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Os prejuízos causados aos sócios da Petrobras nos Estados Unidos

Agenda 01/03/2021 às 10:55

Comentamos a ação coletiva que levou a Petrobras a pagar US$ 2,9 bilhões para encerrar uma disputa judicial com acionistas nos Estados Unidos em 2018 e a nova batalha que a estatal parece estar prestes a enfrentar.

I – O FATO

Informou o site do Jornal O Globo, em 22 de fevereiro de 2021, que o advogado André de Almeida, um dos idealizadores da ação coletiva (class action) que levou a Petrobras a pagar US$ 2,9 bilhões para encerrar uma disputa judicial com acionistas nos Estados Unidos em 2018, já mira uma nova batalha na justiça em Nova York contra a estatal. 

Ele tem entre seus clientes fundos de investimentos que são acionistas da Petrobras e que ficaram insatisfeitos com a intervenção do presidente Jair Bolsonaro para trocar o presidente da empresa, que é controlada pela União, mas tem capital aberto, com ações detidas por milhares de investidores, muitos deles estrangeiros. 

A Almeida Advogados, em parceria com o escritório Wolf Popper LLP, foi quem protocolou a primeira petição que gerou a class action em NY em dezembro de 2014 por conta dos prejuízos causados à Petrobras por conta da série de corrupções descobertas naquela sociedade de economia mista quando da operação Lava-Jato.  

Ainda, relata a imprensa que as ações da estatal como o mercado esperava desde o fim de semana, perderam muito valor em um só dia. Os papéis ordinários (PETR3) recuaram 20,48% enquanto os preferenciais (PETR4, sem direito a voto) caíram 21,51%.

A queda das ações da Petrobras nesta segunda é a maior em percentual desde 9 de março de 2020, quando os papéis preferenciais caíram 29,7% com a crise desencadeada pela epidemia do coronavírus, a maior desvalorização diária da companhia, segundo dados da Economática.

Os papéis da petrolífera até entraram em leilão (quando as negociações ficam suspensas até que os preços se estabilizem) pela manhã por conta da queda acentuada.


II – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NO MERCADO

No contexto de uma economia capitalista, tem-se, no Brasil, que às empresas privadas compete, preferencialmente, com o estimulo e o apoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas.

Tem-se que a intervenção do Estado no domínio econômico assume todas as características de medida exceptiva e, como tal, estritamente limitada em seus pressupostos de admissibilidade.

Tem-se que o Poder Executivo não tem a menor competência jurígena, devendo limitar-se à atividade regulamentar; ou se preferir a análise de Renato Alessi(Principi di Diritto Amministrativo, 4ª edição, tomo I, pág. 229), a Administração Pública não edita atos dispositivos primários e sim complementares, fazendo atuar em concreto os preceitos abstratos da lei, que, lógica e constitucionalmente procedem aqueles.

Tem-se como atual a lição de Fábio Konder Comparato (Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial, 1981, pág. 297), para quem as condições legitimadoras de mérito da intervenção estatal são de ordem positiva e negativa. À exceção ao princípio da livre atividade empresarial deve, em primeiro lugar, fundar-se em motivo de segurança nacional ou ainda na necessidade de organização do setor econômico, que não possa ser realizado com eficácia pelo regime de competição e de liberdade de iniciativa, que é a regra.

Sendo assim, no mercado de ações, tem-se a Comissão de Valores Mobiliários, dotada da função normativa. Ademais, constituem atribuições específicas desse órgão a fiscalização e disciplina do mercado de capitais. No exercício de qualquer desses poderes-funções, é bem de ver que a CVM não se submete a ordens constantes de Decretos não regulamentares do presidente da República e, muito menos, a ordens ministeriais, através de portarias.

A Petrobras, assim como as demais sociedades anônimas, sociedades que integram o sistema de distribuição de valores mobiliários, inclusive as Bolsas de Valores, etc, estão sujeitas à CVM, à luz do que determina a Lei nº 6.385.

Relembre-se que o acionista majoritário tem um sério compromisso para com a empresa de forma a não causar a ela prejuízos e afrontas aos interesses de seus sócios minoritários. 

Lançam-se as lições de Fábio Konder Comparato (O poder de controle na sociedade anônima, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1983, pág. 67), para quem "o desuso ou mau uso do poder não é elemento definidor do status, pois, ainda que o controlador afete desinteressar-se dos negócios sociais, não pode arredar o fato de que o poder de comando se exerce em seu nome, ou por delegação sua, o que a tanto equivale". O acionista controlador deve usar o poder, quer de controle, quer de voto. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir a sua função social. Ora, comete abuso de poder o controlador que orienta a companhia “para fim estranho ao objeto social da empresa”.  

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Dentre as funções normativas atribuídas à CVM pela Lei nº 6.385, sobreleva a de definir “ a configuração de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, ou de manipulação de preço; operações fraudulentas e práticas não equitativas na distribuição ou intermediação de valores(artigo 18, II, alínea “b”). A esse propósito veja-se a Instrução nº 358, dispõe sobre a divulgação e uso de informações sobre ato ou fato relevante relativo às companhias abertas, disciplina a divulgação de informações na negociação de valores mobiliários e na aquisição de lote significativo de ações de emissão de companhia aberta, estabelece vedações e condições para a negociação de ações de companhia aberta na pendência de fato relevante não divulgado ao mercado.

Segundo o artigo 2º daquele ato normativo, considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável: I - na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados; II - na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; III - na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados.

A atuação do presidente da República no caso manifesta um desrespeito aos princípios constitucionais da intervenção estatal na economia.

Não se diga que a pessoa jurídica que controla companhia de economia mista, pelo fato de dever “atender ao interesse pública que justificou a sua criação”, como se diz no artigo 238 da Lei de sociedades por ações, ficaria ipso fato imune às normas de direito privado que atribuem deveres e responsabilidades ao controlador no mercado de capitais. Encontramo-nos diante da chamada “atividade administrativa de direito privado”,  distinta da “atividade privatística da administração”. Enquanto aquela visa ao interesse público, e estoutro liga-se a interesses meramente dominiais do Estado, como ensinou Alessi(obra citada, p. I., n. 145, pág. 266). Mas “interesse público”, no caso, não é interesse estatal, do Estado enquanto pessoa jurídica, dotada de patrimônio e estrutura própria – o que seria simplesmente confundir ambas as categorias de atividade numa só. É o interesse social, como revelou Fábio Konder Comparato(obra citada, pág. 310), o “chamado interesse difuso” da doutrina italiana, comum aos administrados. 

Ademais, a atuação da União Federal, pelo Poder Executivo, como acionista majoritário da Petrobras deve respeitar ainda os interesses dos acionistas minoritários que sofram prejuízos com tal atividade nociva exercida.

O caso poderá render um sério prejuízo para a União Federal, pois, pela Lei das Estatais, é ela que ressarce os danos causados a suas empresas públicas e sociedades de economia mista por conta de sua atuação que as traga ruína. Essa fonte para arcar com esse grande prejuízo seria através da arrecadação de impostos. Ou seja: a sociedade é que iria arcar com tal.   


III – A TÉCNICA PROCESSUAL COLETIVA NOS ESTADOS UNIDOS

Observo, para tal, os procedimentos importantes para cobrança desses prejuízos de acionistas minoritários em solo norte-americano.

Para isso, há a presença de técnicas específicas para o processo coletivo na América.  

Nos Estados Unidos há agências encarregadas de gerenciar interesses metaindividuais, tais como: Environmental Protection Agency; Food and Drug Administration; Securities and Exchange Commission; Federal Trade Commision. Tais agências, além de seu papel de regulação administrativa, podem participar em ações judiciais que envolvam os chamados interesses gerais. 

Estudada com relação ao acesso a Justiça nos Estados Unidos, por diversos autores como Earl Jonhson, Steven Bloch, Elisabeth Schwartz, as class actions são uma técnica de atender a necessidade da tutela de interesses coletivos, normalmente quando os titulares deste interesse são inúmeros e de difícil identificação. Um ou mais litigantes, revelando esse interesse comum ao grande grupo, representará a todos no processo, sendo que a decisão judicial obrigará a todos. Os requisitos de admissibilidade da class actions, nos termos pesquisados com relação a Federal Rules of Civil Procedures, são da seguinte ordem: 

a) O número de interessados deve ser tão grande que seu comparecimento no mesmo processo mostre-se impraticável; 

b) Necessária a ocorrência de questões de fato ou de direito comuns aos litigantes; 

c) A pretensão ou a defesa apresentada por aquele que pretende representar o grupo deve ser típica, deve refletir a posição e os interesses da totalidade do grupo; 

d) A corte deve verificar se aquele ou aqueles que se apresentem como representantes do grupo encontram-se técnica e adequadamente instrumentados para a defesa dos interesses do grupo; 

Por outro lado, será indispensável entender que: 

a) A admissão de demandas isoladas de vários membros do grupo pode levar a julgamentos inconsistentes quanto a legalidade da conduta do opositor do grupo ou cria o risco de decisões concernentes a alguns membros(que litigam em separado);  

b) Se o opositor do grupo agir ou recusar-se a agir, invocando razões aplicáveis a todo o grupo, será recomendável a solução apta a alcançar o grupo como um todo; 

c) As questões comuns de fato ou de direito comuns ao grupo devem predominar sobre quaisquer questões a afetar apenas de forma individual um ou outro integrante da classe 

Exige-se a adequada notícia da propositura do feito, sendo, pois, necessária uma vez que a decisão proferida, se aceita a demanda, torna-se coisa julgada, quanto ao objeto da ação, relativamente a todos os membros da classe, inclusive os ausentes. Aqui se faz mister a atuação de redes de informação como através de facebook, de Twitter, uma rede social e servidor paramicroblogging, que permita aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos (em textos de até 140 caracteres, conhecidos como "tweets"), por meio do website do serviço, por SMSe porsoftwares específicos de gerenciamento e outros instrumentos da comunicação de massa. 

Por sua vez, as injunctions e os decrees  of  specific perfomance são importantes instrumentos utilizados no cumprimento das tutelas de fazer e de não fazer. 

A doutrina  que se pauta nas lições de Hazard e Taruffo, para o processo americano62, destaca dois aspectos para as medidas mencionadas: 

a) A subsidiariedade dos equitable remedies, que só caberiam quando inadequada a tutela propiciada pela common law, sempre que houver ameaça de continuidade da violação ocorrida; 

b) A discricionariedade na concessão dos remédios; 

c) A natureza in personam dos equitable remedies, que surgem como ordem direta ao réu, sancionada com a contempt of court, prisão;  

d) Flexibilidade e adaptabilidade dos equitable remedies, pois a corte, ao atuar em equity, detém o poder de adaptar às exigências ao caso concreto. 

Por sua vez, a injuction é uma ordem do órgão judiciário a alguém para que pratique um ato específico ou deixe de adotar determinada conduta. 

A injuction pode ser final ou antecipada, quando se tem a interlocutory injunction, que, no direito inglês, envolve medidas como a mareva injunction com o objetivo de bloqueio do patrimônio. 

A specific perfomance cabe sempre que a medida for inadequada a prestação pecuniária(fazer cumprir a obrigação de transferência de um imóvel, por exemplo). 

 A eficiência da injunction e da specific perfomance é assegurada através da ameaça de sancionamento por contempt of court. Tal providência, que inclui a prisão, o seqüestro de bens, deve ser tomada com prudência pelo juiz, de forma a verificar se a conduta do réu foi intencional a determinar o cumprimento da medida. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Os prejuízos causados aos sócios da Petrobras nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6452, 1 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88697. Acesso em: 22 dez. 2024.

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