ILUSTRÍSSIMO (A) SENHOR (A) PRESIDENTE DA JUNTA ADMINISTRATIVA DE RECURSO DE INFRAÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
RECORRENTE..., nacionalidade..., inscrito (a) no RG sob o nº..., CNH nº..., e CPF nº..., residente e domiciliado (a) em..., nº..., Bairro..., Cidade..., UF..., CEP..., tendo sido autuado através do auto de infração em anexo, vem, a presença de Vossa Senhoria, com fundamento no artigo 285 do Código de Trânsito Brasileiro, interpor
RECURSO ADMINISTRATIVO POR SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR
em face da decisão da autoridade de trânsito que indeferiu a defesa prévia apresenta contra o auto de infração de trânsito nº..., pelas razões de fato e de direito que passa a expor.
1. DA INFRAÇÃO DE TRÂNSITO E DO VEÍCULO
A infração objeto do presente recurso é a seguinte:
Auto de Infração de Trânsito nº...
Código Órgão Denatran...
Código Órgão Autuador...
Placa do Veículo Autuado...
2. DOS FATOS
Trata-se de recurso administrativo interposto em razão da autoridade de trânsito ter indeferido a defesa prévia apresentada, mantendo equivocadamente a penalidade ao recorrente, como será demonstrado a seguir.
Consta no Auto de Infração de Trânsito, que no dia..., por volta das... horas, o recorrente teria infringido o artigo... do Código de Trânsito Brasileiro - CTB, ocasião em que restou aplicada a penalidade de multa no valor de R$... e perda de... pontos na – Carteira Nacional de Habilitação - CNH.
Ocorre que o Auto de Infração de Trânsito é flagrante nulo, razão pela qual a decisão da autoridade de trânsito que manteve a penalidade merece ser reformada.
3. DA SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR
O CTB ao dispor dos casos que culminam com a suspensão do direito de dirigir prevê a penalidade de suspensão do direito de dirigir em seu art. 261, que será imposta nos seguintes casos:
I - Sempre que o infrator atingir a contagem de 20 (vinte) pontos, no período de 12 (doze) meses, conforme a pontuação prevista no art. 259;
II - Por transgressão às normas estabelecidas neste Código, cujas infrações preveem, de forma específica, a penalidade de suspensão do direito de dirigir.
Com a notificação de suspensão de dirigir, foi apresentada defesa prévia tempestivamente, em razão de que algumas infrações não foram cometidas pelo Recorrente, o qual sequer foi notificado em tempo para indicar o verdadeiro condutor infrator, e por isso, a decisão que manteve a penalidade deve ser revista, pois não observou os argumentos apresentados, tais como, a inobservância do devido processo legal, conforme passa a demonstrar.
4. AUSÊNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
Todo procedimento assim como qualquer ato administrativo deve ser conduzido com estrita observância aos princípios constitucionais, sob pena de nulidade.
No entanto, a suspensão de dirigir foi aplicada sem que o processo administrativo fosse instaurado.
Ao instaurar um processo administrativo de repercussão direta ao recorrente, deveria de imediato ser garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, como dispõe claramente a Resolução nº 723/2018 do CONTRAN, que dispõe sobre a uniformização do procedimento administrativo para imposição das penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação:
Art. 5º As penalidades de que trata esta Resolução serão aplicadas pela autoridade de trânsito do órgão de registro do documento de habilitação, em processo administrativo, assegurados a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.
O artigo seguinte da referida Resolução é claro ao dispor que a suspensão do direito de dirigir só pode ser aplicada após esgotadas todas as fases recursais:
Art. 6º Esgotados todos os meios de defesa da infração na esfera administrativa, a pontuação prevista no art. 259 do CTB será considerada para fins de instauração de processo administrativo para aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir.
Dessa forma, a suspensão do direito de dirigir aplicada sem o direito ao contraditório e à ampla defesa é nula, conforme esclarece a Lei 9.784 que dispõe sobre todo e qualquer processo administrativo:
Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados: (...)
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;
Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo.
1º Os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão.
2º Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.
Art. 68. As sanções, a serem aplicadas por autoridade competente, terão natureza pecuniária ou consistirão em obrigação de fazer ou de não fazer, assegurado sempre o direito de defesa.
A ausência de oportunidade prévia ao recorrente, trata-se de manifesta quebra do direito constitucional à ampla defesa, especialmente por ser a principal afetada na decisão em análise, conforme análise bem disciplinada pelo Ministro Celso de Mello:
"(..) mesmo em se tratando de procedimento administrativo, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de um lado, e o indivíduo, de outro. Cumpre ter presente, bem por isso, na linha dessa orientação, que o Estado, em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer cidadão, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária (...). Isso significa, portanto, que assiste ao cidadão (e ao administrado), mesmo em procedimentos de índole administrativa, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, consoante prescreve a Constituição da República em seu art. 5º, LV. O respeito efetivo à garantia constitucional do 'due process of law', ainda que se trate de procedimento administrativo (como o instaurado, no caso ora em exame, perante o E. Tribunal de Contas da União), condiciona, de modo estrito, o exercício dos poderes de que se acha investida a Pública Administração, sob pena de descaracterizar-se, com grave ofensa aos postulados que informam a própria concepção do Estado Democrático de Direito, a legitimidade jurídica dos atos e resoluções emanados do Estado, especialmente quando tais deliberações, como sucede na espécie, importarem em invalidação, por anulação, de típicas situações subjetivas de vantagem." (STF MS 27422 AgR)
Não se questiona a autoexecutoriedade das sanções. Contudo, a imposição de penalidade sem a ampla defesa – que é o caso, transborda o devido processo legal, passível de nulidade, conforme assevera a doutrina:
Caráter prévio da defesa - Consiste na anterioridade da defesa em relação ao ato decisório. A garantia da ampla defesa supõe, em princípio, o caráter prévio das atuações pertinentes. A anterioridade da defesa recebe forte matiz nos processos administrativos punitivos, pois os mesmos podem culminar em sanções impostas aos implicados."(MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 20ª edt. Editora RT, 2016. pg. 205).
(...) processo administrativo punitivo é todo aquele promovido pela Administração para a imposição de penalidade por infração à lei regulamento ou contrato. Esses processos devem ser [i] necessariamente contraditórios, com oportunidade de defesa, [ii] que deve ser prévia, e estrita observância do devido processo legal, sob pena de nulidade da sanção imposta. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros. 2008. P. 702.)
O direito ao questionamento da decisão, albergado na fase de defesa é garantia obrigatória não apenas nos processos judiciais, como também nos processos administrativos, conforme reitera a doutrina:
É sabido que a ampla defesa e o contraditório não alcançam apenas o processo penal, mas também o administrativo, nos termos do art. 5º, LV da CF/88. É que a Constituição estende essas garantias a todos os processos, punitivos ou não, bastando haver litígios. (Harrison Leite, Manual de Direito Financeiro, Editora jus podivum, 3ª edição, 2014, p. 349)
Portanto, tem-se nitidamente a quebra do contraditório e da ampla defesa em processo administrativo em trâmite sem qualquer notificação ao condutor. Razão pela qual, merece provimento o presente pedido.
5. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A invalidação de um ato administrativo por violação dos princípios constitucionais não importa, necessariamente, no exame de mérito, mas sim, da investigação acerca do atendimento dos limites impostos pelo Direito ao administrador quando do exercício de sua discricionariedade.
No caso em tela, os fatos narrados, somente evidenciam a inobservância à lei, ferindo de morte o princípio constitucional da legalidade, que limita e vincula as decisões administrativas, conforme refere Hely Lopes Meirelles:
A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. 2º da lei9.784/99. Com isso, fica evidente que, além da atuação conforme à lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos.
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘poder fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’."(in Direito Administrativo Brasileiro, Editora Malheiros, 27ª ed., p. 86),
No mesmo sentido, leciona Diógenes Gasparini:
O Princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade do seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal ou que exceda o âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe à anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular. De fato, este pode fazer tudo que a lei permite e tudo o que a lei não proíbe; aquela só pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza. Vale dizer, se a lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir, salvo em situação excepcional (grande perturbação da ordem, guerra)” (in GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, Ed. Saraiva, SP, 1989, p.06)
Com efeito, no controle da discricionariedade administrativa, aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência devem ser aliados o princípio da razoabilidade e o postulado da proporcionalidade como parâmetros de ponderação de valores.
Dessa forma, somente é válido o auto de infração de trânsito que preenche todos os requisitos estabelecidos na lei de regência, fornecendo ao autuado os elementos necessários e indispensáveis à plenitude de sua defesa.
Portanto, uma vez demonstrado o descumprimento ao devido processo legal e ao princípio da legalidade, tem-se por inequívoco o direito à nulidade do Auto de Infração.
6. DA AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUE MANTEVE A PENALIDADE
Os atos administrativos questionados decorrem do genuíno Poder de Império de Estado. Daí por que, embora possam restringir direitos dos administrados em prol da coletividade, hão de ser expedidos de maneira fundamentada, a fim de que, não só o administrado, como também toda a sociedade civil possa manter um controle sobre a sua juridicidade.
Em outras palavras, o dever de fundamentação decorre tanto da necessidade de se assegurar a ampla defesa e o devido processo ao administrado, quanto o princípio constitucional da publicidade - pelo qual a cidadania pode exercer o controle da administração, sobretudo a partir da análise dos motivos que deflagram a expedição de atos que limitam direitos dos administrados.
Não é em vão, por exemplo, que o artigo 50 da Lei de Processo Administrativo preveja que deve ser fundamentado o ato que:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
-
- neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
- imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
Sobre a motivação dos atos jurisdicionais, Diogo de Figueiredo Moreira Neto explana que:
Motivar é enunciar expressamente – portanto explícita ou implicitamente – as razões de fato e de direito que autorizam ou determinam a prática de um ato jurídico. O Estado, ao assim decidir, vincula-se tanto ao dispositivo legal invocado como aos fatos sobre os quais se baseou, explícita ou implicitamente, para formar sua convicção: no Direito Público, portanto, decidir é vincular-se, pois inexistem decisões livres.
Os motivos são os pressupostos jurídicos e factuais que fundamentam a aplicação casuística de um comando legal, tanto quando o Estado deva decidir ex oficio, quando deva fazê-lo sob provocação, não importando se o ato de concreção for parcial, definindo, ainda em tese, um resíduo normativo, ou total, alcançando e esgotando o comando legal editado para o caso em hipótese.
Como se indicou, o princípio da motivação é instrumental e corolário do princípio do devido processo da lei (art. 5.º, LIV, da Constituição), tendo necessária aplicação às decisões administrativas e às decisões judiciárias, embora se encontre, também, implícito no devido processo de elaboração das normas legais no sentido amplo (cf. arts. 59 a 69 da Constituição e Regimentos das casas legislativas).
Por decisão, não se deve entender, porém, qualquer ato administrativo ou judiciário que apenas contenha um mandamento, senão aquele cujo comando aplique uma solução a litígios, controvérsias e dúvidas, conhecendo, acolhendo ou denegando pretensões, através das adequadas vias processuais, ainda que atuando de ofício; essa, a ratio do art. 50 da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Lei de Processo Administrativo Federal), que impõe à Administração Pública o dever de motivar os atos administrativos que neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses dos administrados.
A obrigatoriedade de motivar decisões, tradicional no Direito Processual, geralmente expressa quanto aos atos decisórios jurisdicionais típicos do Poder Judiciário, estendeu-se, com a Carta de 1988, a seus próprios atos administrativos com características decisórias (art. 93, X). Por via de consequência, o princípio da motivação abrange as decisões administrativas tomadas por quaisquer dos demais Poderes, corolário inafastável do princípio do devido processo da lei.
Com efeito, se o Poder Judiciário, a quem caberá sempre o controle final da juridicidade de qualquer decisão, está obrigado à motivação das suas decisões administrativas, com mais razão, a ela também estarão os Poderes Legislativo, Executivo e os órgãos constitucionalmente autônomos, cada um em suas respectivas decisões administrativas, pois só assim ficará garantida a efetividade do controle (Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial / Diogo de Figueiredo Moreira Neto. – 16. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro : Forense, 2014, p.153-154).
Em resumo: ato desprovido de motivação é ato insuscetível de compor objeto do controle analítico de legalidade. Logo, se impõe a anulação do auto de infração de trânsito, sob pena de se criar um processo administrativo de nítido cunho inquisitório, na medida em que tolhe o interessado de expender, dialeticamente, os argumentos necessários à pretensão anulatória. Pedidos
Seja julgado PROCEDENTE o presente recurso, para cancelar a penalidade imposta, nos termos do art. 281, do CTB, anulando todos os seus efeitos;
Caso o presente recurso não seja julgado em 30 dias, requer a concessão de efeito suspensivo nos termos do Art. 285, § 3º do CTB.