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OS PERIGOS DE UM FLERTE AUTOCRÁTICO

Agenda 27/02/2021 às 11:43

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A DISCUSSÃO SOBRE OS PERIGOS PARA A DEMOCRACIA.

OS PERIGOS DE UM FLERTE AUTOCRÁTICO  

Rogério Tadeu Romano  

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse no dia 19 de fevereiro do corrente ano, em um discurso sobre política externa que a luta entre a democracia e a autocracia está em um “ponto de inflexão”. 

“Em muitos lugares, incluindo a Europa e Estados Unidos, o progresso democrático está em perigo”, afirmou Biden, segundo trechos do discurso que pronunciará virtualmente na Conferência sobre Segurança de Munique, divulgados pela Casa Branca.  

Os que cultuam a democracia não podem perder na memória a triste experiência nazista.  

Em 25 de setembro de 1930, perante a Justiça Federal em Leipzig, Hitler deixou claro seu objetivo de tomar as instituições jurídicas e “dessa maneira transformar nosso partido num fator determinante... quando possuirmos poder constitucional, vamos moldar o Estado à forma que nos seja apropriada”. Hitler ascendeu ao poder, promoveu a polarização e a desordem, e, em 1933, deu início a um substantivo processo de erosão constitucional que, entre outras coisas, retirava do Judiciário o controle sobre seus atos. 

O Estado Totalitário traz uma falsa consciência de direito. Um universo antitético. 

O que é um autocrata? 

O sentido político da Autocracia pode ser restrito ou amplo. No primeiro caso há uma personalização do poder; no segundo, Já o sentido amplo designa um poder ilimitado e absoluto sobre os súditos do governo como um todo ou dos órgãos administrativo que exerce a função de governante.  

Autocracia se refere a uma forma de governo centrada em um indivíduo, que detém todo o poder sem restrições. A termo foi utilizado inicialmente na Grécia antiga para representar generais que, por questões estratégicas, estavam autorizados a tomar decisões sozinhos, sem a necessidade passar pela assembleia. 

É um tema oposto à democracia liberal onde a vontade dos cidadãos prevalece.  

Exemplos como a Rússia moderna, com seu líder autocrata, temos ainda, por exemplo, na Turquia. A China, com uma ditadura de partido, é uma autocracia com métodos que afrontam os direitos humanos.  

A autocracia, na história, pode ser exercida sem um rei ou um imperador. Na Alemanha houve um entre 1933 e 1945: Adolfo Hitler. No Brasil, vivemos governos autocráticos com o Estado Novo(1937 – 1945) e a ditadura militar(1964 – 1985).  

Nessa situação certas características são comuns encontradas em estados autocratas: a) concentração de toda a autoridade nas mãos de um chefe supremo; b) restrições às liberdades públicas e regime de censura; c) prevalecimento do interesse coletivo sobre o individual; d) partido único; e) dirigismo econômico; f) estatismo, nacionalismo ou racismo, como objetivo moral do Estado. 

Valeram-se os ditadores de ideias forças(unificação e grandeza da pátria) para galvanizar os espíritos e polarizar os sentimentos cívicos da comunidade nacional. No setor econômico, postergavam a livre concorrência, o lessez faire, do capitalismo, estabelecendo o primado da coletividade sobre o indivíduo. 

O fascismo foi uma forma de autocracia.  

É a própria nação italiana, sob o fascismo, que integra no partido e se deixa dirigir pela vontade incontrastável do homem providencial. O partido era ao mesmo tempo, Estado, nação, governo e organização produtiva. 

É evidente a afinidade entre o fascismo e a doutrina do famoso secretário florentino exposta no livro, O Príncipe, tanto que o próprio Mussolini, na Itália, como chefe de governo, escrevendo Prelúdios a Maquiavel, em 1924, mencionou que na atualidade italiana o maquiavelismo estava mais vivo do que na época de seu aparecimento. Para o príncipe, para que haja respeito é preciso que se tema. 

Na Alemanha, foi identificado um flerte autocrático.  

Voltemos a 2020. 

Na Alemanha o perigo autoritário de direita começa a preocupar, como informou o Estadão, em sua edição em 13 de março de 2020. 

“Com o argumento de que representa um perigo para a democracia da Alemanha, 75 anos após o fim do nazismo, a ala mais radical do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) foi colocada ontem sob vigilância policial. O terrorismo de extrema direita “representa atualmente o principal perigo para a democracia na Alemanha”, afirmou o presidente do serviço secreto alemão (BfV), Thomas Haldenwang. 

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Após vários ataques realizados por extremistas, Haldenwang anunciou que a ala conhecida como “Der Flügel” (A Asa) é hoje a principal força de oposição na Câmara dos Deputados e estará sob vigilância policial. Segundo o diretor do serviço secreto alemão, há claros indícios de inconstitucionalidade nas ações do grupo, que estariam influenciando a liderança do partido, uma vez que seus dois principais líderes são extremistas de direita. 

O movimento “Der Flügel” é liderado por Björn Höcke, um político do Estado da Turíngia. Ele não faz parte da estrutura partidária oficial da AfD e, portanto, não há uma lista de seus membros. Segundo o serviço secreto alemão, calcula-se que 20% do partido, ou seja, cerca de 7 mil pessoas, pertença a esse grupo radical, como informa a TV Deustche Welle. Em todo o país, estima-se que haja cerca de 32 mil extremistas de direita.” 

São essas as propostas dessa vertente do novo fascismo na Alemanha: 

No plano econômico, o AfD quer que a Alemanha abandone o euro e pare com os milionários resgates a países europeus altamente endividados. O partido anti-euro foi fundado em 2013 como uma opção contra os planos da União Europeia para resgatar a Grécia. 

- O plano político da legenda tem como pilar declarar o islã incompatível com a Alemanha, incluindo o estabelecimento de registros rigorosos de organizações islâmicas. 

O crescimento da extrema direita e a saída dos socialdemocratas da coalizão do governo dificultam as negociações para a chanceler alemã Angela Merkel, que venceu as legislativas recentes e preza valores nacionalistas. 

O partido quer exigir o fechamento das fronteiras e endurecer o direito de refúgio na Alemanha. 

O partido tem nítidas propostas contrárias a globalização, ao convívio com minorias 

Esse o quadro tão surreal quanto preocupante do avanço da direita justamente onde levou a morte milhões de pessoas anos atrás. 

O site do Diário de Notícias de 30 de abril de 2017 noticiava que de acordo com o Nations in Transit 2017, são dois os que se destacam: Hungria e Polónia, países tidos como casos de sucesso da transição do comunismo para a democracia, mas que se estão a tornar regimes cada vez mais autoritários e menos democráticos. 

"A grande diferença entre a Hungria de Orbán e a Polónia de Kaczynski, no entanto, é que o PiS está a transformar o cenário polaco a uma velocidade rápida e em violação das próprias leis do país. Com uma supermaioria parlamentar, o Fidesz foi capaz de reescrever a Constituição e a estrutura legislativa de maneiras formalmente legais, apesar de em clara violação dos princípios da democracia liberal", explicou num ensaio Nate Schenkkan, o diretor do Nations in Transit. 

Outra das grandes diferenças entre os dois países é o fato de Viktor Orbán ser o primeiro-ministro eleito da Hungria e Jaroslaw Kaczynsky ser apenas o líder do Partido Lei e Justiça (PiS) - uma condenação por fraude eleitoral impede-o de ocupar cargos públicos -, mas controla governo e presidente.” 

A nova lei trabalhista de 2018 permite que empregadores exijam até 400 horas extras por ano, levando críticos a classificá-la como “lei da escravidão”. 

“Esse governo ignora a nós, trabalhadores”, disse Tamas Szekely, vice-chefe da Associação dos Sindicatos Húngaros, em um discurso. “Nós devemos levantar nossas vozes e dar uma resposta.” 

Orban tem entrado em conflito frequente com Bruxelas à medida que estabelece um sistema que seus críticos veem como autocrático, aumentando seu controle sobre a Justiça e a imprensa. 

Defensores dos direitos humanos dizem que a nova lei dos tribunais é a mais recente medida para erosão das instituições democráticas sob Orban, que chegou ao poder em 2010. 

O governo húngaro é francamente autocrático. 

No dia 1 de janeiro de 2011 uma lei de imprensa altamente controversa entra em vigor no país. 

O Fidesz, partido de direita no governo, conseguiu aprovar a legislação, usando sua maioria de dois terços no Parlamento: foram 256 votos a favor e 87 contra, sem abstenções. Em Budapeste, cerca de 1500 pessoas protestaram contra a aprovação. Para os manifestantes, a liberdade de imprensa e o Estado de direito estão ameaçados. 

A Lei da Comunicação Social aprovada na Hungria irá impor restrições mais amplas à liberdade de expressão, alertou a Anistia Internacional. 

Num movimento sem precedentes dentro da União Europeia, a Lei de Liberdade de Imprensa e Meios de Comunicação Social, com entrada em vigor no dia 1º de Janeiro de 2011, impõe as mesmas restrições a todos os conteúdos dos media, quer sejam difundidos, impressos ou colocados online, de propriedade pública ou privada. Esta lei também concede amplos poderes à nova autoridade dos meios de comunicação para fiscalizar padrões imprecisos. 

“A amplitude das restrições impostas aos conteúdos dos media, a falta de orientações claras para os jornalistas e editores, e os fortes poderes da nova entidade reguladora arriscam-se a ter um efeito negativo sobre a liberdade de expressão na Hungria”, afirmou John Dalhuisen, Sub-Director do Programa da Anistia Internacional para a Europa e a Ásia Central. 

A Hungria tornou-se uma ditadura de extrema-direita. 

Sob o mandato a Orbán a Hungria sofreu um alarmante declínio na liberdade de expressão e de imprensa. 

Pessoas próximas a Orbán agora tem o controle de mais de 500 veículos de comunicação. 

Seu governo ainda apresentou novas leis contra ONGs e Universidades além de atacar pessoas que apoiam refugiados e migrantes como o milionário Soros. 

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, consolidou o seu poder sobre as instituições do país. Controlado pelo partido de extrema direita do premier, o Parlamento aprovou a criação de um sistema judicial paralelo que cimenta o controle do Executivo sobre o Judiciário. 

O ministro da Justiça de Orbán vai controlar a nomeação e a promoção dos juízes, que terão jurisdição sobre casos relacionados à "administração pública", incluindo questões políticas sensíveis como a lei eleitoral, a corrupção e o direito de manifestação. 

O Judiciário da Hungria, que já enfrenta significativa interferência do governo, terá as atribuições reduzidas e nenhum controle sobre as decisões do sistema judicial paralelo, formado pelas chamadas cortes administrativas. 

Órgãos de monitoramento de direitos civis veem o movimento como a mais recente medida de erosão das instituições democráticas húngaras sob o comando de Orbán, que, desde assumir o poder em 2010, criou um modelo de retrocesso da democracia liberal, regime este disseminado pelo leste europeu nos anos 1990. Seu exemplo foi seguido por democracias como a da Polônia e ganhou admiradores entre figuras populistas da França, da Itália, da Holanda e dos Estados Unidos. 

Em 2020, ainda sob o triste governo Trump, nos Estados Unidos, disse o atual ministro das Relações Exteriores ao jornal O Globo:  

 - São, portanto, países que aliam o dinamismo econômico com a defesa da identidade nacional e dos seus valores civilizacionais. Por isso, queremos aprofundar com eles tanto a agenda comercial e de investimentos, quanto a defesa de princípios, como o da liberdade religiosa, onde Polônia e Hungria, juntamente com Brasil e os Estados Unidos, estão na vanguarda — disse o chanceler de Bolsonaro.  

A proximidade do atual governo no Brasil com o da Hungria mostra o perigo dessa letal influência à democracia que deve ser objeto de análise a fim de que o Brasil não ruma para os caminhos já trilhados por aquele país, na afronta a direitos fundamentais. 

O presidente Jair Bolsonaro disse recentemente que "quem decide se um povo vai viver numa democracia ou numa ditadura são as suas Forças Armadas".  

De acordo com Bolsonaro, no Brasil "temos liberdade ainda", mas "tudo pode mudar" se homens e mulheres que compõem as Forças Armadas brasileiras não tiverem seu valor reconhecido.  

Pensemos em barreiras legais à ação daqueles que advogam contra os princípios e as instituições democráticas. Nesse sentido, Karl Loewenstein propôs, em 1937, a controvertida doutrina da "democracia militante", incorporada pela Lei Fundamental em 1949 e aplicada pela Corte Constitucional alemã nas décadas seguintes. Foi o caso do combate a organizações terroristas de esquerdas que atuaram na década de 1970 na Alemanha. 

Nos anos 1950, invocando a doutrina da “democracia militante”, o Tribunal Constitucional da Alemanha extinguiu tanto o novo partido nazista, como o partido comunista. Muitas dessas decisões foram cercadas de controvérsias, tanto jurídicas, como políticas. Mas a polêmica é parte inerente à democracia.  

Ficam as palavras aqui declinadas.  

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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