1 A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E A ESCUTA AMBIENTAL
Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira[1], a interceptação, ato ou efeito de interceptar (de inter e capio), tem etimologicamente, entre outros, os sentidos de: “1. Interromper no seu curso; deter ou impedir na passagem; 2. Cortar, interromper; interceptar comunicações telefônicas”.
A doutrina faz uma divisão entre Interceptação Telefônica e Gravação Clandestina, como será visto adiante.
Abordando o tema, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho[2] ensinam que, “a grosso modo, tem-se a idéia de que interceptação telefônica tem o mesmo significado de gravação clandestina, mas há entre as duas denominações certas diferenças que devem ser postas”.
A interceptação telefônica seria a captação da conversa por um terceiro, sem o prévio conhecimento dos interlocutores, ou com o conhecimento de apenas um deles. Já a gravação clandestina, é quando apenas um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro grava a própria conversa, podendo ser ela telefônica ou não, conforme descorre AVOLIO[3].
O que importa, e também resulta essencial à noção de interceptação, além do fato de a operação ter sido realizada por alguém estranho à conversa, é que esse terceiro estivesse investido do intuito de tomar conhecimento de circunstâncias, que, de outra forma, lhe permaneceriam desconhecidas. Se for pelo ato de terceiro que se concretiza a interceptação telefônica, a hipótese de um dos interlocutores gravar a própria conversa, limitando-se, assim, a documentar fatos conhecidos, não se caracteriza como tal, nem se sujeita à matéria mesma disciplina. Denomina-se, assim, gravação clandestina, para efeito de distingui-la, fundamentalmente,da interceptação telefônica. A eventual divulgação da própria conversa pode caracterizar afronta à intimidade (violação de segredo profissional, crime previsto no art. 154 do Código Penal brasileiro). Surtirá efeitos também dentro do processo se a violação de segredo afrontar a intimidade, tornando, assim, ilícita a prova. Por outro lado, a gravação da conversa interceptada não é, necessariamente, elemento integrante do conceito de interceptação. A simples escuta, desacompanhada de gravação, pode ser objeto de prova no processo penal, desde que não configure violação à intimidade. Assim, tanto as interceptações como as gravações poderão ser lícitas ou ilícitas, na medida em que obedecerem ou não aos preceitos constitucionais e legais que regem a matéria. E, a revelarem-se ilícitas, os seus resultados devem ser considerados inadmissíveis (ou inutilizáveis) no processo, e ineficazes enquanto prova.
Sendo assim, constata-se que ambos são meios distintos de provas; porém, os dois podem ser utilizados na fase judicial.
Já para Marco Antônio Garcia de Pinho, em seu artigo Breve Ensaio das Provas Ilícitas e Ilegítimas no Direito Processual Penal Brasileiro[4]:
Juridicamente, as interceptações, lato sensu, podem ser entendidas como ato de interferência nas comunicações telefônicas, quer para impedi-las, com conseqüências penais quer para delas apenas tomar conhecimento, nesse caso, também com reflexos no processo.
Fazendo uma breve retrospectiva histórica nas Constituições brasileiras, nota-se que na época do Império, não havia nenhuma menção à exceção da quebra do sigilo das correspondências e comunicações.
A Constituição de 1937, em seu art. 122, VI, tratava da inviolabilidade da correspondência, salvo alguns casos previstos em lei. A de 1946 veio na mesma linha na Constituição de 1937, em seu art. 141, § 6º; porém, não abordou as comunicações telefônicas.
Trata AVOLIO[5]:
O sigilo da correspondência era interpretado pela doutrina em sentido amplo, incluindo as correspondências telefônicas e telegráficas que só vieram a ter proteção expressa na Constituição Federal de 1967 com redação da Emenda n.1 de 17/10/69, em seu art. 153§9º (...).
Com exceção ao estado de sítio e de estado ou medidas de emergência (arts. 165, §2º, 158, §1º e 155), a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, prescrevia a inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, de maneira aparentemente absoluta (art. 153, §9º).
Já em 1962, foi aprovado o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117), regulamentado pelo Decreto nº 5.761, de 07/01/66, que prevê a admissibilidade da utilização de interceptação telefônica mediante autorização judicial.
A Constituição Federal de 1988 veio de encontro as Constituições anteriores, uma vez que admitiu de forma expressa em seu art. 5º a interceptação, quando devidamente regulamentado por uma legislação específica, e cumprido seus requisitos.
A dúvida a cerca da recepção ou não do art. 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações acabou com o advento da Lei de Interceptação Telefônica, que passou a regulamentar a matéria.
GOMES[6] traz abaixo um breve comentário à publicação desta lei em nosso ordenamento jurídico:
Finalmente, após um período de oito anos, foi publicada a Lei nº 9.296/96, pondo fim à omissão legislativa que vinha ensejando autorizações judiciais controvertidas e incursões duvidosas na esfera da intimidade de inúmeras pessoas, com o conseqüente desrespeito aos direito fundamentais, enfim, trazendo insegurança jurídica.
A Lei que trata da Interceptação Telefônica é a de nº 9296/96, sancionada por Fernando Henrique Cardoso, então presidente do Brasil.
O país passou a contar com uma importante e indispensável ferramenta capaz de desmantelar quadrilhas e pessoas até então intocáveis, onde a investigação, por mais bem realizada que tenha sido, não podia chegar.
Importante ressaltar que, como não há regulamentação para o uso internet (e-mails, páginas de relacionamentos, etc) e a interceptação destes dados, aplica-se então a Lei da Interceptação Telefônica.
Atualmente os meios de comunicação apontam em suas matérias jornalísticas que, em grande parte das prisões, ocorre a produção de provas via a interceptação telefônica, seja através da interceptação de e-mail, de linhas de telefone celular, de telefone fixo, mensagens de SMS, etc.
A lei nº 9296/96 ainda é atual, embora muitas vezes omissa e confusa. Deve-se ressaltar que a doutrina discorre sobre algumas modalidades de Interceptação e Gravação Telefônica, tais como: escuta telefônica, gravação da conversa telefônica, interceptação ambiental, dentre outras, conforme veremos.
A interceptação da conversa telefônica por terceiro, sem o conhecimento dos dois interlocutores, com o objetivo de escutar e, eventualmente gravar tal conversa, é a interceptação telefônica em sentido estrito ou stricto sensu.
A conversa telefônica interceptada, que é o objeto da prova, pode ser provada por vários meios, até pelo testemunho do interceptador. Em se tratando, todavia, de interceptações autorizadas por autoridade judiciária, o resultado da operação técnica deve revestir-se de forma documental. No caso, tanto a gravação – como a degravação, isto é, a transcrição da conversa, deve ser introduzida no processo, como meio de prova[7].
Aqui, a autoridade competente deve formular o pedido devidamente fundamentado à autoridade judicial, informando ainda a razão da necessidade e urgência do pedido.
Somente tem validade quando devidamente autorizado judicialmente, e preenchidos todos os requisitos legais. Uma vez seja colhida sem autorização legal, conhecida popularmente como “arapongagem”, a prova resta com obtida de forma ilícita, não tendo valor probante no processo.
A interceptação da conversa telefônica com a anuência de um dos interlocutores recebe o nome específico de escuta telefônica, terminologia empregada no art. 4º do Projeto de Lei n. 3.514/89, do Deputado Miro Teixeira.
A escuta é uma espécie de direito do indivíduo ao controle de seu próprio telefone em casos de seqüestro de familiares, vítimas de estelionato ou ligações anônimas.
A doutrina configura a hipótese como uma espécie de direito do indivíduo ao controle de seu próprio telefone: assim, por exemplo, os familiares da pessoa seqüestrada, ou a vítima de estelionato, ou ainda aquele que sofre intromissões ilícitas e anônimas, através do telefone, em sua vida privada[8].
Faz parte das espécies de interceptação telefônica porque conforme a doutrina, é realizada por terceiro, com a devida autorização de um dos interlocutores, conforme aborda Luiz Francisco Torquato Avolio[9]: “Levando em conta o aspecto de haver consentimento de um dos interlocutores, para a efetivação da interceptação telefônica poder-se-ia falar, especificamente, em escuta telefônica, uma vez realizada por terceiro”.
A gravação entre presentes da conversa pessoal e direta, realizada por um terceiro sem o conhecimento dos interlocutores, denomina-se interceptação entre presentes ou interceptação ambiental.
Para este trabalho interessa apenas a Interceptação Telefônica e a Escuta Ambiental que, como já visto acima, são meios de prova que dependem de uma autorização judicial, conforme prevê a Lei 9296/96.
No caso da Escuta Ambiental, nunca é demais lembrar que a mesma também possui previsão na lei n° 9.034/95, conhecida como Lei de Combate ao Crime Organizado:
Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: (Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)
[...]
IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial; (Inciso incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)
[...]
Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração
Todavia, um problema que surgiu com a Lei nº 9032/96 foi o uso indevido destes meios de prova, quando não obedecem aos critérios estabelecidos pela mesma. A falta de um controle das interceptações telefônicas e escutas ambientais autorizadas judicialmente acabam “legalizando” extorsões, ameaças, chantagens com a intimidade alheia, realizadas por maus profissionais.
Não se fala aqui do “grampo telefônico”, que é um método completamente afora do nosso ordenamento jurídico, onde conversas são interceptadas sem a autorização judicial , não tendo nenhum valor como prova. Estamos, sim, falando de pedidos autorizados judicialmente de forma irregular e ilegal.
O que deve ser analisado com calma e critério são os fundamentos que concedem essa autorização para “bisbilhotar” a vida alheia, sob pena de estar-se pondo em risco o direito à intimidade, tão defendido por nossa Constituição Federal.
Este cuidado deve ser tomado para que as interceptações telefônicas e escutas ambientais não caiam em descrédito, e acabem sendo deixadas de lado.
Fruto deste atual “descrédito” que vem sofrendo a Interceptação Telefônica, justamente pelo seu mau uso, foi a elaboração, pelo Conselho Nacional de Justiça, da Resolução nº 59, de 09 de setembro de 2008. A Resolução nº 59 visa regular melhor o uso das interceptações telefonias na investigação criminal.
Até então, não havia uma regulamentação quando aos procedimentos para que fosse dada entrada ao pedido de interceptação telefônica. O artigo 1º da lei 9296/96 apenas regula a autorização da interceptação.
Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Em agindo desta forma, visou-se regular e controlas as interceptações concedidas, pois até então não havia controle algum sobre as mesmas. Como não passavam pelo protocolo de distribuição, muitas vezes não era possível saber quantas interceptações foram concedidas em determinada vara criminal, ou quais números estavam sendo interceptados em determinada Comarca.
Nosso Tribunais comprovam que muitas Interceptações Telefônicas e Escutas Ambientais foram usadas de forma ilegal, revestidas por uma legalidade processual.
Neste sentido, ao analisar a legalidade de uma Interceptação Telefônica no HC nº 64.096, que teve como relator o Ministro Arnaldo Esteves de Lima, decidiu o Superior Tribunal de Justiça[10]:
HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL, LAVAGEM DE DINHEIRO E CORRUPÇÃO. DENÚNCIA ANÔNIMA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. NULIDADE DE PROVAS VICIADAS, SEM PREJUÍZO DA TRAMITAÇÃO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Hipótese em que a instauração do inquérito policial e a quebra do sigilo telefônico foram motivadas exclusivamente por denúncia anônima.
2. "Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedente do STJ" (HC 44.649/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 8/10/07).
3. Dispõe o art. 2°, inciso I, da Lei 9.296/96, que "não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando (...) não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal". A delação anônima não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária, mas mera notícia dirigida por pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal).
4. A prova ilícita obtida por meio de interceptação telefônica ilegal igualmente corrompe as demais provas dela decorrentes, sendo inadmissíveis para embasar eventual juízo de condenação (art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal). Aplicação da "teoria dos frutos da árvore envenenada".
5. Realizar a correlação das provas posteriormente produzidas com aquela que constitui a raiz viciada implica dilação probatória, inviável, como cediço, em sede de habeas corpus.
6. Ordem parcialmente concedida para anular a decisão que deferiu a quebra do sigilo telefônico no Processo 2004.70.00.015190-3, da 2ª Vara Federal de Curitiba, porquanto autorizada em desconformidade com o art. 2°, inciso I, da Lei 9.296/96, e, por conseguinte, declarar ilícitas as provas em razão dela produzidas, sem prejuízo, no entanto, da tramitação do inquérito policial, cuja conclusão dependerá da produção de novas provas independentes, desvinculadas das gravações decorrentes da interceptação telefônica ora anulada.
Importante ressaltar que a prova, para ter validade no Processo Penal, tem que seguir alguns requisitos, sob pena de ser considerada ilícita ou ilegítima. Alguns aspectos que devem ser respeitados, em virtude de preceito constitucional, são os direitos fundamentais do cidadão.
MENDES[11] trata da seguinte forma sobre a prova lícita:
Atente-se para o fato que a observância de regras preestabelecidas e de um rito determinado, previstos no processo, constitui um valor de garantia para o indivíduo, e não um retorno ao sistema da prova legal em que se permitiria tão somente um valor de verdade, mas assinalava a defesa das formas processuais em nome da tutela dos direitos do acusado. O limite do direito à prova, como se vê, é uma espécie de parâmetro do qual a atividade probatória não pode esgueirar-se, de modo que a prova acolhida no processo, em princípio, será uma prova da categoria lícita.
Como pode ser visto na doutrina acima citada, sendo obedecidos alguns parâmetros legais, o material colhido ganha um valor probante. Esta é a prova lícita, passível de aceitação.
Já prova ilícita seria aquela que fere um direito material, sendo proibida a sua colheita. Existem três teorias a respeito da prova ilícita, conforme aborda NOGUEIRA[12]:
1ª) Teoria da admissibilidade, para a qual somente as provas ilegítimas, que resultam de uma norma processual, é que estão vedadas e podem ser rejeitadas. Assim, os violadores de uma norma material respondem pela violação, mas a prova colhida tem validade. [...]
2ª) Teoria da inadmissibilidade ou da rejeição, que tem por base o princípio da moralidade dos atos praticados pelo Estado e o de que se a prova é ilícita ofende ao direito, não sendo, assim admissível. [...]
3ª) Teoria da proporcionalidade, que procura buscar m certo equilíbrio entre os interesses sociais e o direito fundamental do indivíduo.
A Constituição Federal de 1988 veda expressamente a prova obtida por meio ilícito.
FREGADOLLI[13] se posiciona quanto a prova ilícita:
(...) conclui-se, portanto, que a prova ilícita diz respeito à transgressão do Direito Material, ocorrendo a violação no momento da colheita da prova. (...) O termo ilícito tem um sentido amplíssimo: Tudo quanto a lei não permite que se faça ou que é praticado contra o direito, a justiça, os bons costumes, a moral social e a ordem pública.
Porém, se a prova for imprescindível ao deslinde da instrução criminal, a despeito de ser ilícita, poderá ser aceita em homenagem ao princípio da proporcionalidade.
O Conselho Nacional de Justiça passou então a ter um controle sobre as Interceptações Telefônicas e Escutas Ambientais autorizadas, investigando casos de abusos e até mesmo denúncias contra magistrados.
Não resta dúvida que, quando requerido nos moldes da lei, respeitado o procedimento instituído pela Resolução nº 59 do CNJ, tanto a Interceptação Telefônica quanto a Escuta Ambiental são consideradas provas lícitas, sobrepondo-se às Garantias Fundamentais Constitucionais dos cidadãos.
É importante destacar que:
“[...] o garantismo não tem nenhuma relação com o mero legalismo, formalismo ou mero processualismo. E, muito menos, com defesa da impunidade, como querem fazer crer alguns manipuladores. Consiste na tutela dos direitos fundamentais, os quais – da vida à liberdade pessoal, das liberdades civis e políticas às expectativas sociais de subsistência, dos direitos individuais aos coletivos – representam os valores, os bens e os interesses, materiais e prepolíticos, que fundam e justificam a existência daqueles artifícios – como chamou Hobbes – que são o Direito e o Estado, cujo desfrute por parte de todos constitui a base substancial da democracia[14]”.
2 INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL
Como foi taxativamente abordado, a lei que trata sobre a interceptação de comunicações telefônicas no Brasil, é a lei número 9.296, de 24 de julho de 1996, regulamentando o inciso XII, parte final, do artigo 5º da Constituição Federal, sancionada pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.
Em seu artigo 1º, a lei prevê como será concedida a interceptação telefônica, com o fim de instrução em processo penal. Segundo a legislação, para que seja passível de utilização no processo penal, deve a interceptação telefônica ser autorizada via judicial, através de juiz competente.
O deferimento e o pedido da mesma devem ocorrer em segredo de justiça. Em seu parágrafo único este artigo, ainda amplia a aplicação da lei para a interceptação em sistemas de informática e telemática. Também se utiliza extensivamente para as mensagens de celulares.
Denota-se também, que a lei é clara quanto à utilização da interceptação telefônica ainda na fase policial, auxiliando na investigação policial. Questão que deve ser levantada é se, há necessidade, antes da concessão da autorização judicial, da abertura de Inquérito Policial, pois há casos em que se inicia a investigação sem mesmo haver um Inquérito. Todavia, quanto a este ponto, a lei não traz nenhuma previsão.
Há casos em que é vedada a autorização de interceptação telefônica, com o intuito de evitar abusos por parte da autoridade que a solicita, uma vez que o que está em jogo, é um dos direitos fundamentais mais defendidos em nossa Constituição da República Federativa do Brasil: a intimidade.
Pelo artigo acima transcrito, pode ser visto que no pedido de interceptação deve constar a qualificação do investigado, bem como o fato a ser investigado. A Lei também não esclarece quanto ao caso de, no decorrer da investigação, o fato criminoso for além do exposto no pedido. Neste caso, a prova iria até o pedido, ou poderia abranger os demais?
Tem-se como exemplo a interceptação em presídios. Nestes casos, há uma rotatividade enorme entre os usuários dos aparelhos celulares, além de ocorrer diversos delitos. Ao mesmo tempo em que há o comando do tráfico de drogas de dentro do presídio, também pode vir a ocorrer o comando de ações criminosas como roubos, homicídios, etc.
Há entendimentos de que, nestes casos, pode ocorrer a “Prova Emprestada”, quando devidamente peticionado ao Juiz, conforme decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[15]:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO NAS FORMAS TENTADA E CONSUMADA. PRELIMINAR. NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS TRANSCRITAS NO PROCESSO. INOCORRÊNCIA. Não é nula a interceptação telefônica devidamente autorizada por juiz de direito. Não pode ser decretada a nulidade da prova pela simples razão de não constar no processo os CDs gravados que originaram a transcrição, algo que não é exigido na lei. Igualmente, não torna nula a prova o fato de a transcrição não ter sido integral, na medida em que a própria transcrição das interceptações é facultativa, conforme o texto legal. Ainda, se a defesa desejasse impugnar os documentos juntados ao processo, deveria ter requerido a produção de perícia técnica nos mesmos no momento oportuno tão-logo tomou ciência acerca da sua juntada aos autos sob pena de preclusão. DESPRONÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. Nesta fase processual, em vige o principio in dubio pro societate, bastam indícios da autoria e da existência do crime. Existindo dúvidas quanto ao agir do recorrente, estas deverão ser dirimidas pelo Tribunal do Júri. QUALIFICADORAS. RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E MOTIVO TORPE. AFASTAMENTO. INVIABILIDADE. Na fase processual da sentença da pronúncia, não se afastam as qualificadoras a menos que a sua improcedência seja manifesta. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70024563322, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcel Esquivel Hoppe, Julgado em 06/08/2008)
Atualmente no Brasil, detentos vêm utilizando celulares de dentro do presídio para ameaçar testemunhas de crimes. Ocorre que conforme o inciso II do artigo 2º, não deve ser concedida a autorização para os crimes punidos com no máximo, pena de detenção, o que é o caso da ameaça.
O artigo 3º da Lei traz quem são as pessoas competentes para solicitar a autorização da interceptação telefônica. Ao contrário de outros países, como por exemplo, nos Estados Unidos da América, onde qualquer funcionário público investido no cargo de investigador policial pode solicitar a autorização, no Brasil a legislação é diferente. O rol do artigo 3º é taxativo quanto às três autoridades que podem requerer a autorização.
No pedido, além dos requisitos de identificação das partes investigadas e da informação do delito a ser apurado, também se faz necessário a demonstração fundamentada de que é imprescindível a autorização da interceptação telefônica, para a apuração do fato delituoso. Também é requisito a demonstração da forma pela qual se dará a interceptação.
Pela legislação, é possível a admissão do pedido verbal, em casos excepcionais, ao juízo competente, desde que previstos todos os requisitos de admissibilidade, e sendo mais tarde, reduzido a termo.
Em todos os casos, o prazo previsto legalmente para o despacho que conterá a decisão de autorização ou não do requerimento, será de no máximo vinte e quatro horas.
É de extrema importância a fundamentação da decisão que concede a autorização de interceptação da comunicação telefônica, sob pena de nulidade. Deve conter ainda na decisão, os meios que serão empregados e a forma das diligências (se haverá ou não redirecionamento das ligações, quem realizará as gravações, etc.).
O tempo para a realização da interceptação é de quinze dias, renováveis por igual período, comprovada a necessidade desta renovação, questão esta que ainda gera muita controvérsia. A lei não deixa claro por quantas vezes mais pode ser deferida a renovação. Sobre o tema, nossos tribunais vêm se posicionando de modo que, havendo uma real necessidade de renovação para colheita de provas, esta pode ser realizada quantas vezes forem necessárias. A autoridade judicial procede a análise de cada caso individualmente, de acordo com suas particularidades e, o bom senso irá dizer sobre várias prorrogações ou renovações.
Partindo da autoridade policial o pedido de interceptação telefônica, faz-se necessária a colheita do parecer ministerial, sendo facultado ao seu representante, a participação na realização da diligência.
Faz-se necessária de igual forma, a transcrição das conversas cuja relevância ensejarem a sua utilização como meio de prova, no decorrer da instrução criminal. Tem-se percebido em vários julgados que a transcrição das conversas, para que não pairem dúvidas sobre o interesse de quem a está realizando, deve ser feita por um perito judicial ad hoc.
Todo este material (pedido de interceptação de comunicação telefônica, despacho que a autoriza, bem como as gravações e transcrições) deve correr em autos apartados, visando o sigilo que possibilite um sucesso do trabalho realizado.
No artigo 9º da Lei 9. 296, o legislador se preocupou com o destino das gravações de conversas que não fará o meio de prova, devendo as mesmas serem inutilizadas por meio de decisão judicial em requerimento do Ministério Público, ou ainda, da parte interessada.
CONCLUSÃO
O presente trabalho possibilitou o acesso rápido e didático à um tema alvo de muitos debates na Doutrina e nos Tribunais. Todavia, não exauriu todas as dificuldades e dúvidas ainda existentes.
Pode-se perceber que a Interceptação Telefônica e a Escuta Ambiental são meios de prova no sistema processual penal pátrio, quando revestida dos requisitos e formalidades que a Lei requer.
Somando-se a Lei, ainda surgiu a Resolução n° 59 do CNJ, que buscou inibir a má utilização destas ferramentas de investigação e controlar o seu adequado uso.
Portanto, conclui-se que a Interceptação Telefônica e a Escuta Ambiental são ferramentas de investigação modernas, de alta tecnologia, aceitas como meia de prova e de fundamental importância no combate à crimes como o tráfico de drogas e crime organizado.
REFERÊNCIAS
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: Interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. 2. ed. Trad. de Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madrid, Trotta, 1997
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
FREGADOLLI, Luciana. O direito a intimidade e a prova ilícita.Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
GOMES, Luis Flávio, CERVINI, Raul. Interceptação Telefônica. São Paulo: RT, 1997.
GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Sacarance e GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidade do processo penal. 6. ed. rev., ampl. e atual. com nova jurisprudência e em face da Lei 9.099/95 e das leis de 1996. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997
MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. Direito à Intimidade e Interceptações Telefônicas. Belo Horizonte: Mandamentod, 1999.
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso completo de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991.
[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. p. 505
[2]GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance e GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. p. 141
[3] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. p. 92-93
[4] PINHO, Marco Antônio Garcia. Artigo Breve Ensaio das Provas Ilícitas e Ilegítimas no Direito Processual Penal Brasileiro, acessado em http://jus.uol.com.br/revista/texto/9439/breve-ensaio-das-provas-ilicitas-e-ilegitimas-no-direito-processual-penal-brasileiro/2
[5] AVÓLIO, Luis Francisco Torquato. Provas ilícitas. p. 127
[6] GOMES, Luís Flávio, CERVINI, Raúl. Interceptação telefônica. p. 90
[7] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. p. 94
[8] GRINOVER, Ada Pellegrini. p. 250
[9] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Prova ilícita. p. 94
[10] Superior Tribunal de Justiça (STJ), disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp
[11] MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. Direito A Intimidade E Interceptação Telefônica. Pg 102
[12] NOGUEIRA, Paulo Lucio. Curso completo de processo penal. p. 224-225
[13] FREGADOLLI, Luciana. O Direito à Intimidade e a Prova Ilícita, p. 180
[14] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal pp. 28-29
[15] Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em http://www1.tjrs.jus.br/busca/?q=intercepta%E7%E3o+telef%F4nica+ilegal&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%29&requiredfields=&as_q=&ini=50