Futura Nova Lei de Licitações: a inexigibilidade de licitação para a contratação de profissionais ou empresas de notória especialização e o fim da singularidade do serviço técnico
Quando da contratação direta de profissionais ou empresas de notória especialização para a execução de serviços técnicos, a Lei nº 8.666/1993 colocava expressamente como um dos requisitos caracterizadores da inviabilidade de competição a necessidade de que tais serviços fossem singulares. Eis a transcrição do dispositivo:
“Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;”
Já o projeto de lei que estabelece o novo regime de licitações e contratações públicas (que após a aprovação da sua redação final foi enviado para a sanção ou veto pelo Presidente da República) não fez, conforme se pode ver na transcrição abaixo, referência a necessidade de que os serviços técnicos prestados por profissionais ou empresas de notória especialização sejam caracterizados como singulares:
“Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
(...)
III – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:
a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos;
b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;
h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem no disposto neste inciso;”
Perceba-se que a futura Nova Lei de Licitações adotou um racional idêntico ao do Estatuto das Empresas Estatais (Lei nº 13.303/2016):
“Art. 30. A contratação direta será feita quando houver inviabilidade de competição, em especial na hipótese de:
(...)
II - contratação dos seguintes serviços técnicos especializados, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:”
Destarte, para entender os reflexos da não exigência da singularidade do serviço técnico para permitir a contratação de profissionais ou empresas de notória especialização, verifiquemos como a jurisprudência e o TCU se debruçaram sobre o art. 30, II da Lei nº 13.303/2016.
Pois bem, começando pela doutrina podemos dizer que ouve uma divisão em duas correntes.
Dentre os autores que defendem que no caso das estatais a inexigibilidade prevista no inciso II do art. 30 da Lei nº 13.303/2016 se desenha apenas com a mera contratação de serviço técnico especializado por meio de profissionais ou empresas de notória especialização sem que o serviço precise ser qualificado como singular, destacam-se as lições abaixo transcritas:
“Uma importantíssima novidade desta L. 13.303/16 nesta questão é a de que a lei não mais se refere à natureza singular do objeto como requisito para a contratação direta. Eliminou-se um pesadelo da legislação, nunca compreendido nem por iminentes juristas, juízes e estudiosos, nem por quem quer que seja (...) Ao não prestigiar essa praga asquerosa que a lei de licitações denomina natureza singular do objeto e que ninguém jamais soube o que significa nem com mínima nitidez – porque é um conceito abstrato, indeterminado, necessariamente impreciso e inteiramente subjetivo (...) – exalçou-se o legislador, nesse passo, a uma grandeza inesperada. (...) na lei das estatais não existe a figura da natureza singular do serviço, como requisito à sua contratação direta. Assim, por exemplo, qualquer treinamento e aperfeiçoamento de pessoal pode ser contratado diretamente, desde apenas que o contratado seja notoriamente especializado nesse assunto” (Rigolin, Ivan Barbosa, As licitações nas empresas estatais pela Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2.016, Rigolin Advocacia, Disponível em: https://rigolinadvocacia.com.br/artigos/detalhes/14. 30 abr. 2018 Apud Niebuhr, Joel de Menezes e Niebuhr, Pedro de Menezes, Licitações e Contratos das Estatais, Belo Horizonte: Fórum, 2018, págs. 63/64)
“Na inexigibilidade, destaca-se a supressão da singularidade como condição para contratação do notório especialista. Na Lei nº 8.666/1993, para a contratação do especialista, exigia-se tanto a notoriedade desde quanto a singularidade do objeto. Para as estatais, a partir de agora, basta que o serviço se enquadre entre algum daqueles trazidos no inciso II do art. 30.” (Fernandes, Murilo Queiroz Melo Jacoby, Lei nº 13.303/2016: novas regras de licitações e contratos para as Estatais, Revista IOB de Direito Administrativo, São Paulo, v. 12, nº 134, págs. 9/15, fev. 2017 Apud Niebuhr, Joel de Menezes e Niebuhr, Pedro de Menezes, Licitações e Contratos das Estatais, Belo Horizonte: Fórum, 2018, pág. 64)
"O art. 25, inc. II da Lei n.º 8.666/93 dispõe que é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação. O conceito de singularidade é, sem dúvida, um dos mais abstratos dentro do conteúdo de licitações, motivo pelo qual, muitas vezes, seu conceito é dado a partir do que não é considerando singular. (...) A Lei das Estatais não trouxe a ‘singularidade’ como requisito nas hipóteses de contratação direta sem licitação, espécie inexigibilidade. Seja por esquecimento ou por conveniência legislativa, não convivemos mais, no regime jurídico das empresas estatais, com essa abstração, devendo cada estatal atentar para essa sutileza, sob pena de replicar o conceito de singularidade sem previsão legal, trazendo mais um requisito desnecessário para a instrução de um procedimento de inexigibilidade de licitação, que inclusive, já tem sido proclamado como indiferente na redação da legislação geral." (Bragagnoli, Renila Lacerda, Lei n.º 13.303/2016: reflexões pontuais sobre a lei das estatais [livro eletrônico], Curitiba: Editora JML, 2019, 2,2 Mb, PDF, págs. 153/154)
Apesar de concordar com os autores acima citados, Angélica Petian fez um importante alerta sobre a postura que poderia ou seria adotada pelos órgãos de controle:
"Vale destacar aqui que, se cotejado com o dispositivo da Lei 8.666/1993 (art. 25, II) houve supressão da exigência sobre a singularidade dos serviços, isto é, sobre a característica que os torna específicos, subtraindo os que sejam corriqueiros, rotineiros. É difícil vaticinar como os órgãos de controle interpretarão esse dispositivo, que tornou mais fácil a contratação por inexigibilidade de licitação, sendo certo que serão refratários a qualquer hipótese de afastamento da licitação. Se com a exigência da singularidade como exclusividade, resta verificar como interpretarão a autorização para não licitar mesmo quando o objeto seja rotineiro, mas o serviço seja técnico e o prestador notoriamente especializado.” (Petian, Angélica, “Dispensa e inexigibilidade de licitação”, Comentários sobre a lei das estatais, Sérgio Ferraz (coord.), Adilson Abreu Dallari (et al.), São Paulo: Malheiros, 2019, págs. 215/216)
Como dito, por outro lado, há autores que defendem que mesmo diante da falta de previsão expressa, a inexigibilidade prevista no inciso II do art. 30 da Lei nº 13.303/2016 exige tanto que a contratação de serviço técnico especializado se dê por meio de profissionais ou empresas de notória especialização como que o serviço seja qualificado como singular. A seguir, veja-se o que tais doutrinadores lecionam:
“(...) para o regime tradicional de licitações, é possível a identificação de dois elementos: um elemento subjetivo, representado pela exigência de que o contratado tenha notória especialização; e um elemento objetivo, consubstanciado na natureza singular do serviço técnico a ser prestado. A Lei das Estatais, por sua vez, suprimiu a expressão natureza singular do texto de seu art. 30, II. Resta-nos, assim, indagar se a referida hipótese de inexigibilidade prescinde da verificação da presença do elemento objetivo nos serviços desejados. Em outros termos, estaria autorizada a contratação direta, por inexigibilidade, de serviços técnicos não singulares? (...) Por decorrência lógica, ao vincular a ideia de singularidade à impossibilidade de fixação de critérios objetivos de julgamento, é possível concluirmos que a exclusão do rótulo ‘de natureza singular’ em nada muda o cenário e o campo de incidência do permissivo legal. Em outras palavras, a supressão do termo da Lei nº 13.303/2016 não trouxe consigo qualquer nova hipótese apta a ser fundamentada no inciso II de seu art. 30, pois, caso a estatal necessite contratar serviço técnico-profissional especializado outrora classificado como ‘não singular’, a situação não culminaria em inexigibilidade de licitação, tendo em vista que não poderia escapar da verificação acerca da possibilidade de definição de critérios objetivos para a disputa e, notadamente, da comprovação do pressuposto comum a qualquer inexigibilidade: a inviabilidade de competição.” (Barcelos, Dawison e Torres, Ronny Charles Lopes de, Licitações e contratos nas empresas estatais: regime licitatório e contratual da lei 13.303/2016, Salvador: Editora JusPodivm, 2018, págs. 198/199)
“(...) qualquer hipótese de inexigibilidade depende da inviabilidade de competição. O próprio caput do art. 30 da Lei nº 13.303/16 condiciona as hipóteses previstas nos seus incisos à inviabilidade de competição. E o ponto é que não há inviabilidade de competição para a contratação de serviços ordinários e comuns, ainda que eventualmente se pretenda contratar profissional ou empresa de notória especialização. Como sabido, serviços ordinários e comuns, que não são serviços singulares, podem ser prestados por quaisquer profissionais ou empresas e não necessariamente por profissionais ou empresas de notória especialização. Portanto, todos os profissionais ou empresas, qualificados para prestar tais serviços, por força do princípio da isonomia, têm o direito de disputar os respectivos contratos com igualdade, o que depende da licitação pública. Dito de outro modo, se o serviço é ordinário ou comum e quaisquer profissionais ou empresas podem prestá-lo, não se visualiza a inviabilidade de competição, que é a premissa lógica de qualquer hipótese de inexigibilidade de licitação. Dessa forma, ainda que isto não esteja escrito de forma direta, a hipótese de inexigibilidade do inc. II do art. 30 da Lei nº 13.303/16 é sim condicionada e depende de serviços singulares, e não encontra lugar para a contratação de serviços ordinários e comuns.” (Niebuhr, Joel de Menezes e Niebuhr, Pedro de Menezes, Licitações e Contratos das Estatais, Belo Horizonte: Fórum, 2018, pág. 64)
“A redação literal do art. 30, II, da Lei das Estatais deve ser interpretada com cautela. Não é cabível adotar a tese de que a ausência de alusão a objeto singular autorizaria contratação direta em toda e qualquer hipótese de serviço técnico profissional especializado. (...) não se pode admitir que em todo e qualquer caso de serviço técnico profissional especializado existiria inviabilidade de competição. É necessário verificar, no caso concreto, se as circunstâncias acarretam a inviabilidade de competição.” (Justen Filho, Marçal, “A contratação sem licitação nas empresas estatais”, Estatuto jurídico das empresas estatais: Lei 13.303/2016, Marçal Justen Filho (org.), São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 319)
Bernardo Strobel Guimarães, Leonardo Coelho Ribeiro, Carlos Vinícius Alves Ribeiro, Isabella Bittencourt Mäder Gonçalves Giublin e Juliana Bonacorsi de Palma abordam a questão por um outro viés, que é o de associar a notória especialização a atividades que não sejam triviais, mas, na essência, conforme se pode ver a seguir, seguem o mesmo posicionamento de Dawison Barcelos, Ronny Charles Lopes de Torres, Joel de Menezes Niebuhr, Pedro de Menezes Niebuhr e Marçal Justen Filho:
“(...) não basta que se trate de atividade intelectual para que haja contratação direta. A configuração da hipótese não está na atividade em si, mas na particularidade do objeto a ser contratado. É por ser dotado de especificidade relevante que se pode contratar serviço intelectual para que haja a contração direta. A configuração da hipótese não está na atividade em si, mas na particularidade do objeto a ser contratado. É por ser dotado de especificidade relevante que se pode contratar serviço intelectual de maneira direta. Assim, uma mesma atividade (de avaliação, por exemplo) pode ser licitada se for ordinária, e ser contratada nos termos do art. 30, caso o objeto a ser avaliado se revista de especificidade. Ou seja, não é a atividade, mas o objeto que define a possibilidade de contratação direta. Logo, não basta que uma determinada atividade seja prevista no rol do inc. II para ser inexigível. A percepção exposta fica clara quando se tem em mira a questão da notória especialização. É que este atributo se conecta, precisamente, à particularidade da intervenção requerida. Exige-se alguém dotado de renome como meio de satisfazer uma necessidade de contratação que não é trivial. É neste prisma que se compreende que o elemento subjetivo é considerado relevante para bem atender à Administração. Nesse sentido, são eloquentes as determinações da lei ao indicar que ‘o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato’. Dito isto, apenas cumpre observar que a notória especialização implica a demonstração de que o contratado, pelas condições subjetivas que detém, possui condições especiais vocacionadas a atender à demanda particularizada da Administração.” (Guimarães, Bernardo Strobel (et al.), Comentários à lei das estatais (lei nº 13.303/2016), Belo Horizonte: Forum, 2019, págs. 201/202)
Bom, mas e o TCU?
Em sessão ocorrida em 09/10/2019, o plenário do TCU decidiu acolher a tese defendida por Dawison Barcelos, Ronny Charles Lopes de Torres, Joel de Menezes Niebuhr, Pedro de Menezes Niebuhr, Marçal Justen Filho, dentre outros, vez que para o TCU, a inexigibilidade prevista no inciso II do art. 30 da Lei nº 13.303/2016 deve ser interpretada em conformidade com a Súmula 252 daquela Corte de Contas, em que pese o aludido enunciado fazer referência expressa à Lei nº 8.666/93 (que é inaplicável às estatais):
“Relativamente à legalidade da contratação direta por inexigibilidade de licitação (alínea ‘a’), o tema, conforme destacou o ministro Bruno Dantas no voto condutor do Acórdão 2.993/2018 - Plenário (TC 031.814/2016-6, a respeito de denúncias sobre possíveis irregularidades em contratações diretas de consultorias técnicas especializadas na ECT) , continua a ser objeto de “contundentes debates doutrinários e jurisprudenciais”, ainda que já tenha sido objeto da edição das Súmulas 39 e 252 deste Tribunal. O enunciado da última súmula apregoa que ‘a inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado’. O confronto das disposições da Lei 8.666/1993 com as seguintes da Lei 13.303/2016 indica que a interpretação constante da referida súmula também é aplicável neste caso.” (TCU, Acórdão 2436/2019 – Plenário, Relatora Ana Arraes, Processo 000.536/2018-0)
Em 14/10/2020, o TCU mais uma vez se debruçou sobre a questão para consolidar o entendimento constante do Acórdão 2436/2019:
“A contratação direta de escritório de advocacia por empresa estatal encontra amparo no art. 30, inciso II, alínea ‘e’, da Lei 13.303/2016, desde que presentes os requisitos concernentes à especialidade e à singularidade do serviço, aliados à notória especialização do contratado” (TCU, Acórdão 2761/2020 - Plenário, Relator Raimundo Carreiro, Processo 026.915/2020-0)
Certo, mas e quanto ao art. 74, III do Futuro Novo Código Brasileiro de Licitações e Contratações Públicas? Deverá ele ser interpretado da mesma forma que parte da doutrina e o TCU interpretaram o art. 30, II da Lei nº 13.303/2016?
Com a devida vênia entendemos que não.
Seguir exigindo que o serviço técnico seja singular para promover a contratação direta por inexigibilidade de licitação de profissionais ou empresas de notória especialização é dar azo a uma interpretação retrospectiva[i] que, por medo de ruptura, finda por impedir inovações e deixe, de forma equivocada[ii], o texto novo tão parecido quanto possível com o antigo numa espécie de tentativa de preservação do status quo ante.
Se a futura nova Lei Geral de Contratações Públicas seguiu o exemplo do Estatuto das Estatais para retirar a singularidade do serviço técnico a ser prestado por profissionais ou empresas de notória especialização, a supressão de tal requisito não pode ser entendida como um mero lapso do legislador, restando muito óbvio que se tratou, na verdade, de um silêncio eloquente.
Seguir inserindo restrições à contratação direta onde o expressamente a lei não as prescreveu só servirá para trazer inconsistências ao sistema, vez que, por exemplo, a Lei 14.039/2020 alterou a Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB) para incluir o seguinte dispositivo:
“Art. 3º-A. Os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.
Parágrafo único. Considera-se notória especialização o profissional ou a sociedade de advogados cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.”
Comentando tal norma, Gustavo Justino de Oliveira e Pedro da Cunha Ferraz lecionam o seguinte:
“(...) a novidade normativa encontra-se na previsão de uma presunção legal, segundo a qual são de natureza singular os serviços advocatícios e de contabilidade que demandem a contratação de profissionais com notória especialização. A notória especialização pode ser aferida por diversos elementos que demonstrem a singularidade do prestador de serviço, permitindo visualizar o caráter incomum e diferenciado do sujeito contratado. (...) Assim, mantida essa diretriz normativa e hermenêutica como necessária para a contratação por inexigibilidade, inegável que o diferencial da nova lei é introduzir no ordenamento jurídico brasileiro, explícita e acertadamente, a seguinte presunção legal: o serviço jurídico é dotado de singularidade relevante quando se mostrar adequada a contratação de advogado ou de escritório de advocacia com notória especialização.” (Oliveira, Gustavo Justino de e Ferraz, Pedro da Cunha. Nova presunção legal referente aos serviços de advocacia na Lei 14.039/20, JOTA, 03.09.2020. Disponível na internet: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/nova-presuncao-legal-referente-aos-servicos-de-advocacia-na-lei-14-039-20-03092020. Acesso em 23.09.2020)
A presunção trazida pela Lei 14.039/2020 apenas retratou uma constatação deveras conhecida, a de que os serviços advocatícios se tratam de serviços técnicos especializados e intelectuais, e que isso dificulta, sobremaneira, a promoção da competição ensejadora de licitação.
Posto isso, enxergar o art. 74, III da futura Nova Lei de Licitações Públicas como se ele tivesse a mesma redação do art. 25, II da Lei nº 8.666/1993 significa fazer persistir um problema do passado - qual seja, o de definir se um serviço técnico é singular ou não para fins de contratação direta - que deveria ter sido extirpado pela nova norma.
[i] Barroso, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, São Paulo: Saraiva, 1996, pág. 67.
[ii] “Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se um véu sobre as diferenças e conclui-se que, à luz daquelas, e a despeito destas, a disciplina da matéria, afinal de contas, mudou pouco, se é que na verdade mudou. É um tipo de interpretação em que o olhar do intérprete dirige-se antes ao passado que ao presente, e a imagem que ele capta é menos a representação da realidade que uma sombra fantasmagórica.” (Moreira, José Carlos Barbosa. O Poder Judiciário e a efetividade da nova Constituição, RF 304/151, 152).