O prefeito do município de Magé, no Estado do Rio de Janeiro, nomeou 07 familiares para cargos em comissão na estrutura administrativa do município sendo a maioria das nomeações para o cargo de secretário municipal1.
Ao ser questionado, o prefeito defendeu a constitucionalidade da medida e, ainda que não tenha se referido expressamente à súmula vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal, foi com base numa interpretação dela que as nomeações foram feitas.
A nomeação de parente de autoridade para ocupar cargo em comissão nunca foi novidade no Brasil. Os questionamentos judiciais acerca de tais nomeações também. E foi justamente para pacificar as discussões que o STF editou a SV 13 segundo a qual “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.
Ocorre que mesmo após a edição da referida súmula o STF se deparou com o tema disciplinado por ela em, pelo menos, três oportunidades mais recentes: 1) reclamação nº 22339, 2) reclamação nº 28024 e 3) reclamação nº 29033. Em todos esses casos o argumento central das reclamações foi o mesmo: aplicação indevida da SV 13.
Na Rcl nº 223392, julgada em 04/09/2018, e que teve como redator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, o STF decidiu que o cargo de secretário municipal é cargo de natureza política no qual o vínculo que liga o nomeante e o nomeado não é apenas de natureza técnica, mas, sobretudo, a confiança entre aquele que nomeia e aquele que é nomeado.
Assim, para o STF, nesses casos, a SV 13 não se aplica haja vista a marca característica da fidúcia necessariamente existente em tais nomeações.
No caso concreto, o tribunal chancelou a conduta de prefeita municipal que nomeou seu cônjuge para ocupar o cargo de secretário municipal de segurança pública, trânsito e transporte.
Na Rcl nº 280243 e Rcl nº 290334, julgadas respectivamente em 29/05/2018 e 17/09/2019, e que tiveram como relator o Ministro Roberto Barroso, o STF retomou a premissa no sentido de que, a priori, as nomeações para cargos de natureza política não se submetem ao comando da SV nº 13.
Porém, o tribunal fez uma advertência no sentido de ressalvar tais nomeações quando se estiver diante de “casos de inequívoca falta de razoabilidade, por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral”.
De concreto, mesmo com tal ressalva, o tribunal julgou válida respectivamente a nomeação de cônjuge de prefeito para ocupar o cargo de secretária municipal de assistência social, esportes e lazer e a nomeação de filho de prefeito para ocupar o cargo de secretário-executivo de gabinete.
Voltando ao caso do município de Magé, não é possível afirmar que as nomeações dos 07 familiares do prefeito estejam de acordo ou em desacordo com a SV 13 do STF. Só se poderá chegar a tal conclusão após a análise específica de cada nomeação.
O que se pode afirmar é: se por um lado o STF afasta a aplicação da sua súmula vinculante nº 13 aos cargos de natureza política, por outro lado, tende a aplicá-la sempre que ficar comprovado que no caso concreto a nomeação não observa a idoneidade moral do nomeado e/ou a sua qualificação para o exercício do cargo.
Assim, o fato do cargo ser de natureza política não é um cheque em branco para que o chefe do Poder Executivo nomeie quem quer que seja. É necessário que haja um mínimo de conhecimento técnico para a função que será desempenhada.
A questão continua sendo polêmica. Tanto assim que pende de julgamento no próprio STF o Recurso Extraordinário nº 1.133.118/SP, relator o Ministro Luiz Fux, e cujo tema da repercussão geral que foi reconhecida neste recurso diz expressamente “Tema 1000 – discussão quanto à constitucionalidade de norma que prevê a possibilidade de nomeação de cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante, para o exercício de cargo político”.
Portanto, tudo leva a crer que com o julgamento deste recurso extraordinário o STF irá pacificar definitivamente a questão. Até lá, é possível que a imprensa noticie outros casos como o do município de Magé.
1https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/01/06/prefeito-de-mage-nomeia-familiares-em-menos-de-uma-semana-na-nova-gestao.ghtml. Acesso em 19.01.2021.
2 Rcl 22339 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin – Redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 04.09.2018.
3 Rcl 28024 AgR/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 29.05.2018.
4 Rcl 29033 AgR/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 17.09.2019.