UMA PREOCUPAÇÃO COM RELAÇÃO A RESPONSABILIDADE FISCAL
Rogério Tadeu Romano
I – O FATO
Após um novo reajuste de combustíveis pela Petrobrás, o presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quinta-feira, 18, durante live semanal no Facebook, que a partir de 1.° de março não haverá qualquer imposto federal sobre o preço do óleo diesel. Bolsonaro considerou o aumento anunciado pela Petrobrás, o quarto do ano, “fora da curva” e “excessivo”. Ele reforçou que não pode interferir na estatal, mas ressaltou que a medida “vai ter consequência”.
Os tributos federais que incidem sobre o diesel são PIS, Cofins e Cide. Com o anúncio da estatal, óleo diesel vai ficar 15,2% mais caro a partir de hoje, e a gasolina, 10,2%. Em 2021, diesel e a gasolina já acumulam alta de 27,5% e 34,8%, respectivamente.
II – A ATUAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA PETROBRAS
Essa expressão “vai ter consequência” envolveria a exoneração do atual presidente da sociedade de economia mista. Mas ela envolve uma decisão do Conselho de Administração da companhia dentro das regras da Lei de Sociedade Anônima.
Todas as sociedades de economia mista abertas como a Petrobras, tem necessariamente um Conselho de Administração.
Além disso o artigo 238 da Lei de Sociedades Anônimas define a responsabilidade da pessoa jurídica controladora da companha de economia mista, que tem os mesmos deveres e responsabilidades do acionista controlador, que são enunciados nos artigos 116 e 117 daquela norma. A União Federal, para o caso, a partir das ações do Executivo Federal, deve orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação, devendo respeitar os direitos dos chamados acionistas minoritários.
Conforme ensinou Rubens Requião em seu livro Curso de Direito Comercial (Ed. Saraiva, 2012, vol. 2º, pág. 250): “... Como componente do órgão de execução, estabelece a política econômica, social e financeira a ser seguida pela sociedade, e exerce permanente vigilância sobre os executivos lotados na diretoria.”
Compete ao Conselho de Administração:
I - fixar a orientação geral dos negócios da companhia;
........
Portanto, uma decisão que leve a uma exoneração arbitrária do presidente da companhia deverá ser objeto de apuração e decisão pelo Conselho de Administração.
III - A CIDE
Em especial falo da CIDE, uma contribuição de intervenção econômica.
As CIDEs são contribuições regulatórias, utilizadas como instrumento de política econômica para enfrentar determinadas situações que exijam a intervenção da União na economia do país.
Mas ensinou Ives Gandra da Silva Martins(Limites constitucionais às contribuições no domínio econômico):
"A contribuição de intervenção no domínio econômico deve respeitar a livre iniciativa (caput do art. 170 e inciso II) a livre concorrência (inciso IV do art. 170) e o planejamento meramente indicativo para o setor privado (art. 174)". Como se percebe, sendo a contribuição de intervenção no domínio econômico instrumento de planejamento econômico, à nitidez, não pode ser utilizada de forma determinante para o setor privado, e, principalmente, para seguimentos que não estejam desregulador, descompassados ou vivenciando evidente crise de competitividade ou de subsistência. Sendo um instrumento interventivo, apenas pode ser adotado excepcionalmente e quando detectado o desequilíbrio de mercado que deva ser superado. Caso contrário, a contribuição conformaria uma forma de planejamento determinante para o seguimento privado, o que vale dizer, se tornaria um tributo maculador da Lei Suprema".
Observo aspectos dessa CIDE sobre combustíveis.
É contribuinte: A pessoa jurídica que importar ou comercializar no mercado interno petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool etílico combustível.
Incidência Sobre a importação ou comercialização desses produtos.
Alíquota Específicas, ou seja, determinado valor em reais sobre a unidade de medida estabelecida em lei, como base de cálculo.
Base de Cálculo No caso, metros cúbicos (m3) ou toneladas (t).
É importante salientar que com a enorme quantidade de tipos de combustíveis, faz-se necessário consultar sempre o Decreto 4.565/2003, que regulamenta esse tipo de CIDE, para a aplicação correta de suas alíquotas específicas e correspondente dedução do PIS e COFINS.
Com advento da Emenda Constitucional n° 42/2003 o § 2° do art. 149 da CF/88, passou a dispor que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico:
“II – incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços”.
Com essa nova redação dada ao supracitado inciso, pela Emenda Constitucional n° 42/2003, houve a ampliação da incidência para toda e qualquer importação de produtos estrangeiros ou serviços com isso somando-se aos itens da Emenda Constitucional n° 33/2001.
Prevê o artigo 177, § 4°, I “b” da Constituição Federal:
§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
I - a alíquota da contribuição poderá ser: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
a) diferenciada por produto ou uso; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
b)reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001).
Assim a contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível - CIDE, no caso de redução ou restabelecimento de sua alíquota por ato do Poder Executivo.
Há ainda com relação a CIDE exceção com relação a aplicação do princípio da legalidade formal.
Essa exceção aos princípios da legalidade e da anterioridade está encartada no art. 177 § 4°, I, “b” da Constituição Federal, consistente na possibilidade de o Poder Executivo reduzir ou restabelecer a alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível. Esta exceção se materializa por decreto presidencial, e passou a ter previsão no texto Constitucional com a Emenda Constitucional n° 33/2001. .
Assim há exceção ao princípio da anterioridade no tocante à CIDE Combustíveis (possibilidade de alteração de alíquotas pelo Executivo – art. 177, par. 4º, inciso I, letra “b” CF), não se aplicando o disposto no artigo 150, III, b, da Constituição(Emenda Constitucional 33, 2001).
IV - PIS E COFINS SOBRE COMBUSTÍVEIS
Passo ao PIS e COFINS.
O PIS e a Cofins, regra geral, são tributos plurifásicos, ou seja, incidem ao longo da cadeia de comercialização de um produto. Tanto a indústria quanto o atacado e o varejo calculam as contribuições sobre suas vendas.
Alguns produtos, no entanto, estão enquadrados em uma sistemática onde o PIS e a Cofins são concentrados no início da cadeia, a qual recebe o nome de “incidência monofásica” ou “tributação concentrada”. Basicamente, o fabricante ou importador desses produtos aplicam alíquotas maiores que as usuais e o restante da cadeia (atacadistas e varejistas) fica desonerada do pagamento das contribuições.
Trago a orientação de Fábio Rodrigues de Oliveira, no portal busca legal, onde ensina:
“Desde a Lei nº 11.727/2008, esta sistemática diferenciada, em relação ao álcool, não está mais restrita ao produto para fins carburantes. Alcança, dessa forma, inclusive o álcool de uso doméstico (Solução de Consulta Cosit nº 611/2017). O álcool em gel, classificado na NCM 3808.94.29 (pertencente à subposição dos desinfetantes), no entanto, é tributado normalmente pelas contribuições sociais (Solução de Consulta Cosit nº 98279/2017).
Como é possível observar pela tabela, não estão sujeitos a esta forma diferenciada de tributação, por exemplo, os lubrificantes e o Gás Natural Veicular (GNV), os quais são tributados normalmente.
E conforme prevê a Instrução Normativa RFB nº 1.911/2019 (art. 302, § 1º), esta sistemática também não alcança a nafta petroquímica importada ou adquirida no mercado interno por centrais petroquímicas, na hipótese de a produção residual de gasolina e diesel ser inferior a 12% do volume total de produção decorrente da nafta adquirida.”
Segundo dados da Petrobrás de setembro de 2019, o preço da gasolina repassado ao consumidor tem a seguinte composição:
Distribuição e revenda |
13% |
Custo Etanol Anidro |
12% |
ICMS |
30% |
Cide, PIS/PASEP e Cofins |
16% |
Realização Petrobras |
29% |
O valor da gasolina vai, portanto, para o pagamento de impostos. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o lucro dos postos de gasolina fica em cerca de 10%, enquanto as distribuidoras recebem cerca de 4% e o custo com transporte equivale a 2%.
A título de exemplo, Fábio Rodrigues, na obra mencionada, no caso de venda de óleo diesel, pensando em uma cadeia, mostra-nos o seguinte cenário:
Venda do produtor para o distribuidor |
Venda do distribuidor para o varejista |
Venda do varejo para o consumidor final |
|||
PIS |
COFINS |
PIS |
COFINS |
PIS |
COFINS |
4,21% |
19,42% |
0% |
0% |
0% |
0% |
Já no caso de álcool, onde temos o “monofásico bifásico”, teríamos:
Venda do produtor para o distribuidor |
Venda do distribuidor para o varejista |
Venda do varejo para o consumidor final |
|||
PIS |
COFINS |
PIS |
COFINS |
PIS |
COFINS |
1,50% |
6,90% |
3,75% |
17,25% |
0% |
0% |
Além da alíquota zero para atacadistas e varejistas, temos previsão de não incidência em relação às receitas decorrentes da venda de querosene de aviação quando:
I – auferidas por pessoa jurídica não enquadrada na condição de importadora ou produtora; ou
II – auferidas pelo produtor ou importador na venda de querosene de aviação à pessoa jurídica distribuidora, quando o produto for destinado ao consumo por aeronave em tráfego internacional.
E quando destinados à navegação de cabotagem e de apoio portuário e marítimo, está suspenso o pagamento do PIS e da Cofins no caso de venda de:
I – óleo combustível, tipo bunker, MF (Marine Fuel), classificado no código 2710.19.22 da Tipi;
II – óleo combustível, tipo bunker, MGO (Marine Gas Oil), classificado no código 2710.19.21 da Tipi; e
III – óleo combustível, tipo bunker, ODM (Óleo Diesel Marítimo), classificado no código 2710.19.21 da Tipi.
As regras aplicáveis em relação à não incidência e à suspensão estão previstas a partir do art. 316 e 320 da IN RFB nº 1.911/2019, respectivamente.
Como disse Fábio Rodrigues de Oliveira, Desde 2004, com o advento da Lei nº 10.865/2004, temos incidência de PIS-Importação e Cofins-Importação na importação de produtos ou serviços.
E conforme prevê a citada Lei, em seu art. 8º, § 8º:
§ 8º A importação de gasolinas e suas correntes, exceto de aviação e óleo diesel e suas correntes, gás liquefeito de petróleo (GLP) derivado de petróleo e gás natural e querosene de aviação fica sujeita à incidência da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, fixadas por unidade de volume do produto, às alíquotas previstas no art. 23 desta Lei, independentemente de o importador haver optado pelo regime especial de apuração e pagamento ali referido.
Essa mesma regra é aplicável ao biodiesel, conforme prevê a Lei 11.116/2005:
Art. 7º A Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação, instituídas pelo art. 1º da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, incidirão às alíquotas previstas no caput do art. 4º desta Lei, independentemente de o importador haver optado pelo regime especial de apuração ali referido, observado o disposto no caput do art. 5º desta Lei.
E, daí, conclui Fábio Rodrigues:
“Portanto, em relação à importação destes produtos não serão aplicadas as alíquotas diferenciadas em percentuais, mas aquelas já em Reais sobre a Unidade de Medida do Produto, constantes do tópico 3.1.
Já na importação de álcool, no entanto, o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação serão calculadas com alíquotas de, respectivamente, 2,1% e 9,65%, independentemente de o importador haver optado pelo regime especial de apuração e pagamento referido no tópico 3.2 (art. 361 da IN RFB nº 1.911/2019).
E esses cálculos não se alteram pelo fato de a pessoa jurídica ser do regime cumulativo ou não cumulativo. Com isso podemos concluir que é vantajoso, em relação aos produtos da incidência monofásica, a empresa ser do regime não cumulativo pois, nestes casos, terá ainda a possibilidade de descontar créditos do valor apurado, como trataremos mais adiante neste artigo.”
V - A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE FISCAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Ora, tem-se a conclusão de que haveria uma substancial diminuição na exação mencionada, dentro daquilo que os estudiosos chamam de “manicômio tributário”. Então quem vai pagar a conta? Isso porque se há diminuição de receita, onde haverá diminuição de despesa? Esse um postulado da Lei de Responsabilidade Fiscal.
“Art.14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.”
Esse artigo impede os incentivos fiscais casuísticos, normalmente, ditados por critérios políticos. Esses incentivos, quase sempre, favorecem determinadas pessoas ou certos setores da economia para sobrecarregar outras pessoas ou outros setores econômicos. Rompem, via de regra, a neutralidade tributária, utilizando-se dos tributos como instrumentos regulatórios da atividade econômica.
Não pode haver despesa não autorizada por lei, pois há aqui reserva de lei.
O artigo 15 da LRF diz tratar-se de despesa não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público, criando as condições para a tipificação do crime no artigo 359 do Código Penal.
No Artigo 10, alínea 4, da Lei de Responsabilidade Fiscal está dito: São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária: 4 – Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.
Aguardemos o desenrolar dos fatos.