A Associação Brasileira de Empresas de Exploração e Produção de Petróleo e Gás (Abep) questionou, no Supremo Tribunal Federal, mudanças no sistema de cobrança de impostos e taxas na extração de petróleo e gás e sobre pesquisas de lavra e fiscalização ambiental em plataformas realizadas no Estado do Rio de Janeiro.
A Abep ajuizou duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 5480 e 5481) sobre o tema, pedindo ao STF a concessão de medida cautelar para suspender os efeitos das Leis 7.182/2015 e 7.183/2015. As normas tratam, respectivamente, da criação da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização Ambiental das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Produção de Petróleo e Gás (TFPG) e da instituição da cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre a extração de petróleo e gás.
Já na ADI 5481, a associação argumenta que a Lei 7.183/2015, também conhecida como nova Lei Noel, prevê uma incompatibilidade entre a base de cálculo e o fato gerador do imposto. Afirma que o fato gerador para a cobrança do ICMS “é a operação de circulação do óleo após a extração e não a extração propriamente dita” e isso, segundo a Abep, viola a Constituição Federal. Para a associação, a lei, na prática, pretende instituir ilegalmente a cobrança de ICMS sobre “pretensas operações de circulação de petróleo desde os poços de sua extração para a empresa concessionária”.
Dentre os dispositivos constitucionais afrontados pela legislação, a ação destaca o artigo 150, inciso IV, alínea “a”, que impede a União, Estados, Distrito Federal e Municípios a instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros. Além disso, a associação afirma que a Constituição veda aos estados estabelecer diferença tributária entre bens e serviços em razão da sua procedência, e também afirma que o estado não tem competência para instituir e cobrar ICMS sobre atividades em alto-mar, por se tratar de bens da União. Assim, a associação pede a concessão de liminar para suspender integralmente a eficácia da Lei 7.183/2015 e, no mérito, que seja declarada inconstitucional com efeito retroativo. A ação foi distribuída ao ministro Dias Toffoli.
Ao citar dados da Agência Nacional do Petróleo (ANS), a associação informa na ADI que o Rio de Janeiro concentra 80% das reservas de petróleo no Brasil, sendo responsável por 74% da produção no mar e 88,4% da produção total de petróleo em 2014. Informa ainda que 90% da produção de petróleo do país estão nas mãos de quatro grandes empresas, e que estas e outras 22 são representadas pela Abep na ação.
O Supremo Tribunal Federal decidiu, no dia 26 de março do corrente ano, que é inconstitucional a lei que estabelece a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre a extração de petróleo no estado.
No passado, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 3019 -1 pôs em discussão a constitucionalidade da Lei 4.117, de 27/06/03, determinando a incidência do ICMS sobre a extração de petróleo no estado do Rio de Janeiro.
Ora, o art. 146, III , alínea a da Constituição Federal, determina que cabe a lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, em especial sobre fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos discriminados na Constituição .
Tem-se que o art. 155 , XII , da Carta da Republica reforça a necessidade de Lei Complementar, dentre outros aspectos, para definir seus contribuintes e fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços.
O ICMS incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias (art. 155 , II , b da CF-88), envolvendo negócio jurídico mercantil, e não sobre simples mercadorias ou quaisquer espécies de circulação.
Assim o ICMS incide sobre a circulação de mercadorias e não sobre a extração.
É preciso atentar que não é qualquer bem ou coisa que pode ser juridicamente qualificado de mercadoria. Há de se distingui-la do produto, com ensina Carvalho de Mendonça:
“As coisas quando objeto de atividade mercantil, por outra quando objeto de troca de circulação econômica, tomam o nome de mercadorias. Comercium quase commutatio mercium. A coisa, enquanto se acha na disponibilidade do industrial, que a produz, chama-se produto, manufato ou artefato; passa a ser mercadoria logo que é objeto de comércio do produtor ou do comerciante por grosso ou retalho, que a adquire para revender a outro comerciante ou consumidor; deixa de ser mercadoria logo que sai da circulação comercial e se acha no poder ou propriedade do consumidor (Tratado de Direito Comercial Brasileiro, 3ª ed., vol. V, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, p. 18).
Sobre o conceito de mercadoria o STF já disse:
Recurso Extraordinário : prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356). A teor da Súmula 356 , o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual "não foram opostos embargos declaratórios". Mas se, opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638 , Pertence, DJ 19.6.98). II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição : ICMS e mercadoria. Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador ("software"): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de "licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador" "matéria exclusiva da lide", efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo - como a do chamado "software de prateleira" (off the shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio. Original sem grifo. (RE nº 176.626 / SP , 2ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 11 de dezembro de 1998).
A Lei estadual focada afronta a Constituição, pois o ICMS incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias (art. 155 , II , b da CF-88), envolvendo negócio jurídico mercantil, e não sobre simples mercadorias ou quaisquer espécies de circulação.
Por certo, e por óbvio, a citada lei ocasiona impacto em importante setor da economia brasileira onerando os custos da extração de petróleo.
O ICMS aplica-se sobre a circulação de mercadorias, e não propriamente de bens.
A jazida de petróleo é um bem e sobre ela não pode ser aplicado o ICMS.
O bem público (jazida) não é alienado ao particular, mas apenas objeto de um direito de exploração que implica na outorga de um uso privativo”, o que “não afeta a propriedade da União sobre os bens imóveis não extraídos.
A Lei nº 9.478 , 06 de agosto de 1997, define o petróleo como todo e qualquer hidrocarboneto líquido em seu estado natural, a exemplo do óleo cru e condensado (art. 6º, I).
A definição legal acima citada permite inferir que o petróleo é, em verdade, um produto em estado natural, um recurso da natureza. Dado este que não possibilita concluir que a extração de petróleo caracteriza operação relativa à circulação de mercadoria, requisito este que torna ilegítima a cobrança do ICMS em tal atividade.
A Lei nº 9.478/1997) fala em produção de petróleo (extração de uma jazida), e não em “compra”, “aquisição” ou algo similar.
Não há operação de circulação de mercadoria porque não há operação, não há circulação e não há mercadoria. Não pode haver incidência do ICMS. Ademais, contribuinte, para efeito do ICMS, é quem efetua a venda, e não quem faz a compra.
Disseram bem Donovan Mazza Lessa e Marcos Correia Piqueira Maia, em 19 de março do corrente ano, quando analisaram o julgamento da ADI nº 5.481, “que a simples extração de petróleo pela operadora não representa uma típica operação de compra e venda para fins de incidência do ICMS – que é a hipótese de incidência do imposto definida pela Constituição Federal. Afinal, o contrato firmado entre a União e o concessionário não é de venda de óleo e gás, mas de exploração e produção dos referidos hidrocarbonetos em determinada área, nos termos da Lei nº 9.478/97 (Lei do Petróleo).”
A União não vende o que é seu, a jazida. Permite, por concessão, a sua utilização. Onde está o negócio jurídico de venda, permitindo a incidência do ICMS?
Que dizer sobre uma exação do ICMS em áreas de alto-mar?
Alto mar, por óbvio, não é território do Estado-membro.
A antiga Convenção sobre Alto Mar de Genebra, de 1958, definia, em seu artigo 1º, Alto Mar como o vasto espaço marítimo situado além do mar territorial, não pertencendo nem a este, nem às águas interiores do Estado costeiro e, por este motivo, “compreende as zonas contiguas e as águas situadas sobre a plataforma continental e fora do limite do mar territorial”.
Por sua vez, a Convenção de Montego Bay, de 1982, em seu artigo 86, definia que o alto mar é entendido como todas as partes marítimas, “não incluídas na zona econômica exclusiva, no mar territorial ou nas águas interiores de um Estado, nem as águas arquipelágicas de um Estado arquipelágico”.
Seria um absurdo uma unidade federativa do Estado brasileiro tributar um fato ocorrido no alto-mar.
A decisão em ADI, dir-se-á, por fim, não em fim constitutivo, mas declaratório. Como tal, deveria ter efeitos ex tunc, e não ex nunc. Mas poderá o STF fazer sobre ela um juízo de modulação.
Foi o que foi feito.
O ministro Toffoli decidiu que a lei é inconstitucional, mas somente a partir da publicação da ata do julgamento. Na prática, porém, todas as empresas que entrarem com ações na Justiça antes disso serão englobadas pela decisão e terão direito, portanto, a não recolher o imposto.
Os ministros Luiz Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e Luiz Fux acompanharam Toffoli. Marco Aurélio Mello e Edson Fachin divergiram parcialmente, por defenderem que a decisão seja válida de forma retroativa, não somente após o julgamento.