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UM VETO ÀS GRAVAÇÕES AMBIENTAIS

Agenda 18/03/2021 às 22:40

O ARTIGO DISCUTE ESSA QUESTÃO PROBATÓRIA À LUZ DO QUE JÁ FOI RECONHECIDO POR TRIBUNAIS SUPERIORES DIANTE DE RECENTE DECISÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS.

UM VETO ÀS GRAVAÇÕES AMBIENTAIS

Rogério Tadeu Romano

Chama-se gravação ambiental aquela realizada no meio ambiente, podendo ser clandestina, quando desconhecida por um ou por todos os interlocutores, ou autorizada, quando com a ciência ou concordância destes ou quando decorrente de ordem judicial.

Dir-se-á que as gravações clandestinas, em princípio, são ilegais, na medida e quando violarem o direito à privacidade e ou a intimidade dos interlocutores, razão pela qual, como regra, configuram provas ilicitamente, pelo que serão inadmissíveis no processo.

Como disse Eugênio Pacelli(Curso de processo penal, 16ª edição, pág. 337) em relação às gravações de conversas feitas por meio de gravadores, de câmaras de vídeo, ou por qualquer outro meio, sem a ciência de algum dos interlocutores, já que, ao menos relação a ele, haverá clandestinidade na captação da comunicação e, assim, violação ao direito.

Quando um dos interlocutores promove a gravação da conversa sem o conhecimento do outro, a ilicitude não ocorrerá, efetivamente, do fato da gravação.

Para que seja válida a revelação da gravação feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, é mister que esteja presente situação de relevância jurídica que chama-se de justa causa, a teor do artigo 153 do Código Penal, que estabelece ser crime a a divulgação do conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor sem justa causa.

A justa causa diz respeito a uma motivação que possa validamente ser reconhecida pelo Direito, como é o caso do estado de necessidade, causa de justificação de conduta tipificada penalmente. Justa causa poderá ocorrer, como ainda ensinou Eugênio Pacelli(obra citada, pág. 339, quando a revelação do conteúdo se destinar a provar o fato cuja existência seja relevante para a defesa do direito daquele que promoveu a gravação.

Sobre isso já se debruçou o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 402.717-8/PA, Relator ministro Cézar Peluso, julgado em 2 de dezembro de 2008, quando disse:

“... é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou”.

Ainda o Supremo Tribunal Federal discutiu no RE nº 583.937/RJ, no regime de repercussão geral a matéria, afirmando a validade da gravação clandestina nas hipóteses em que o interlocutor esteja a defender interesse juridicamente relevante e legítimo, bem como em casos em que não haja reserva de sigilo de comunicação.

A Segunda Turma indeferiu pedido de Habeas Corpus (HC 84203) em que um capitão do Exército contesta decisão do Superior Tribunal Militar (STM). Com essa decisão, foi mantido o entendimento do Tribunal Militar que considerou lícita prova de filmagem de vídeo em que o capitão foi surpreendido praticando o crime de dano material a outro oficial do Exército, um tenente-coronel.

Segundo a denúncia, o capitão, inconformado com a proibição de estacionar o seu veículo na garagem do edifício residencial onde morava, danificou o veículo do tenente-coronel, também morador do mesmo prédio, em Porto Alegre.

O caso não era de ilicitude na produção da prova durante o flagrante delito. Mas pode-se também justificar a licitude da gravação com base na proteção de direito próprio.

Portanto no acórdão exarado na QO-RG RE 583.937/RJ tem-se que desde que não haja causa legal de sigilo, “é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro” (Tema 237).

Na oportunidade, o Colegiado concluiu que a disponibilização de conteúdo de conversa por partícipe, emissor ou receptor, significaria apenas dispor daquilo que também é seu, sem que se possa falar em interceptação, sigilo de comunicação ou de intromissão furtiva em situação comunicativa. Não se delimitou que a gravação de conversa por um dos participantes do diálogo seria lícita somente se utilizada em defesa própria, nunca como meio de prova da acusação.

Pacificou-se nos Tribunais Superiores o entendimento de que a gravação ambiental feita por um dos interlocutores é valida como prova no processo penal, independentemente de prévia autorização judicial. Precedentes do STJ e do STF.

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Assim se tem:

 

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO PENAL. LICITUDE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA EM REPERCUSSÃO GERAL. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO ART. 5º, INCS. LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

(ARE 933530 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 01/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-048 DIVULG 14-03-2016 PUBLIC 15-03-2016)

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL. CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA DE TESTEMUNHA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO NO RE 583.937-QO-RG. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. FLAGRANTE PREPARADO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279/STF. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. 1. O flagrante preparado, quando afastada sua caracterização pelas instâncias ordinárias, encerra a análise do conjunto fático-probatório constante dos autos. Precedente: AI 856.626-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma. 2. É lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, podendo ela ser utilizada como prova em processo judicial, conforme reafirmação da jurisprudência desta Corte feita pelo Plenário nos autos do RE nº 583.937-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 18/12/2009. 3. O prequestionamento da questão constitucional é requisito indispensável à admissão do recurso extraordinário. 4. As Súmulas 282 e 356 do STF dispõem, respectivamente, verbis: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada” e “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não podem ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. 5. In casu, o acórdão recorrido assentou: “PENAL E PROCESSO PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA DE TESTEMUNHA. ARTIGO 343 DO CP. FLAGRANTE ESPERADO. GRAVAÇÃO DE CONVERSA POR PARTE DE UM DOS INTERLOCUTORES. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. ARTIGO 344 DO ESTATUTO REPRESSIVO. AUSÊNCIA DE PROVAS. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. DOSIMETRIA DAS PENAS. CULPABILIDADE. PERSONALIDADE. AGRAVANTE. ARTIGO 61, II, ‘B’, DO CÓDIGO PENAL. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. PERDA DO CARGO.” 6. Agravo regimental DESPROVIDO. (ARE 742192 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 15/10/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-214 DIVULG 28-10-2013 PUBLIC 29-10-2013)

  1. Pacificou-se nos Tribunais Superiores o entendimento de que a gravação ambiental feita por um dos interlocutores é valida como prova no processo penal, independentemente de prévia autorização judicial. Precedentes do STJ e do STF((HC 387.047/ES, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 06/04/2017, DJe 17/04/2017J).

É pacífico, neste Superior Tribunal e no Pretório Excelso, que a gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores, com o objetivo de preservar-se diante de atuação desvirtuada da legalidade, prescinde de autorização judicial (RHC 31.356/PI, Rel.Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 11/3/2014, DJe 24/3/2014).

É mister ressaltar, ainda, que a Lei n. 9.296, de 24/7/1996, mesmo com as inovações trazidas pela Lei n. 13.964/2019, não dispôs sobre a necessidade de autorização judicial para a gravação de diálogo por um dos seus comunicadores.

Temos então três conceitos:

-) Interceptação Ambiental: técnica de investigação criminal em que terceira pessoa (policial) se vale de equipamentos adequados para captar, de maneira sub-reptícia e em tempo real, conversa entre dois ou mais interlocutores que se realiza em local específico, público ou privado;

b-) Escuta Ambiental: técnica investigativa em que terceira pessoa (policial) se vale de equipamentos adequados para captar, em tempo real, conversa de dois ou mais interlocutores que se realiza em local específico, público ou privado, sendo que neste procedimento um dos interlocutores tem ciência dessa intervenção de terceiro;

c-) Gravação Ambiental: ocorre quando um dos interlocutores, de maneira clandestina, vale dizer, sem o conhecimento dos demais, se vale de equipamento adequado para captar comunicação que se realiza entre presentes em local específico. Percebe-se que neste caso, diferentemente das outras hipóteses, o registro na comunicação é feito diretamente por um dos interlocutores, independentemente da intervenção de terceiros.

Quanto a gravação ambiental dir-se-á que   (art.10-A, §1º, da Lei 9.296/96) não precisa observar os requisitos do artigo 8º-A, da Lei 9.296/96. Em tais casos, a validade da prova deverá ser analisada pelo juiz à luz do caso concreto.

No entanto, por 313 votos favoráveis, 99 contrários e uma abstenção, a Câmara dos Deputados decidiu derrubar um veto do presidente Jair Bolsonaro referente a um item da Lei de Pacote Anticrime que versa sobre a gravação ambiental para formulação de denúncias. Com a decisão da Câmara, ficam proibidas gravações ambientais para gerar acusações; permitindo-se apenas gravações para formulação de defesa. Esse veto ainda será apreciado pelo Senado.

O dispositivo restaurado garante a validez, para a defesa, de gravação ou escuta feita por um dos interlocutores sem prévio conhecimento da polícia ou do Ministério Público.

Assim foi rejeitado item como o que considera válida legalmente, em matéria de defesa, a gravação ou escuta realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público.

Espera-se um outro posicionamento do Senado Federal.

e os senadores forem contrários à derrubada, o veto fica mantido, e a gravação ambiental poderá ser utilizada pela defesa e pela acusação.

O posicionamento da Câmara dos Deputados vai na contramão de uma linha de entendimentos como o acima traçado e é um retrocesso no que se fez no combate à corrupção.

Atualmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) permite o uso desse tipo de gravação como prova em processo e não distingue se para defesa ou acusação.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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