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Uma breve reflexão sobre os direitos autorais das obras publicitárias

Agenda 18/03/2021 às 01:32

Este artigo visa trazer à discussão, o momento atual dos direitos autorais no mercado publicitário como obra coletiva além de questionar a condução dos direitos e a forma de remuneração dos serviços audiovisuais.

Desde o século passado, vivenciamos verdadeiras revoluções no plano das comunicações, com a eclosão de diferentes processos de expressão, de reprodução e de representação de obras intelectuais. Em consequência, inúmeros problemas vieram a povoar o campo do Direito de Autor, desafiando os empresários, legisladores, interessados e titulares de direitos, na busca por solução.

Como explica BITTAR, a expansão da publicidade, a sedimentação dos processos de fotografia, em múltiplas novas utilizações, o desenvolvimento do rádio e do cinema, em novas dimensões; a exploração da televisão e mais recentemente, dos satélites de comunicação; e a disseminação dos processos de reprodução em decorrência da massificação da internet, imprimiram feições novas e mais amplas ao Direito de Autor, descerrando diferentes canais de comunicação às obras intelectuais e agora de proporções infinitas. 

A criação intelectual é inata ao ser humano, todos possuem potencial criativo que pode resultar em bens uteis ou criações estéticas passiveis de aproveitamento econômico. As criações intelectuais cumprem finalidades estéticas, de contemplação, de beleza ou atendem a objetivos práticos. 

A propriedade intelectual cuida das criações do ser humano em todas as suas formas e compreende dois ramos: o direito industrial e o direito autoral. O direito industrial cuida dos bens industriais (marcas, patentes e modelos de utilidade e é objeto de estudo do direito comercial ou empresarial). O direito autoral abrange os direitos de autor, os direitos conexos e a criação publicitária, sendo estudados pelo direito civil. Os direitos de autor versam sobre as obras intelectuais protegidas, como textos de obras literárias. Os direitos conexos protegem os artistas, intérpretes e executantes, os produtores de fonogramas e os organismos de radiodifusão.

O direito autoral se baseia na ideia do interesse privado do autor que deve ter assegurada a exploração de sua criação intelectual e o interesse público da coletividade que deseja ter acesso à obra.

Ademais, consiste no conjunto de prerrogativas de ordem nao patrimonial e de ordem pecuniária que a lei reconhece a todo criador de obras literárias, artísticas e cientificas, de alguma originalidade, no que diz respeito à sua paternidade e ao seu ulterior aproveitamento por qualquer meio, durante toda a sua vida, e aos sucessores, ou pelo prazo que ela fixar. 

A fim de garantir a criatividade, que é o maior atributo que a natureza pode dar ao ser humano, nosso legislador protege de modo indistinto todas as obras intelectuais. Assim, vislumbra-se nitidamente o cunho pessoal inseparável da personalidade do autor, ao lado do elemento econômico.

Em relação à sua obra, o autor titula direitos morais e patrimoniais, que nascem com o ato de criação. 

Os direitos morais do autor são aqueles que unem indissoluvelmente o criador à obra criada. Emanam da personalidade do autor. Já os patrimoniais são direitos pecuniários exclusivos do criador, decorrentes da exploração econômica da obra. 

São direitos exclusivos, pois dependem da prévia e expressa autorização do autor ou de quem o represente, para que possam ser reproduzidos, exibidos, expostos publicamente, transmitidos por meios digitais, etc. 

Desse modo, os direitos autorais têm como função primordial remunerar os autores pela sua produção intelectual, evitando dessa maneira, um retrocesso na evolução da matéria. 

Nesse mesmo sentido, temos a questão dos direitos conexos. Toda a regulamentação jurídica dos direitos conexos consagrada, internacionalmente, na Convenção de Roma, corresponde a uma adaptação no plano jurídico à enorme valorização econômica e adquirida pelas obras artísticas, cientificas e literárias no plano econômico e às inúmeras possibilidades de utilização desses bens, em virtude do desenvolvimento tecnológico ocorrido em sociedade. 

É assim que surgem os produtores de fonogramas e as empresas de radiodifusão. São os titulares dos direitos vizinhos aos direitos do autor, que recebem a mesma tutela atribuída ao autor.

É aqui, que temos a grande discussão da publicidade – quem são os titulares de direito das obras produzidas pelas agências de publicidade. 

Tais obras são consideradas como obras coletivas, já que temos a participação dos funcionários das agências e em várias vezes, das produtoras de imagem e de fonogramas. 

Por outro lado, ao cliente anunciante não cabe qualquer direito autoral, a não ser que também a ele sejam cedidos os direitos autorais patrimoniais sobre o trabalho criado, direitos esses de utilização,  sem a possibilidade de alteração de seu conteúdo e estrutura, a não ser mediante prévia e expressa autorização da Agência e dos criadores.

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Malgrado a obra publicitária organizada pela agência de publicidade e que tomou a iniciativa de criá-la e produzi-la, ainda que por solicitação do cliente, certo é que se houver a co-participação de terceiros fornecedores e criativos, terão eles, nos limites de suas criações, a titularidade do direito autoral moral e patrimonial.

Citamos como exemplo um filme publicitário que se constitui, nitidamente, numa obra em colaboração e que, por seu turno, é composta de várias obras coletivas.  A Agência de Publicidade, através de seus profissionais (normalmente a dupla de criação) desenvolve o roteiro do filme a ser produzido a partir de um briefing do cliente. Os direitos autorais morais do roteiro, pertencem aos profissionais (pessoas físicas) que o criaram Os direitos autorais patrimoniais do roteiro, são da agência, como a pessoa organizadora e em nome da qual o filme é desenvolvido.  Em seguida, temos a produtora cinematográfica, que também por tomar a iniciativa do filme (ainda que isso decorra da solicitação da agência e do cliente), é a sua organizadora e coordenadora. Portanto, tem ela, quanto à produção cinematográfica propriamente dita, os direitos autorais patrimoniais, por se tratar de uma obra coletiva (cabendo ao Diretor, com exclusividade, os Direitos autorais Morais do Filme). Sucessivamente, teremos os trabalhos de um produtora de som, a qual, igualmente, por ser a coordenadora e organizadora da trilha sonora, é titular dos direitos autorais patrimoniais da produção sonora, além de ser, também, titular dos direitos fonomecânicos da obra gravada. Por fim, há participação, eventual, de outros, como modelos/atores, fotógrafos, etc, cuja composição final, se constitui no filme publicitário.

Para cada reutilização, uma vez vencidos os prazos onde os direitos de uso foram concedidos pelas partes criadoras, produtoras e prestadoras de serviços (agências, produtoras cinematográficas, produtoras de som, atores, etc), há necessidade de novos pagamentos pelo anunciante/

E como defende Bittar, era necessário a instituição de sistema de pagamento e de controle desses direitos nos próprios contratos de publicidade, nos quais se inseriam clausulas especiais de direitos autorais, desde os contratos entre o anunciante e a agencia; a agencia e os criadores; e a agencia e a produtora de fonogramas (ou de filmes).

Propõe a estipulação em contrato – que poderiam ser padronizados – os direitos autorais, que girariam em torno da verba publicitaria, fixando-se proporcionalmente em função da campanha e cobrando-se antes da respectiva veiculação. 

Alem disso, em cada renovação da campanha, incidiria a cobrança dos direitos em razão do quantum definido no contrato, com a respectiva correção monetária e pelos índices legais vigentes.

O sistema abrangeria todas as criações individualizadas ou individualizáveis na publicidade, inclusive a obra publicitaria final, descartando-se as já integradas em outros sistemas, como o de execução de obras musicais.

Defende ainda, que o controle seria feito pela agencia ou pela produtora, com os meios que dispõe, valendo-se inclusive das anotações das empresas de controle de anúncios em radio e em televisão.

Com isso, vemos que em razão da estreita interligação entre o direito de autor e as formas de comunicação de obras intelectuais, direitos decorrem para os titulares em todos os diferentes processos e que sempre versam sobre a questão da utilização das obras criadas.

Ficou claro que a reprodução da obra sem o consentimento do autor é violar direitos constitucionalmente consagrados, gerando por consequência, indenizações por dano moral e material. Logo, o aspecto patrimonial do direito de autor depende do aspecto moral. Não há exploração econômica da obra sem consentimento do autor, que tem inclusive o direito de manter a obra inédito, como já explicado.

Desse modo, os direitos autorais têm como função principal remunerar os autores pela sua produção intelectual. A par dessa função, há a função social do direito autoral, que segundo Manuella Santos, trata-se da difusão cultural em prol da coletividade e do meio ambiente social, elemento social no processo evolutivo das civilizações. Ou seja, quando o autor divulga o seu conhecimento, disponibilizando-o à sociedade, ele está cumprindo a função social do direito de autor.

Vale lembrar, que a função social do direito autoral está umbilicalmente ligada a evolução tecnológica, que forneceu a base para o surgimento de uma nova sociedade, a da informação, que vive parte no mundo real e parte no mundo virtual. É o que chamamos anteriormente, da revolução dos meios de comunicação, que influencia na disseminação da informação, principalmente no campo digital, e que assim, interfere na questão da função social dos direitos autorais.

O ambiente digital, portanto, mostra-se um desafio e uma oportunidade para o criador de obras literárias e artísticas. Isso porque a facilidade com que se reproduz ou se comunica ao publico, uma obra ultrapassa a capacidade de controle do autor sobre sua utilização e por outro lado, facilita ao autor a publicização do seu trabalho. 

A questão fundamental que fica é como equilibrar a remuneração ao criador intelectual e o bem-estar que ele propicia a toda sociedade. Ou seja, como proteger o autor diante da massificação da informação e da pirataria. 

Como defende Santos, é uma questão de ordem publica, que exige o esforço conjunto do Estado, da sociedade e do campo privado. 

O fato é que diariamente milhares de pessoas violam direitos autorais na Internet ao fazer uso indevido de obra alheia. No campo da publicidade, o desafio é o controle dos pagamentos referentes aos direitos conexos e à renovação dos direitos de uso das obras audiovisuais, uma vez, que estamos nos referindo à obras compartilhadas, coletivas, como já dissemos.

E é nesse sentido, que é necessário que as Associações, como a APRO e a APRO SOM, voltem a discutir esse assunto. Cada vez mais, diversos clientes e/ou agências, ao solicitarem os orçamentos para as produtoras, já instituem que as produtoras devem ceder, mesmo com a cobrança de um valor único, os arquivos e os direitos para que a agência utilize de forma indiscriminada esse material para a produção de peças no ambiente digital. Não importa a quantidade. Desde que dentro do período de vigência contratada, a agência estaria livre para produzir todas as peças que o cliente precisa para compor seu plano de mídia.

Daí vemos a desproporcionalidade desta relação comercial, além do descumprimento dos direitos autorais. Como vimos, os co autores devem ser remunerados por cada peça que seja veiculada comercialmente. Mas na pratica não é isso que vem acontecendo nos últimos anos. Claro, até como uma questão de sobrevivência das produtoras, elas acabam aceitando as condições impostas pelas agências e anunciantes. Enquanto o cliente otimiza e maximiza seus custos com produção audiovisual, vemos, cada vez mais, um desrespeito às leis autorais. Como há muitos players no mercado, acaba sobrevivendo, além da qualidade, aqueles que se submetem à essa relação e aceitem as condições.

Vale ressaltar que a discussão sobre esse equilíbrio não está esgotada, mesmo porque a sua relação com a evolução da sociedade, que é constante, vai perdurar pela própria história, ainda mais agora com o desenvolvimento do Direito Digital. De qualquer forma, é proeminente que os profissionais do direito, assim como as Associações especificas, voltem a discutir esse tema. Ainda mais em época de pandemia, recessão econômica. Cabe a nós, profissionais do direito e do entretenimento, fazer valer os princípios constitucionais em consonância com a ordem social vigente.

Bibliografia

BITTAR, Carlos Alberto. Direito do Autor. Ed Forense, 2019.

COCURUTTO, Rafael Clementi. Direitos Autorais - a gestão coletiva de obras musicais. Editora Leud, 2020.

SANTOS, Manuella Silva dos. Direito autoral na era digital.

VIEIRA, Alexandre Pures. Direito Autoral na Sociedade Digital. Montecristo Editora, 2018.

Sobre a autora
Michele Pavão

Advogada formada pela Universidade Mackenzie, com especialização em Direito Digital. Atuação de mais de 10 anos no mercado publicitário. Interesses: Direito do autor, do Entretenimento e Digital.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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