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Guarda e Direito de Convivência Familiar: reflexos no exercício da guarda compartilhada em tempos de pandemia

Agenda 18/03/2021 às 20:35

A era COVID-19 não abalou apenas os institutos da pensão alimentícia, diante de uma situação tão inesperada. Com isso, as relações jurídicas que permeiam as questões intrafamiliares não são mais as mesmas e devem se adaptar a novas realidades.

            Sabe-se da importância de manter um laço afetivo entre o genitor visitador e a criança, que nesse caso, busca-se garantir que os genitores se protejam-se e cuidem-se  respeitando as orientações sanitárias para que assim possam continuar a convivência com o filho, pois essa relação é de suma importância na vida da criança e adolescente. Os números de pedidos de suspensão de visitas vêm crescendo de forma considerável no judiciário, muitos são favoráveis à suspensão, visando o princípio do melhor interesse da criança pelo risco de contágio que essa transferência de uma residência para a outra pode causar. Contudo, esse direito só é excepcionalmente proibido caso essa convivência esteja pondo em risco a saúde da criança, e acima de tudo, observando cado caso de acordo com suas especificidades. 

             Na maioria dos casos, a guarda da criança é exclusivamente da responsabilidade da mãe e, após a guarda compartilhada passa a ser estabelecida, a criança permanece na residência da mãe. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, casais com filhos menores registravam 166.523 divórcios, dos quais a guarda unilateral materna era fixada em 65,4% e a guarda total era de 25,35%. Mesmo em caso de guarda unilateral, ambos os progenitores continuam a exercer os seus direitos parentais, no qual preceitua o art. 1.589 de CC. Embora os poderes dos pais sejam mais amplos e envolvam a proteção global das pessoas das crianças, a guarda determina e fornece proteção para atender às suas necessidades. 

          Embora os direitos de convivência e guarda não sejam inalteráveis, não se pode presumir que o distanciamento social tenha alterado automaticamente o que foi aprovado ou determinado em juízo. Se o genitor não estiver infectado, e muito menos residir com alguém que esteja, se o genitor não tiver entrado em contato ou estiver em grave risco; se o genitor tiver condições de cumprir as medidas de isolamento e garantir a segurança dos menores, portanto, não há motivo para mudar os termos da guarda ou da convivência. Tanto quanto possível, para manter os hábitos diários das crianças, será mais adequado aos seus melhores interesses. Vale lembrar que a questão do convívio com os filhos, tem observância em satisfazer seu desenvolvimento integral do que os interesses pessoais dos pais em observância ao artigo 227, CF/88 e o artigo 19 do ECA. 

            Outrossim, se um pai que vive com a criança em caso de guarda compartilhada ou que detenha a guarda unilateral, for contaminado pela COVID-19 sob guarda conjunta, ele estará colocando o menor em grave risco se continuar o contato. Em relação ao genitor não-guardião e/não residente com o menor e contraiu o COVID-19, neste caso, se alguém na residência estiver alguém contaminado, o ambiente representará risco, sendo recomendável suspender a convivência no caráter presencial. Situações como essa, atípica, exigem que os casais tenham o uso do bom senso bem como atitude civilizada, necessária para uma solução amigável, a fim de melhor atender aos interesses de seus filhos.  

            Em caso de conflito, um dos pais pode recusar ou não cumprir as regras estabelecidas em termos inerentes a guarda para garantir a saúde, a segurança e o bem-estar dos filhos que valendo o que dispõe o Artigo 1.584 do Código Civil. Logo, a intenção de eliminar o risco grave e iminente de contaminação por COVID-19 parece ser uma razão de motivo relevante, bem como exige o dispositivo.  

       Uma vez tratada no Judiciário, a pandemia por si só não serve como fundamento isolado na alteração de convivência, é necessário comprovar o grave risco ao interesse da criança ou caso haja alguém do grupo de risco (art. 1586 c/c art. 1589 CC). Quando possível, é necessário promover sessões virtuais de mediação, como já ocorrem, a fim de que haja um acordo, a exemplo do Rio de Janeiro, que tem permitido sessões de conciliação em processos com essa temática.  

         Em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi apreciado um agravo de instrumento para suspensão da convivência, e por fim levando em consideração o consentimento explícito dos pais, a decisão foi mantida nesta fase do procedimento para garantir a convivência com sua filha: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Regulamentação de visitas. Insurgência contra decisão que fixou regime de visitas e indeferiu o pedido de suspensão em virtude dos riscos decorrentes do novo coronavírus. Genitor que concorda com a suspensão das visitas em virtude da Pandemia. Agravante que deve providenciar todos os meios necessários para realização de comunicação entre pai e filha por videoconferência ou similar. Elementos constantes nos autos que não autorizam a reforma da tutela. Visitas paternas que deverão ocorrer em fins de semana alternados. Recurso a que se dá parcial provimento (TJSP - 2053408-71.2020.8.26.0000 – Agravo de Instrumento – Des. José Rubens Queiroz Gomes – Publicação do Acórdão 16/04/2020) 

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     No Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, houve uma decisão liminar do desembargador da 8ª. Turma Cível, na qual determinou a suspensão temporária do regime de convivência de um genitor com a filha adolescente, durante o período de isolamento social, a pedido do mesmo, sob o argumento de que vive com seus pais idosos, sendo eles, do grupo de risco. O genitor temia que os deslocamentos para pegar a criança e deixá-la na casa dos avós pudesse ensejar na contaminação com o vírus do COVID-19, sendo uma exposição aparente a sua vida e de seus familiares idosos. Neste caso, houve o curioso fato de que em sede de primeira instância, a genitora da criança havia concordado com a alteração temporária da convivência, mas posteriormente pediu reconsideração da decisão, não sendo atendida.  

       É notório nas maiorias dos casos a, apontam uma decisão fundamentada para alteração momentânea do direito de convivência dos genitores com os filhos, não sendo a pandemia seu único motivo, mas a questão dos riscos que venham a causar, por fatores específicos como a profissão do genitor ou a comorbidade de alguém.  

      Em outro caso que virou notícia, a mãe entrou com pedido de autorização para viajar a Londres, formulando um pedido a corte de Balneário Piçarras, no litoral norte do estado de Santa Catarina. A requerente argumentava que o objetivo desta viagem é fazer com que a criança conheça seu pai. Já o tribunal rejeitou o pedido: "A meu sentir, no momento pelo qual atravessa a humanidade, frente à pandemia do novo corona vírus (a maior desde a ocorrida em 1918, com a chamada Gripe Espanhola), uma viagem internacional ao continente europeu, quando a OMS recomenda 'ficar em casa', definitivamente não atende ao melhor interesse e proteção da criança em questão".  

          Diante das medidas mais restritivas, quando os menores moram com apenas um dos genitores (geralmente a mãe), a mãe carrega um fardo considerável. Em vista disso, especialmente para evitar prejudicar o direito da criança de viver com outro pai, a solução geral para suspender a convivência não significa que você seja o mais benéfico. Os números de pedidos de suspensão de visitas vêm crescendo de forma considerável no judiciário, muitos são favoráveis à suspensão, visando o princípio do melhor interesse da criança pelo risco de contágio que essa transferência de uma residência para a outra pode causar.  

         Em geral, além das mudanças específicas nos casos acima, os acordos judiciais ou anteriores sobre o direito à guarda e convivência devem permanecer inalterados. Havendo motivos legítimos para a mudança, devido aos riscos associados à pandemia, é possível fazer alguns ajustes sem perder a referência ao melhor interesse da criança, conforme já mencionado neste campo. 1.586 de CC. 

          Nos casos em que os pais vivem em cidades diferentes, é um caso a se analisar, diferente dos casos em que os pais moram no mesmo condomínio e exerçam a guarda, seria irracional suspender a convivência para evitar risco de deslocamento, não podendo trazer risco para criança, ou seja, o deslocamento podendo ser feito da casa de um genitor para outro por meio de carro particular, por exemplo. Se for necessário a alteração dos termos de convivência, pode ser aplicado o regime usado durante as férias ao período de suspensão das atividades escolares, podendo se utilizar a divisão dos dias do mês, como uma opção viável.  

      Em caso excepcionais, em que se deve determinar a suspensão temporária da convivência presencial, deve ser garantida por meio virtuais. Esta solução somente se justifica através de risco concreto à criança ou algum terceiro. Esse convívio virtual, através das vídeo-chamadas por meio de telefone por meio das plataformas como Skype, WhatsApp, Hangouts, Zoom, dando preferência às ligações que facilitem o contato visual e são mais fáceis de manusear.  Sobre as audiências, impossibilitaram as audiências presenciais, havendo a possibilidade de realizar audiências virtuais de conciliação através do Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), autorizado pelo Conselho Nacional de Justiça para os juizados especiais, nos termos da Lei no. 13.994/2020, a fim de impulsionar o uso de meios eletrônicos para resolução de conflitos.  

Sobre o autor
Paulo Domingos dos Santos Filho

Jovem advogado, militante na área de Direito das Família e Sucessões.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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A problemática e conflito entre pais separados, sobretudo os que dividem o cuidado com os filhos, tem sido frequentes no judiciário

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