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A constitucionalidade da gravação ambiental como meio de prova

Agenda 17/03/2021 às 17:22

Teve como objetivo apresentar o debate em torno da constitucionalidade da gravação ambiental, como meio de prova no direito brasileiro. Foram realizados estudos e apresentados também casos concretos e decisões de nosso Tribunais sobre o assunto.

1-GRAVAÇÃO AMBIENTAL

Gravação Ambiental, resumidamente,  é aquela realizada por um dos interlocutores de uma conversa, sem o consentimento do(s) participante(s).

No entendimento de REIS, Alexsandre Cebrian Araújo (2014, p. 248), "Gravação Ambiental meramente clandestina, realizada por um dos interlocutores, não se confunde com a interceptação, objeto cláusula constitucional de reserva de jurisdição."

Além da gravação ambiental, temos outras formas de captação de sons, sendo interessante para o presente artigo uma breve explanação sobre cada uma dessas formas, até para uma melhor compreensão do trabalho.

a) Escuta Ambiental: ocorre quando há uma conversa entre interlocutores e uma terceira pessoa, com o conhecimento e autorização de um dos interlocutores, faz a gravação da conversa.

b) Interceptação Ambiental: ocorre quando há uma conversa entre interlocutores e uma terceira pessoa, sem o conhecimento dos interlocutores, realiza a gravação da conversa. Essa foi regulamentada em um passado não distante, pela Lei 13.694/2019 (Lei Anticrime). Antes da publicação da lei, juízes utilizavam de forma análoga a Lei 9.296/1996, que trata da Interceptação Telefônica.

O advento da Lei 13.694/2019, alterou a Lei 9.296/1996, sendo criado o Art. 8º-A:

Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando:

I - a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e      

II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas.

§ 1º O requerimento deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de instalação do dispositivo de captação ambiental.

§ 2º (VETADO).      

§ 3º A captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada.        

§ 4º (VETADO).         

§ 5º Aplicam-se subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na legislação específica para a interceptação telefônica e telemática.[1]

c) Escuta Telefônica: ocorre quando uma terceira pessoa realiza a gravação de uma ligação telefônica, com o conhecimento de um dos interlocutores. Se assemelha com a Escuta Ambiental.

e) Interceptação Telefônica: É mais conhecida no Brasil e ainda muito utilizada no meio policial, para coleta de provas, embora novas tecnologias (como instagram e whatsapp) estejam tornando a interceptação telefônica obsoleta na coleta de provas. Para a época, foi uma lei inovadora. Interceptação Telefônica ocorre quando há a captação de conversas telefônicas, sem o conhecimento dos interlocutores. A lei 9.296/1996 é quem instituiu e regulamentou este meio de prova. Traz em seu art. 1º:

A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.[2]

f) Gravação Telefônica: Ocorre quando em uma conversa telefônica, um dos interlocutores realiza a gravação, sem o conhecimento do outro interlocutor.

Feita esta rápida diferença entre cada um dos tipos de captação de conversas, voltemos ao tema de nosso trabalho, que é a "gravação ambiental".

2-PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O Processo Penal é um dos ramo do direito. É justamente este ramo do direito que norteia o Direito Penal.

Enquanto o Direito Penal trata da parte material, o Direito Processual Penal trata dos ditames processuais.

Para CUNHA:

Direito processual penal é um complexo de princípios e normas que constituem o instrumento técnico necessário à aplicação do Direito Penal, regulamentando o exercício da jurisdição pelo Estado-juiz, por meio do processo, os institutos da ação e da defesa, além da investigação criminal pela polícia judiciária, através de inquérito policial, ou por outro órgão público, também legitimado em lei, a investigar através de procedimentos investigatórios diversos. (CUNHA, Walfredo. Curso Completo de Processo Penal, 2018, p. 61)

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Em citando Frederico Marques, sobre o conceito de Processo Penal, “é o conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do direito penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares”.[3]

Quanto ao objetivo do Processo Penal:

O objeto do Processo Penal é, precipuamente, a prestação jurisdicional, vale dizer, a solução do conflito entre o jus puniendi do Estado e o direito de liberdade do presumido autor do fato infringente da norma, vale dizer: objetiva-se com o Processo Penal a solução da lide posta em juízo. (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2010, p.54)

Assim, em uma linguagem clara, podemos definir o Processo Penal como a ferramenta pela qual materializamos o Direito Penal.

3-GRAVAÇÃO AMBIENTAL COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Analisado e estudado o que seria a gravação ambiental e estudado o processo penal brasileiro, passamos para a parte final deste artigo, que seria a admissibilidade, ou não, da gravação ambiental como meio de provo no processo penal brasileiro.

A gravação ambiental não possui uma legislação própria pois, em tese, trata-se do direito de um interlocutor gravar a sua conversa, ainda que sem o conhecimento ou consentimento do outro interlocutor.

Várias ações já contestaram a validade, ou não, da gravação ambiental como meio de prova, tendo várias decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto. Em alguns casos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal têm entendido que a gravação ambiental é ilegítima e, em outras, legítima, sendo analisado caso à caso.

Aqui, colamos alguns julgados para que analisemos alguns casos.

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇAO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. - A questão relativa às provas ilícitas por derivação "the fruits of the poisonous tree" não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo não provido. (AI 503617 AgR / PR - Relator: Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 01/02/2005). (grifo nosso)

Neste caso acima tratado pelo Nosso Supremo Tribunal Federal, vemos que é aceito a gravação ambiental. Percebamos que é um julgamento ocorrido há mais de 15 anos.

EMENTA: Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. Precedentes do Supremo Tribunal HC 74.678 , DJ de 15-8- 97 e HC 75.261 , sessão de 24-6-97, ambos da Primeira Turma. (RE 212081 / RO - Relator: Min. OCTAVIO GALLOTTI - Julgamento: 05/12/1997) (grifo nosso)

Da mesma forma o julgamento acima, ocorrido no ano de 1997, mostra que nossa suprema corte já entendia que a gravação ambiental era meio de defesa de quem a produziu.

EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CRIMES DE ESTUPROS DE VULNERÁVEL. CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM BASE NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279/STF. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. VALIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal rejeitou preliminar de repercussão geral relativa à controvérsia sobre suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal (ARE 748.371-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes -Tema 660). 2. A parte recorrente se limita a postular a análise da legislação infraconstitucional pertinente e uma nova apreciação dos fatos e do material probatório constante dos autos, o que não é possível nesta fase processual. Nessas condições, a hipótese atrai a incidência da Súmula 279/STF. 3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, após assentar a repercussão geral da matéria, reafirmou sua jurisprudência no sentido de ser válida a gravação obtida por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro (RE 583.937-RG, julgado sob a relatoria do Ministro Cezar Peluzo). 4. Agravo interno a que se nega provimento. ARE 1240873 AgR / MG - MINAS GERAIS AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO - Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO - Julgamento:  13/12/2019 - Órgão Julgador:  Primeira Turma. (grifo nosso)

Aqui acima, mostramos um  julgamento onde nossa suprema corte mostra que o entendimento continua o mesmo, aceitando a gravação ambiental.

Abaixo, mostramos que o tema "gravação ambiental" também motiva decisões em processos eleitorais. Analisemos algumas decisões do Tribunal Superior Eleitoral reconhecendo o uso da gravação ambiental como meio de prova:

EMENTA: ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO. AIJE. ABUSO DO PODER POLÍTICO. CASSAÇÃO DO REGISTRO DE VEREADOR. JULGAMENTO DE PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. AFRONTA AO ART. 275 DO CE. NÃO OCORRÊNCIA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE. PRETENSÃO DE REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO SUMULAR Nº 24 DO TSE. DECISÃO REGIONAL EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. ENUNCIADO SUMULAR Nº 30 DO TSE. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS HÁBEIS A MODIFICAR A DECISÃO AGRAVADA. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. 0000275-67.2016.6.21.0042 - AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 27567 - SANTA ROSA - RS

Acórdão de 19/12/2019 -  Relator(a) Min. Og Fernandes. (grifo nosso)

Também:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO EM Recurso Especial. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/1997. LICITUDE DA PROVA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EFETUADA DURANTE REUNIÃO. AMBIENTE PRIVADO. POSSIBILIDADE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. 0000424-48.2016.6.04.0006 - RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 42448 - MANACAPURU - AM -  Acórdão de 19/12/2019 Relator(a) Min. Og Fernandes

Todavia, excepcionalmente, não está sendo aceito no Tribunal Superior Eleitoral a gravação ambiental  quando a conversa não é espontânea, quando há uma condução desta conversa pela pessoa que está gravando.

Vejamos:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AIJE. PREFEITO. NÃO ELEITO. ART. 22 DA LC N° 64/90. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DOS DEMAIS E SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA CONSIDERADA LÍCITA PELO TRE/SP. MATÉRIA PREQUESTIONADA. HODIERNO ENTENDIMENTO DO TSE: LICITUDE, EM REGRA, DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL. EXCEPCIONALIDADES QUE OBSTAM A ADMISSIBILIDADE DESSE MEIO DE PROVA ANALISADAS CASO A CASO. MANIPULAÇÃO DO MEIO DE PROVA. INADMISSIBILIDADE DO CONTEÚDO DA GRAVAÇÃO. ILICITUDE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. GRAVIDADE. AUSÊNCIA. CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO ELEITORAL AFASTADA E, CONSEQUENTEMENTE, A DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE DO ORA AGRAVADO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO.  0000452-83.2016.6.26.0012 - RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 45283 - BORÁ - SP - Acórdão de 07/11/2019 - Relator(a) Min. Edson Fachin (grifo nosso)

Com essa decisão acima, mostramos que o tema não é tão pacífico como parece, carecendo de estudo e uma análise mais aprofundada para aceitação da gravação ambiental em um processo.

4-CONCLUSÃO

O presente estudo buscou demonstrar não só o que seria a Gravação Ambiental, mas também demonstrar um conceito básico de Escuta Ambiental, Interceptação Ambiental, Escuta Telefônica e Interceptação Telefônica.

Estudou-se a legislação pátria sobre o assunto e, principalmente, os julgados de nossos Tribunais.

Assim, restou mais do que comprovada a validade da Gravação Ambiental, nos casos em que não há uma manipulação da conversa gravada pelo autor da gravação.

5-REFERÊNCIAS

CUNHA, Walfredo. Curso Completo de Processo Penal, 2018.

REIS, Alexandre Cebrian Araújo. Direito Processual Penal Esquematizado. São Paulo: SARAIVA, 2014.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2010.

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Millennium, 2003. v.1.

BRASIL. Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. Regulamente o inciso XII, parte final, do Artigo 5º da Constituição Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul. 1996, P. 13757.

BRASIL. Lei nº 13.694, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processo penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 dez. 2019, P. 01.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Jurisprudências. Brasília, DF. Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/ >, Acesso em: 10 fev. 2021.

TRIBUNAL SUPERIO ELEITORAL. Jurisprudência. Brasília, DF. Disponível em: < https://www.tse.jus.br/jurisprudencia >, Acesso em: 10 fev. 2021.


[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm

[3] MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas: Millennium, 2003. v.1. p. 16

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TCC elaborado para conclusão de Especialização em Direito Constitucional (03/2021), pela Faculdade Dom Alberto, sendo aprovado.

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