Resumo:
A república populista ou a quarta república brasileira refere-se ao período que tem início com o fim do governo provisório de José Linhares em 31 de janeiro de 1946 que, por sua vez, teve início também com a forçada renúncia de Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945, pondo fim ao Estado Novo. O populismo era calcado na imagem carismática de certo político, o endeusamento do governante.
Palavras-Chave: Democracia. República. Populismo. Liberalismo[1]. Fim do Estado Novo. Redemocratização.
Abstract:
The populist republic or the fourth Brazilian republic refers to the period that begins with the end of the provisional government of José Linhares on January 31, 1946, which, in turn, also began with the forced resignation of Getúlio Vargas on 29 October 1945, ending the Estado Novo. Populism was based on the charismatic image of a certain politician, the deification of the ruler.
Keywords: Democracy. Republic. Populism. Liberalism. End of the New State. Redemocratization.
A Constituição brasileira de 1946 sintetiza a máxima que afirma: “as aparências enganam”. Ultrapassados oito longos anos de ditadura varguista, finalmente, foram eleitos os constituintes e o Presidente da República. Na ocasião, a campanha foi igual o cometa Harley[2]. Curiosamente marcando a dificuldade da campanha eleitoral, somente dois dias anteriores ao pleito é que foi revogado o estado de emergência. Enfim, tudo não passou de mero simulacro.
Relevante registrar que pela primeira vez em uma Constituinte brasileira, os comunistas puderam ter assentos com seus candidatos. Na época, havia quinze deputados e um senador. O escritor baiano Jorge Amado que fora eleito por São Paulo chegou a citar o guia genial dos povos, que definiu com nitidez o significado de Constituição, in litteris: "uma Constituição não se deve confundir com um programa". Eis um mantra obrigatória para os comunistas, mas desprovido de conteúdo essencial. Aliás, até Stálin[3] foi citado na Constituinte.
A maior bancada continuou a ser de Minas Gerais, contando com trinta e seis representantes, seguida pela de São Paulo, contando com vinte e três e, depois, por Pernambuco e Distrito Federal. Rio de Janeiro, por sua vez, continha apenas dezenove representantes. O diferencial com relação as Constituições de 1891 e 1934 é que não houve anteprojeto governamental e, também em relação às anteriores Cartas Constitucionais e, dessa vez, o contingente de militares era muito pequeno. O clima político da capital federal era tenso, poderia ser cortado com uma faca afiada.
As passeatas foram reprimidas e as sedes partidárias (comunista) foram invadidas e depredadas pela política, resultando ainda, na prisão de muitos militantes de esquerda. Um dos nomes citados por testemunhos relevantes, sendo inclusive aclamado na obra de Graciliano Ramos foi o de Agildo Barata que fora um jovem oficial do Rio de Janeiro e que assistiu de perto as revoltas tenentistas de 1922.
Quando já estava no Exército, esteve presente na Revolução de 1930, depois, muito decepcionado com o governo getulista foi para São Paulo para participar da Revolução Constitucionalista de 1932, quando fora preso pela primeira vez. Ficou exilado em Portugal e, quando voltou para o Rio de Janeiro, se fixou como comerciante antes de conseguir regressar ao Exército. Cumpria pena por aproximação à Aliança Nacional Libertadora no Terceiro Regimento de Infantaria, situado na Praia Vermelha, Urca, quando fora deflagrada a Insurreição de 1935. O que lhe rendera mais dez anos de prisão, até 1945, quando se deu o término do Estado Novo.
A Guerra Fria[4] realmente começara apenas em 1946, apesar de que em nosso país, já tinha se iniciado e, o confronto entre os adeptos e apoiadores dos EUA e URSS estava aceso em qualquer debate da Constituinte brasileira.
Em julho de 1946 visitou nosso país, o ex-comandantes das tropas aliadas na Europa, o General Dwight Eisenhower[5] que iria presidir os EUA de 1953 a 1961. Na ocasião, Octávio Mangabeira[6], então presidente da União Democrática Nacional, fora escalada para fazer o discurso de recepção, tecendo as loas de praxe, encerrou o discurso que fazendo reverência eloquente ao general e comandante-chefe dos exércitos que esmagaram a tirania. Chegou a beijar a mão daquele que conduzira à vitória, as forças da liberdade.
O escandaloso servilismo do senador gerou o protesto do deputado mineiro que considerou um explícito ato de servidão político e acho que até o general americano deve ter estranhado o ósculo reverencial. O impacto fora tamanho que houve até deputado que destacou a importância do beijo na história[7].
Finalmente, em 18 de setembro de 1946 fora promulgada a quinta Constituição brasileira que representava a quarta republicana. Era de dia de festa dupla, pois havia pouco mais de um ano que terminara a Segunda Guerra Mundial e, parecia que o mundo teria um período de paz. Havia um breve preâmbulo, novamente, os constituintes consignaram que estiveram reunidos "sob a proteção de Deus".
O surgimento do Estado laico no Brasil ocorreu em 7 de janeiro de 1890 e fora promulgado o Decreto 119-A, que tornava o Brasil já republicano desde o Golpe de 1889. A opção pelo Estado laico faz parte do pensamento republicano e do positivismo, ideais que moveram as ações dos militares responsáveis pela Proclamação da República e pelo governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca. Os Estados ateístas, diferente do laicismo, proíbem qualquer tipo de ligação entre os seus cidadãos e a religiosidade. Além de não possuírem crenças, os governantes fazem de tudo para combater essa prática.
Recordando que em 1934 a redação fora diferente, in litteris: “Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo nossa confiança em Deus”. A referida Constituição teve um vida curtíssima e escarnou o caminho para o estabelecimento da ditadura estado-novista. Contando com duzentos e dezoito artigos, era a Constituição republicana mais extensa e dedicou especial devoção ao Legislativo. O Congresso Nacional fora dividido em duas casas e, o ano legislativo fora ampliado para nove meses (uma gestação humana).
Contou a Câmara dos Deputados com uma nova representação proporcional e, restou fixado o mínimo número de deputados para cada Estado-Membro, o que trouxe consequências palpáveis para o futuro da representação popular (artigo 58). A Constituição de 1946 majorou o número de senadores para cada Estado que passaram a ser três. E, ainda criou o suplente de senador.
O Vice-presidente da República fora cargo também recriado posto que inexistia na Constituição brasileira de 1934, exercia a função, na época, o presidente do Senado Federal, onde tinha voto de qualidade, conforme descrevi o artigo 61 da Constituição brasileira de 1934.
O mandato presidencial era de cinco anos, pela primeira vez (pois em 1891 e 1934 era de quatro anos enquanto em 1937 era de seis anos). Tanto a eleição do Presidente da República e o vice seria simultânea, mas não formariam uma chapa, seriam escolhidos separadamente pelo eleitor.
Nas eleições de 1950 e 1955 não foi um problema: Café Filho e João Goulart eram os vices efetivos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Mas em 1960 a situação foi bem diferente: foram eleitos Jânio Quadros e João Goulart.
Contudo, Goulart era o vice do opositor de Jânio, o Marechal Teixeira Lott[8] (a eleição de 1945 – realizada antes da promulgação da Constituição – só foi para presidente; o vice – Nereu Ramos – foi eleito pelo Congresso, tal qual disposto na Constituição). Já o vice de Jânio era o mineiro Milton Campos, apesar de que ele preferia o gaúcho Fernando Ferrari que ficou com o terceiro lugar, concorrendo como candidato avulso, o que era permitido.
O STF manteve a denominação, pois em 1934 tinha sido alterada para Suprema Corte[9]. E, o número de ministros permanecera em onze, com possibilidade de ser majorado, sem citar o número total. Destaque-se que a redação sobre a nomeação dos ministros melhorou, in litteris: A redação sobre a nomeação dos ministros melhorou: “serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal” (art. 99).
A Constituição brasileira de 1934 não esclareceu se os ministros do STF poderiam assumir suas funções somente depois de serem aprovados pelo Senado, conforme ocorrera durante a vigência da Constituição brasileira de 1891).
A polêmica localizou no capítulo atinente à cidadania e nacionalidade, não durante a Constituinte, mas nos idos de 1964. Leciona Marco Antonio Villa que, in verbis: “De acordo com o parágrafo único do artigo 132, não podiam alistar-se eleitores os praças de pré, salvo os aspirantes a oficial, os suboficiais, os subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas militares”.
E, o artigo 138 dispunha que “são inelegíveis os inalistáveis e os mencionados no § único do artigo 132”. O problema é que a politização das Forças Armadas, especialmente entre 1961 e 1964, levou muitos sargentos a desejar serem candidatos a cargos eletivos.
Aliás, o problema da politização das Forças Armadas é busilis não superável por nossa anêmica democracia. Mas, a Constituição de 1946 era esclarecedora pois indicou que eram inelegíveis. O que gerou diversas crises e, até mesmo, uma rebelião dos sargentos, em setembro de 1963, quando durante algumas horas, Brasília fora assediada por sargentos, que chegaram a deter até mesmo um ministro do STF. O ministro do STF Vítor Nunes Leal[10] também ficou detido na base. O presidente em exercício da Câmara dos Deputados, deputado Clóvis Mota, foi recolhido ao DFSP.
A chamada revolta dos sargentos fora liderada pelo sargento da Aeronáutica Antônio de Prestes Paula, receberam o apoio dos deputados Sérgio Magalhães, Neiva Moreira, Lamartine Távora, Marco Antônio Coelho, Henrique Oest e Emmanuel Waissman que compareceram à base aérea em nome da Frente Parlamentar Nacionalista. Cerca de 12 (doze) horas depois de sua eclosão, o levante — ressentindo-se de qualquer tipo de organização — foi sufocado por tropas do Exército, cujos graduados, com exceção de dois ou três sargentos[11], não haviam aderido à rebelião.
No dia 13, o sargento Antônio Prestes de Paula[12] foi preso pela Polícia do Exército. O número total de detidos chegou a 536 (quinhentos e trinta e seis), sendo 284 (duzentos e oitenta e quatro) da Aeronáutica e 252 da Marinha. Os prisioneiros foram mandados para o Rio de Janeiro, onde foram alojados no barco-presídio ancorado na baía de Guanabara. FONTES: BANDEIRA, M. Governo; CARNEIRO, G. História; Coojornal (8/80); DULLES, J. Unrest; SKIDMORE, T. Politics. Disponível em: https://atlas.fgv.br/verbete/6363 Acesso em 4.2.2021.
Segundo o artigo 140, também eram considerados “inelegíveis, nas mesmas condições do artigo anterior, o cônjuge e os parentes, consanguíneos ou afins, até o segundo grau”. Incluía a Presidência da República, os governos estaduais e as prefeituras. A referência ao cônjuge, pela primeira vez na história das nossas Constituições, foi devido a um boato de que a esposa de Vargas, Dona Darcy, pudesse ser candidata, algo que dificilmente ocorreria, pois ela não tinha manifestado nenhum interesse pela política partidária.
Uma semana depois de derrubar o governo constitucional, os chefes militares decretam Ato Institucional[13] que revoga garantias democráticas da Constituição em vigor desde 1946. O Ato, que seria o primeiro de uma série de decretos autoritários, instituiu o Comando Supremo da Revolução, formado pelos ministros militares que já vinham exercendo o poder: Costa e Silva, da Guerra (Exército); Augusto Rademaker, da Marinha; e Correia de Melo, da Aeronáutica. A imunidade parlamentar[14] foi suspensa e o Comando Supremo cassou mandatos e suspendeu por dez anos os direitos políticos de cem cidadãos[15].
A primeira lista de cassações incluiu os ex-presidentes João Goulart e Jânio Quadros[16], os governadores Miguel Arraes e Seixas Dória, o deputado Leonel Brizola, o líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião, o líder comunista Luís Carlos Prestes[17], o ex-ministro Celso Furtado e 40 (quarenta) deputados federais, além de sindicalistas, intelectuais e oficiais das Forças Armadas. Os atingidos que não foram presos passaram para a clandestinidade ou buscaram asilo em embaixadas. Seriam os primeiros exilados do regime militar.
No auge da crise da presidência João Goulart (1961-1964), a sucessão assumiu enorme importância. Pela Constituição brasileira da época, era proibida a reeleição. Aí morava o problema: nenhum parente poderia ser candidato à sua sucessão. Qual era a dúvida? Leonel Brizola, na ocasião, era deputado federal pela Guanabara (denominação recebida pelo Rio de Janeiro após a transferência da capital para Brasília, em 1960), queria porque queria ser candidato nas eleições presidenciais de 1965.
Brizola[18] era casado com a irmã de Goulart, Neusa. Portanto, era cunhado do presidente. Apesar da relação familiar, era, em 1964, um adversário do janguismo, considerado por ele um presidente fraco e incapaz. Contudo, a Constituição proibia sua candidatura. Seus partidários criaram até um slogan para defendê-lo: “Cunhado não é parente, Brizola para presidente”. Mesmo assim, o obstáculo legal estava colocado. E não foi modificado.
Já havia a previsão legal sobre os crimes de responsabilidade do Presidente da República e, que fora acionado um vez, exatamente, em junho de 1954. A UDN opositora de Vargas, apresentou um pedido de impeachment, mas nem a própria bancada da UDN apoiou em bloco o pedido, tanto que só obteve 35 votos a favor, contra 136 (cento e trinta e seis) contra, além de 40 (quarenta) abstenções. Quando tudo, finalmente, parecia sanado adveio o crime da Rua Toneleros[19], com a tentativa de homicídio de Carlos Lacerda, e que resultou na more de seu acompanhante o Major Rubens Vaz[20]. Passados dezenove dias, Vargas se suicidou.
Restou garantida a liberdade de expressão, mas com ressalva, in verbis: “Não será tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou classe” (art. 141, § 5.º). Oito parágrafos à frente, estava aberta a porta para colocar na ilegalidade o Partido Comunista: “É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido político ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem”.
Era evidente o recado deixado para o Partido Comunista. Afinal, os comunistas pouco antes da votação do texto final constitucional, já denunciaram em plenário que o Presidente Dutra urdia nas alcovas, propondo manobra de colocar na ilegalidade o partido. Após oito meses da promulgação, em maio de 1947, o partido comunista teve seu registro cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral e, houve argumentos de que a base legal era oferecida pela Constituição de 1946.
Destaque-se, ainda, que os constituintes da época retiraram qualquer menção ao plebiscito[21]. Era, pois, uma resposta à Constituição Polaca e, mesmo assim, fora realizado um em 6 de janeiro de 1963. Revela-se existirem momentos em que os políticos mudam a lei e a manipulam ao seu bel-prazer.
Em agosto de 1961, com a renúncia de Jânio Quadros[22], deu-se grave crise política e os militares não aceitaram a posse do vice que era João Goulart, que no exato momento da renúncia, estava ausente do país, em vista oficial ao Oriente (Singapura). Numa saída conciliatória o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 4, que instituíra o sistema parlamentar de governo. Assim, resolvida a crise, com a indicação de Tancredo Neves para o cargo de Primeiro-Ministro, mas vários problemas surgiram da apressada aprovação da referida Emenda Constitucional.
Um destes foi que a eleição para presidente seria pelo Congresso Nacional (art. 2.º), ou seja, o povo não mais elegeria diretamente o presidente da República. E foi extinto o cargo de vice-presidente (art. 23).
A Constituição de 1946 foi resultado da derrubada do Estado Novo, evento que se concretizou em outubro de 1945, com a deposição de Getúlio Vargas. O Estado Novo foi a ditadura gestada por Getúlio Vargas, desde a década de 1930, e que contou com forte apoio dos militares. Na ditadura varguista houve forte repressão, censura e uso da tortura como arma política.
A partir da década de 1940, sobretudo com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, os ares da política brasileira mudaram, e aquele apoio que Vargas recebeu para impor sua política autoritária transformou-se em apoio para a implantação de uma política em termos mais democráticos e liberais.
Todo o contexto internacional influenciava fortemente para que a opção pela saída democrática e liberal fosse tomada no país. Vargas percebeu esse clima e procurou transformar sua estratégica política. Daí nasceu o trabalhismo, uma ideologia política voltada para a promoção de certa igualdade social, mediada por um diálogo direto entre Vargas e os trabalhadores.
Em 1945, a pressão sobre Vargas era grande, e ele resolveu ceder espaço para aqueles que exigiam a democratização do Brasil. Eleição presidencial foi convocada para o final de 1945, presos políticos do Estado Novo foram anistiados, e permissão para o surgimento de novos partidos políticos foi concedida. Nesse cenário, enquanto a pressão sobre Vargas aumentava, novos partidos políticos foram criados para viabilizar as candidaturas políticas para a eleição presidencial do final de 1945.
O Partido Social Democrático (PSD), um partido de centro, surgiu de antigos burocratas do Estado Novo, e lançou a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra[23]. A União Democrática Nacional (UDN), por sua vez, era um partido conservador formado tanto por ex-aliados quanto por antigos adversários de Vargas, que se uniram para barrar o legado político do varguismo. Lançaram a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes[24].
Com a deposição de Vargas, um novo presidente foi eleito para o Brasil. Na disputa em 1945, os três candidatos foram Eduardo Gomes, Eurico Dutra e Yedo Fiúza, candidato lançado pelo Partido Comunista do Brasil (PCB). No final da corrida eleitoral, Getúlio Vargas e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) manifestaram seu apoio a Eurico Dutra, e ele foi eleito com 55% dos votos.
Com a eleição presidencial foram realizadas eleições gerais, em 2 de dezembro de 1945, que determinaram novos senadores e deputados federais. Aqueles que foram eleitos formaram a Assembleia Constituinte que elaborou e promulgou a Constituição de 1946. Essa Assembleia foi distribuída da seguinte maneira: PSD: 177 cadeiras; UDN: 87 cadeiras; PTB: 24 cadeiras; PCB: 15 cadeiras; outras 17 cadeiras foram distribuídas a partidos pequenos da época.
O caráter liberal[25] da Constituição de 1946 determinou que ela tivesse uma delimitação muito bem definida dos limites de cada um dos três poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário. O documento garantia autonomia política para os estados e concedia importantes direitos individuais, como a liberdade de imprensa e opinião.
A princípio, a Constituição de 1946 garantia liberdade para funcionamento dos sindicatos, mas mantinha mecanismos de controle sobre eles (a partir do governo de Eurico Dutra[26], uma lei que ampliava a repressão do Estado sobre os sindicatos foi criada). A Carta ampliou direitos da população, reconhecendo a educação para todos e garantindo o acesso ao voto, embora houvesse limitações neste aspecto.
O texto constitucional de 1946[27] trazia o princípio de igualdade perante a lei, princípio o qual fazia clara a possibilidade de quaisquer brasileiros, natos ou naturalizados, ocupassem cargos públicos.
O princípio de igual acessibilidade dos cargos públicos aos brasileiros não excluiria, por si só, lei que permitisse entrada no serviço público a estrangeiros. O que havia, entretanto, era princípio de privilégio dos brasileiros natos e princípio de privilégio dos brasileiros em geral, de acordo com textos expressos da Constituição.
A Constituição brasileira de 1946 garantiu a liberdade de expressão[28], contendo uma ressalva prevista em seu artigo 141, §5º, in verbis: “Não será tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou classe”. Adiante tem-se a ilegalidade do Partido Comunista, in verbis: “É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido político ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem”.
Após oito meses da promulgação da Constituição, em maio de 1947, o partido teve seu registro cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral e, ainda houve argumentos de que a base legal fora dada pela Constituição.
Retirou-se qualquer referência ao plebiscito, sendo uma evidente resposta à Constituição anterior, a Polaca. Apesar de que fora realizado um plebiscito em 6 de janeiro de 1963. Na madrugada do dia da greve geral foi enfim aprovada a Emenda Capanema-Valadares ou Lei Complementar nº 2.
A Emenda Constitucional nº 4, de 2 de setembro de 1961, será submetida a "referendum" popular no dia 6 de janeiro de 1963. Deputados janguistas e sindicalistas queriam a data 7 de outubro, coincidindo com as eleições para o Congresso e dez governos estaduais, o que era resistido por políticos conservadores que seriam prejudicados pela associação de sua candidatura à opção impopular do “Sim” ao parlamentarismo[29]. Porém o 6 de janeiro ainda precedia o início dos trabalhos legislativos, conforme queria Goulart.
A cédula perguntava ao eleitor: “Aprova o Ato Adicional que instituiu o parlamentarismo?”, com as opções “Sim” e “Não”. De 18.565.277 eleitores, 12.286.355 (66,18%) participaram, comparecimento inferior ao das eleições de 7 de outubro de 1962 (80%), mas a grande proporção (4–5:1) de votos do “Não” sobre o “Sim” lhe deu uma quantia de eleitores (mais de 9 milhões) maior do que as de Jânio (5.636.623) e Goulart (4.547.010) em 1960[30].
No dia 6 de janeiro de 1963 o eleitorado brasileiro foi consultado, através de um plebiscito[31], sobre a manutenção do regime parlamentarista instaurado no país em setembro de 1961.
Com a renúncia[32] do presidente Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, a presidência da República foi ocupada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Pascoal Ranieri Mazzilli, do Partido Social Democrático (PSD) de São Paulo, o segundo na linha sucessória. Na verdade, o cargo pertencia ao vice-presidente João Goulart, que na ocasião se encontrava em viagem à China Popular.
O primeiro gabinete parlamentarista reuniu representantes dos principais partidos – o PSD, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a União Democrática Nacional (UDN) -, tendo à frente o primeiro-ministro Tancredo Neves, do PSD.
Em junho de 1962, com a renúncia de Tancredo, Goulart indicou o petebista Francisco Clementino de San Tiago Dantas para o cargo, mas a UDN e o PSD se opuseram. Por sua vez, várias organizações operárias ameaçaram entrar em greve caso a nomeação não se efetivasse.
O nome de San Tiago Dantas[33] foi finalmente recusado pela Câmara dos Deputados, o que levou Goulart a propor o pessedista Auro de Moura Andrade[34], presidente do Senado. Diversas entidades de trabalhadores reagiram, ameaçando deflagrar uma greve geral caso o Congresso aprovasse aquela indicação.
Finalmente, em 10 de julho, Goulart indicou, com o aval do Congresso, o gaúcho Francisco de Paula Brochado da Rocha para a chefia do ministério. O novo primeiro-ministro prometeu antecipar para dezembro de 1962 a realização do plebiscito que decidiria a sorte do regime parlamentarista. Apoiada pelos setores que defendiam plenos poderes para o presidente, essa decisão foi atacada pela UDN, que acusava Goulart de envolvimento com os comunistas. (In: KORNIS, Mônica Almeida. FGV CPDOC. Parlamentarismo: sim ou não? Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/Parlamentarismo_sim_ou_nao Acesso em 04.2.2021).
A Emenda Constitucional nº4 instituiu o sistema parlamentar de governo, então fora resolvida a crise, momentaneamente, com a indicação de Tancredo Neves para o cargo de Primeiro-Ministro, mas vários problemas surgiram da aprovação acelerada da referida Emenda. E, um destes, foi que a eleição para Presidente seria pelo Congresso Nacional, isto é, o povo mais uma vez não elegeria diretamente o Presidente da República e, foi também extinto o cargo de vice-presidente (art. 23).
A mesma Carta Constitucional expôs as atribuições do Presidente da República e do Conselho de Ministros, a Emenda, no artigo 25, dispôs que seria realizado um plebiscito nove meses antes do fim do então período presidencial (o mandato terminaria em 31 de janeiro de 1966), portanto o plebiscito teria que ocorrer em abril de 1965. Nesse, os eleitores deveriam decidir pela manutenção ou não do sistema parlamentarista, o que implicaria o retorno do sistema presidencialista.
Portanto, o novo sistema[35] de governo aportava já com uma extinção pré-programada. Curiosamente, nenhum dispositivo constitucional mencionava plebiscito. E, foi a Emenda que criou tal forma de julgamento popular. Isso porque Jango não aguardou o prazo legal. E, tratou de sabotar ao máximo o parlamentarismo e, conseguiu que o Congresso antecipasse o plebiscito para janeiro de 1964, com vinte e sete meses de antecedência.
Frise-se que todos os pré-candidatos à eleição presidencial de outubro de 1965, a saber: Juscelino Kubitschek, Magalhães Pinto, Carlos Lacerda[36], Ademar de Barros[37]) eram favoráveis ao presidencialismo. Daí, não causou surpresa a derrota esmagadora no plebiscito do parlamentarismo.
Uma questão de extrema relevância foi a garantia da propriedade, que centralizou o debate político, especialmente, no período anterior ao golpe de 1964. Adiante, em seu artigo 147 tratou perfunctoriamente a reforma agrária, tanto que explicitou que o uso da propriedade estava condicionado ao bem-estar social. Tanto que o artigo 156 abria a possibilidade para projetos de colonização ou de reforma agrária, mas em terras públicas.
No processo de radicalização do governo Goulart, já em março de 1964, o presidente assinou um decreto sobre a reforma agrária estabelecendo regras para a desapropriação das terras que feriam frontalmente a Constituição. O decreto não teve nenhuma aplicação prática. Foi revogado pelo novo governo que assumiu o poder em abril de 1964.
Em seu artigo 157 traçou-se um autêntico programa trabalhista, bem mais amplo que a Constituição de 1934 e, garantiu salário-mínimo, a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, repouso semanal remunerado, férias, estabilidade, proibição do trabalho de menores de 14 anos, entre outras tantas medidas. Parte delas ficou no papel, pois a Constituição só garantia o direito na “forma que a lei determinar”.
O problema é que a lei não foi feita, como a que deveria tratar do direito de greve[38] (artigo 158), que era garantido, mas com a ressalva: “cujo exercício a lei regulará”. Pela primeira vez, o direito de greve foi reconhecido constitucionalmente.
Disse MIRANDA: "A Constituição de 1946, art. 186, como a Constituição de 1934, art. 170, 2º, e a de 1937, art. 156, b), exige que a primeira investidura nos postos de carreira das repartições administrativas e nos demais que a lei determinar, se efetue depois de concurso (de provas ou de títulos)". Em seguida, explica o autor que os poderes públicos estavam todos eles impedidos de nomearem para postos de carreira das repartições administrativas, funcionários sem o concurso de provas ou de títulos.
Essa Constituição, datada de 18 de setembro de 1946, retomou a linha democrática de 1934 e foi promulgada de forma legal, após as deliberações do Congresso recém-eleito, que assumiu as tarefas de Assembleia Nacional Constituinte.
Entre as medidas adotadas, estão o restabelecimento dos direitos individuais, o fim da censura e da pena de morte. A Carta também devolveu a independência ao Executivo, Legislativo e Judiciário e restabeleceu o equilíbrio entre esses poderes, além de dar autonomia a estados e municípios. Outra medida foi a instituição de eleição direta para presidente da República, com mandato de cinco anos.
As demais normas estabelecidas por essa Constituição foram: incorporação da Justiça do Trabalho e do Tribunal Federal de Recursos ao Poder Judiciário; pluralidade partidária; direito de greve e livre associação sindical; e condicionamento do uso da propriedade ao bem-estar social, possibilitando a desapropriação por interesse social. Destaca-se, entre as emendas promulgadas à Carta de 1946, o chamado Ato Adicional, de 2 de setembro de 1961, que instituiu o regime parlamentarista.
Essa emenda foi motivada pela crise político-militar após a renúncia de Jânio Quadros[39], então presidente do país. Como essa emenda previa consulta popular posterior, por meio de plebiscito, realizado em janeiro de 1963, o país retomou o regime presidencialista, escolhido pela população, restaurando, portanto, os poderes tradicionais conferidos ao presidente da República.
Consequências: O Tribunal do Júri voltou a ter previsão constitucional; foi garantida a assistência judiciária para os necessitados[40].
Com o fim das eleições assumiu a presidência do Brasil o General Eurico Gaspar Dutra, iniciando os trabalhos para elaboração de uma nova constituição. Com a renúncia do Presidente Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, ocorreu uma crise inconstitucional que culminou com a implementação do parlamentarismo no país por meio da Emenda Constitucional nº. 4 de 02 de setembro de 1961. Assumindo o cargo de primeiro-ministro Tancredo Neves, tomando assim a presidência da república João Goulart[41]. Através de referendo popular em janeiro de 1963, o parlamentarismo foi afastado do sistema político brasileiro.
A partir da década de 1940, sobretudo com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, os ares da política brasileira mudaram, e aquele apoio que Vargas recebeu para impor sua política autoritária transformou-se em apoio para a implantação de uma política em termos mais democráticos e liberais.
Todo o contexto internacional influenciava fortemente para que a opção pela saída democrática e liberal fosse tomada no país. Vargas percebeu esse clima e procurou transformar sua estratégica política. Daí nasceu o trabalhismo, uma ideologia política voltada para a promoção de certa igualdade social, mediada por um diálogo direto entre Vargas e os trabalhadores.
Em 1945, a pressão sobre Vargas era grande, e ele resolveu ceder espaço para aqueles que exigiam a democratização do Brasil. Eleição presidencial foi convocada para o final de 1945, presos políticos do Estado Novo foram anistiados, e permissão para o surgimento de novos partidos políticos foi concedida.
Arrolando-se os pontos negativos da Constituição Brasileira de 1946, a saber: na questão do voto, estendeu-se o direito a todos os cidadãos brasileiros (sufrágio universal) que tivessem mais de 18 (dezoito) anos, mas o caráter conservador da maioria dos constituintes determinou que os analfabetos fossem excluídos e não tivessem acesso a ele. Apesar disso, houve certa ampliação desse direito.
A Constituição de 1946, embora entendida como um documento democrático, possuía as suas limitações e não atendia por inteiro as demandas populares em crescimento na época. A reforma agrária ficou inviabilizada porque o documento definia sua realização apenas por meio de indenização em dinheiro. Essa questão foi um dos grandes problemas da Quarta República e foi motivo de crise no governo de João Goulart.
Outros problemas dessa Constituição foram demonstrados por Lilia Schwarcz e Heloísa Starling: Reconhecia o direito de greve, mas determinava que sua regulação fosse mediante lei futura; não incorporava os trabalhadores rurais aos direitos trabalhistas; permitia intervenção dos militares na política brasileira. (In: SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloísa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 396).
Essa Constituição esteve em vigência até 1964. Com o Golpe Civil-Militar de 1964, o documento foi suspenso por seis meses, por meio do AI-1, e depois oficialmente substituído pela Constituição outorgada em 1967. (In: SILVA, Daniel Neves. "Constituição de 1946"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/constituicao-de-1946.htm . Acesso em 04 de fevereiro de 2021).
Um ponto importante da Constituição foi a adoção, no artigo 48, § 2.º, da perda de mandato do deputado ou senador que tivesse comportamento considerado incompatível com o decoro parlamentar, como ocorreu com o deputado Barreto Pinto[42], que posou para uma reportagem da revista “O Cruzeiro” de casaca, cueca e segurando uma garrafa de champanhe, dentro de uma banheira. Era do PTB. Foi eleito com apenas 600 (seiscentos) votos próprios. Aproveitou-se dos votos dados a Vargas. Acabou cassado em 1949, três anos depois da publicação da reportagem. (VILLA, 2011).
Os constituintes devotaram especial atenção aos jornalistas e, segundo o artigo 203 in verbis: “nenhum imposto gravará diretamente os direitos de autor, nem a remuneração de professores e jornalistas”.
Não satisfeitos, o lobby dos jornalistas conseguiu incluir nas disposições transitórias, no artigo 27, um incrível privilégio: “Durante o prazo de quinze anos, a contar da instalação da Assembleia Constituinte, o imóvel adquirido, para sua residência, por jornalista que outro não possua, será isento do imposto de transmissão e, enquanto servir ao fim previsto neste artigo, do respectivo imposto predial”. É isso mesmo: a Constituição tratou até do imposto predial que deveria ser pago pelos jornalistas. (VILLA, 2011).
No melhor estilo de República das Bananas ainda nas disposições transitórias, fora determinado que a Rodovia Rio-Bahia deveria terminar em dois anos. E, ainda dispôs que o governo mandará erigir na capital da República, um monumento à Rui Barbosa, em consagração dos seus serviços à Pátria, à liberdade e justiça e ainda concedeu honras de Marechal ao General de Divisão João Batista Mascarenhas, comandante das Forças Expedicionárias[43] Brasileiras[44]. Essa promoção através de dispositivo constitucional é caso único em toda história do país[45].
A Constituição de 1946, de caráter liberal e democrático, determinou a obrigatoriedade do ensino primário e a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Com a finalidade de atender ao artigo 5º desta Constituição, Dutra delegou ao então ministro da educação Clemente Mariani a tarefa de elaborar o anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)[46], entregue à Câmara Federal em outubro de 1948. Este anteprojeto só se transformou em lei bem mais tarde. Vamos ver os motivos que atrasaram tanto a aprovação da LDB.
No decorrer dos anos compreendidos entre 1950 a 1961, os ânimos entre as duas correntes opostas na educação se acirraram e, por isso, o anteprojeto de lei, ficou em discussão por 13 anos até se chegar a um consenso. Assim, em 20 de dezembro de 1961, foi promulgada, por João Goulart, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, Lei nº. 4024/1961. Convenhamos que é tempo demais para se chegar a um acordo. A nova lei já nasceu velha!
Após 13 anos de disputa entre esses grupos, os liberais saíram vitoriosos e suas ideias representaram a maior parte do texto aprovado pelo Congresso, como podemos constatar no artigo 3º, no título II, da LDB:
Ao longo da história brasileira, conta-se sete constituições[47]. A Constituição brasileira de 1946 foi um alívio após um período tão antidemocrático e autoritário que instituiu a Constituição de 1937, a Polaca.
Foi promulgada no governo de Eurico Gaspar Dutra que sucedera a Getúlio Vargas, no período de 1946 a 1951, tal texto constitucional permaneceu em vigor até o início da ditadura militar em 1965.
Sob a inspiração da Carta Magna de 1934, a Constituição de 1946 trouxe as seguintes características, a saber: o mandato presidencial de cinco anos, a divisão e independência dos três poderes, o retorno dos partidos políticos, o retorno do cargo de vice-presidente e, previu o voto secreto para os alfabetizados[48].
Muito de seu cunho democrático fora por influência do pós-guerra. Afinal, a Segunda Guerra Mundial trouxe sérias consequências para a política brasileira. E, nesse conflito, os países foram organizados em dois blocos, a saber: o do Eixo, composto pela Alemanha, Itália e Japão e os Aliados formado por URSS, Inglaterra, França, e mais tarde, EUA.
Diante tal contexto, num primeiro momento Vargas permanecera neutro, sem apoiar abertamente nenhum dos blocos. Apesar de existirem personalidades políticas francamente favoráveis aos nazifascistas, tais como o General Eurico Gaspar Dutra e o Chefe da Polícia Federal, Dr. Filinto Müller[49].
A neutralidade mudou a partir de 1942 quando o país entrou na guerra apoiado o bloco dos Aliados, chegando mesmo a enviar milhares de soldados para combater na Itália. Os motivos que levaram Vargas a tomar essa atitude foram vários, entre esses, a saber: a intenção de não romper as relações diplomáticas com os EUA, país que vinha financiando a construção de grandes obras no Brasil (como a usina siderúrgica de Volta Redonda – RJ); o fato de a opinião pública ser mais a favor dos Aliados do que do Eixo, após os alemães terem torpedeado vários navios mercantes brasileiros.
Curial perceber que tal posicionamento em prol dos Aliados erigia um paradoxo em face do regime do Estado Novo, que traduzia abertamente uma ditadura nazifascista. Chega-se a afirmar que a participação brasileira na Segunda Guerra tornou questionável o esquema repressivo montado por Vargas, de forma que surgiram, a partir de 1944, diversas manifestações a favor da redemocratização.
Tanto que fez Vargas ceder e, então veio a convocar as eleições presidenciais ao final de 1945, permitindo a formação de novos partidos políticos. Antes mesmo de as eleições ocorrerem, a oposição então liderada pelos militares Gaspar Dutra e Góis Monteiro, derrubou Vargas, forçando-o a renunciar, após ter nomeado seu irmão Benjamin Vargas[50] para o cargo de Chefe de Polícia. Dessa forma, encerrou-se o Estado Novo e, começou a redemocratização[51] brasileira, com sua primeira presidência (1946-1951) exercida pelo conservador General Eurico Gaspar Dutra.
As forças políticas que geraram a Constituição de 1946 tinham de um lado, os conservadores que estavam representados pela União Democrática Nacional (UDN) e pelo Partido Social Democrático (PSD). Estavam a burguesia, os industriais, a alta classe média, os grandes comerciantes e proprietários de terras. Tais setores da sociedade brasileira defendiam o capitalismo totalmente aberto ao capital estrangeiro e às grandes companhias internacionais.
De outro lado, por sua vez, estavam os progressistas, organizados no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e representados em grande parte pelos operários, defendiam, o capitalismo nacionalista, que segue os interesses do Brasil e não das grandes potências.
Foi diante do controle desses partidos que, em 1946, a Constituinte aprovou o novo texto constitucional que trouxe aspectos que se assemelhavam aos das Cartas Magnas de 1891 e 1934 e incluíam, a saber: 1. Poder executivo exercido pelo Presidente da República, eleito diretamente pelo povo para mandato de cinco anos; 2. Poder Legislativo composto por Senado Federal e Câmara dos Deputados. Igualmente eleitos pelo povo, os primeiros no total de três por cada Estado e os segundo, de forma proporcional à população de cada Estado; 3. Poder Judiciário formado por Tribunais Federais de cada Estado e pelo Supremo Tribunal Federal e, ainda, pela autonomia política e administrativa para os Estados-Membros.
Pode-se concluir que a Carta de 1946 era liberal e adequada ao contexto de redemocratização. Mas, depois, com a criação dos Atos Institucionais algumas disposições foram invalidadas.
O curo período democrático desmantelado em apenas dezenove anos já mostrava que a democracia liberal apresentava falhas e não tinha bases sólidas. E, convém recordar que o presidente eleito em 1945, havia sugerido que lutássemos ao lado dos nazistas. E, também esteve envolvido na estrutura e funcionamento do Estado Novo. Portanto, tal liberalização política brasileira fora liderada por pessoas mais conservadoras que tinham apoiado a ditadura de Vargas, o que nos parece ser uma visível contradição.
A nova Carta Constitucional mantinha o federalismo e o presidencialismo, mas fortalecia o poder do Congresso ao instituir a responsabilidade do presidente e dois ministros perante o Parlamento.
Nove partidos políticos disputaram as eleições para o Congresso que teria poderes constituintes, sendo que o Partido Social Democrata (PSD) formou a maior bancada, seguido pela União Democrática Nacional (UDN), pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), que teria seu registro cassado em 1947. Luís Carlos Prestes[52] - perseguido anos antes pelo governo de Getúlio Vargas - era o senador mais votado pelo Distrito Federal, e Getúlio Vargas foi eleito senador por nove estados, o que era permitido pela legislação da época.
Apesar do crescimento administrativo e econômico verificado entre 1930 e 1945, o capitalismo industrial e financeiro somente se estabeleceu no Brasil a partir de uma fase inicial de transição ocorrida no governo Dutra, de 1946 a 1951. Nas eleições de 1945, elegeu-se também o Congresso Nacional, formado por 320 membros (deputados e senadores), com poderes para se transformar em Assembleia Constituinte e elaborar a nova Constituição do país.
Em 1946, o Brasil se encontrava em um momento de grandes debates sobre a identidade nacional, afinal estávamos saindo de 15 (quinze) anos de governo Vargas, sendo destes 8 anos foram de ditadura, estabelecidos por Getúlio a partir de 1937. Em fevereiro de 1946 sob a presidência do militar Dutra foram iniciados os trabalhos para se fazer uma nova constituição.
Frente aos grandes problemas nacionais o ensino religioso foi um dos pontos mais polêmicos dos debates em torno da educação escolar brasileira, como informa Oliveira (2001) “o ponto mais polêmico novamente, foi o do ensino religioso, de matrícula facultativa nos estabelecimentos oficiais, que extrapola o âmbito educacional e se insere na relação Estado – Igreja Católica” (OLIVEIRA, 2001, p.165).
O Brasil foi definido como uma república federativa, com um sistema de governo presidencialista. O poder Executivo seria exercido pelo presidente da república, eleito por voto direto e secreto para um período de cinco anos (FAUSTO, 2006, p. 221).
O projeto da Constituição foi feito por uma comissão de 37 (trinta e sete) membros, que representavam as bancadas partidárias, a maioria era composta por membros do Partido Social Democrático (PSD) e foi precedida de polêmicos debates, notadamente com a presença de representantes do Partido Comunista, composto por 14 (quatorze) deputados e um senador. “A Constituição é um documento bem-feito, de boa técnica jurídica, 222 artigos. Como a anterior, reflete as tendências do direito e de Constituições eram recentes”.
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