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O trabalho do condenado

Lei N° 7.210/84 Lei de execução penal (LEP)

Agenda 06/04/2021 às 09:04

Resumo: o conteúdo a seguir tem finalidade abordar o trabalho ao condenado, direitos, requisitos e garantias. Veremos de forma objetiva a natureza jurídica do trabalho penitenciário (interno e externo), o auxílio reclusão e a jurisprudência dos tribunais

 

Sumario: Introdução. 1. Do trabalho. 1. 1. Benefícios penitenciário. 1. 2. Auxílio-reclusão. 2. Enfoque do trabalho. 2. 1. Jornada de trabalho 3. Banco de horas. 4. Trabalho interno e dever do Estado. 5. Trabalho externo. 5. 1. Requisitos para o trabalho externo. 5. 2. Revogação do trabalho externo. 6. Considerações finais. 6. 1. Jurisprudência adotada.

Introdução

As disposições da Lei de Execução Penal colocam o trabalho penitenciário sob a proteção de um regime jurídico. Antes da lei, nas penitenciárias onde o trabalho prisional era obrigatório, o preso não tinha direito a remuneração, e seu trabalho não era tutelado contra riscos nem amparado por seguro social (item 53 da Exposição de Motivos da LEP).

Contudo, atendendo às disposições contidas nas Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Reclusos, a remuneração obrigatória do trabalho prisional foi introduzida na Lei n. 6.416/77, que estabeleceu também a forma de sua aplicação. Tal item 51 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, a Lei de Execução Penal mantém o texto, ficando assim reproduzido o elenco das exigências pertinentes ao emprego da remuneração obtida pelo preso: na indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; na assistência à própria família, segundo a lei civil; em pequenas despesas pessoais; e na constituição de pecúlio, em caderneta de poupança, que lhe será entregue à saída do estabelecimento penal (item 50 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal). Acrescentou-se a essas obrigações a previsão de ressarcimento do Estado quanto às despesas de manutenção do condenado, em proporção a ser fixada.

As tarefas executadas como prestação de serviços à comunidade não serão remuneradas.

Para o condenado à pena de prisão simples o trabalho é facultativo, se a pena aplicada não excede a quinze dias, conforme estabelece o § 2º do art. 6º do Decreto-lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).

Estranhamente, o condenado por crime político não está obrigado a trabalhar, nos precisos termos do art. 200 da Lei de Execução Penal.

 

  1. Do trabalho      

De acordo com Alfredo Issa Ássaly, “O trabalho presidiário, consagrado em todas as legislações hodiernas, constitui uma das pedras fundamentais dos sistemas penitenciários vigentes e um dos elementos básicos da política criminal”.

Portanto, o trabalho do sentenciado tem dupla finalidade: educativa e produtiva.

O trabalho do preso é obrigatório (art. 31 e art. 39, V, LEP) fazendo parte da laborterapia inerente à execução da pena do condenado, que necessita de reeducação.

Por outro lado, a Constituição Federal veda a pena de trabalhos forçados (art. 5.º, XLVII, c), o que significa não poder se exigir do preso o trabalho sob pena de castigos corporais ou outras formas de punição ativa, além de não se poder exigir a prestação de serviços sem qualquer benefício ou remuneração. Leciona Luiz Vicente Cernicchiaro: “Extinta a escravatura, não faz sentido o trabalho gratuito, ainda que imposto pelo Estado, mesmo na execução da sentença criminal. A remuneração do trabalho está definitivamente assentada. O Direito Penal virou também a página da história. O Código Criminal do Império estatuía no art. 46: ‘A pena de prisão com trabalho obrigará os réus a ocuparem-se diariamente no trabalho que lhes for designado dentro do recinto das prisões, na conformidade das sentenças e dos regulamentos policiais das mesmas prisões’. A superação do trabalho gratuito caminha paralelamente à rejeição do confisco de bens”.

Contudo, dispõe o art. 28 da LEP que “o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.

§1.º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene;

§ 2.º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho”.

Conforme dispõe os ensinamentos de Adeildo Nunes constituir o trabalho “um dever social do preso”, “porque no final do cumprimento da sua pena a sociedade exige que o reeducando esteja apto a conviver socialmente, sem mais delinquir, inclusive com uma profissão definida e capaz de assegurar a sua existência e da sua família. Por outro lado, o trabalho desenvolvido pelo preso enaltece a dignidade humana, no instante em que o reeducando vê-se recompensado pelos esforços empreendidos. Ninguém tem dúvida de que o trabalho – em qualquer situação concreta – é fonte de educação e de produtividade, daí por que pode-se assegurar que, além de evitar a ociosidade carcerária – um dos grandes males das nossas prisões – o trabalho prisional é um forte aliado da integração social do condenado; ora, uma das finalidades da execução da pena (art. 1º, LEP)”.

Por toda via, é natural que a obrigatoriedade do trabalho implica, em caso de inobservância pelo condenado, na concretização de falta grave (art. 50, VI, LEP). Caso este se configure, perde o preso o direito a determinados benefícios, como, por ex., a progressão de regime, o livramento condicional, o indulto, os dias remidos pelo trabalho etc. Quem está solto e trabalha goza dos benefícios previstos na CLT (ex.: 13.º salário, férias, horas extras etc.). O preso, ao exercer o trabalho como um dos seus deveres, não tem direito a tais proveitos. Na verdade, ao exercer qualquer atividade no presídio, tem outras vantagens, como, por exemplo, a remição (desconto na pena dos dias trabalhados, na proporção de três dias de trabalho por um dia de pena).

  1. 1. Benefícios penitenciário

Segundo ao artigo 28, “o trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a ¾ (três quartos) do salário mínimo.

§ 1.º O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

b) à assistência à família;

c) a pequenas despesas pessoais;

d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.

 § 2.º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em caderneta de poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade”.

Conforme dispõe o art. 39 do Código Penal:

“o trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social”.

  1. 2. Auxílio-reclusão

Além da remuneração, o preso pode gozar dos benefícios previdenciários em geral. Nos termos do art. 201 da Constituição Federal, a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (...) IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda.

Segundo o art. 80 da Lei 8.213/91: “o auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.

Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário”.

E o inciso XI, conforme Decreto 7.054/2009, dispõe a filiação de “segurado recolhido à prisão sob regime fechado ou semiaberto, que, nesta condição, preste serviço, dentro ou fora da unidade penal, a uma ou mais empresas, com ou sem intermediação da organização carcerária ou entidade afim, ou que exerce atividade artesanal por conta própria”.

O mesmo Decreto 3.048/99 estabelece as condições para a obtenção do auxílio-reclusão pelos dependentes do preso, em particular no art. 116:

“O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, desde que o seu último salário de contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).

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§ 1.º É devido auxílio-reclusão aos dependentes do segurado quando não houver salário de contribuição na data do seu efetivo recolhimento à prisão, desde que mantida a qualidade de segurado.

§ 2.º O pedido de auxílio-reclusão deve ser instruído com certidão do efetivo recolhimento do segurado à prisão, firmada pela autoridade competente.

§ 3.º Aplicam-se ao auxílio-reclusão as normas referentes à pensão por morte, sendo necessária, no caso de qualificação de dependentes após a reclusão ou detenção do segurado, a preexistência da dependência econômica.

§ 4.º A data de início do benefício será fixada na data do efetivo recolhimento do segurado à prisão, se requerido até trinta dias depois desta, ou na data do requerimento, se posterior, observado, no que couber, o disposto no inciso I do art. 105.

§ 5.º O auxílio-reclusão é devido, apenas, durante o período em que o segurado estiver recolhido à prisão sob regime fechado ou semiaberto.

§ 6.º O exercício de atividade remunerada pelo segurado recluso em cumprimento de pena em regime fechado ou semiaberto que contribuir na condição de segurado de que trata a alínea o do inciso V do art. 9.º ou do inciso IX do § 1.º do art. 11 não acarreta perda do direito ao recebimento do auxílio-reclusão pelos seus dependentes”.

No art. 117: “O auxílio reclusão será mantido enquanto o segurado permanecer detento ou recluso.

§ 1.º O beneficiário deverá apresentar trimestralmente atestado de que o segurado continua detido ou recluso, firmado pela autoridade competente.

§ 2.º No caso de fuga, o benefício será suspenso e, se houver recaptura do segurado, será restabelecido a contar da data em que esta ocorrer, desde que esteja ainda mantida a qualidade de segurado.

§ 3.º Se houver exercício de atividade dentro do período de fuga, o mesmo será considerado para a verificação da perda ou não da qualidade de segurado.

Sobre o falecimento ao segurado, o art. 118 do Decreto estabelece que “falecendo o segurado detido ou recluso, o auxílio reclusão que estiver sendo pago será automaticamente convertido em pensão por morte.

Parágrafo único. Não havendo concessão de auxílio-reclusão, em razão de salário de contribuição superior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), será devida pensão por morte aos dependentes se o óbito do segurado tiver ocorrido dentro do prazo previsto no inciso IV do art. 13”.

Finalmente, dispõe o art. 119 ser “vedada a concessão do auxílio-reclusão após a soltura do segurado”.

O valor do auxílio reclusão será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se aposentado por invalidez na data do falecimento (art. 39, § 3.º). Em razão disso, além de poder contar com o referido benefício do auxílio-reclusão, que, na verdade, serve aos seus dependentes, privados da renda da pessoa presa, conta tempo para a aposentadoria e, saindo do cárcere, contará com outros serviços da previdência social. Contudo, registra-se que há outras possibilidades de concessão de auxílio-reclusão, como ocorre, por exemplo, com os servidores públicos civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais, nos termos da Lei 8.112/90 (“art. 229. À família do servidor ativo é devido o auxílio-reclusão, nos seguintes valores: I – dois terços da remuneração, quando afastado por motivo de prisão, em flagrante ou preventiva, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a prisão; II – metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por sentença definitiva, a pena que não determine a perda de cargo. § 1.º Nos casos previstos no inciso I deste artigo, o servidor terá direito à integralização da remuneração, desde que absolvido; § 2.º O pagamento do auxílio-reclusão cessará a partir do dia imediato àquele em que o servidor for posto em liberdade, ainda que condicional”).

Se o valor recebido pelo preso deve ser de, pelo menos, 3/4 do salário mínimo, a listagem de destinações do produto da remuneração é irreal. Com tal montante, ele precisaria indenizar o dano causado pelo crime, garantir assistência à sua família, gastar consigo em pequenas despesas, além de ressarcir o Estado pelas despesas com sua manutenção. Não bastasse, ainda deveria haver uma sobra para formar um pecúlio, conforme prevê o § 2.º deste artigo. Seria o milagre da multiplicação do dinheiro.

A prestação de serviços à comunidade, por definição, é uma pena alternativa ao encarceramento, cuja finalidade é a atribuição de tarefas gratuitas ao condenado (art. 46, § 1.º, CP), dando-lhe a oportunidade de reparar, pelo seu trabalho, o dano social provocado pela prática do crime.

No art. 31 da LEP estabelece que o trabalho do preso deve ser compatível com a sua capacitação. Esse é um dos reflexos positivos da individualização executória da pena, fruto natural do exame de classificação realizado no início do cumprimento da pena. Descobre-se a aptidão e conhece a capacitação do condenado para o exercício de atividades no estabelecimento prisional. Destina-se o trabalho ideal para o preso (ex.: um médico pode trabalhar no consultório do presídio; um pedreiro, na reforma de um bloco do estabelecimento penal). Outro ponto a considerar é o curso profissionalizante que ele pode fazer (art. 19, LEP), associando-se o seu aproveitamento ao trabalho a ser realizado no dia a dia.

Embora a lei preveja ser facultativo o trabalho ao preso provisório, consagrada a possibilidade de haver a execução provisória da pena, acredita-se que está ele obrigado a desempenhar alguma atividade no estabelecimento onde se encontre. Afinal, se pretende progredir de regime, passando, por exemplo, do fechado ao semiaberto, torna-se essencial que trabalhe, a fim de ser avaliado, quanto ao mérito, nas mesmas condições de igualdade dos demais condenados. O art. 31, parágrafo único, desta Lei foi elaborado muito antes de se falar em execução provisória da pena, motivo pelo qual se facultou o trabalho ao preso provisório.

Nos termos do art. 32 da LEP, “na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado.

§ 1.º Deverá ser limitado, tanto quanto possível, o artesanato sem expressão econômica, salvo nas regiões de turismo.

§ 2.º Os maiores de 60 (sessenta) anos poderão solicitar ocupação adequada à sua idade.

§ 3.º Os doentes ou deficientes físicos somente exercerão atividades apropriadas ao seu estado”.

 

  1. Enfoque do trabalho

É de supra importância constatar que não somente do exame de classificação inicial, mas do acompanhamento da Comissão Técnica de Classificação durante toda a execução da pena. Somente nesses termos haverá possibilidade de se garantir o início da atividade laborativa em atividade compatível com a habilitação e condição pessoal do condenado. Posteriormente, o acompanhamento, durante o cumprimento da pena, pode proporcionar aos setores especializados do presídio, transferir o sentenciado para outro setor, onde possa aprimorar alguma habilidade ou profissão, bem como se poderá pensar nas necessidades futuras, quando deixar o cárcere. Portanto, manter a atividade da Comissão Técnica de Classificação restrita a um exame inicial é prender a execução, prejudicando-a seriamente.

É natural que o preso idoso, pessoa com mais de 60 anos, possa requerer o desempenho de atividade compatível com sua idade, pois a Lei 10.741/2003, no art. 26, prevê o seguinte: “O idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas”.

  1. Jornada de trabalho

De acordo com o art. 33 da Lei de Execução Penal que “a jornada normal de trabalho não será inferior a seis, nem superior a oito horas, com descanso nos domingos e feriados. Parágrafo único. Poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal”.

Contudo, estabelece o art. 33, caput, desta Lei, não deve ser inferior a seis, nem superior a oito horas diárias, com descanso aos domingos e feriados, mas, corretamente, prevê uma exceção no parágrafo único, com a fixação de horários especiais aos presos designados para serviços de conservação e manutenção do presídio. É o que se dá, por exemplo, a quem exerce as suas atividades na cozinha. Nos domingos e feriados, todos os presos se alimentam normalmente, razão pela qual alguém há de lhes preparar as refeições.

O condenado, trabalhando nesse setor, termina por exercer serviços aos domingos e feriados. Outro ponto que não é incomum. Para melhor aproveitamento do trabalho na cozinha, pode-se estipular uma jornada de doze horas, com descanso no dia seguinte. Esse dia trabalhado, na realidade, valerá por dois (como se cuidássemos de dois dias, com seis horas de serviço prestado cada um).

  1. Banco de horas

 

Devem ser computadas todas as horas trabalhadas pelo condenado, desde que em serviço reconhecido pela direção do presídio, não valendo atividades particulares de artesanato ou passatempo. No entanto, vários sentenciados terminam desenvolvendo o seu trabalho por um tempo inferior a seis horas diárias. Isso não significa que esse tempo será ignorado, pois não é o mínimo estabelecido em lei. Quer dizer, isto sim, devam ser anotadas no seu prontuário até que ele atinja o montante necessário por dia, durante os três dias para fazer jus à remição de um dia de pena, veremos exemplos abaixo:

Exemplo: o preso trabalhou 2 horas por dia naquela semana; na essência, os três dias de serviço (duas horas/dia) atingem o mínimo de seis horas; diante disso, atingindo as seis horas, completou um dia de trabalho. Ainda faltarão mais 12 horas para que ele possa ter reconhecido outros dois dias de trabalho, completando os três necessários para remir um dia de pena.

Há julgados em sentido contrário, não aceitando o cômputo de horas avulsas para, posteriormente, formarem um novo dia de trabalho ou estudo. Entretanto, parece-nos injusta esta corrente, pois o preso trabalhou efetivamente. Não se pode igualar, para os mesmos fins, quem laborou seis horas num dia e quem o fez em oito horas. Se apenas seis horas de trabalho justificam um dia trabalhado, quem laborou por oito horas merece ter guardadas as suas duas horas excedentes para compor outro dia, posteriormente. Porém, há decisão do STF permitindo computar, para efeito de remição, o período de trabalho inferior a seis horas.

Prosseguindo, no art. 34 da LEP disciplina: “o trabalho poderá ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com autonomia administrativa, e terá por objetivo a formação profissional do condenado.

§1.º Nessa hipótese, incumbirá à entidade gerenciadora promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como suportar despesas, inclusive pagamento de remuneração adequada.

§2.º Os governos federal, estadual e municipal poderão celebrar convênio com a iniciativa privada, para implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio dos presídios”.

  1. Trabalho interno e dever do Estado

A Lei de Execução Penal responsabiliza o Poder Público a tarefa de organizar, supervisionar e coordenar o trabalho desenvolvido pelos condenados (art. 34, caput e § 1.º), indicando, inicialmente, uma fundação ou empresa pública. Afirma a viabilidade da celebração de convênios com a iniciativa privada para a implantação de oficinas de trabalho nos presídios (art. 34, § 2.º).

Na sequência (art. 35), busca-se facilitar a venda dos bens ou produtos advindos do trabalho do preso, até mesmo com dispensa de licitação, aos órgãos da administração direta ou indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Se o valor pago por particulares for mais elevado, a este comércio dá-se preferência. As importâncias arrecadadas voltam-se às fundações ou empresas públicas, que organizaram o serviço, na falta, ao estabelecimento penal. Portanto, a responsabilidade pelo trabalho do preso é do Poder Público, que pode até se valer da iniciativa privada, por convênios, para tanto, remunerando-se o preso e arrecadando-se valores ao próprio ente estatal.

Trabalho do condenado não pode gerar lucro para empresas privadas, pois é uma distorção do processo de execução da pena. O preso receberia, por exemplo, 3/4 do salário mínimo e produziria bens e produtos de alto valor, em oficinas montadas e administradas pela iniciativa privada, que os venderia e ficaria com o lucro, sem nem mesmo conferir ao condenado os benefícios da CLT (lembremos da vedação estabelecida pelo art. 28, § 2.º, desta Lei). Tal situação seria ilegal e absurda. O cumprimento da pena e o exercício do trabalho pelo preso não têm por fim dar lucro. É um ônus estatal a ser suportado. Porventura, se houver lucro na organização e administração da atividade laborativa do condenado, a este e ao Estado devem ser repartidos os ganhos. Por ora, é a previsão legal.

Um dos principais aspectos do trabalho do preso para fins de remição é a sua regulamentação pelo estabelecimento prisional, reconhecendo-o formalmente. Portanto, se o condenado varre todas as celas por sua conta, sem a direção do presídio ter conhecimento, não poderá, depois, pleitear remição, pois inexistirá atestado de serviço prestado, fornecido pelo órgão competente. Sem o atestado, inexiste viabilidade para a concessão da remição. Por toda via, se o preso varre as celas e isso pode ser considerado um trabalho, o correto é ele requerer a sua regulamentação e controle; caso a direção do presídio se recuse, deve apresentar seu pleito ao juiz da execução penal. O importante é que o trabalho seja efetivo e comprovado. Sem isso, a remição não se viabiliza.

  1. Trabalho externo

Estabelece o art. 36 da Lei de Execução Penal a seguinte forma:

“o trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da administração direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.

§ 1.º O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de empregados na obra.

§ 2.º Caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho.

3.º A prestação de trabalho a entidade privada depende do consentimento expresso do preso”.

Não é regra, mas exceção, que o Estado providencie, dentro dos estabelecimentos penais (regimes fechado e semiaberto), as condições e instalações necessárias para o desempenho do trabalho obrigatório dos sentenciados. Não há sentido na inserção do preso em serviços externos, especialmente quando se cuidar de condenados perigosos, com penas elevadas a cumprir, deslocando-se um número razoável de agentes de segurança para evitar fugas, a pretexto de não haver local próprio dentro do presídio.

Por ausência de instalações apropriadas no estabelecimento fechado, mas também não tendo condições de providenciar escolta, alguns magistrados têm autorizado o trabalho externo do preso, sem nenhuma vigilância. É a consagração da falência do sistema carcerário, pois tal método de cumprimento da pena equivale ao regime aberto, ou seja, o presídio, para o regime fechado, torna-se autêntica Casa do Albergado, na prática. Dessa forma, o prejuízo, nesse caso, quem experimentará será a sociedade, pois se a pessoa deve estar recolhida em regime fechado, não pode circular livremente pelas ruas, como se nenhuma punição houvesse. As consequências, por obvio, são imponderáveis e totalmente imprevisíveis.

Contudo, não há nenhum impedimento legal para que condenados por crimes hediondos ou equiparados possam trabalhar fora do estabelecimento penal, desde que assegurada a devida escolta.

Do total de empregados na obra (serviço público ou privado) somente haverá o máximo de 10% de presos, o que representa, mais uma vez, um demonstrativo da preocupação legislativa em prol da segurança, evitando-se fugas e garantindo-se a disciplina. Não se poderia controlar, a contento, evitando-se, inclusive, rebeliões eficientes, um contingente de 100 presos, por exemplo, em uma obra com outros 100 empregados. Entretanto, entre 1000 trabalhadores, é viável acolher um máximo de 100 condenados, formando nítida minoria dentre todos.

Segundo ao exposto, colocado em trabalho externo, o preso deve perceber o mesmo montante que outro trabalhador, desempenhando exatamente as mesmas tarefas, recebe, respeitadas, logicamente, as situações peculiares, como, por exemplo, verbas e gratificações de ordem pessoal que o empregado pode ter e o preso não possuirá. Situação injusta e inadmissível seria pagar ao preso 3/4 do salário mínimo (art. 29, caput, desta Lei), quando o outro empregado recebe dois salários mínimos, por exemplo. Representaria pura exploração do trabalho de quem está cumprindo pena.

Para ilustrar o cenário, poder-se-ia chegar ao absurdo de “emprestar” trabalhadores presos a empresas privadas, que se encarregariam de contratar segurança privada para escoltar os condenados, desde que pudessem pagar salários ínfimos aos mesmos. O Estado não desembolsaria nada, as empresas teriam lucro certo e o preso perderia, pois desempenharia uma atividade sem a remuneração condigna. Lembremos que não há trabalho forçado no Brasil, equivalente ao desenvolvimento de tarefas em geral sem qualquer remuneração e de maneira compulsória, sob pena de punição.

Estando à disposição do Estado, é natural que possa o Poder Público determinar o melhor lugar para que o condenado desempenhe atividades laborativas, respeitada, naturalmente, a individualização executória da pena (suas condições pessoais e aptidão). Portanto, pode ser dentro ou fora do presídio, conforme o caso concreto. No entanto, para prestar serviços a entidade privada, até pelo fato de não haver vínculo trabalhista algum (art. 28, § 2.º, LEP), torna-se necessário obter a sua aquiescência expressa, o que implica, pois, na assinatura de termo adequado. Em outras palavras, preso não pode, jamais, servir de mão de obra barata para empresas privadas.

O art. 37 da LEP dispõe que:

“a prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena.

Parágrafo único. Revogar-se-á a autorização de trabalho externo ao preso que vier a praticar fato definido como crime, for punido por falta grave, ou tiver comportamento contrário aos requisitos estabelecidos neste artigo”.

 

  1. Requisitos para o trabalho externo.

Conforme vimos acima no art. 37, deve haver autorização da direção do presídio, não havendo necessidade de deferimento pelo juiz da execução penal. Entretanto, este poderá intervir, caso provocado, por exemplo, por condenado que se sinta discriminado pela direção do estabelecimento penal onde se encontre, se outros presos, em igual situação, tiverem obtido tal autorização e ele esteja sem qualquer oportunidade de atividade laborativa, nem mesmo interna. Poderia ser instaurado um incidente denominado desvio de execução (art. 185, desta Lei). Ou, por praticidade, bastaria peticionar diretamente ao juiz da execução penal, solicitando a autorização para trabalho externo.

Para a obtenção da referida autorização, leva-se em conta

  1. a aptidão do preso (no tocante ao trabalho externo a ser realizado);
  2. sua disciplina (comportamento dentro do presídio onde se encontra);
  3. e sua responsabilidade (bom desempenho em atividades laborativas no estabelecimento onde está), além do cumprimento mínimo de 1/6 da pena. Este último requisito é sensato.

Não haveria nenhum sentido permitir ao condenado, recém-inserido no regime fechado, sem nem mesmo haver tempo para avaliá-lo, que pudesse prestar trabalho externo. Afinal, o art. 36, caput, desta Lei, prevê que se assegure a inviabilidade de fuga e condições ideais de disciplina. Após o cumprimento de 1/6 da pena, torna-se possível analisar o comportamento do preso, justamente para detectar a sua aptidão, disciplina e responsabilidade.

Ademais, acrescenta-se que também após 1/6 do cumprimento da pena, ele já pode pleitear a progressão para o regime semiaberto, perceba a hipótese que este poderá estar apto a dar início ao trabalho externo, independentemente da decisão judicial acerca da progressão. Há posição jurisprudencial privilegiando os requisitos pessoais do condenado em detrimento do tempo de pena cumprida, embora, em muitos casos, quando o tribunal toma conhecimento do agravo interposto pelo sentenciado, o período de 1/6 já tenha decorrido.

 

  1. 2. Revogação do trabalho externo.

são três hipóteses que pode ocorrer, sendo:

  1. Praticar fato definido como crime. Neste caso, não é preciso haver processo criminal e/ou condenação com trânsito em julgado, pois a lei é clara ao mencionar fato definido como crime e não simplesmente crime. Aliás, se fosse necessário aguardar a condenação definitiva, a medida de revogação perderia completamente a eficiência;

 

  1. Cometer e/ou ser punido por falta grave. Nesta situação, não basta o cometimento da falta grave (ver o art. 50 desta Lei), mas é necessário haver apuração e, em seguida, a devida punição;

 

  1. Ter comportamento inadequado no trabalho que lhe foi designado, agir com indisciplina ou irresponsabilidade. A última hipótese espelha apenas o contrário dos requisitos necessários para a concessão do benefício do trabalho externo (art. 37, caput, LEP). Em qualquer hipótese de revogação arbitrária, sem causa justificada, pode o sentenciado provocar a instauração do incidente de desvio de execução (art. 185, LEP).

 

  1. Considerações finais
    1.  Jurisprudência adotada
  1. TJRS: “Descabida a concessão do trabalho externo nas condições requeridas pelo reeducando, vez que o afastaria do intuito da benesse, que é a ocupação produtiva, nos termos do art. 28 da LEP, e não a liberdade irrestrita, na qual ele pode percorrer todo o meio externo, vez que exige ampliação da zona de monitoramento, sem sofrer qualquer tipo de fiscalização. Inviabilidade de um controle efetivo e idôneo sobre a atividade laboral diante das constantes viagens a serem realizadas pelo apenado como motorista, sequer se sabendo o lapso de sua duração, tornando difícil até mesmo para o empregador, que, por vezes, não poderá exercer a vigilância desejada sob o trabalho. Agravo desprovido” (Ag 70066641556 – RS, 3ª Câmara Criminal, rel. José Luiz John dos Santos, 26.10.2016, v.u.).

Conforme vimos, o trabalho do preso é fundamental ao seu processo de reeducação, entretanto, submete-se à fiscalização do Estado em qualquer regime (fechado, semiaberto ou aberto). Portanto, enquanto não estiver livre de qualquer sanção penal, deve ocupar-se de atividade sob tutela estatal. Não há plena liberdade de trabalho, mesmo em se tratando de ocupação lícita.

  1. TJRS: “Agravo em execução. Antecipação de pecúlio. Art. 29 da LEP. Excepcionalidade não evidenciada. O pecúlio visa atender as necessidades básicas do apenado posto em liberdade e que regressa ao convívio social, dando-lhe condições financeiras mínimas para assegurar a sua própria manutenção e de sua família, até que possa ser inserido no mercado de trabalho. Contudo, ainda que a entrega do valor seja condicionada à liberdade do apenado, pode o mesmo ser antecipado, de modo excepcional, se demonstrada a necessidade e urgência da medida, o que não se verifica no caso examinado. Agravo desprovido. Unânime.” (Ag 70071058200 – RS, 6ª Câmara Criminal, rel. Ícaro Carvalho de Bem Osório, 27.10.2016, v.u.).

Por fim, realizados os descontos previstos no art. 29, § 1.º, da LEP, o restante do dinheiro arrecadado destina-se à formação de um pecúlio, a ser utilizado quando deixar o cárcere. Excepcionalmente, pode o sentenciado fazer uso do referido pecúlio antes de ser solto; porém, há de ser por um motivo relevante, a critério do juiz das execuções.

 

 

 

REFERENCIAS:

Nucci, Guilherme de Souza – Curso de Execução Penal, 2º ed. Editora Forense Universitária: https://amzn.to/39Imelo

 

Marcão, Renato – Curso de Execução Penal, 17º ed. Editora Saraiva: https://amzn.to/36yRWPQ

Sobre o autor
Jonathan Ferreira

Acadêmico de Direito pela universidade Estácio de Sá com foco em Dir. Penal, Dir. Proc. Penal, Dir. Constitucional Brasileiro. Administrador e fundador da página Âmbito Criminalista, no qual ajudo pessoas a entenderem o Direito Penal de forma simples e descomplicada. Amante da Sabedoria e estudante da psicanálise lacaniana em conjunto com a seara penal.

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