rei e o povo, estabelecendo os princípios alicerçadores da legislação e do governo dentro de um país.

 

No entanto, estas respostas[2] distanciam-se muito de explicar a pergunta feita por ele no início deste capítulo, pois limitam-se a descrever exteriormente como se formam as Constituições e o que fazem, mas não explicam o que é uma Constituição. Não esclarecem onde está a essência constitucional.

 

Lassalle ressalta que primeiramente torna-se necessário sabermos qual a verdadeira essência de uma Constituição, para só então, sabermos se a Carta Constitucional determinada e concreta se acomoda ou não às exigências substanciais.

 

Visando responder ele mesmo a pergunta por si formulada, Lassalle aduz que para definirmos o conceito de Constituição é necessário que se aplique seguinte método (simples, usual e altamente eficaz): comparar a coisa cujo objeto não sabemos com outra semelhante a ela, esforçando-nos para penetrar clara e nitidamente nas diferenças que afastam uma da outra.

 

Para tanto, compara a Constituição a uma Lei.

 

LEI E CONSTITUIÇÃO

 

Lassalle ensina que a lei e a Constituição, possuem uma essência genérica comum: o fato de necessitar de aprovação legislativa. Neste aspecto a Constituição é uma lei. Só que não é uma lei como as demais. É uma lei superior.

 

Visando demonstrar que a Constituição é mais que uma simples lei, o autor exemplifica o seguinte fato: quando é aprovada uma lei, que altera dispositivo(s) de uma lei anterior, visando acompanhar uma mudança comportamental que já se incorporou aos costumes de uma determinada sociedade, ou quando ocorre a edição de uma lei que aborda um assunto inédito, a sociedade, comumente, não protesta. Contudo, se se visa a alteração do texto constitucional, tal sociedade grita: Deixai a Constituição!! Vê-se aqui então, indubitavelmente, uma diferença básica entre Lei e Constituição, sendo esta algo de mais sagrado, de mais firme e de mais imóvel que uma lei comum.

 

 Lassalle recorda que muitos juristas dizem que uma Constituição é uma lei fundamental. E esta é também sua concepção[3]. Porém de modo a se clarear ainda mais, questiona qual a diferença entre uma lei e uma lei fundamental? Para responder a tal pergunta Lassalle sugere a ocorrência simultânea das seguintes características:

  1. – que a lei fundamental seja uma lei básica, mais do que as outras comuns;
  2. – que constitua o verdadeiro fundamento das outras leis, ou seja, como lei fundamental, deve informar e engendrar as outras leis comuns originárias da mesma;
  3. – que por servir de fundamento a outras leis, imponha às mesmas que estas não ocorram por um capricho. Neste sentido, as leis existem porque, necessariamente, devem existir. Somente as coisas que carecem de fundamento (causais e as fortuitas), podem ser como são, ou mesmo de qualquer outra forma; já as que possuem um fundamento não.

 

Já respondendo à pergunta inicial, Lassalle, de forma ainda tímida, afirma que a Constituição é “uma força ativa que faz, uma exigência da necessidade, que todas as outras leis e instituições jurídicas vigentes no país sejam o que realmente são, de tal forma que, a partir deste instante, não podem decretar, naquele país, embora quisessem, outras quaisquer”.

 

Capítulo II – OS FATORES REAIS DO PODER

 

Neste capítulo, Lassalle responde ao próprio questionamento que fez no último parágrafo do capítulo anterior: “será que existe em algum país (...) alguma força ativa que possa influir de tal forma em todas as leis do mesmo, que as obrigue a ser necessariamente, até certo ponto, o que são e como são, sem poderem ser de outro modo?”. Como resposta, este autor afirma que existe sim, sem dúvida, tal força. E esta se apóia nos fatores reais do poder que regem uma determinada sociedade.

 

Visando ilustrar a ideia exposta acima, o autor sugere que imaginemos (exemplo hipotético) que vários incêndios simultâneos destruíssem todos os arquivos do Estado da Prússia, presentes em órgãos públicos, bibliotecas públicas e particulares, órgão de imprensa oficial onde se imprimia a Coleção legislativa, de tal modo que em toda Prússia não fosse possível achar um único exemplar das leis do país. E então lança o seguinte questionamento: estaria o legislador, completamente livre para fazer leis a capricho de acordo com o seu modo de pensar?

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A MONARQUIA

 

Se diante do fato acima exposto, fossem redigidas novas leis que não reconhecessem à monarquia as prerrogativas que até agora teriam gozado (ao amparo das leis destruídas), ou até mesmo que não lhe reconhecesse atribuição alguma. Enfim: não queremos a monarquia, certamente o monarca responderia: as leis podem ter sido destruídas, mas o Exército subsiste e me obedece; os comandantes dos arsenais e quartéis põem nas ruas os canhões e as baionetas quando eu ordenar, e, apoiado neste poder real, não tolero que venham me impor posições e prerrogativas em desacordo comigo. Este rei, com todo esse poder, é parte da Constituição.

 

 

A ARISTOCRACIA

 

A mesma ideia exposta no parágrafo anterior seria aplicável em relação à aristocracia, uma vez que os aristocratas prussianos (proprietários de terras pertencentes à nobreza) possuíam grande influência na Câmara dos Deputados (composta por representantes eleitos pelos votos dos cidadãos), formando uma câmara alta que fiscalizava os acordos da referida daquela casa legislativa, recusando os acordos que fossem contrários aos seus interesses. Por esta razão, não seria difícil aos grandes fazendeiros que tivessem à sua disposição o Exército e os canhões, de modo que se pudessem defender seus interesses. Neste sentido, uma nobreza influente e bem vista pelo rei é também parte da Constituição.

 

 

A GRANDE BURGUESIA

 

 

 Neste tópico, Lassalle assevera que a grande produção, a indústria mecanizada, não poderia progredir com uma Constituição do tipo gremial, uma vez que tais indústrias exigem, sobretudo, ampla liberdade da fusão dos mais diferentes ramos do trabalho nas mãos de um mesmo capitalista, necessitando ao mesmo tempo da produção em massa e a livre concorrência. Na seqüência, questiona: “que viria a acontecer se, nestas condições e a despeito de tudo, obstinadamente implantassem hoje uma Constituição gremial?”

 

Como resposta, afirma que os Srs. Borsig, Egels (grandes industriais de tecidos da época) fechariam as suas portas, despedindo funcionários, e até as companhias de estradas de ferro seriam obrigadas a agir da mesma forma. O comércio e a indústria ficariam paralisados e uma multidão de homens sairia à praça pública, pedindo, exigindo pão e trabalho. Atrás dela a grande burguesia, animando-a com sua influência, instigando-a com seu prestígio, sustentando-a com seu dinheiro, viria à luta, na qual o triunfo não seria da armas. Neste caso, Borsig, Egels e os grande industriais são também um fragmento da Constituição.

 

OS BANQUEIROS

 

Neste tópico Lassalle afirma que seria prejudicial a um governante se este implantasse, em seu Governo, uma medida excepcional que ferisse os interesses dos grandes banqueiros, pois de vez em quando o Governo sente apertos financeiros devido à necessidade de investir grandes quantias de dinheiro que não tem coragem de tirar do povo, por meio de impostos ou aumento dos já existentes. Neste caso fica o recurso de contrair empréstimos, entregando a troca de dinheiro que recebe adiantadamente, papel da dívida pública. Para tanto, necessita dos banqueiros. Por este motivo a nenhum governo convém indispor-se com eles.

 

Desta feita, percebe-se que os grandes banqueiros da época, como Mandelssohn, Schickler, a Bolsa são também parte da Constituição.

 

Por fim, Lassalle afirma que, dentro de certos limites, a consciência coletiva e a cultura geral da Nação também são partículas, e não pequenas, da Constituição.

 

A PEQUENA BURGUESIA E A CLASSE OPERÁRIA

 

Neste tópico Lassalle questiona se seria possível privar a liberdade política da pequena burguesia e da classe operária, de modo a proteger e satisfazer os privilégios da nobreza, dos grandes industriais, dos banqueiros e dos grandes capitalistas. Ele próprio responde que sim, mesmo que fosse transitoriamente.

 

Questiona ainda se, em defesa dos interesses da nobreza, dos grandes industriais, dos banqueiros e dos grandes capitalistas, o Governo poderia tirar à pequena burguesia e ao operariado a sua liberdade pessoal, transformando-os em escravos ou em servos (tornando-o à situação em que viveu durante os tempos da idade média). A esta pergunta responde que não, embora estivessem aliados ao rei a nobreza e toda a grande burguesia, pois o povo protestaria, gritando: antes morrer do que ser escravos! A resistência a este bloco seria invencível, pois nos casos extremos e desesperados o povo também é parte integrante da Constituição.

 

Capítulo III – OS FATORES DO PODER E AS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

 

Neste capítulo Lassalle, em síntese, define como Constituição de um país: “a soma dos fatores reais do poder que regem um país”. Juntam-se tais fatores reais de poder, escrevem-nos em uma folha de papel e a partir deste momento não são mais simples fatores reais de poder, mas um verdadeiro direito e quem atenta contra a lei será punido. Este processo transforma os fatores reais de poder em fatores jurídicos.

 

O SISTEMA ELEITORAL DAS TRÊS CLASSES

 

Neste tópico Lassalle cita o caso da lei eleitoral das três classes[4] (que dividiu a Prússia em três grupos de eleitores, de acordo com os impostos por eles pagos e que naturalmente estarão de acordo com as posses de cada eleitor, onde, em outras palavras, garantia ao opulento o mesmo poder político que 17 cidadãos comuns, ou melhor, que nos destinos políticos do país o capitalista terá uma influência 17 vezes maior que um simples cidadão sem recursos) como exemplo da afirmação de que era bastante fácil, legalmente, usurpar aos trabalhadores e à pequena burguesia as suas liberdade políticas, sem entretanto, despojá-los de modo imediato e radical dos bens pessoais constituídos pelo direito à integridade física e à propriedade.

 

A CÂMARA SENHORIAL OU SENADO

 

Aqui Lassalle ressalta que se a Constituição quiser determinar que o Poder fique estabelecido nas mãos de um punhado de grandes proprietários da aristocracia cuidará de fazê-lo de maneira que não diga tão às claras, de forma grosseira, bastando dizer que: os representantes da grande propriedade sobre o solo que o forem por tradição, e mais outros elementos secundários formarão uma Câmara Senhorial ou Senado, com a atribuição de aprovar ou não os acordos feitos pela Câmara dos Deputados eleitos pela Nação, que não terão valor legal se forem rejeitados pelo Senado.

 


[1] Exemplo mais próximo de sua realidade, no Século XIX.

[2] Segundo Lassalle

[3] Apesar de não ser o bastante para definir o que seria uma Constituição.

[4] Vigorou na Prússia desde o ano de 1849 até a revolução de 1918.

Sobre os autores
Valfredo de Andrade Aguiar Filho

Professor da Universidade Federal da Paraíba, Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá.

Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Informações sobre o texto

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