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A nova Lei de Licitações e a exigência do Compliance e programa de integridade.

Mais do que comportamento temporário, Compliance é uma cultura a ser vivenciada pela empresa, que a encoraje não só a cumprir as normas legais, mas que estimule o alto escalão e os colaboradores a perceberem os benefícios que se originam da prática de tai

Agenda 15/03/2021 às 12:07

O artigo trata da exigência de Compliance (programa de integridade) em alguns casos na nova lei de licitações, bem como apresenta breve histórico e conceito do instituto.

1. Panorama

O projeto da nova Lei de Licitações (PL nº 4.253/2020) inovou ao exigir que os licitantes implantem regras de Compliance (programa de integridade) como condição para contratações com objeto acima de R$200.000.000,00 (duzentos milhões de reais), como critério de desempate, item a ser considerado em aplicação de sanções, e como critério de reabilitação.

A origem do termo Compliance remete à expressão em inglês “to comply”– que pode ser associada à mera conformidade ou obediência às normas legais. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) conceitua o instituto como um conjunto de medidas internas que permite prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um de seus sócios ou colaboradores[1].

No exterior, o Compliance possui amadurecimento e repercussão há décadas. Mas, no Brasil, embora já incipiente com a necessidade de adoção de controles internos conforme determinava a Lei nº 9.613/1998, de Lavagem de Capitais, ganhou bastante destaque com Lei nº 12.846/2013, popularmente conhecida como Lei Anticorrupção, e mais ainda com as revelações de escândalos nas relações corporativas privadas e o poder público, notadamente com a chamada “operação Lava Jato”, iniciada em 2014.

Desde então, os holofotes lançam luzes ao instituto. No mundo corporativo, cada vez mais competitivo, é possível que se sobressaia o negócio que adotar condutas de Compliance e boa governança. As boas práticas devem ser estimuladas, ao passo que as condutas que não apenas violem a lei, mas que contrariem valores éticos, devam ser punidos interna ou externamente, inclusive resultando em abalo à reputação da empresa.

O conceito de Compliance ganha densidade por também agregar valores e condutas como honestidade, lealdade, responsabilização, transparência, e boa-fé. Mais do que comportamento temporário, é uma cultura a ser vivenciada pela empresa, que a encoraje não só a cumprir as normas legais, mas que estimule o alto escalão e os colaboradores a perceberem os benefícios que se originam da prática de tais comportamentos éticos. É isso que estimula que empresas criem em seus programas normas até mais rígidas que a própria lei.

Mas, como dito, é preciso implantar uma cultura, e não apenas adequações formais que permitam à corporação dizer que está em conformidade. É por isso que se diz que a efetividade de um programa depende do comprometimento da alta administração (tone at the top), com avaliação de riscos, auditoria independente e procedimentos bem definidos, com canais de denúncias e treinamentos de seus funcionários, com constantes monitoramentos de não conformidade e da efetividade de sua implantação. Esse programa necessariamente passa por um rotineiro mapeamento de riscos e previsão de medidas a serem adotadas para sua mitigação e controle.

No Brasil, o Compliance passou a ser compreendido como “Integridade” especialmente após a Lei Anticorrupção (Lei n. 12.846 de 2013) que previu no art. 7º, VIII, textos como “mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”. O termo “programa de integridade” também é apresentado no art. 37, IV, do Decreto n. 8.420/2015, que regulamentou a referida lei.

Autores como Giovanini (2017) defendem que a integridade seria um conceito mais abrangente que Compliance porque compreenderia a percepção de se “fazer o certo independentemente das normas e das leis". Explica que se deve interpretar a integridade não apenas no cumprimento de normas internamente, mas também na observância de regras éticas nas relações pessoais e comerciais com terceiros.

Assim, a adoção de um programa de integridade teria também, como consequência, proteção da empresa na relação com fornecedores, colaboradores, e até com administração pública (como se verá mais à frente). No ponto, é preciso dizer que a efetividade do Compliance não depende de mero preenchimento de check list ou a existência de um código de conduta na parede. Afinal, uma empresa não muda seu comportamento só por assinar um papel (GIOVANINI, 2017).

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Apesar de o alto custo na implantação ser uma barreira, é necessário que as empresas percebam que o prejuízo de não estar em Compliance poderá superar o investimento dessa conformidade. É que a ausência de um programa poderá, inclusive, prejudicar a reputação da empresa e, em algum momento, afastar consumidores ou ser predominante na escolha de investidores e acionistas no futuro.

O tema é umbilicalmente ligado à governança corporativa, conforme se extrai do conceito dado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)[2]:

Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.

As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum.

A adoção do Compliance revela o comprometimento de uma empresa em criar sólido alicerce na gestão de seu negócio, voltadas ao comportamento ético e honesto, demonstrando que sua função social também integra a percepção de que a sociedade, como um todo, será beneficiada - e não apenas sócios, colaboradores, clientes e acionistas.

Partindo desse pressuposto, não é difícil perceber que o Compliance vem ganhando espaço em uma sociedade que prefere prestigiar comportamentos preventivos e honestos, demonstrando que condutas que contrariem tal perspectiva devem ser desestimuladas e rechaçadas.

2. Nova Lei de Licitações (Projeto de Lei n. 4.253/2020)

É possível pensar que o Compliance teria como objetivo a adequação do comportamento de empresas privadas, o que afastaria sua aplicação junto ao Poder Público. Mas esta compreensão é incorreta. A administração também deve dar o exemplo ao agir com medidas éticas, transparentes, sem corrupção e, mais do que isso, exigir, incentivar e prestigiar, em seus relacionamentos, que as empresas privadas também adotem condutas condizentes com as boas práticas.

Muito embora a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência já integrem norma constitucional (art. 37, caput, da CF) – todos estes princípios, sem dúvida, norteadores de regras de Compliance público –  ao longo dos anos foi necessária a criação de legislações que acompanhassem a evolução do instituto e que pudessem detalhar como as boas práticas e condutas em conformidade devessem ser adotadas pela Administração pública, especialmente porque a legalidade rege seus atos.

No Brasil, diversas normas disciplinam comportamentos de integridade de servidores e do Poder Público, como o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal (Decreto nº 1.171/1994), a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei nº 101/2000), a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), Lei de Conflito de Interesses (Lei nº 12.813/2013), o Decreto nº 8.793/2016, que dispõe sobre a Política Nacional de Inteligência, e o Estatuto Jurídico das Estatais (Lei nº 13.303/2016),  Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013) e sua regulamentação pelo Decreto nº 8.420/2015, Decreto n. 8.793 de 29/2016 (Política Nacional de Inteligência).

Recentemente, foi editada a Portaria/CGU nº 57/19 que alterou a Portaria/CGU nº 1.089/18 e estabeleceu orientações para que os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional adotem procedimentos para a  estruturação, a execução e o monitoramento dos seus programas de integridade.

O combate à corrupção e a necessidade de comportamentos éticos e transparentes também nas contratações com o Poder Público fez com que normais estaduais de licitações também passassem a exigir que as empresas licitantes possuíssem programas de integridade em pactuações a partir de determinado valor, como se vê nas leis dos estados do Pernambuco (Lei Estadual nº  16.722 de 2019),  Amazonas (Lei Estadual nº 4.730 de 2018), Rio Grande do Sul (Lei Estadual nº 15.228 de 2018), Rio de Janeiro (Lei nº Estadual de 2017), Goiás (Lei Estadual nº 20.489 de 2019) e também no Distrito Federal (Lei Distrital nº 6.308 de 2019), além do Projeto de Lei nº 0262.0/2019 em Santa Catarina.

Essa legislação tomou como base o conceito disposto no art. 41 do citado Decreto nº 8.420/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção:

Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.

Essa tendência de previsão das normas de integridade na contratação pública foi mantida no Projeto de Lei n. 4.253/2020, que trata da nova Lei de Licitações, aprovado pela Câmara e pelo Senado e remetida para sanção presidencial. A futura lei deverá substituir Lei das Licitações (Lei 8.666, de 1993), a Lei do Pregão (Lei nº 10.520, de 2002) e o Regime Diferenciado de Contratações (Lei nº 12.462, de 2011).

Veja-se o que diz o art. 25, § 4º, do Projeto:

Art. 25. O Edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições do pagamento:

(...)

§ 4º Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contato da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento.

Interessante notar que a implantação obrigatória de programa de integridade se dá para as obras de grande vulto, que são aquelas com valor superior a R$200.000.000,00 (duzentos milhões de reais) conforme conceituado no art. 6º, XXII. Ademais, o programa somente será exigível a partir da assinatura do contrato, a ser elaborado pelo licitante vencedor no prazo de 6 (seis) meses, ou seja, na fase de execução. Logo, a priori não se verifica violação do caráter competitivo do procedimento licitatório.

Muito embora o valor seja bastante elevado e atinja uma minoria de contratações, é bom notar que a adoção do Compliance na legislação federal, que trata das normas gerais, já configura substancial avanço. Espera-se que haja aprimoramento no futuro para que se amplie a obrigatoriedade para contratações de menor valor.

Outro ponto de destaque é que o art. 60 do projeto previu a existência de programa de integridade como um dos critérios de desempate no julgamento de propostas:

Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem:

(...)

IV – desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle.

Também, a existência de programa de integridade é relevante ponto a ser considerado no momento de aplicação de sanções, conforme o art. 156:

Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções:

(...)

§ 1º Na aplicação das sanções serão considerados:

(...)

V -  a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle.

O art. 163 inovou ao trazer a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade como condição para a reabilitação do licitante punido em algumas hipóteses:

Art. 163. É admitida a reabilitação do licitante ou contratado perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, exigidos, cumulativamente:

(...)

Parágrafo único: A sanção pelas infrações previstas os incisos VIII e XII do caput do art. 155 desta Lei exigirá, como condição de reabilitação do licitante ou contratado, a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade pelo responsável.

Logo, as empresas que adotarem em suas condutas valores e princípios de  governança corporativa, incluindo-se aí programas de integridade, tendem a ser beneficiadas. Por outro lado, a lei estimula a adoção de melhores práticas entre os licitantes, visando garantir o atendimento a normas que regem cada específica atividade contratada,  aumentar a qualidade e transparência da contratação, ao passo que diminui os riscos da Administração Pública, da própria execução e do objeto contratado.

O que nos resta é esperar se, na prática, serão colhidos os resultados esperados.

Referências bibliográficas:

A obrigatoriedade da implementação de programa de integridade nas contratações de grande vulto à luz do artigo 25, parágrafo 4º, do Projeto de Lei Nº 1292/95. Disponível em: < http://www.novaleilicitacao.com.br/2019/10/29/a-obrigatoriedade-da-implementacao-de-programa-de-integridade-nas-contratacoes-de-grande-vulto-a-luz-do-artigo-25-paragrafo-4o-do-projeto-de-lei-no-1292-95/>. Acesso em: 05 mar. 2021.

CARNEIRO, Claudio; SANTOS JUNIOR, Milton de Castro. Compliance e Boa Governança (Pública e Privada). Curitiba: Juruá, 2018.

FRANCO, Isabel. Guia Prático de Compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 

GIOVANINI, Wagner. Programas de Compliance e Anticorrupção: importância e elementos essenciais. In: SOUZA, Jorge Munhós de; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Org.). Lei Anticorrupção e Temas de Compliance. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Disponível em: <https://www.ibgc.org.br/quemsomos />. Acesso em: 05 de março de 2021.

 


[1] Guia para programas de compliance. Disponível em: < http://antigo.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf >. Acesso em: 13 mar. 2021.

[2] Disponível em: < https://www.ibgc.org.br/quemsomos >. Acesso em: 13 de março de 2021.

Sobre o autor
Thomaz Carneiro Drumond

Procurador do Estado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-graduado em direito Empresarial, Administrativo, Tributário e Processo Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil e da Comissão de Direito Empresarial, da OAB/AC. Advogado Sócio de Drumond Leitão Torres Advogados - http://www.dlt.adv.br . www.linkedin.com/in/thomazdrumond

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