Muito embora os avanços legislativos e jurisprudenciais, a atividade probatória nos delitos de trânsito, precipuamente naqueles envolvendo o consumo de álcool e outras substâncias psicoativas que causam dependência, ainda gera ruidosa divergência doutrinária, com implicação prática no dia a dia do Delegado de Polícia e na dinâmica do processo penal futuro.
Ainda persiste, na atuação prática de algumas delegacias, a concepção de que o teste do etilômetro, famigerado bafômetro, não é suficiente para afastar a necessidade do exame de corpo de delito (exame de sangue ou exame clínico), a ser realizado por um perito oficial ou dois peritos designados e compromissados na forma do art. 159 e ss. do Código de Processo Penal, por suposta imposição do art. 158 do mesmo diploma adjetivo.
Tal concepção além de amparada em premissas jurídicas equivocadas, a nosso ver, encontra-se ultrapassada pelas alterações legislativas e pelos precedentes das cortes superiores sobre a matéria, consoante se demonstrará adiante.
Assim, o presente artigo tem como objetivo discorrer sobre a prescindibilidade do exame pericial para a Lavratura do Auto de Prisão em Flagrante pelo Delegado de Polícia nos crimes de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB), quando o fato é atestado por teste de alcoolemia realizado mediante etilômetro (teste do bafômetro).
Como dito, há ainda quem entenda que o Delegado de Polícia, dando fiel cumprimento ao art. 158 do CPP, deve encaminhar o autuado imediatamente ao Instituto Médico Legal para realização de perícia médica, seja através de exame de sangue ou seja através de exame clínico, no caso de recusa do primeiro. Diz o art. 158 do CPP:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Quem defende essa postura entende que não cabe ao delegado questionar o comando legal de indispensabilidade da prova pericial.
Contudo, como se demonstrará adiante, além de a obrigação do art. 158 do CPP não se direcionar ao delito de embriaguez ao volante, por expressa disposição legal, sua realização é imprópria, via de regra, precipuamente diante do fato delituoso que se pretende provar. Explico melhor.
Como já antecipado, o Código de Trânsito Brasileiro disciplina de forma especial a atividade probatória do delito do art. 306, o que afasta o comando geral do CPP em respeito às regras de solução de conflitos aparentes de normas (lex specialis derrogat lex generalis). Dispõe o art. 306 do CTB:
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1o As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.
§ 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. (grifos acrescidos)
Como é de fácil leitura, a norma é clara ao indicar que quaisquer das formas nela previstas são aptas a provar o delito de embriaguez ao volante. Ao assim dispor, nada mais fez o legislador do que abandonar a tarifação da prova pericial prevista no art. 158 do CPP.
E não é a primeira vez que uma norma especial derroga a norma geral do art. 158 do CPP. Com efeito, o § 1º do art. 77 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) também prevê a prescindibilidade do exame de corpo de delito, quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente. Vejamos o que dispõe a norma mencionada:
Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis.
§ 1º Para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo de ocorrência referido no art. 69 desta Lei, com dispensa do inquérito policial, prescindir-se-á do exame do corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente.(grifos acrescidos)
Há quem diga que há diferença de conteúdo normativo pelo fato de o texto normativo do Código de Trânsito não ter utilizado afirmação expressa de que “prescindir-se-á do exame do corpo de delito”, como fez o texto normativo Estatuto dos Juizados Especiais Criminais.
Contudo, esse argumento tenta induzir uma conclusão com base em simples jogo de palavras, olvidando-se que não se pode confundir a norma com o texto normativo. Afinal, quando se diz que a prova pode ser realizada por determinado meio que não o pericial significa dizer que o exame pericial é prescindível.
Também não atenta, o intérprete, que a finalidade da norma (interpretação teleológica) foi simplificar a atividade probatória dos delitos envolvendo embriaguez ao volante, em um movimento de tolerância zero.
Assim, não há lógica, seja do ponto de vista gramatical, seja do ponto de vista sistêmico ou seja do ponto de vista teleológico, cogitar que a norma especial determina que a verificação do crime de embriaguez ao volante pode ser obtida mediante teste de alcoolemia (art. 306, §2º), que constate a concentração de álcool superior a 0.3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar (art. 306, §1º, I), mas que, mesmo assim, deve ser realizado em seguida um exame pericial de sangue ou clínico por perito oficial, na forma do art. 158 do CPP, para atestar a mesma coisa.
Por outro lado, se formos observar as regulamentações infralegais sobre a aplicação da norma, veremos que não é diferente de nossa conclusão. Tanto o Decreto Federal n. 6.488/08 quanto a Resolução n. 432/2013 do CONTRAN estabelecem a suficiência da verificação do estado de embriaguez a partir de teste em aparelho destinado à medição do teor alcoólico no ar alveolar (etilômetro), para fins de constatação do crime do art. 306 do CTB.
Assim, conclui-se que a própria lei trouxe os meios probatórios suficientes para provar a materialidade do delito de embriaguez ao volante.
Vale destacar que o assunto, apesar de gerar divergências doutrinárias com aplicação práticas entre Delegados, sobretudo quando do recebimento da ocorrência do flagrante, já está há muito pacificado pelos tribunais superiores. Vejamos:
EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO FORMAL E FUNDAMENTADA DA ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. DECRETO 6.488/2008, ART. 2ª, INCISO II. MEIO DE PROVA IDÔNEO. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DA CORTE.
1. A obrigação do recorrente em apresentar formal e motivadamente a preliminar de repercussão geral, que demonstre sob o ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, a relevância da questão constitucional debatida que ultrapasse os interesses subjetivos da causa, conforme exigência constitucional e legal (art. 102, § 3º, da CF/88, c/c art. 1.035, § 2º, do CPC/2015), não se confunde com meras invocações desacompanhadas de sólidos fundamentos no sentido de que o tema controvertido é portador de ampla repercussão e de suma importância para o cenário econômico, político, social ou jurídico, ou que não interessa única e simplesmente às partes envolvidas na lide, muito menos ainda divagações de que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é incontroversa no tocante à causa debatida, entre outras de igual patamar argumentativo.
2. “O art. 2º, II, do Decreto 6.488/2008 estabelece o teste do etilômetro como um dos meios de prova aptos a caraterizar a materialidade do tipo descrito no art. 306 do CTB, sendo desnecessária, portanto, a realização de exame complementar de sangue para aferição da concentração alcoólica a que alude a norma penal“. (HC 111.300/RS, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, Dje 29/11/2013). Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento.
(STF / ARE 827557 ED, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 27/04/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-090 DIVULG 09-05-2018 PUBLIC 10-05-2018) – grifos acrescidos
EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL EM RELAÇÃO À INTERPRETAÇÃO DADA AO ART. 306 DO CTB. INOCORRÊNCIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. COMPROVAÇÃO DA EMBRIAGUEZ POR MEIO DE TESTE DE BAFÔMETRO SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A alteração da capacidade motora em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, consoante o § 2º do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, com a redação dada pela Lei 12.760/2012, é regra de cunho relativo à prova, que poderá ser constatada por teste de alcoolemia, como na hipótese, ou outros meios de prova em direito admitidos, sendo despicienda a demonstração da efetiva potencialidade lesiva da conduta, vez que o crime é considerado de perigo abstrato.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ / AgRg no AREsp 1274148/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 24/05/2018) – Grifos acrescidos
EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 306 DO CTB. INOCORRÊNCIA. COMPROVAÇÃO DA EMBRIAGUEZ POR MEIO DE TESTE DE BAFÔMETRO SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ART. 255/RISTJ. INOBSERVÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que "tendo o delito sido praticado após as alterações procedidas pela Lei nº 11.705/08 e antes do advento da Lei nº 12.760/12, a simples conduta de dirigir veículo automotor em via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro, configura o delito previsto no art. 306 do CTB, o que torna desnecessária qualquer discussão acerca da alteração das funções psicomotoras do agente" (REsp 1577903/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe 19/05/2016).
2. A não observância dos requisitos do artigo 255, parágrafos 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, torna inadmissível o conhecimento do recurso com fundamento na alínea "c" do permissivo constitucional.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ / AgInt no AREsp 1161063/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 27/10/2017)
Conquanto entendamos que os argumentos jurídicos acima trazidos já se mostrem suficientes para concluir pela prescindibilidade da realização do exame de corpo de delito (prova pericial consistente em exame de sangue ou exame clínico), não podemos deixar de abordar uma segunda questão quanto à atividade probatória no crime de embriaguez ao volante, relacionada à impertinência da produção da prova pericial. Ou seja, da aplicação imprópria do exame na grande maioria dos casos flagranciais.
Com efeito, a realização de exame de sangue ou de exame clínico em momento muito posterior ao fato delituoso não se mostra minimamente adequado ao fim a que a prova se destina. E muito posterior, quando se fala em delito de embriaguez, é questão de horas.
O crime de embriaguez ao volante é classificado como delito transeunte, uma vez que o corpo de delito é passageiro (delicta factis transeuntes), ou seja, seus vestígios desaparecem rapidamente.
Sabe-se, pela ciência e pela experiência comum, que o próprio organismo humano é capaz de metabolizar o álcool, transformando a substância etílica em substâncias diversas. Com o fim do consumo do álcool, é questão de tempo para que o organismo termine o processo metabólico e elimine o álcool do organismo, dando cabo aos efeitos que ele provoca.
Nesse sentido, a constatação do estado de embriaguez que importa para tipificação do delito previsto no art. 306 do CTB é aquela do exato momento em que o agente está conduzindo o veículo. Não a constatação do estado do motorista uma hora depois, muito menos a constatação de várias horas depois.
É de conhecimento prático que a ocorrência de crime de trânsito pode demorar tempo considerável até a apresentação do conduzido à autoridade policial. E mais ainda até o agente ser encaminhado ao IML e ser submetido à perícia de exame de sangue ou exame clínico.
Assim, no momento em que a ocorrência é apresentada à autoridade policial ou ao perito, há, via de regra, uma impossibilidade material absoluta de realização de exame de corpo de delito, diante do desaparecimento dos vestígios.
Isto porque, para fins de tipificação do delito, não importa a concentração de álcool ou estado de embriaguez no momento da apresentação do autuado à autoridade policial. O delito se consuma com a verificação do estado de embriaguez e da concentração de álcool no momento da condução do veículo. Se o exame for realizado algumas horas depois, por força da atividade própria do organismo humano, a situação de fato já estará modificada.
Saliente-se que o processo penal e a prova não são um fim em si mesmos. Prova boa é aquela que demonstra o estado de fato daquilo que se pretendia demonstrar. No caso dos delitos de embriaguez ao volante, é a concentração de álcool no momento exato da condução do veículo automotor. Qualquer prova produzida após esse momento, poderá alterar a realidade das coisas.
Portanto, não há como dizer que há, nesses casos, indispensabilidade do exame de um corpo de delito já modificado ou inexistente. Porque, por mais que se entendesse que os §§ 1º e 2º do art. 306 não afasta a necessidade de realização de exame pericial, deveria se reconhecer que a modificação do estado clínico do autuado, decorrente do próprio decurso de tempo e da atuação do organismo humano, fez com que os vestígios do crime fossem alterados absolutamente, afastando o preceito normativo do art. 158 do CPP em face do que dispõe do art. 167 do mesmo diploma adjetivo penal, cujo teor transcrevemos:
Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
Vale destacar que, nesses casos, a prova testemunhal, em regra do condutor/agente de fiscalização de trânsito, segue acompanhada por uma constatação técnica segura, o teste do etilômetro (bafômetro).
Portanto, com respeito às opiniões diversas, não é juridicamente correto determinar a realização do exame de corpo de delito em razão de uma suposta imposição legal. A lei especial traz norma excepcional. E por mais que não trouxesse, o tempo seria fator determinante da modificação ou do desaparecimento dos vestígios materiais do delito, a atrair a incidência do art. 167 do CPP.
Reforce-se, ainda, que não há superioridade substancial do exame clínico e do exame de sangue em relação ao teste do etilômetro. Não confiar no teste do bafômetro é descartar e desconsiderar um meio técnico, objetivamente confiável e legalmente admitido, de se comprovar, no momento do fato, o estado de embriaguez inadmitido pela lei.
Se for para encaminhar todos os casos ao IML para realização de exames periciais, a providência racionalmente correta seria extinguir o uso dos aparelhos de bafômetro, evitando um desperdício de recursos públicos e abreviando o momento do exame pericial.
A falibilidade do teste do bafômetro também não é justificativa para o seu descarte. Se assim fosse, não se poderia confiar no exame clínico, objetivamente menos confiável, ou mesmo no exame de sangue, cuja falha pode se operar não apenas momento em que o exame é realizado (tempo após a fato delituoso), mas também pela sempre possível falha humana no momento de classificação e separação do material genético.
É importante consignar, ainda, que não se prega a exclusão por completo da prova pericial. O que se quer demonstrar é que o encaminhamento do autuado à perícia não deve ser a regra, por imposição do art. 158 do CPP, mas a exceção, que depende da análise da adequação e pertinência realização da perícia pelo Delegado de Polícia, nos termos do art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 12.830/2013.
Em outras palavras, o art. 158 do CPP não é de aplicação obrigatória no delito de embriaguez ao volante, tampouco uma imposição ao Delegado de Polícia. Há casos em que o estágio de embriaguez é tão elevado e as consequências dos delitos são demasiadamente graves que a realização de perícia pode se demonstrar instrumental à futura ação penal. Porém, é o Delegado que, defronte do caso concreto, irá julgar a necessidade excepcional de sua realização, tendo por base o valor racional da prova.
Assim, em delitos sem vítimas graves, de ocorrência constante na prática policial, o grande esforço do aparelho estatal na fase extrajudicial para fins de realização de um exame, via de regra, desnecessário pode trazer consequências jurídicas não desejadas no processo penal, qual seja, a existência de provas não repetíveis conflitantes.
Exemplo disso se verifica na práxis judicial com inúmeros casos criminais em que o teste do etilômetro aponta para um consumo de álcool acima permitido por lei, enquanto o exame clínico ou de sangue apontam para uma recuperação clínica do agente, ou seja, para um estado de alcoolemia, mas não mais classificado pela lei como de embriaguez.
Um olhar menos atento pode entender que do conflito, meramente aparente, decorre uma dúvida probatória que arrastaria a aplicação do princípio do in dubio pro reo. Entretanto, o conflito é meramente aparente pois, com já explicado, o momento da produção das provas é diferente. O crime de embriaguez ao volante se consuma no momento em que o agente se põe a conduzir um veículo em estado de embriaguez objetivamente classificado pela lei. Acaso ele espere algumas horas até o desaparecimento desse estado, não mais praticaria o delito. Assim também é a prova. Se realizada no momento da condução do veículo, atesta o estado do agente no exato momento do fato. Se realizado horas depois, o resultado pode ser completamente diferente, ante a efemeridade do estado clínico ocasionado pelo consumo de álcool.
Até mesmo na contraprova, direito do autuado, há de se guardar cautela na análise e deliberação pelo Delegado, tendo por base o preceito do art. 184 do CPP.
O direito a requer contraprova deve ser exercido imediatamente pelo autuado e ser reproduzido em delegacia apenas se tiver sido negado pelo agente de trânsito condutor. Acaso a manifestação desse direito seja feita muito tempo depois da captura, qualquer pedido dessa natureza deve ser entendido como abuso de direito, uma vez que não mais existem os vestígios materiais do delito transeunte.
Por fim, para além de todos os argumentos jurídicos, não poderíamos deixar de levar à reflexão a questão da racionalização dos recursos humanos e materiais da polícia investigativa.
Como se sabe, os recursos públicos são extremamente escassos. Nesse sentido, para fins de apuração do crime de embriaguez ao volante o Estado lançou mão de um recurso tecnológico capaz de aferir o grau de álcool no organismo através de um teste que mede a miligrama de álcool por litro de ar alveolar expirado.
O recurso (teste de etilômetro) é legalmente previsto, objetivamente confiável e gera um custo para sua aquisição e regular manutenção, em especial para a verificação metrológica inicial, eventual, em serviço e anual realizadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMETRO ou por órgão da Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade – RBMLQ (art. 4º da Resolução n. 432/2013 do CONTRAN).
Portanto, não enxergamos minimamente eficiente condicionar a análise da decretação ou homologação da prisão em flagrante, em prejuízo às atividades da polícia judiciária, mobilizando uma equipe de policiamento ostensivo para encaminhar o capturado aos órgãos técnicos e sobrecarregando os servidores daquela instituição.
Em linhas conclusivas, entendemos que o teste do etilômetro, acompanhado do relato preciso e coerente dos agentes de fiscalização de trânsito, além de ser suficiente para a deliberação do flagrante de embriaguez ao volante (e para a posterior condenação), é meio probatório legalmente adequado e objetivamente confiável, uma vez que atesta o estado clínico do autuado no exato momento do fato. Por outro lado, o encaminhamento do autuado à perícia quando já presente o teste do etilômetro se mostra, via de regra, inadequado, porque não reflete o corpo de delito do crime transeunte, apenas gerando provas irrepetíveis conflitantes sem nenhum resultado útil ao processo. Assim, seu encaminhamento deve se dar apenas de forma excepcional, mediante um análise técnico-jurídica da autoridade policial quanto à necessidade de produção de prova adicional do fato.