Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Poderá o trabalhador que se recusar a tomar vacina ser demitido por justa causa?

Agenda 16/02/2021 às 13:23

Com o início da vacinação contra a Covid-19 como fica o contrato de trabalho em relação ao conflito de interesses entre o dever do empregador em manter um ambiente de trabalho seguro e saudável e o direito individual da livre escolha do empregado?

Na esteira da decisão do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, podendo impor aos cidadãos que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola, etc.), nos deparamos com a questão relacionada ao conflito entre o dever do empregador em zelar pelo local de trabalho como um ambiente seguro e saudável e a liberdade individual do empregado em relação à sua livre escolha.

Importante salientar que o STF privilegiou o entendimento de que os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais, afastando, no entanto, a possibilidade de vacinação forçada ou medidas invasivas.

Com o início da campanha de vacinação no Brasil em meados do mês de janeiro de 2021 e com a ampliação dos grupos prioritários nos meses subsequentes, empregados e empregadores se depararão com a questão prática referente à licitude da exigência por parte da empresa quanto à obrigatoriedade da vacinação dos seus colaboradores contra a Covid-19 em detrimento da liberdade da pessoa humana em escolher não ser vacinada.

Muitas perguntas remontam sobre estas questões:

  1. Poderá o empregado ajuizar ação trabalhista para discutir a responsabilidade do empregador que se absteve de adotar medidas preventivas e descumpriu seu dever de zelar pelo ambiente seguro no local de trabalho possibilitando a contaminação dento da empresa?
  2. Poderá o empregador exigir comprovante de vacinação dos seus colaboradores sob pena de aplicação de penalidades ou até mesmo a proceder com a dispensa por justa causa?
  3. Seriam caracterizados atos discriminatórios as políticas de contratação de empresas que exigem o comprovante da vacinação?

Não há até o momento entendimentos jurisprudenciais quanto a esta matéria, bem como não existe lei específica que preveja a restrição de direitos para quem se recusar a tomar a vacina, o que nos leva à conclusão de que, na presente data, não há respostas concretas às perguntas acima suscitadas.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou um Guia Técnico Interno sobre vacinação da Covid – 19, trazendo orientações sobre o tema.

 Para o MPT, seguindo o princípio de que a vacina é uma proteção coletiva, a recusa à vacina permite a imposição de consequências em virtude da sobreposição do interesse coletivo sobre o individual e pela solidariedade ser uma das bases da criação de nossa Constituição Federal.

Diante do fato de que a empresa tem a obrigação de incluir em seu Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) o risco existente no ambiente de trabalho à exposição a agentes biológicos, tal qual o risco de contágio ao Covid-19, deverá ser também considerado no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) a vacinação dos colaboradores, como já é previsto o uso de máscaras e medidas de distanciamento.

Ora, compete às empresas, portanto, ter organização e planejamento de cumprir com seu dever de impedir a transmissibilidade do vírus entre seus empregados no ambiente de trabalho, criando protocolos rígidos para acesso ao local de trabalho, como medições de temperatura, restrições de acesso a terceiros, formulário de pesquisa sobre sintomas, programas de conscientização sobre higiene e saúde, limpeza e desinfecção de ambiente e palestras sobre a importância da prevenção e da vacinação em massa como meio de se alcançar a imunidade coletiva e evitar a transmissão não só entre os colegas de trabalho, mas também no ambiente familiar e social.

Portanto, entendemos que a partir do momento em que aquela região tiver disponibilidade de vacinas e o Plano Nacional de Imunização contemplar o grupo de trabalhadores, deverá a empresa colocar em prática sua política de prevenção para cumprir com o dever que lhe é imposto de proteger a saúde e integridade de seus colaboradores reduzindo ao máximo o risco de transmissões pela Covid-19.

Inicialmente, por em prática um programa sério de conscientização é a premissa básica para aumentar o número de adesões voluntárias entre os trabalhadores para a vacinação e, após, havendo recusas entre os colaboradores, deve-se iniciar uma política de diálogo para entender a motivação para aquela negativa.

Se o empregado comprovar a impossibilidade para receber o imunizante por meio de apresentação de laudos médicos, por ser portador de doenças que afetam o sistema imunológico, pessoas alérgicas, grávidas ou lactantes, entre outros, estará justificada a recusa em ser vacinado, pelo que, neste caso, a empresa deverá criar formas de manter o funcionário trabalhando de forma remota, via home office, para evitar sua exposição ao agente biológico.

Não havendo uma recusa justificada, dentro da análise individual de cada caso, poderá a empresa iniciar com as sanções em virtude de que aquele trabalhador, injustificadamente, se recusa a obedecer com os protocolos de prevenção e colocam os demais obreiros em risco de contaminação por doença comprovadamente grave e fatal.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O roteiro de sanções pode incluir advertências, suspensões, reiteração e em última instância e em casos mais graves, a demissão por justa causa por ato de indisciplina ou de insubordinação.

O tema é controverso e, como exposto, a demissão por justa causa deve se dar em casos graves e como última alternativa para evitar a exposição dos demais obreiros a condições inseguras, sendo importante ressaltar que há o entendimento de que a obrigatoriedade fere a livre escolha do colaborador e pode dar margens para processos trabalhistas, observando-se que do ponto de vista empresarial, o risco da demissão por justa causa ainda é alto e a orientação hoje vai no sentido de conscientizar os trabalhadores por meio de políticas e campanhas internas da empresa.

Uma vez que a Justiça do Trabalho não tenha se debruçado sobre casos específicos e não trazendo a legislação atual uma solução para o problema, empregadores e empregados devem ter parcimônia e cada caso deve ser analisado individualmente de acordo com suas particularidades, buscando-se uma solução razoável e proporcional para a manutenção da relação de emprego.


FONTES

https://mpt.mp.br/pgt/noticias/estudo_tecnico_de_vacinacao_gt_covid_19_versao_final_28_de_janeiro-sem-marca-dagua-2.pdf

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-empregado-pode-ser-obrigado-a-tomar-a-vacina/

https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2021/02/09/trabalhador-que-recusar-vacina-pode-ser-demitido-por-justa-causa-diz-mpt.htm

Sobre o autor
Edson Luís de Campos Bicudo Junior

Advogado inscrito na OAB/SP sob o nº 375.053. Graduado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e com pós-graduação em Direito Processual Civil no Damásio Educacional. Sócio Fundador do Escritório Christofoletti & Campos Bicudo Sociedade de Advogados, com atuação nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Empresarial, Imobiliário e do Trabalho. E-mail: edson@cecbadvogados.com.br

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo científico elaborado para publicação inicial no site www.cecbadvogados.com.br

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!