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A importância do controle interno para o combate à corrupção e à malversação de recursos públicos na Administração Pública.

Agenda 23/02/2021 às 12:56

O Artigo trata sobre a história do Controle Interno da Administração Pública no mundo e no Brasil, e sobre a importância do seu fortalecimento para o combate à corrupção e à malversação de recursos públicos.

1. O CONTROLE INTERNO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

No presenta trabalho, será discutida sobre a atual situação do controle interno na Administração Pública no Brasil e a importância do seu fortalecimento para o combate à corrupção e malversação de recursos públicos, sobretudo nos municípios.

Mas antes disso, será feita uma breve análise histórica do Controle Interno da Administração Pública desde a Antiguidade.

1.1. AS ORIGENS HISTÓRICAS DO CONTROLE INTERNO NO BRASIL

No Brasil, historicamente, em regra, o controle interno e sua importância para a probidade na Administração Pública, nunca foi tratado com a importância que merece, apesar da base constitucional e infraconstitucional.

Desde a colonização lusitana, há uma enorme preocupação legislativa com o controle interno da Administração Pública.

Mesmo com toda essa preocupação dos colonizadores portugueses e após 1822, dos brasileiros, o Tribunal de Contas da União foi instituído somente em 1889, através do Decreto nº 966-A, de iniciativa do então Ministro da Fazenda, Rui Barbosa.

Silva (2004, p. 208), citado por Liliane Chaves Murta de Lima (2012, p. 17) fala que desde 1922 existia no Brasil a preocupação com o controle do Setor Público e que a preocupação era com aspectos de legalidade e formalidade e em atender aos órgãos de controle externo.

Considerando os períodos autoritários que a sociedade brasileira viveu durante boa parte do Século XX, pode-se afirmar que o Tribunal de Contas ganhou feição verdadeiramente democrática a partir de 1988.

1.2. CONTROLE INTERNO NO BRASIL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

A Constituição Federal de 1988 fala que o controle interno deve existir em toda a Administração Pública e que deve ser instituído por lei.

Sobre o controle interno, a Constituição Federal de 1988 fala o seguinte:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

(...)

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

§ 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.

Pela leitura dos dispositivos constitucionais transcritos, percebe-se claramente que a atual Constituição, seguindo os Princípios Democráticos e Republicanos que a informam desde seu nascedouro, erigiu o controle interno da Administração Pública a um patamar nunca antes visto na história do Brasil.

Embora os dispositivos constitucionais transcritos demonstrem a enorme importância do controle interno da Administração Pública, a realidade prática, sobretudo nos pequenos municípios do interior da região Nordeste do país, é de falta de um sistema eficiente de controle interno, sem órgãos, entidades e recursos capacitados e qualificados para o exercício dessa nobre missão.

Muitas vezes, sobretudo em pequenas cidades do interior, principalmente nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil, o sistema de controle interno se resume a poucos órgãos cujos Agentes Públicos não são concursados, não tem a qualificação técnica necessária para o exercício da função e ingressam na Administração Pública através do livre arbítrio de gestores públicos municipais, muitas vezes de forma nada republicana.

Impossível haver controle interno eficiente dessa forma, com capacidade para detectar erros ou fraudes e muito menos auxiliar os órgãos de controle externo.

3.3. A IMPORTÂNCIA DO CONTROLE INTERNO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O controle dos bens nas organizações públicas e privadas é algo que surgiu junto com as primeiras civilizações. Em muitas delas, o controle era rudimentar, mas foi o ponto de partida para o controle interno.

Diante disso, nos próximos tópicos, serão abordados o controle interno na Antiguidade, na Europa feudal, na Europa da era moderna e contemporânea e com mais profundidade o controle interno no Brasil desde o período colonial.

3.3.1. CONTROLE INTERNO NA ANTIGUIDADE

Embora o controle da Administração Pública tenha ganhado relevância no Estado Moderno após a Revolução Francesa e a consequente queda do absolutismo feudal, com os arts. 14 e 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 garantindo ao cidadão o direito de acompanhar o emprego das verbas públicas, ele não é novo, já que há notícias de sua existência na Antiguidade Clássica, com as peculiaridades e limitações da época.

No Egito Antigo, por volta de 3.000 A.C., já havia um controle interno rudimentar, no qual uma classe de Agentes Públicos, denominados de escribas, tinham a incumbência de fiscalizar os investimentos realizados pela Administração em grandes obras de irrigação, construção de pirâmides , templos e palácios e outros tipos de investimento. Além disso, eles eram responsáveis pela cobrança de tributos.

Na Índia, por volta de 1.300 A.C, o Código de Manu, que regia a sociedade hindu, já estabelecia várias diretrizes sobre finanças e Administração Pública. Vejam o seguinte trecho do Código de Manu:

SÉTIMO LIVRO

CONDUTA A SER OBSERVADA PELOS REIS E CLASSE MILITAR

[...]

124. Empregados que carregam sua perversidade para sacar dinheiro daqueles que lidar com eles, eles devem ser despojados pelo rei de todos os seus bens e banido do reino.

Contudo, dentre todas as civilizações da Antiguidade, segundo Simone Coêlho Aguiar, foi na Grécia Antiga que o controle interno da Administração Pública manifestou-se de forma mais técnica e organizada.

Sobre o controle interno em Atenas, na Grécia Antiga, David Held, citado por Simone Coêlho Aguiar (2013, p. 318), fala o seguinte:

Quase todos os “servidores públicos” eram eleitos por um período não renovável de um ano. Além disso, de modo a evitar os perigos de políticas autocráticas ou clientelismos associados com eleições diretas, vários métodos de seleção eram criados para preservar a responsabilidade de prestação de contas dos administradores políticos e do sistema estatal de modo mais geral, inclusive a rotatividade de tarefas, o sorteio e a eleição direta.

Ou seja, em Atenas já havia exigência de prestação de contas a quem administrava recursos do Tesouro Público. Isso mostra preocupação com princípios republicanos e democráticos.

Lá havia uma estrutura organizada, com Agentes com mandato fixo, responsáveis por recursos do Tesouro e que deveriam prestar contas desses recursos à população. Era um sistema muito avançado para aquela época.

Na civilização romana, também há evidências de preocupação com a coisa pública. Um dos efeitos da substituição da monarquia pela república nesta civilização foi a elevação do Senado a um órgão com atribuição de controle sobre os fundos públicos e outros atos da Administração.

Além disso, em 450 A. C. foi publicada a Lei das XII Tábuas, um conjunto escrito de leis que está na origem do Direito Romano, o qual serviu de inspiração para vários ordenamentos jurídicos posteriores.

Diante disso, conclui-se que na Antiguidade, mesmo em regimes não democráticos, já havia a preocupação com o controle interno da Administração Pública, com as limitações e peculiaridades inerentes à época.

3.3.2. CONTROLE INTERNO NA IDADE MÉDIA E MODERNA

Durante esse período, é importante observar que o poder político na Europa, em regram era fragmentado e os Estados nacionais não tinham grande poder político.

Além disso, em quase todos as grandes potências europeias da época, como por exemplo, Espanha, Portugal e França, a Administração Pública era caracterizada pelo monarquia absoluta, na qual os reis ou imperadores tinham poder absoluto sobre a sociedade e vida das pessoas e não havia a idéia de separação ou limitação de poder.

A sociedade europeia era caracterizada também pelo grande poder político, jurídico, cultural e econômico da Igreja Católica, a qual ditava as regras sociais da época e perseguiu quem ousasse discordar de suas ideias.

Não é por acaso que muitos historiadores denominam esse período como “Idade das Trevas”.

Contudo, felizmente, o poder político absoluto dos monarcas e da Igreja Católica não impediu, em alguns países, a preocupação com o controle da Administração Pública.

Na Inglaterra, na época dos reis normandos, havia o Exchequer, órgão encarregado de controlar as finanças da Coroa.

A Espanha, em 1714, uma das maiores potências econômicas da época, instituiu um Tribunal Maior de Contas em Buenos Aires como jurisdição nas províncias do Rio de Prata, Tucuman e Paraguai, colônias espanholas na América do Sul.

A França, com Luís IX, instituiu o Chambre de Comptes, que significa Câmara de Contas, com a atribuição de fiscalizar a realização das despesas públicas. Embora tenha sido extinta durante a Revolução Francesa, serviu de inspiração para a instituição do Cour de Comptes, que significa em português Tribunal de Contas, que tinha como função principal a análise posterior das contas públicas.

Percebe-se que o controle interno é extremamente necessário ao desenvolvimento de um país e que existiu até mesmo em períodos onde preponderava o autoritarismo político e religioso da Igreja Católica.

O Brasil constitui uma República Federativa Democrática que deve assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos. Importante nos próximos parágrafos discorrer sobre a importância e o significado disso.

As formas de governo, em síntese, consistem na política de governança adotada pelos países.

Atualmente, as formas de governo mais adotadas pelos países são a Monarquia e a República.

Na Monarquia, o poder é exercido de forma hereditária, e não limite temporal, de forma que o Monarca exerce o cargo até a sua morte ou abdicação.

Ela pode ser absoluta, onde o Monarca atua com poderes ilimitados e controlando toda a sociedade. Essa forma de governo vai contra os anseios sociais democráticos e quase nenhum país civilizado tem essa forma de governo.

Pode ser também constitucional ou parlamentarista onde o Chefe de Governo é um primeiro –ministro e o Chefe de Estado é um Presidente ou um Monarca. O exemplo clássico é a Inglaterra.

A outra forma de governo mais adotada é a da República, que pode ser parlamentarista ou presidencialista. O poder é exercido, respectivamente, por um Primeiro Ministro ou Presidente, e eles são eleitos em eleições diretas (diretamente pelo voto popular) ou indiretas (por representantes escolhidos pelo povo), e desempenham função dentro do prazo determinado, ou seja, tem mandato fixo.

O nome República vem do termo latino res publica, que significa coisa do povo, coisa pública.

Quanto à forma de estado, ou seja, quanto à distribuição do poder político em determinado território, é pacífico atualmente a existência de três formas de estado: unitário, confederação e federação.

Nos Estados unitários, há somente um núcleo de poder político, com um centro decisório e uma margem de liberdade para condução de políticas públicas em locais mais distantes. É uma forma de Estado bastante adotada em países com pequena extensão territorial, como por exemplo, Chile, Japão, Espanha, Bélgica.

A Confederação é formada por uma reunião de Estados soberanos, através de tratados. Eles não perdem a soberania e a qualquer momento podem separar-se da confederação, ou seja, o direito à secessão permanece. Para muitos, não é uma forma de Estado propriamente, já que os Estados envolvidos não perdem a soberania.

O modelo federativo de Estado caracteriza-se pela reunião de entidades autônomas que formam um Estado soberano, sendo vedado o direito à secessão e cada um desses entes autônomos têm autonomia politica, administrativa e legislativa, com direitos e deveres insculpidos na Constituição.

O Brasil adota a forma federativa de Estado desde 1889, quando foi proclamada a república e as antigas províncias foram transformadas em Estados, através do Decreto nº 01, de 15 de novembro de 1889.

Todas as Constituições que o Brasil adotou posteriormente adotaram a república como forma de governo e a federação como forma de estado.

Além disso, embora boa parte da nossa história constitucional tenha sido marcada por períodos autoritários, o Brasil, atualmente, tem a Democracia Representativa como forma de aquisição do Poder político.

Diante disso, conclui-se que o Brasil é uma República Federativa, conforme insculpido no art. 1º, caput, CF.

Essas informações são de grande relevância para o estudo do Controle da Administração Pública.

A transparência na Administração Pública é consequência direta dos princípios republicados e democráticos presentes na Constituição Federal de 1988. Além disso, é consequência também do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que constitui o centro do atual ordenamento jurídico pátrio.

Segundo o art. 37, caput, da Constituição Federal, a Administração Pública deve obedecer aos Princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, este último acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19/98.

Todos esses princípios, juntamente com os Princípios republicano, democrático e da dignidade da pessoa humana, fundamentam a transparência e o controle da Administração Pública.

Sobre o controle interno, a Constituição Federal de 1988 reza o seguinte:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

(...)

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

Pelo exposto, observa-se que o controle interno não é meramente um órgão da Administração Pública com a função de acomodar apadrinhados políticos dos gestores e de parlamentares, mas um conjunto de órgãos com a função relevante de controlar a legalidade, a economicidade e outros aspectos da atividade administrativa.

4. CONTROLE INTERNO EFICAZ E AUTÔNOMO COMO FORMA DE PREVENIR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Após analisarmos alguns aspectos sobre Administração e seu controle, vamos agora tratar sobre a importância do Controle Interno autônomo e eficaz para que o Estado, através da Administração Pública, concretize os Direitos e Garantias Fundamentais fixados na Constituição Federal de 1988.

Vamos analisar o Controle Interno e sua importância nos seguintes aspectos: Técnicas de Auditoria e fiscalização, licitações públicas, Accountability, e Advocacia Pública autônoma e composta por profissionais de carreira que ingressam na Administração Pública através de concurso público de provas ou provas e títulos.

4.1. TÉCNICAS DE AUDITORIA E FISCALIZAÇÃO

A auditoria interna, contábil, orçamentária, financeira, patrimonial e de gestão, é uma atividade inerente ao controle da Administração Pública e ela deve seguir padrões para que possa ser eficiente.

Mas, no Brasil, ainda é uma atividade pouco conhecida, mas essencial para o correto funcionamento e eficácia do controle da Administração Pública.

Neste trabalho, usaremos como referenciais Normas da antiga Controladoria Geral da União, atual Ministério da Fiscalização, Transparência e Controle.

O Referencial Técnico da Atividade de Auditoria Interna Governamental do Poder Executivo Federal, aprovado pela Instrução Normativa nº 03/2017, do Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União, em seu art. 1º, diz o seguinte:

1. A auditoria interna governamental é uma atividade independente e objetiva de avaliação e de consultoria, desenhada para adicionar valor e melhorar as operações de uma organização. Deve buscar auxiliar as organizações públicas a realizarem seus objetivos, a partir da aplicação de uma abordagem sistemática e disciplinada para avaliar e melhorar a eficácia dos processos de governança, de gerenciamento de riscos e de controles internos.

Esse dispositivo infra legal, logo no seu início, deixa muito claro que a auditoria interna governamental é uma atividade independente. Deve ajudar as organizações públicas a realizarem seus objetivos, aplicando uma abordagem sistêmica e disciplinada a fim de avaliar e melhorar a eficácias dos processos.

Ao comparar o art. 1º da Instrução Normativa nº 03/2017, do Ministério da Fiscalização e da Controladoria Geral da União, com a realidade de quase todos os municípios do interior da região Nordeste, percebe-se uma diferença enorme entre a Instrução e a realidade prática.

A auditoria do Setor Público é essencial para o controle interno funcionar de forma eficaz, já que ela, se utilizada corretamente e por Agentes Públicos qualificados, pode fornecer aos outros órgãos de controle, ao Poder Legislativo e à sociedade várias informações objetivas acerca do desempenho e eficiência da Administração Pública, desempenho de políticas e ações governamentais e contribuir para a qualificação de Agentes Públicos e aplicação de sanções aos Agentes Públicos e Privados ímprobos.

Na forma da ISSAI 100, a Auditoria Governamental pode ser dividida em Auditoria Financeira, Auditoria de Conformidade e Auditoria de Desempenho. As duas primeiras são denominadas de auditoria de regularidade e a terceira espécie é denominada de auditoria operacional.

A auditoria financeira tem como objetivo analisar se a informação financeira de um órgão ou entidade está em conformidade com relatório financeiro e com a legislação aplicável.

A auditoria de conformidade tem como finalidade analisar se um objeto específico está de acordo com as normas legais e infra legais aplicáveis a esse objeto.

A auditoria de Desempenho tem como finalidade analisar se os programas e projetos estão em consonância com os Princípios da economicidade, efetividade e eficiência e se necessário deve apresentar propostas de aperfeiçoamento.

Tendo em vista que este trabalho não tem como objetivo analisar os aspectos técnicos da Auditoria, passaremos agora à análise da importância da Auditoria para o controle da Administração Pública.

Como todos sabem, os recursos financeiros aplicados pelo Estado para o funcionamento de sua Administração e em políticas públicas governamentais são arrecadados através de tributos.

Embora as necessidades sociais, em uma sociedade complexa como a atual e com expectativa de vida cada vez maior, aumentem a cada dia, os recursos públicos são escassos e é impossível que todos os direitos e reinvindicações sejam plenamente atendidos.

A atividade de auditoria de contas públicas é essencial para o atendimento das demandas sociais, já que ela é capaz de fornecer informações relevantes sobre finanças e gestão para que a Administração Pública aplique os recursos com eficiência e economicidade.

Além disso, desde que independente, é capaz de fornecer informações essenciais sobre a atuação dos Agentes Públicos e a relação destes com Agentes Privados, para que a Administração Pública possa aplicar as sanções devida aos Agentes Públicos ímprobos que aplicaram recursos públicos de forma irregular e sem justificativa.

Desde a redemocratização iniciada com a Constituição Federal, cresceu bastante, sobretudo nos últimos anos, a preocupação da sociedade com a devida aplicação dos recursos públicos, com a transparência, eficiência fiscal e de gestão, economicidade.

Nesse contexto, a atividade de auditoria, de forma organizada, independente e integrada deve ocupar papel de destaque, que no exercício de sua função, é capaz de fornecer subsídios para que o Estado aplique os recursos públicos com eficiência, efetividade e economicidade e em consonância com as normas constitucionais e legais e aplique sanções aos Agentes que aplicarem verbas públicas de forma irregular.

Atualmente, a atividade de auditoria quase não existe nos municípios do interior, e quando existe, muitas vezes, é diretamente subordinado aos Gestores Públicos.

Importante que as atividades de auditoria, para que seja eficaz, seja independente, autônoma, composta por profissionais qualificados recrutados através de concursos públicos de provas ou de provas e títulos, e devido aos avanços tecnológicos, deve ser informatizada e interligada com os demais órgãos de controle, como por exemplo, os Tribunais de Contas e o Ministério Público.

4.2. LICITAÇÕES PÚBLICAS

No Estado Democrático de Direito e republicano, no qual o ordenamento jurídico está alicerçado no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, deve-se ter cuidado na execução das despesas públicas e na escolha dos que contratam com o Poder Público, em obediência a vários princípios constitucionais, como por exemplo, a isonomia, impessoalidade e moralidade.

Dentro desse contexto, a licitação pública, desde que devidamente publicada e seja realizada conforme os mandamentos constitucionais e legais, é o melhor instrumento para que a Administração Pública, nas aquisições de bens e serviços, contrate as melhores propostas, tanto em aspectos econômico-financeiros como também em aspectos de qualidade e eficiência.

Sobre a origem da palavra licitação, o professor e advogado Victor Aguiar Jardim de Amorim (2017, p. 21), fala o seguinte:

O termo “licitação”, derivado da expressão latina licitatione (“arrematar em leilão”), apresenta diversos sinônimos, destacando-se: “procedimento licitatório”, “certame”, “prélio”, “disputa”, entre outros.

Percebe-se, através da origem da palavra, o seu significado e finalidade, qual seja, procedimento administrativo concorrencial realizado pela Administração Pública a fim de adquirir bens e serviços ou aliená-los.

Ainda quanto à origem, há dúvidas sobre o início, mas é certo que a ideia da necessidade de procedimentos específicos para que a Administração Pública alienar ou adquirir bens e serviços é antiga.

No Império Romano, por exemplo, havia informação da existência de regras específicas para alienação dos despojos da guerra e realizar contratações públicas.

Mesmo durante a Idade Média, período do apogeu do Absolutismo Feudal em quase todo o continente europeu, predominava um sistema denominado “vela e pregão”, através do qual a Administração Pública, quando tinha interesse em adquirir bens ou serviços, espalhava avisos e as ofertas eram realizadas durante o arder de uma vela, e quando apagava, era selecionada a proposta que ofereceu o melhor preço.

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No Brasil, em quase todos os períodos da história, as contratações públicas forma regulamentadas.

O primeiro texto legal que versou licitação no Brasil foi o Decreto nº 2926/1862, que regulamentava a arrematação de serviços pelo então Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.

O artigo Primeiro falava que assim que logo que o Governo quisesse realizar fornecimentos, construção ou fornecimento de obras a cargo do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, deveriam ser publicados anúncios convidando concorrentes, estabelecendo o prazo de 15(quinze) dias a 06(seis) meses para apresentação das propostas, conforme a relevância e valor do objeto licitado.

Pela leitura do Decreto, em síntese, os interessados, na data fixada no anúncio deveriam comparecer em local previamente determinado a fim de serem inscritos em um livro específico. Após isso, eram sorteadas as posições em que cada licitante apresentava sua proposta, e as propostas seriam apresentadas em viva voz, de forma a serem ouvidas por todos, conforme Art. 5º do Decreto.

O licitante podia apresentar propostas somete uma vez, não existindo a possibilidade de o mesmo licitante oferecer novos lances. Nota-se dessa forma que sorte era um elemento essencial para o interessado vencer a licitação.

Percebe-se que o Decreto não abrangia todos os órgãos e entidades da Administração, mas para aquela época, foi um grande avanço institucional, tendo sido o primeiro documento oficial que tratou sobre a licitação no Brasil.

Em 1922, ou seja, 40(quarenta) anos depois, foi editado o Decreto nº 4536/1922, que organizou o Código de Contabilidade da União. Poucos dispositivos do Decreto tratavam de licitação.

Havia uma fase inicial na qual era verificada a idoneidade do interessado e após 10(dez) dias, se aprovado, era inscrito no certame licitatório.

O art. 50 do Decreto falava que a concorrência pública deveria ser publicada no Diário Oficial, com as condições a serem estabelecidas e com indicação das autoridades encarregadas da adjudicação, do dia, horário e local.

Ou seja, esse dispositivo legal trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a obrigatoriedade dos procedimentos licitatórios e o Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório.

Em 1967, durante a Ditadura Militar, foi editado o Decreto – Lei nº 200/67, através do qual foi realizada a reforma administrativa.

Quanto às licitações, o Decreto-Lei trouxe pela primeira vez na história os princípios das Licitações.

Na modalidade concorrência, os editais deveriam ser publicados no Diário Oficial no mínimo 30(trinta) dias de antecedência. Já na Tomada de Preços, esse prazo era de de 15(quinze) dias. Até hoje, é assim na Lei nº 8666/93, em regra.

Em 1968, foi publicada Lei nº 5456/68, que fixou que o Decreto-Lei nº 200/67 deveria ser aplicado aos Estados e Municípios, ou seja, a liberdade legislativa dos Estados e Municípios quanto ao assunto foi restringida, já que a partir desse momento, esses etes poderiam legislar apenas supletivamente. Essa regra está presente até hoje no nosso ordenamento jurídico, mais especificamente no art. 22, XXVII, da Constituição Federal de 88.

O Decreto – Lei nº 2300/86 trouxe ao ordenamento jurídico de forma expressa vários princípios aplicáveis às licitações públicas até hoje e insculpidos na Lei nº 8666/93, como por exemplo, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório, e princípios correlatos.

O Brasil naquele momento estava atravessando um período de grandes acontecimentos na sociedade, na política e na economia, com os altos índices de inflação, economia estagnada e o fim da Ditadura Militar, após 21(vinte e um) anos de autoritarismo e falta de transparência na Administração Pública.

Nesse contexto, no dia 05/10/1988, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, a qual colocou o Brasil no caminho da democracia pluralista republicana, tendo como finalidade principal a concretização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e de vários outros direitos sociais e políticos, insculpido no art. 1º, III, da Constituição Federal.

O art. 3º, I, II e III, respectivamente, da Constituição, estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional” e “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Para a concretização desses objetivos e de vários outros expressos e implícitos, a Administração Pública deve ser dinâmica, e necessita, muitas vezes, celebrar contratos administrativos com empresas privadas para aquisição de bens ou serviços a serem utilizados pela sociedade.

Essas contratações, em regra, devem ocorrer através de procedimento licitatório amplamente divulgado, e com obediência a vários princípios constitucionais e legais.

Sobre o assunto licitação, a Constituição Federal estabelece o seguinte:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;    (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:   (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Diante da Constituição Federal, mais consentânea com os princípios democráticos e republicanos, e de acordo principalmente com os dispositivos constitucionais transcritos, foi editada a Lei nº 8666/93, que regulamenta as regras gerais das licitações e contratos no Brasil.

Segundo o art. 3º da Lei nº 8666/93, abaixo transcrito, as licitações e contratos no Brasil, além dos princípios implícitos e explícitos da Constituição Federal, devem obedecer a vários outros princípios. O art. 3º da Lei reza o seguinte:

Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.  

A renomada jurista Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em seu livro de Direito Administrativo (2007, p. 325) conceitua licitação da seguinte forma:

O procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para celebração do contrato

O grande administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Victor Aguiar Jardim de Amorim( 2017, p. 21), conceitua licitação da seguinte forma:

procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados

Da leitura deste conceito, constata-se que é bem completo, já que ele enumera todas as contratações que a Administração Pública pode realizar através do procedimento licitatório.

Sobre a natureza jurídica da licitação, a maior parte da doutrina pátria entende que ela tem natureza de procedimento administrativo, já que se trata de conjunto articulado de atos que antecedem e formalizam a realização de contratos e decisões administrativas relevantes.

Discorrendo sobre o importante assunto, José dos Santos Carvalho Filho, em seu Manual de Direito Administrativo ( 2016, p. 330), fala o seguinte:

A licitação, como é óbvio, não poderia exaurir-se com instantaneidade. Ao revés, é necessária uma sequência de atividades da Administração e dos interessados, devidamente formalizadas, para que se chegue ao objetivo desejado.

Por isso, a natureza jurídica da licitação é a de procedimento administrativo com fim seletivo, porque, bem registra ENTRENA CUESTA, o procedimento constitui um “conjunto ordenado de documentos e atuações que servem de antecedente e fundamento a uma decisão administrativa, assim como às providências necessárias para executá-la

É um procedimento vinculado, e a Administração Pública, após publicado o edital, não pode descumprir as cláusulas dele, conforme art. 41 caput da Lei nº 8666/1993. Esse dispositivo legal constitui uma garantia para os interessados em participar da licitação e para a toda a sociedade, sendo uma limitação ao Poder de Império do Estado.

Pela leitura do art. 3º da Lei nº 8666/93, acima transcrito e considerando que segundo a maior parte da doutrina administrativista, a licitação é um procedimento administrativo, conforme demonstrado, teceremos algumas análises sobre princípios das licitações, tipos e modalidades e depois será proposta a forma como deve ser o controle interno nas licitações.

O Princípio da Legalidade pode ter significados diferentes, dependendo das partes envolvidas. Para grande parte da doutrina, as pessoas físicas e Jurídicas de direito privado podem fazer tudo o que a lei não proíbe. Já a Administração Pública pode fazer somente o que está previsto na lei.

Ele teve inspiração na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e nos ideais do iluminismo, que a fim de extirpar as Monarquias Absolutistas, substituindo-as pela construção do Estado Democrático de Direito na Europa, pregava que ninguém é obrigado a fazer algo senão em virtude de lei formal.

Nesse contexto de grande efervescência política, cultural, tecnológica e econômica no mundo, com os ideais iluministas e liberais enaltecendo o indivíduo, Revolução Francesa descontruindo vários séculos de absolutismo feudal, independência das 13(treze) colônias inglesas na América e movimentos revolucionários em toda a América, buscava-se construir e consolidar direitos individuais do indivíduo frente ao Estado.

Com esses ideais, entre final do Século XVIII e durante a primeira metade do Século XIX, muitas colônias espanholas, portuguesas e inglesas na América, se rebelaram contra o jugo europeu, extinguindo o domínio e a subordinação, muitas vezes com guerras nas quais muitos morriam.

Os ideais iluministas e liberais burgueses inspiraram textos constitucionais em várias partes do mundo, até mesmo nos países independentes que estavam surgindo no continente americano, onde muitas vezes, as forças políticas e econômicas obstaram a verdadeira implantação dos ideais iluministas.

No Brasil, o art. 179, I, da Constituição de 1824 dizia o seguinte:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.

Esse dispositivo está presente no art. 5º, II, da Constituição Federal da seguinte forma:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

 II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Como já demonstrado, o Princípio da Legalidade está no art. 37, caput, da Constituição Federal e é princípio da Administração Pública, mas há diferenças entre a legalidade do art. 5º, II e do art. 37, caput, da Carta Magna.

Sobre o conteúdo do Princípio da Legalidade e suas diferentes acepções para o Direito Privado e para o Direito Público, o grande jurista Celso Ribeiro Bastos, in memorian, em seu Curso de Direito Administrativo (2011, p. 37) disse o seguinte:

Este princípio entronca-se com a própria noção de Estado de Direito. Embora este não se confunda com a lei, não se pode negar, todavia, que constitui uma das suas expressões basilares. É na legalidade que os indivíduos encontram o fundamento das suas prerrogativas, assim como a fonte de seus deveres. representa uma garantia para os administrados, pois, qualquer ato da Administração Pública somente terá validade se respaldado em lei, em sua acepção ampla. Representa um limite para a atuação do Estado, visando à proteção do administrado em relação ao abuso de poder. O princípio da legalidade apresenta um perfil diverso no campo do Direito Público e no campo do Direito Privado. No Direito Privado, tendo em vista seus interesses, as partes poderão fazer tudo o que a lei não proíbe; no Direito Público, diferentemente, existe uma relação de subordinação perante a lei, ou seja, só se pode fazer o que a lei expressamente autorizar ou determinar.

Ocorre que a submissão da Administração Pública à letra fria da lei sem mais critérios atualmente é impossível, devido à sociedade cada vez mais complexa e plural, e a necessidade de alargamento do Princípio da Legalidade ficou mais evidente após a Segunda Guerra Mundial.

Seguindo a tendência do neoconstitucionalismo, já demonstrado nesse trabalho, alguns autores falam que com a Constituição Federal de 1988, houve uma constitucionalização do Direito Administrativo, com vários aspectos inerentes a esse ramo do Direito tendo previsão expressa na Carta Magna e com o fortalecimento da participação do cidadão nas decisões políticas.

A doutrina mais moderna afirma que o tradicional conceito do Princípio da Legalidade Administrativa, está em crise, devido à tendência de constitucionalização de vários institutos de Direito Administrativo e à consequente transição do Estado Liberal para o Estado Social, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial.

Esse fenômeno teve como uma das consequências o enorme aumento das atribuições complexas do Poder Executivo, e segundo alguns, para a consecução desses deveres, é necessário que a administrativa seja mais ágil e técnica, o que para eles, é inviável com a submissão à legalidade estrita.

Alguns doutrinadores falam que a legalidade foi substituída pelo Princípio da Juridicidade, mais amplo e condizente com o crescimento do Estado e de seu papel na sociedade cada vez mais complexa.

Sobre esse princípio, a autora portuguesa Maria João Estorninho, citada pelo professor Huaman Xavier Pinto Coelho ( Jus navigandi), fala o seguinte:

primeira dessas novas características traduz-se no fato de a idéia de subordinação à lei ser complementada ou mesmo substituída pela idéia de subordinação ao direito”. No Estado social, o princípio da legalidade passa a ser mais abrangente, incluindo a noção do princípio da juridicidade da administração, entendido como a subordinação ao direito como um todo, implicando submissão a princípios gerais de direito, à Constituição, a normas internacionais, a disposições de caráter regulamentar, a atos constitutivos de direitos, etc. (ESTORNINHO, 1999)

Ou seja, pelo exposto, no Brasil, a legalidade clássica estrita, típica do pensamento liberal do final do Século XVIII, está sendo substituída pelo Princípio da Juridicidade, que prega a submissão da Administração Pública não somente à lei formal, mas também aos Princípios Administrativos, ou seja, ao Direito em sentido amplo.

Quanto ao Princípio da Impessoalidade, além estar no art. 3º, caput, da Lei nº 8666/93 como um dos princípios da licitação, está também insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal.

Ele decorre diretamente do Princípio da Isonomia. Aplicando esse princípio, é vedado ao Administrador Público tratar de formas diversas, privilegiando ou descriminando injustificadamente pessoas que se encontram na mesma situação jurídica, salvo exceções legais e devidamente fundamentada.

Está intimamente ligado ao Princípios da Igualdade e do Julgamento Objetivo, que serão discutidos adiante.

O Princípio da Moralidade também está previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal. Segundo ele, os Agentes Públicos responsáveis e os licitantes devem agir conforme os padrões de honestidade, práticas de boa administração, boa fé.

Está também ligado de forma direta ao Princípio da Impessoalidade, de forma que a violação de um princípio, muitas vezes, acarreta de forma automática a infringência do outro.

O Princípio da Igualdade, que norteia todo o ordenamento jurídico brasileiro, está expresso no art. 3º, caput, da Lei nº 8666/93, acima transcrito. Sobre esse princípio da licitação, o professor José dos Santos Carvalho Filho, em seu Manual de Direito Administrativo ( 2016, p. 338), fala o seguinte:

O princípio da igualdade, ou isonomia, tem sua origem no art. 5º da CF, como direito fundamental, e indica que a Administração deve dispensar idêntico tratamento a todos os administrados que se encontrem na mesma situação jurídica. Ao tratar da obrigatoriedade da licitação, a Constituição, de forma expressa, assegurou no art. 37, XXI, que o procedimento deve assegurar “igualdade de condições a todos os concorrentes”. Portanto, as linhas marcantes do princípio são de índole constitucional.

Ou seja, todos devem ser tratados igualmente, de forma impessoal, salvo as exceções legais.

Atualmente, o Direito mais não mais se satisfaz com a mera igualdade formal de outrora. É preciso que igualdade seja material, seguindo o pensamento do grande filosofo Aristóteles, “tratando igualmente os iguais, e desigualmente, os desiguais, na medida de sua desigualdade”.

Nessa linha de raciocínio, a Lei nº 8666/93 trouxe várias situação de concretização do Princípio da Igualdade em sentido material, como por exemplo, a preferência na contratação de produtos manufaturados e serviços produzidos no Brasil, conforme determina o art. 3º, §2º, da Lei, como critério de desempate.

Quanto ao Princípio da Publicidade, além de estar previsto no art. 3º, caput, da Lei nº 8666/93, está previsto também no art. 37, caput, da Constituição Federal como um dos Princípios da Administração Pública.

Segundo o art. 37, §1º, da Constituição Federal, A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.”

Esse dispositivo liga o Princípio da Publicidade ao da Impessoalidade, de forma que a publicidade dos atos e programas da Administração Pública não podem enaltecer ou denegrir determinadas pessoas, em detrimento da coletividade.

A publicidade e transparência da Administração Pública constituem requisitos essenciais para a existência do Estado Democrático de Direito e republicano.

O cidadão somente pode participar da formação da vontade da Administração Pública, influenciando suas decisões, se tiver acesso aos atos, contratos e programas da Administração Pública, o que é concretizado através da Publicidade.

O acesso às informações públicas, em regra, é direito subjetivo do cidadão, salvo as exceções legais ou constitucionais das informações protegidas por sigilo. No Brasil, o acesso à informação está regulamentado na Lei nº 12.527/2011.

Na licitação, esse princípio é de grande importância, devendo os avisos de licitação serem publicados no Diário Oficial e em jornal de grande circulação, conforme art. 21, caput, da Lei, constituindo a publicidade condição de eficácia do contrato decorrente, conforme art. 61, parágrafo único, da Lei nº 8666/93.

Outro exemplo de aplicação desse princípio está no art. 39, ­caput, da LLC, determinando a realização de audiência pública em procedimentos licitatórios que envolvam valores vultosos.

A realização do procedimento licitatório deve ser bastante transparente, em obediência ao Princípio da Publicidade, inerente ao Estado Democrático de Direito e à república como forma de governo.

Sobre o acesso dos cidadãos aos procedimentos licitatórios, o art. 3º, §3º, da Lei nº 8.666/93 reza o seguinte:

Art. 3º (...)

§ 3o  A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura.

Pela leitura do texto legal, o procedimento licitatório é algo muito democrático e acessível à sociedade, devendo todos os atos ser públicos e de fácil acesso, em consonância com o Princípio da Publicidade e vários outros princípios inerentes à Constituição.

Quanto ao Princípio da Probidade Administrativa, ele faz parte do Estado Democrático de Direito e está intimamente ligado ao Princípio da Moralidade Administrativa.

É um princípio voltado principalmente para o Administrador Público. O Professor José dos Santos Carvalho Filho, em seu Manual de Direito Administrativo( 2016, p.339), fala o seguinte:

Exige o princípio que o administrador atue com honestidade para com os licitantes, e sobretudo para com a própria Administração, e, evidentemente, concorra para que sua atividade esteja de fato voltada para o interesse administrativo, que é o de promover a seleção mais acertada possível.

Sobre a ligação do Princípio da Probidade Administrativa e sua forte ligação com o Princípio da Moralidade, a grande administrativa Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em seu Direito Administrativo ( 2017, p. 467), diz o seguinte:

A Lei no 8.666/93 faz referência à moralidade e à probidade, provavelmente porque a primeira, embora prevista na Constituição, ainda constitui um conceito vago, indeterminado, que abrange uma esfera de comportamentos ainda não absorvidos pelo Direito, enquanto a probidade ou, melhor dizendo, a improbidade administrativa já tem contornos bem mais definidos no direito positivo, tendo em vista que a Constituição estabelece sanções para punir os servidores que nela incidem (art. 37, § 4o). O ato de improbidade administrativa está definido na Lei no 8.429, de 2-6-92; no que se refere à licitação, não há dúvida de que, sem usar a expressão improbidade administrativa, a Lei no 8.666/93, nos artigos 89 a 99, está punindo, em vários dispositivos, esse tipo de infração.

Ou seja, segundo a eminente professora, o conceito de improbidade administrativa é mais preciso e tem contornos mais definidos no direito positivo do que o Princípio da Moralidade, que segundo ela, ainda é um conceito vago, indeterminado.

Quanto ao Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório, ele está no art. 3º, caput, como um princípio específico da licitação.

Constitui uma enorme garantia para os licitantes, para a Administração e consequentemente para a sociedade. Pode-se dizer que é a aplicação específica do Princípio da Segurança Jurídica ao procedimento licitatório.

Em obediência a esse princípio, após a publicação do edital, a Administração Pública pode alterar as cláusulas somente de forma fundamentada, de forma que o art. 41 da Lei nº 8666/93 afirma que “a Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.”

Quanto ao Princípio do Julgamento Objetivo, ele se destina principalmente aos membros da Comissão de Licitação ou ao Pregoeiro e sua equipe de apoio, e significa que o julgamento das propostas deve ser realizado de forma objetiva, de acordo com as cláusulas do edital.

É corolário do Princípio do Julgamento Objetivo. Sobre ele, o art. 45, caput, da Lei nº 8666/1993 explicita o seguinte:

Art. 45.  O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle.

Além disso, segundo o art. 45 da Lei, em caso de empate mesmo após obedecidos os critérios fixados no art. 3º, §2º, deve-se proceder ao sorteio entre os licitantes empatados, sendo vedado qualquer outro processo.

Quanto aos princípios correlatos, O Professor José dos Santos Carvalho Filho, em seu Manual de Direito Administrativo( 2016, p.341), fala o seguinte:

O art. 3º do Estatuto, depois de mencionar os princípios básicos, referiu-se aos princípios correlatos. São, assim, correlatos aqueles princípios que derivam dos princípios básicos e que com estes têm correlação em virtude da matéria de que tratam. Por serem correlatos e derivados, encontram-se dispersos na regulação disciplinadora das licitações.

Pode ser citado como exemplo o Princípio da Competitividade, insculpido no art. 3º, I, da Lei nº 8666/93, e que decorre do Princípio da Igualdade.

Tendo em vista o objeto delimitado deste trabalho, não falaremos muito sobre eles.

Quanto às modalidades e tipos de licitações, existem vários, que variam conforme o objeto e valor das licitações.

A Lei nº 8666/93, apesar de ser bastante criticada pela ineficiência e por supostamente favorecer a corrupção, tem alguns mecanismos de controle interno que se bem utilizados, pode evitar que a Administração Pública realize contratos com empresas de idoneidade duvidosa e com preços muito abaixo ou acima dos preços de mercado.

O procedimento licitatório é composto de vários atos interligados, e tem 02(duas) fases, uma interna, com a tramitação somente no âmbito da Administração Pública, e uma fase externa, que se inicia com a publicação do instrumento convocatório.

Na Lei 8.666/93, há alguns mecanismos de controle interno preventivo das licitações que se bem utilizados podem evitar o início e concretização de atos ímprobos e crimes contra a Administração Publica.

Além disso, também podem fazer com que o Estado economize recursos financeiros e se abstenha de realizar contratos administrativos com empresas ou pessoas de idoneidade duvidosa.

O controle interno dos procedimentos licitatórios podem ser vistos logo no início da fase interna da licitação, quando o art. 38 da Lei nº 8.666/93 fala que o “o procedimento licitatório será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para despesa (...)”.

O mesmo dispositivo legal traz uma lista de documentos que serão juntados posteriormente ao procedimento licitatório, entre os quais estão as atas, relatórios e deliberação Comissão Julgadora( art. 38, V) e pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, a dispensa ou inexibilidade( art. 38, VI).

Ou seja, pela leitura dos dispositivos legais citados, não se pode abrir um procedimento licitatório sem fundamentos pertinentes e razoáveis, aptos a autorizar que a Administração Pública contrate serviços ou adquira bens através da licitação.

Na abertura do procedimento, deve haver pelo menos a indicação sucinta do seu objeto e do recurso para a despesa, o que é relevante para controle interno da Administração Pública e da licitação.

A aplicação desse dispositivo legal pode evitar a abertura de procedimentos licitatórios que tenham como única finalidade beneficiar de forma indevida determinadas pessoas ou empresas, violando sobretudo os Princípios da Igualdade, Impessoalidade e Competitividade, inerentes ao todo certame licitatório.

Isso se aplica também aos casos de licitações dispensadas, dispensável e inexigíveis. Como configuram exceções legais à regra da licitação, elas devem ser devidamente justificadas e fundamentadas, devendo a Administração Pública demonstrar a realização da licitação no caso concreto, é mais oneroso ao Estado do que a contratação direta, exceto nos casos previstos no arts. 17 e 25 da Lei nº 8666/93.

Além disso, faz-se necessário a pesquisa de preços para realização de licitações, conforme o art. 7º, §2º, I, e 40, §2º, II, da Lei nº 8666/93, abaixo transcritos:

Art. 7o  As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte sequência:

(...)

§ 2o  As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:

(...)

II - existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários;

Art. 40.  O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

(...)

§ 2o  Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante:

(...)

II - orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários;    

A Lei nº 10.520/2002 traz, no art. 3º, III, previsão igual, exigindo dados orçamentários e outros elementos técnicos necessários à realização do certame dentro das exigências constitucionais e legais.

Os dispositivos legais da Lei nº 8666/93 acima transcritos, art. 7º, §2º, II e art. 40, §2º, II, se referem a momentos distintos do procedimento licitatório. O primeiro dispositivo se refere à fase interna e constitui requisito para realização d a licitação. Já o segundo dispositivo se refere à fase externa e deve estar obrigatoriamente previsto no edital.

Isso mostra, entre outros aspectos, que durante todo o procedimento licitatório, deve haver uma fiscalização e um controle interno da Administração Pública para que o certame e o consequente contrato não seja viciado e não viole normas constitucionais e legais.

Passamos agora a debater sobre a Comissão de Licitação, responsável por julgar as propostas e definir os vencedores da licitação. Sua atuação correta e técnica é essencial para que seja vencedoras as melhores propostas.

Sobre a designação dos membros da Comissão de Licitação, o art. 38, III, da Lei nº 8666/93 diz que o procedimento licitatório terá, entre outros documentos, “o ato de designação da comissão de licitação, do leiloeiro administrativo ou oficial, ou do responsável pelo convite.”

O art. 51, caput, da Lei nº 8.666/1993 reza o seguinte:

Art. 51.  A habilitação preliminar, a inscrição em registro cadastral, a sua alteração ou cancelamento, e as propostas serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial de, no mínimo, 3 (três) membros, sendo pelo menos 2 (dois) deles servidores qualificados pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da Administração responsáveis pela licitação.

Da leitura do dispositivo legal transcrito, percebe-se que que a Comissão de Licitação tem atribuições relevantes nos processos de contratações públicas realizadas pela Administração Pública.

Pode-se dizer que para diante dos licitantes, os membros da Comissão são verdadeiros juízes com alto poder decisório e grande responsabilidade, de forma que a atuação ímproba ou errada da Comissão pode acarretar efeitos negativos para o Estado, e para a sociedade de forma geral, a qual muitas vezes é a beneficiária direta dos bens ou serviços adquiridos através das licitações.

Diante da importância da Comissão de Licitação, a lei exige que ela seja composta por no mínimo 03(três) membros, sendo pelo menos 02(dois) deles servidores qualificados pertencentes aos órgãos do Estado responsáveis pela licitação.

Segundo o art. 51, §3º, “os membros das Comissões de licitação responderão solidariamente por todos os atos praticados pela Comissão, salvo se posição individual divergente estiver devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão”.

Devido à alta carga decisória, o Tribunal de Contas da União (Acórdão TCU nº 92/2003) entende que a maioria absoluta dos membros da Comissão deve ser composta por servidores efetivos, para que o poder decisório não se concentre em pessoas cujo vínculo com a Administração Pública é precária.

Quanto aos órgãos ou entidades que adotem o regime celetista, entende-se que a maior parte da Comissão deve ser composta por pessoas que não ocupem funções ou empregos de confiança.

Na modalidade convite, o art. 51, §1º, da Le permite, excepcionalmente, que nas pequenas unidades administrativas, com poucos servidores, a Comissão de licitação poderá ser substituída por servidor formalmente designado pela autoridade competente.

Quanto ao pregão, não há uma Comissão de Licitação onde todos os membros atuam de forma solidária. O procedimento é realizado por um Agente denominado Pregoeiro, sendo que ele tem grande poder decisório, sendo que as decisões são adotadas exclusivamente por ele.

Sobre o pregoeiro e sua equipe de apoio, o art. 3º, IV, da Lei nº 10.520/2002 reza o seguinte:

Art. 3º  A fase preparatória do pregão observará o seguinte:

(...)

IV - a autoridade competente designará, dentre os servidores do órgão ou entidade promotora da licitação, o pregoeiro e respectiva equipe de apoio, cuja atribuição inclui, dentre outras, o recebimento das propostas e lances, a análise de sua aceitabilidade e sua classificação, bem como a habilitação e a adjudicação do objeto do certame ao licitante vencedor.

Pelo que foi exposto, é possível perceber que os membros da Comissão de Licitação, Pregoeiro e sua equipe de apoio possuem enorme responsabilidade perante a Administração Pública e a sociedade.

O tema das licitações é bem complexo e existem várias outras leis sobre o assunto, além da Lei nº 8.666/93, que trata sobre as normas gerais, e da Lei nº 10.520/2002, que regulamenta o Pregão.

Este trabalho não tem a intenção de esgotar o tema e isso é impossível, devido à complexidade.

Quanto à Comissão de Licitação, Pregoeiro e respectiva equipe de apoio, pela leitura dos dispositivos legais, constata-se que há uma enorme discricionariedade na designação destas pessoas.

O único requisito trazido pelas leis em comento, em síntese, é que a maior parte deles sejam servidores efetivos, e quanto aos órgãos ou entidades que adotem o regime celetista, os empregados membros não podem ocupar empregos de confiança.

Mas ao analisar a realidade da Administração Pública brasileira e da sociedade, sobretudo nos pequenos municípios do interior do Brasil, sobretudo no Nordeste, fácil constatar que os requisitos legais não são suficientes.

Muitas vezes, em pequenos municípios, constata-se que muitos membros não têm qualificação, não fazem cursos, não tem formação jurídica e nem de outra área afim, e não tem noção da importância de suas funções para a continuidade hígida dos serviços públicos.

Os gestores têm enorme discricionariedade na designação dos membros, do Pregoeiro e da equipe de apoio, o que pode acarretar enormes prejuízos para a Administração Pública, sobretudo em pequenas cidades do interior, e até mesmo para os membros da Comissão, Pregoeiro e equipe de apoio perante os órgãos de controle externo.

Como defendemos neste trabalho, os membros da Comissão, Pregoeiro e equipe de apoio são verdadeiros juízes das licitações, tendo poder de dizer quem a Administração Pública deve contratar.

Diante de tamanha responsabilidade, é inadmissível que haja grande discricionariedade na designação destes agentes, sob pena de violação ao Princípio da Impessoalidade e da proporcionalidade sob o aspecto da vedação da proteção deficiente.

É necessário que haja alterações legislativas para que os membros da Comissão, Pregoeiro e equipe de apoio tenham mandato fixo, somente perdendo a função mediante Processo Administrativo submetido ao contraditório e à ampla defesa.

Importante a vedação de recondução dos membros da Comissão, Pregoeiro e equipe de apoio.

Defende-se também que todos eles sejam servidores públicos efetivos estáveis, com formação superior, capacitados através de cursos ministrados pelos Tribunais de Contas ou por órgão/entidades previamente conveniados.

Além disso, defende-se que a Lei nº 8.666/93 seja alterada, estabelecendo requisitos objetivos e técnicos para a designação da Comissão, do Pregoeiro e equipe de apoio, evitando ao máximo a discricionariedade dos Gestores nesse processo.

Por fim, defende-se, nesse processo, a participação obrigatória dos Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver, ou não havendo, dos Tribunais de Contas Estaduais, e do Ministério Público, analisando a vida funcional dos pretensos ocupantes dessas nobres funções.

É necessário também que haja maior participação social no processo, devendo ser realizadas consultas públicas sem caráter obrigatório para a sociedade civil.

Para que possam exercer suas nobres funções, faz-se necessário que os Agentes Públicos designados se afastem de suas funções efetivas para dedicarem-se inteiramente às licitações, percebendo a remuneração do cargo efetivo, e uma gratificação justa e razoável.

4.3. ACCOUNTABILITY

O conceito de accountability, no Brasil, ainda é incipiente e na prática ainda não entrou na cultura brasileira, sobretudo em municípios do interior do Nordeste, onde muitos Gestores Públicos ímprobos não prestam contas à população e desviam recursos públicos, sobretudo quando o Ministério Público não é atuante.

Ainda há controvérsias até mesmo sobre a tradução da palavra accountability para o idioma português.

Sobre o assunto, ao discorrer sobre palavras parecidas, os professores Dra. Ana Rita Silva Sacramento e Dr. José Antônio Gomes de Pinho( Accountability: Já podemos traduzi-la para o português?. Revista de Administração Pública, vol. 43, número 06, novembro-dezembro 2009, p. 1347) falaram o seguinte:

De acordo com o descrito no Oxford advanced learner’s dictionary (2005:10): “Accountable: responsible for your decisions or actions and expected to explain them when you are asked: Politicians are ultimately accountable to the voters.”

(...)

No Merriam-Webster’s collegiate dictionary (1996:08): “Accountability (1794): the quality or state of being accountable; an obligation or willingness to accept responsibility or to account for one’s actions

Traduzindo o primeiro conceito mencionado para o português, quer dizer o seguinte: “Responsável: responsável por suas decisões ou ações e expectativas para explicá-los quando lhe for perguntado: os políticos são responsáveis aos eleitores ”

Já o segundo conceito, ao ser traduzido para o idioma português, quer dizer o seguinte: "Prestação de contas (1794): a qualidade ou estado de ser responsável; uma obrigação ou vontade para aceitar a responsabilidade ou para contabilizar as ações de uma pessoa "

Traduzido para o português, em síntese, significa responsabilidade pessoal pelos seus atos ou decisões.

Os mesmos autores (p. 1347), sobre o surgimento do conceito no idioma inglês, ainda falaram o seguinte:

Verifica-se, pois, que a ideia contida na palavra accountability traz implicitamente a responsabilização pessoal pelos atos praticados e explicitamente a exigente prontidão para a prestação de contas, seja no âmbito público ou no privado. Constatou-se ainda quão antiga é essa palavra nesse idioma, pois desde 1794 ela consta no dicionário. Em outras palavras, se na realidade brasileira esse termo não tem existência no final do século XX, na realidade inglesa do final do século XVIII ele aparece. Especulando, podemos associar o aparecimento do termo na realidade inglesa com a emergência do capitalismo e, portanto, da empresa capitalista a ser gerida de acordo com os parâmetros desse sistema e de uma moderna administração pública rompendo com os referenciais do patrimonialismo.

É possível perceber que, embora o conceito ainda seja impreciso e vago no idioma português e na cultura brasileira, significa, em apertada síntese, responsabilidade ou obrigação de prestar contas conforme os critérios legais, com a omissão sendo prevista como crime ou infração.

Para muitos estudiosos, deve haver a obrigatoriedade de prestação de contas e a aplicação de sanções em caso de omissão ou irregularidades. Sobre o assunto, os mesmos autores rezam o seguinte:

na concepção da accountability construída por Schedler (1999) três questões são identificadas como necessárias para sua eficácia: informação, justificação e punição. Nessa concepção, as duas primeiras questões — informação e justificação — remetem-nos ao que o autor denomina de answerability, isto é, a obrigação dos detentores de mandatos públicos informarem, explicarem e responderem pelos seus atos. A última — punição — diz respeito à capacidade de enforcement, ou seja, a capacidade das agências de impor sanções e perda de poder para aqueles que violarem os deveres públicos. Constata-se, mais uma vez, que a accountability implica em mais do que geração de dados e interação de argumentos, visto que inclui, também, a possibilidade de punir comportamento inadequado. Ainda de acordo com esse autor, exercícios de accountability que expõem delitos sem a imposição de penalidades aparecerão como fracas e diminuídas formas de accountability.

Verifica-se pois que o conceito de accontability, no setor público, envolve, de forma integrada, transparência dos atos da Administração Pública e a devida responsabilização e punição dos Agentes Públicos e privados que não prestam contas conforme os parâmetros legais.

Esse processo somente é possível em democracias avançadas, com uma cultura onde haja verdadeira participação popular nas decisões políticas, e para que isso ocorra de forma eficaz, é imprescindível que haja transparência e informação dos atos da Administração Pública.

Os Agentes Públicos e Privados que com ele tenham relações profissionais ou institucionais somente podem ser cobrados pela população se estar for devidamente informada das decisões políticas e administrativas adotadas por aqueles.

No Brasil, o regime democrático é muito recente, e o país, há pouco mais de 30(trinta) anos começou a fazer a transição de uma ditadura militar para um regime democrático, com previsão constitucional e legal de eleições periódicas para os Poderes Executivo e Legislativo, e possibilidade de responsabilização dos Agentes Públicos e particulares ímprobos.

Na Constituição Federal de 1988, denominada de “Constituição Cidadã” pelo então de- putado e presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, há um capítulo específico para tratar sobre a Administração Pública (Título III, Capítulo VII), o qual, em síntese, pugna por uma Administração Pública proba, honesta e eficiente.

Mas a Administração Pública na Constituição Federal não se resume ao capítulo VII do Título III. Há temas relacionados espalhados por todo o texto da Carta Magna, o que mostra sua importância para a democracia.

O art. 5º, XXXIII, da CF, consagrou o direito ao acesso à informação de interesse particular, ou interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

A Constituição Federal de 1988, consagrando o regime democrático nas relações entre cidadão e Administração Pública, tratou da participação daquele nas decisões desta da seguinte forma:

Art. 37 (...)

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;   (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;   (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)   (Vide Lei nº 12.527, de 2011)

III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.   (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

O art. 5º, X, da Constituição, mencionado no art. 37, §3º, II, acima transcrito, reza que “ são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

É possível verificar que o art. 37, §3º, III, da CF, introduziu no ordenamento jurídico pátrio, de forma ampla, a possibilidade de representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.

Essa possibilidade é inerente ao regime democrático, republicano e pluralístico almejado pela Constituição Federal.

Seguindo os objetivos democráticos e republicanos da Constituição, o art. 216, §2º, da CF, inserido na Seção II ( Da cultura) do Capítulo III ( Da educação, da cultura e do desporto) do Título VIII ( da Ordem Social), afirma o seguinte:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

(...)

§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

Pode-se afirmar, não obstante ainda existir controvérsias quanto ao conceito de accountability, que a Constituição Federal de 1988, principalmente através dos dispositivos constitucionais transcritos e do art. 37, §4º, CF, inseriu essa ideia no ordenamento jurídico pátrio, promovendo a participação popular na Administração Pública e a responsabilização de Agentes Públicos e particulares corruptos.

Regulamentando os dispositivos constitucionais e em cumprimento aos Princípios republicanos e democráticos, foi promulgada em novembro de 2011, a Lei nº 12.527/2011, que contem 47(quarenta e sete artigos), um grande avanço para a democracia brasileira.

Em vários estados da federação e na União, foi instituído o e-SIC, Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão, sistema no qual qualquer pessoa física ou jurídica, mediante prévio cadastro no Sistema, com login e senha individuais, encaminhe pedidos de informações para órgãos e entidades do Poder Executivo, onde o próprio sistema, no ato do registro do pedido, informa os prazos.

Isso foi um avanço imensurável para a cultura do accontability no Brasil, talvez o maior avanço legal para que haja maior participação popular.

Ocorre que accountability pressupõe uma cultura de cobranças da sociedade aos Gestores Públicos, de participação popular nas decisões políticas do Estado de representatividade popular nos órgãos e entidades da Administração Pública.

Ou seja, a accountability, apesar das divergências quanto ao seu verdadeiro conceito, somente existe em uma sociedade com participação popular democrática, e isso não depende somente de dispositivos constitucionais e legais inseridos em vários textos legislativos.

Depende muito de uma imprensa forte, que saiba atuar com cobranças aos ocupantes de cargos públicos, independente de ideologias político-partidários, e de uma sociedade informada e que saiba se posicionar perante os rumos do país, sem seguir de forma cega quaisquer correntes ideológicas.

No Brasil, essa cultura, embora a Constituição tenha pouco mais de 30(trinta) anos, somente começou a se formar há cerca de pouco mais de 20(vinte) anos, quando ocorreram as privatizações das telecomunicações, o consequente aumento do acesso à internet e à informação.

Antes disso, não havia cultura de participação popular. Um exemplo dessa constatação é que em terrae brasilis, todos os movimentos políticos marcantes, como por exemplo, a proclamação da independência, da república, queda da monarquia, abolição da escravatura, e os movimentos das décadas de 30, 60 e 79, foram realizados em sua essência pelas elites políticas e econômicas dos respectivos momentos históricos.

Talvez o único movimento brasileiro com grande participação da sociedade civil organizada tenha sido a elaboração e promulgação da Constituição Federal de 1988.

Embora nos últimos anos, a participação popular tenha aumentado substancialmente, ainda falta mais acesso à informação por parte da população, combate à disseminação de notícias falsas e mais organização da sociedade civil.

Nossa democracia, devido sobretudo aos inúmeros escândalos de corrupção nos últimos anos, está em risco, com a população desacreditando no seu potencial de mudar o país e confiando cegamente em políticos que se dizem salvadores da pátria, independente da bandeira partidária.

Em janeiro de 2019, foi publicado o Decreto nº 9.690/2019, alterando o Decreto nº 7.724/2012, que regulamenta a Lei nº 12.527/11.

Foram realizadas muitas alterações, mas a principal e que está sendo objeto inclusive de algumas ações judiciais, se refere à possibilidade conferida pelo atual decreto de ocupantes de alguns cargos comissionados classificarem algumas informações nos graus secreto e ultrassecreto.

Antes, isso somente podia ser feito por algumas autoridades do Alto Escalão do Poder Executivo Federal.

O decreto foi publicado no dia 23 de janeiro de 2019. Embora seja recente, está sendo questionado por vários especialistas no assunto e alguns partidos políticos e entidades já afirmaram que irão questionar a constitucionalidade do Decreto perante o Poder Judiciário.

Devemos acompanhar as notícias sobre esse decreto de forma isenta, colocando eventuais posicionamentos político-partidários em segundo plano.

A Lei de Acesso à Informação talvez tenha sido o maior avanço da democracia brasileira no Século XXI.

Não podemos permitir que haja retrocessos legais em nome de ideologias político-partidárias.

4.4. ADVOCACIA PÚBLICA

A advocacia pública no Brasil compreende a Defensoria Pública, encarregada, segundo o art. 134 da Constituição, da orientação jurídica, promoção dos direitos humanos e da defesa, judicial e extrajudicial das pessoas necessitadas, de forma integral e gratuita.

A Advocacia Pública ainda compreende a Advocacia Geral da União, Procuradorias dos Estados, e mesmo que de forma implícita, as Procuradorias Municipais, instituições de alta relevância para o eficaz funcionamento do controle interno da Administração Pública.

Antes de discorrer sobre a importância da Advocacia Pública para o controle interno diante da atual Constituição Federal, faz-se necessário falar um pouco sobre a história dessa nobre instituição.

Na nossa história, a primeira menção à Advocacia Pública ocorreu nas Ordenações Afonsinas, quando previu expressamente a função de Procurador dos Nossos Feitos. Elas foram instituídas por Dom Afonso V, em 1446, e o Brasil, enquanto colônia lusitana tinha que seguir o ordenamento português.

O Procurador dos Nossos Feitos tinha como funções patrocinar os direitos da Coroa Portuguesa e defender seus bens e patrimônio, e ainda tinha também como atribuição defender os órfãos, viúvas e pobres. Essa última função foi retirada pelas Ordenações Manuelinas, em 1521.

As Ordenações Filipinas, que entraram em vigor em 1603, dividiu a função de Procurador dos Nossos Feitos da seguinte forma: Procurador dos Feitos da Coroa e Procurador dos Feitos da Fazenda. Aquele tinha função de defender a Coroa com atividade postulatória, algo similar à atual função da Advocacia Geral da União e este tinha a atribuições fazendárias, parecido com o exercido pela Procuradoria da Fazenda Nacional-PFN.

Em 1609, Felipe II alterou as Ordenações Filipinas, implantando o Tribunal da Colônia. Dele fazia parte, entre outros, o Procurador dos Feitos da Coroa, que acumularia a função de Procurador dos Feitos da Fazenda e Fiscais e as atribuições de Promotor de Justiça da Casa de Suplicação.

Em 1751, Dom José I criou a Relação do Rio de Janeiro, um tribunal. Até então, havia no Brasil somente a Relação do Estado do Brasil, com sede em Salvador.

Em 1808, Dom João transformou a Relação do Rio de Janeiro em Casa de Suplicação do Brasil, com as mesmas funções da Casa de Suplicação de Lisboa, tendo ela sido os primórdios do atual Supremo Tribunal Federal (STF). Isso se deve à vinda da família real para o Brasil em 1808 a fim de fugir da invasão francesa.

Com a independência em 1822, a colônia deixa de existir e foi cessada a subordinação do Brasil a Portugal.

O art. 48(quarenta e oito) da Constituição de 1824 menciona a figura do Procurador da Coroa e Soberania Nacional, com várias atribuições além da advocacia Pública.

Ainda durante o Império, foram realizadas várias modificações legislativas nas atribuições da Advocacia Pública, mas devido à Monarquia absoluta que existia no Brasil, obviamente a Advocacia Pública não logrou êxito em mostrar sua importância.

A segunda constituição do Brasil e a primeira da República, a de 1891, afirmava que o Procurador Geral da República deveria ser escolhido pelo Presidente da República, dentre os membros do Supremo Tribunal Federal, e além de chefe do Ministério Público Federal, ainda tinha a função de representar a União em questões submetidas ao Supremo Tribunal Federal, conforme art. 22 do Decreto nº 848/1890.

Os Procuradores da República, que atuavam na Justiça Federal, também eram escolhidos pelo Presidente da República e entre outras funções, tinha a atribuição de promover os interesses da União.

Ou seja, a Advocacia Pública confundia-se com o Ministério Público Federal, situação que durou até 1988, e antes disso, embora tenha eclodido no país vários movimentos políticos, com a consequente promulgação ou outorga de Constituições e Atos Institucionais, não houve mudanças significativas na Advocacia Pública.

Em 1985, após 21 (vinte e um) anos de ditadura militar, período autoritário com a supressão de inúmeros direitos e garantias, houve eleições indiretas para Presidente da República e em 1986, foram eleitos os parlamentares para integrarem a Assembleia Nacional Constituinte, culminando na promulgação da Constituição Federal, em 05/10/1988.

Sobre a Advocacia Pública, a Constituição Federal a dissociou do Ministério Publico Federal. Além disso, a instituição foi prevista nos arts. 131 a 135, o que mostra a total mudança de postura do legislador constituinte em relação ao papel desempenhado pela Advocacia Pública.

O art. 131 da Constituição Federal trata da Advocacia Geral da União. O art. 131, §1º, CF, fala da atribuição da instituição e de sua chefia da seguinte forma:

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

§ 1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

O art. 131, §2º, da Constituição Federal fala que o ingresso nas classes iniciais da instituição deverá ocorrer através da aprovação em concurso público de provas e títulos.

Quanto à execução da dívida ativa de natureza tributária, há, segundo o art. 131 §3º, da Constituição Federal, uma instituição específica, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

Sobre os procuradores dos Estados e do Distrito Federal, o art. 132 da Constituição Federal reza o seguinte:

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.   (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Pela leitura dos dispositivos constitucionais que a Constituição Federal não tratou sobre as Procuradorias Municipais de forma explicita.

Devido a essa omissão, a maioria dos municípios do Brasil, salvo as capitais e algumas cidades médias ou grandes, não criaram suas Procuradorias com as respectivas carreiras definidas e preenchidas através de concursos públicos, que será tratado mais adiante.

A Advocacia Geral da União é regulamentada e foi organizado através da Lei Complementar nº 75/93, que estabeleceu várias divisões internas dentro do órgão, com separação definida entre a função postulatória em juízo e função consultiva.

A AGU é provida através de concursos públicos de provas e títulos com várias fases e que ocorrem de forma quase periódica.

Essa realidade ocorre em vários estados brasileiros, com o fortalecimento das Procuradorias Estaduais, sobretudo nos últimos anos.

Ocorre que no Brasil, muitas vezes, ainda há confusão da Advocacia Pública enquanto instituição responsável pela consecução das políticas públicas formuladas pelos Gestores eleitos e da Advocacia Pública como um órgão meramente formado por advogados contratados sem concurso público e com a única finalidade de defender e acobertar atos ímprobos dos Gestores Públicos.

Atualmente, esse pensamento é retrogrado e a Advocacia Pública, a fim de cumprir verdadeiramente seus objetivos institucionais, deve ser tratada como uma Advocacia de Estado, que defende os interesses da Administração Pública enquanto indutora de políticas públicas do interesse da coletividade.

A Advocacia Pública pode ser dividida nas funções de consultoria e postulatórias.

No exercício da Consultoria, a atividade da Advocacia Pública pode impedir a prática de atos ímprobos, desvios de recursos públicos, corrupção e pode fazer com que o Estado economize recursos públicos.

Sobre a atividade de consultoria da Advocacia Pública, a administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro(), fala o seguinte:

O papel do advogado público que exerce função de consultoria não é o de representante de parte. O consultor, da mesma forma que o juiz, tem de interpretar a lei para apontar a solução correta; ele tem de ser imparcial, porque protege a legalidade e a moralidade do ato administrativo; ele atua na defesa do interesse público primário, de que é titular a coletividade, e não na defesa do interesse público secundário, de que é titular a autoridade administrativa.”

Ou seja, para Di Pietro, o Advogado Público, no exercício da atividade de consultoria, atua na defesa do interesse primário, que tem a coletividade como titular.

Percebe-se que a Advocacia Pública é muito importante para o controle interno eficaz da Administração Pública.

Infelizmente, no Brasil, em regra, a Advocacia Pública ainda não tem a autonomia necessária para exercer essa nobre função com independência e imparcialidade, sem interferências político-partidárias.

Para que o controle interno da Administração Pública funcione de forma eficaz, impedindo a consecução de atos ímprobos, faz-se necessário que a Advocacia Pública seja composta por Advogados e servidores concursados, bem remunerados e com a realização periódica de concursos públicos.

É imprescindível que sejam realizadas as devidas alterações legislativas para que a Advocacia Pública conquiste autonomia administrativa e financeira, com seu Chefe sendo nomeado através de lista tríplice escolhida em eleição interna entre os membros da carreira e encaminhada ao Chefe do Executivo.

Não está sendo defendida aqui uma independência funcional no mesmo nível do Ministério Público e da Magistratura, o que é impossível, já que a Advocacia Pública, embora tenha como atribuição principal defender os interesses primários, deve atuar também na defesa dos interesses secundários, quando não colidirem com os primários.

Mas com certeza é importante que haja uma autonomia mitigada da Advocacia Pública para que os Advogados Públicos possam exercer a nobre missão com imparcialidade, independência, sem interferências políticas indevidas, e baseados exclusivamente em argumentos técnicos e jurídicos.

Essa autonomia, se alcançada, irá conferir mais credibilidade à Advocacia Pública e também irá retirar o Estado de vários litígios nos quais há entendimentos pacíficos do Poder Judiciário.

Em algumas regiões, quem atua em processos que têm o Estado no polo passivo, é possível ver que o Estado, mesmo quando claramente não lhe assiste razão jurídica nos termos da lei ou dos entendimentos dos Tribunais Superiores, insiste de forma inconsequente na continuidade da lide, interpondo vários recursos protelatórios, tendo como única finalidade a protelação do cumprimento das decisões judiciais.

Essa postura, além de fazer do Estado, em sentido amplo, o maior litigante junto ao Poder Judiciário, viola os Princípios da Proporcionalidade e razoabilidade e rápida solução dos litígios, prevista no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.

Em pequenas cidades do interior, onde nunca houve concurso público para procurador, os Gestores Públicos, não raras vezes, contratam como advogados para o Município seus apadrinhados políticos, ao arrepio das regras constitucionais relacionadas ao concurso públicas previstas no art. 37 da Constituição.

Muitas vezes, esses advogados não têm conhecimentos específicos sobre a atuação da Administração Pública e estão interessados somente em defender os Gestores que o contrataram.

Esse comportamento dos Gestores Públicos Municipais já causaram inúmeros prejuízos financeiros a vários municípios, já que os contratados muitas vezes não tem conhecimentos específicos e estão lá somente para defender os Gestores ímprobos.

No Estado do Maranhão, em várias cidades do interior, o Ministério Público Estadual está tentando adotar as providências cabíveis a fim de que os ocupantes de cargos comissionados de Procurador sejam exonerados, com a realização de concursos públicos de provas e títulos.

Considerando que o Ministério Público e o Tribunal de Contas são órgãos de controle com atribuições definidas e já devidamente formados, é importante uma atuação conjunta desses órgãos para que haja uma padronização dos órgãos de controle interno.

Os órgãos de controle interno devem atuar de forma sistematizada, informatizada e integrada entre si e com o Ministério Público e com os Tribunais de Contas.

Devem ser compostos por funcionários de carreira, concursados, qualificados e bem remunerados.

5. CONCLUSÃO

O desenvolvimento do presente trabalho permitiu ampla análise sobre a importância do Controle Interno para o combate à corrupção na Administração Pública.

Foi analisada a história e a importância do controle da Administração Pública, sobretudo do controle interno, para o combate e prevenção da corrupção e da malversação de recursos públicos.

Uma vez demonstrada a relevância do controle interno eficiente para a prevenção da corrupção na Administração Pública, faz-se necessário a adoção de medidas legislativas, sociais e institucionais, com o controle interno tendo como foco, entre outros aspectos, as atividades de Auditoria e Fiscalização, accountability, com o fortalecimento da participação popular, licitações e contratações públicas e Advocacia Pública.

Nesse sentido, faz-se necessária atuação conjunta e articulada do Ministério Público, dos Tribunais de Contas e da sociedade a fim de que seja construído um sistema de controle interno integrado em toda a Administração Pública pátria, com os setores de Auditoria e Fiscalização e Advocacia Pública sendo providos de servidores concursados, qualificados e bem remunerados.

Além disso, conforme já exposto, deve haver mais critérios nas indicações de pessoas para a composição das Comissões de Licitações e nas designações dos Pregoeiros e de suas respectivas equipes de apoio, colocando-se pessoas que ocupam cargos efetivos na Administração Pública, concursados e qualificados.

Por fim, deve-se fortalecer a Advocacia Pública com uma autonomia mitigada, sendo a Chefia da instituição ocupada por integrantes da carreira e nomeados através de lista tríplice, conforme já demonstrado, para que os Advogados Públicos exerçam uma Advocacia de Estado e não de Agentes ímprobos ou de programas político-partidários.

Por fim, o sistema de controle interno deve ser integrado com os órgãos de controle externo.

Todas essas mudanças e fortalecimento do sistema de controle interno produzirá uma Administração Pública eficiente, com Agentes probos e honestos e evitará a consecução da maior parte de práticas corruptas nefastas para a sociedade.

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Sobre o autor
Danilo Moura Mendes

Formado em Direito pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI (2014) Servidor do Ministério Público do Estado do Maranhão Pós Graduado em Prevenção e Repressão à Corrupção - Aspectos Teóricos e Práticos, pela Universidade Estácio de Sá em parceria com o Complexo de Ensino Renato Saraiva.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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