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MEDIDA PROVISÓRIA NÃO PODE DISPOR SOBRE MATÉRIA PROCESSUAL

Agenda 02/04/2021 às 09:18

O ARTIGO DISCUTE SOBRE RECENTE MP QUE DISPÕE SOBRE O AMBIENTE DE NEGÓCIOS NO BRASIL.

MEDIDA PROVISÓRIA NÃO PODE DISPOR SOBRE MATÉRIA PROCESSUAL

Rogério Tadeu Romano

 

No âmbito do direito constitucional brasileiro, medida provisória (MP) é um ato unipessoal do presidente da República, com força imediata de lei, sem a participação do Poder Legislativo, que somente será chamado a discuti-la e aprová-la em momento posterior. O pressuposto da MP, de acordo com o artigo 62 da Constituição Federal é urgência e relevância, cumulativamente.

Sendo assim somente em casos de relevância e urgência é dado ao Presidente da República editar medidas provisórias, devendo submetê-las, obrigatoriamente, ao Congresso Nacional. Caso a medida provisória não seja apreciada em até 45 dias após a sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ou seja, passará a trancar a pauta nas duas Casas. As medidas provisórias vigorarão por 60 dias, prorrogáveis por mais 60. As medidas provisórias que não forem convertidas em lei neste prazo perderão sua eficácia, porém serão conservadas as relações jurídicas constituídas e decorrentes dos atos praticados durante a sua vigência. Há ainda a possibilidade de os congressistas apresentarem no prazo regimental de seis dias emendas à medida provisória editada. Nesse caso a MP passa a tramitar como Projeto de Lei de Conversão (PLV), caso o Congresso não aprove a emenda a medida provisória é votada como originalmente editada pelo Executivo. 

Para  Bandeira de Mello(Curso de Direito Administrativo), de acordo com a nova redação do artigo 62 dada pela Emenda Constitucional 32/2001, medidas provisórias são "providências (como o próprio nome diz, provisórias) que o Presidente da República poderá expedir, com ressalva de certas matérias nas quais não são admitidas, em caso de relevância e urgência, e que terão força de lei, cuja eficácia, entretanto, será eliminada desde o início se o Congresso Nacional, a quem serão imediatamente submetidas, não as converter em lei dentro do prazo - que não correrá durante o recesso parlamentar - de 60 dias contados a partir de sua publicação prorrogável por igual período nos termos do Art.62 §7º CRFB".
é vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I- relativa:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares ressalvado o previsto no art. 167 parágrafo 3º.
II- que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;
III- reservada a lei complementar
IV- já disciplinada em projeto de lei aprovada pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

Portanto é proibitivo a edição de medida provisória sobre tema processual.

Pois bem.

No último dia 29 de março de 2021, o Presidente da República assinou uma Medida Provisória que tem por objetivo facilitar o ambiente de negócios no Brasil permitindo que o país melhore sua posição no ranking Doing Business que avalia a facilidade de se fazer negócios no país. Vale lembrar que o Doing Business é um projeto do Banco Mundial que tem por escopo analisar e comparar o impacto das regulamentações sobre as atividades empresariais ao redor do mundo.

A Medida Provisória nº 1.040, de 29 de março de 2021  dispõe sobre a facilitação para abertura de empresas, a proteção de acionistas minoritários, a facilitação do comércio exterior, o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos, as cobranças realizadas pelos conselhos profissionais, a profissão de tradutor e intérprete público, a obtenção de eletricidade e a prescrição intercorrente na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil”.

Dentre essas inovações, o governo determina que haja a criação do Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (SIRA) que tem por objetivo agilizar a cobrança e recuperação do crédito devido no âmbito das relações contratuais. A ideia é facilitar a localização de bens de devedores, de forma estruturada e organizada, além do bloqueio e alienação de ativos, dando maior efetividade ao processo judicial.  

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Fala-se naquela norma de inclusão no Código Civil da jurisprudência do STF sobre prescrição intercorrente. Pelo texto, o prazo do credor para cobrar dívida na fase de execução é o mesmo da prescrição da ação.

Bloqueio de bens e alienação de ativo de devedor é material processo que se insere na execução civil.

É bem verdade, que o Supremo Tribunal Federal havia decidido sobre a imprestabilidade de medida provisória , como veículo normativo excepcional para tratar de matéria processual (ex vi ADINMC 1.753/DF – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – in DJU de 12/6/98 ).

Conforme explicitado pelo ministro Sepúlveda Pertence a Suprema Corte, desde antes da alteração implementada pela Emenda Constitucional nº 32/2001, entende inconstitucional a “utilização de medidas provisórias para alterar a disciplina legal do processo, à vista da definitividade dos atos nele praticados” (ADI nº 1.910/DF-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 27/2/2004).

Disse naquela ocasião o ministro Pertence:

“O caso mostra ademais a extrema dificuldade, em geral, da admissão da medida provisória para alterar a disciplina legal do processo. Impressiona-me a agudeza das observações a respeito do Prof. Marcos Bernardes de Mello, da Universidade Federal de Alagoas, evocadas na inicial: ‘Como é indiscutível, não há atos processuais provisórios ou condicionados. A característica própria dos atos processuais é a sua definitividade. Por isso, as leis processuais têm vigência imediata, mas sempre ad futurum, jamais retroagindo para modificar atos processuais já praticados validamente.

Ora, em relação às medidas provisórias, a sua aprovação pelo Congresso Nacional dentro do trintídio constitucional opera uma condição resolutiva expressa quanto aos seus efeitos, pois, como já vimos, estes se resolvem ex tunc se não sobrevier a sua conversão em lei. Por isso, seus efeitos são sempre condicionados. Como decorrência dessa condicionalidade e consequente provisoriedade dos seus efeitos, medida provisória não pode, logicamente, regular matéria processual em face de sua definitividade.’”

Observo, outrossim, trecho de voto proferido pelo Ministro Cezar Peluso, na ADI nº 2.736/DF: “Daí que, tratando-se de matéria relativa a direito processual estrito, a competência para legislar é privativa da União, enquanto exercida pelo Congresso Nacional, ex vi do art. 22, I, da Constituição da República e, como tal, indelegável ao Senhor Presidente da República, que, ao usurpá-la, comete abuso de poder. Até antes da Emenda Constitucional n° 32, de 11 de setembro de 2001, havia esta Corte estabelecido que não é lícita a “utilização de medidas provisórias para alterar a disciplina legal do processo, à vista da definitividade dos atos nele praticados” (ADI-MC n° 1.910/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 27-02-2004). Esse entendimento acabou positivado por aquela Emenda Constitucional n° 32/01, que, ao alterar a redação do art. 62 da Constituição da República, vedou a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a direito processual civil (§ 1º, inc. I, alínea “b”, do art. 62)” (ADI nº 2.736/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe de 29/3/2011).

Ademais, prescrição intercorrente é tema de direito civil sobre o qual não cabe edição de Medida Provisória sob pena de afronta ao princípio da segurança jurídica, pois é matéria destinada a reserva de Parlamento.

Ora, o Código Civil, em seu arcabouço, por via legislativa própria congressual, não pode ser alterado, de forma perene, por norma tendente a ser transitória. Onde está a urgência e a necessidade para tal?

Nâo pode configurar urgência, requisito determinado no caput do artigo 62, pois o Código Civil foi sancionado em 2002, com suspensão de vigência de um ano, estando em vigor há mais de 16 anos. Os artigos do Código Civil alterados pela MP 881/2019, nesse longo período, foram objeto de estudos doutrinários e de laboriosa aplicação pelos tribunais, sem jamais terem sido obstáculos à liberdade econômica ou ao exercício da atividade econômica. Ao contrário do que subjaz na inspiração da MP 881, as normas originárias do Código Civil estão em conformidade com os princípios jurídicos fundamentais da atividade econômica estabelecidos no artigo 170 da Constituição Federal e do modelo de Estado social, por esta adotado e inaugurado no Brasil desde a Constituição de 1934;

O processo legislativo para aprovação de código é diferenciado e mais complexo que o exigível para as leis ordinárias, inclusive as que resultem de conversão de medidas provisórias. O parágrafo 4º do artigo 64 da Constituição Federal exclui os projetos de código da solicitação de urgência pelo presidente da República, diferentemente dos demais projetos de sua iniciativa, não podendo sobrestar as demais deliberações legislativas da respectiva Casa. Assim é porque o projeto de código, máxime de um Código Civil, repercute na vida cotidiana permanente das pessoas e não pode confundir-se com proposições que envolvem resultados almejados por políticas públicas que são, por sua natureza, contingentes. O atual Código Civil brasileiro tramitou durante 27 anos no Congresso Nacional, e o anterior demandou mais de década e meia de discussões congressuais. Sua alteração, portanto, apenas pode ser efetuada mediante processo legislativo de projeto de lei ordinária, sem caráter de urgência.

Para José Afonso da Silva(Curso de Direito Constitucional Positivo, 1989, pág. 459) seria um despautério que as medidas provisórias pudessem regular situações que sejam vedadas às leis delegadas.

Por sua vez, Eros Roberto Grau(Medidas Provisórias na Constituição de 1988, RT 658/240) entendeu que, tratando-se a medida provisória de lei que "tem eficácia imediata, porém provisória, não podem ser implementadas através dela soluções que produzam efeitos que não possam ser arredados. Ou seus efeitos devem necessariamente poder ser desfeitos, observado o disposto no parágrafo único do artigo 62. Por outro lado, doutrina que "não podem consubstanciar matéria de medidas provisórias aquelas cuja eficácia é diferida. Se esse o caso, e ainda assim urgente a matéria, o presidente da República poderá solicitar urgência no projeto de lei que, dele tratando, encaminhar ao Congresso Nacional.

Conclui-se, pois, serem insuscetíveis de disciplina por meio de medida provisória as matérias que: a)não reclamam tratamento legislativo; b) aquelas que não admitem delegação; c) as que reclamam eficácia diferida e, finalmente, aquelas que desafiam eficácia normativa que por sua natureza não admite ser desfeita. Ora, tal é o caso do tema da prescrição, situação em que a pretensão fica encoberta. Uma MP que normatize matéria sobre prescrição produz efeitos definitivos algo que não se concilia com uma legislação temporária.

Ademais, para que tanta urgência, pressuposto de medida provisória, para suspender a eficácia de norma em vigência. Seria caso de projeto de lei a ser examinado, em sua complexidade, pelo Congresso Nacional.

Diante disso concluo em juízo preliminar que deve ser ajuizada por ente legitimado segundo o artigo 103 da Constituição Federal a devida Ação Direta de Inconstitucionalidade com o objetivo de suspender os efeitos daquela parte da MP citada que refere-se ao Processo Civil.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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