O problema do nosso país não é, de forma alguma, a Constituição de 1988. Ao contrário, ela é o que ainda nos resta pra pensar um projeto de país que seja minimamente solidário e democrático.
1. As idéias de nova Assembléia Constituinte
Desde o ano passado, a partir do impacto gerado pelas tantas CPIs instauradas para apurar escândalos envolvendo o Governo e o Congresso Nacional, surgiram vozes de várias posições político-ideológicas defendendo a necessidade de uma nova Assembléia Constituinte: a vida política estaria profundamente afetada com uma "contaminação" geral da "classe política" e das "instituições democráticas" e, portanto, seria o caso de parar tudo e repensar a organização da política e do Estado no Brasil.
Em alguma medida dialogando com essa corrente, o Presidente da República lançou, durante uma reunião com uma comissão de juristas ilustres, onde também se encontrava o seu ministro de relações institucionais, Tarso Fernando Genro, uma proposta que dialoga com a primeira, mas, analisaremos, além de trazer consigo os mesmos problemas políticos da primeira, acumula, ainda, maior impropriedade jurídica. Sem dar maiores detalhes, a proposta do Governo propõe que se instale uma Assembléia Constituinte para tratar apenas da chamada "Reforma Política". Segundo a idéia, os detentores de mandato não teriam a devida isenção para empreender uma reforma conforme as necessidades do país. Além disso, a exigência constitucional de 60% para reformas seria outro óbice que uma "constituinte parcial" seria capaz de facilitar.
Em entrevistas que tem dado quase um mês depois de falar pela primeira vez no assunto, o Presidente segue reiterando a proposta, como uma das prioridades para um provável segundo mandato. Em razão disso, tento tratar do assunto, mostrando que se trata de uma proposta equivocada, para se dizer o mínimo.
O que queremos sustentar nesse texto é exatamente o oposto do que defendem os que propõe revisão constitucional ou mesmo feitura de um novo texto: o problema do nosso país não é, de forma alguma, a Constituição de 1988. Ao contrário, ela é o que ainda nos resta pra pensar um projeto de país que seja minimamente democrático. Qualquer abertura no sentido de fazer uma nova Constituição ou um processo de emenda ampla da atual pode significar um retrocesso, por ser a atual CF um bom instrumento para sonhar e lutar por um país mais justo.
2. A Constituição de 1988: breve histórico e análise do seu caráter
A partir de meados dos anos 70, o movimento de luta contra a ditadura militar começa a ganhar maior relação com a maioria do povo brasileiro, deixando de ser apenas expressão da vanguarda. O crescimento do movimento sindical – simbolizado no ABC paulista, mas com expressão significativa em muitos outros centros urbanos -, a massificação do movimento estudantil, a orientação militante da Teologia da Libertação junto às bases católicas e mesmo o estouro eleitoral do MDB em 1974 eram sinais claros de que a legitimidade da ditadura militar começava a se esgotar. Na esteira desse processo surgirá o PT, depois a CUT e, na mesma onda, os mais distintos movimentos sociais com grande aglutinação popular. É desse processo que a campanha por eleições diretas para presidente em 1984 se torna o símbolo. Esse anseio por mudanças força a centro-direita a construir a alternativa da eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, em 1985, a partir de uma ruptura dentro da base do regime militar no Congresso, representada pela Frente Liberal. Como sempre, prevalece a tática de "mudar não mudando".
É nessa conjuntura que a Constituinte é convocada. Os movimentos sociais organizados exercem sobre a Assembléia Nacional Constituinte uma forte pressão, divulgando posicionamentos, dando notas aos parlamentares, procurando das mais diversas formas intervir sobre o processo de elaboração da nossa Carta Maior [01]. Apesar disso, muitas bandeiras importantes dos movimentos sociais progressistas não são incorporados à Constituição. O Governo Sarney opera junto à sua base – naquilo que se constitui como o "Centrão" – um conjunto de manobras para evitar que a Constituição incorporasse as pautas populares. Dentre as manobras do "Centrão" e de Sarney, uma das mais notórias foi aquela que deu ao autor de "O dono do mar" mais um ano de mandato além do previsto quando ele foi eleito vice de Tancredo pelo Congresso [02].
O texto surgido desse processo é fruto dessas forças contraditórias. Apesar de consagrar a "livre iniciativa" e a propriedade privada como valores da República (art. 170), o mesmo texto tem em seus artigos 5°(direitos individuais diversos) e do 7° ao 9°, em especial (direitos sociais) algumas garantias que, se implementadas a pleno, nos permitiriam considerar o Brasil um país razoável. Mas o simples fato de estarem inscritas na Carta Constitucional permitem, por si, boa parte do funcionamento democrático que, mesmo com limites, podemos fruir atualmente nesse país.
Não à toa, a Constituição de 88 já foi atacada por diversas vezes desde o ascenso neoliberal que ganha força logo após sua promulgação, já com a eleição de Collor de Mello. Os governos que seguiram promoveriam mudanças de diversas ordens em seu texto, sempre de caráter regressivo, diga-se de passagem. A Constituição e suas garantias são atacadas tanto na área de direitos sociais como sendo um "entrave ao desenvolvimento", por consagrar a universalidade de direitos trabalhistas; como em suas garantias individuais como um elemento garantidor da "impunidade", ao consagrar a presunção da inocência, a liberdade provisória como regra, o direito de não produzir prova contra si, dentre outros pontos. Quem se acostumou a torturar para obter prova, considera que vivemos hoje no reino de garantia da "bandidagem", enquanto temos, na verdade, relativas garantias para impedir que o Estado oprima ainda mais a população, especialmente o povo pobre, menos ciente de seus direitos.
Para bem ilustrar essa tensão existente entre "progressistas" e "reacionários" em torno da CF 88 cito Dallari (1999):
"(...) a palavra resistência tem estado presente em cada momento de sua vida. Existe a resistência de quem procura, por qualquer meio, tentar impedir que ela seja aplicada e existe, em sentido oposto, a resistência dos que acreditam na Constituição como instrumento da democracia e justiça social e por isso tudo fazem para que ela sobreviva e tenha eficácia" [03].
No mesmo texto, o jurista afirma ser a Constituição de 88, apesar das contradições de seu texto e do próprio processo constituinte, "a mais democrática de todas as Constituições brasileiras" [04].
De certa forma poderíamos dizer que a CF de 88 se tornou uma "pedra no sapato" de quem, após sua promulgação, tomou o Governo em suas mãos, já num cenário de recuo dos movimentos sociais. Sejam aqueles que tinham maioria na Constituinte, mas tiveram de ceder à pressão popular (PMDB, PSDB, PFL) que, na seqüência, quiseram desfazer o Texto Constitucional de forma implacável, seja o caso do PT, que se negou a assinar a Carta em 88 para não referendar as derrotas sofridas pelo movimento popular para o "Centrão" e que, quinze anos depois, patrocinou também, como governo, tristes emendas à Carta [05].
3. A impropriedade da(s) proposta(s)
3. 1 – Erro político
Como dito antes, a CF de 88 é contraditória, mas construída em um momento de ascenso dos movimentos de participação popular. Não há dúvida de que uma Constituinte hoje seria espaço para atacar dispositivos constitucionais que, em circunstâncias regulares, não são alteráveis (as chamadas cláusulas pétreas), tanto nos tão visados direitos sociais (trabalhistas, em especial), como nos direitos individuais. Seria um meio relativamente fácil de "livrar" o país do "entulho" social-democrata e garantista que a Constituição de 88 representa, na visão de muitos setores com voz ativa e grande representação parlamentar.
O Brasil hoje tem no art. 5° da Constituição um conjunto de direitos individuais previstos que o colocam entre os mais avançados em relação à matéria, recepcionando boa parte daquilo que as convenções internacionais estabeleceram na área. No entanto, tais direitos e garantias tem sido constantemente ameaçados por um discurso fascista/totalitário que sustenta a idéia de um direito penal máximo, com aumentos de penas (até mesmo pena de morte) e relativização de direitos individuais em nome da proteção da "sociedade sadia" e da segurança dos "homens de bem". A abertura de um processo Constituinte permitiria, certamente, que esses assuntos entrassem em pauta, talvez com sucesso. Seria uma luta difícil para impedir a redução da maioridade penal ou mesmo a implantação da pena de morte e outras penas cruéis, além de uma provável inversão da idéia de presunção da inocência, que hoje garante que os casos de prisão preventiva e provisória antes de decisão definitiva sejam a exceção, não a regra.
Um outro elemento político-conjuntural não pode ser ignorado: a esquerda está contra a parede, do ponto de vista ideológico, no Brasil. O movimento político que construiu boa parte das garantias constitucionais que temos presentes no Texto de 88 não tem mais a mesma força para exercer pressão. Ao contrário, uma parcela expressiva dos que hoje tem mandato eletivo estão "na mão" de poderosos lobbies que ajudam a financiar as campanhas eleitorais. Os escândalos dos últimos 15 anos envolvendo contas de campanha são a ilustração clara do que falamos. O que determina para onde vai a maioria dos parlamentares (dificilmente seria diferente em uma constituinte) não é mais, se em algum momento chegou a ser, a pressão de movimentos legítimos. Tudo indica que os subterrâneos da política tenham mais capacidade de definir votações.
Não chega a ser muito diferente disso, mas apenas outra faceta, a desmoralização que a esquerda sofreu em razão dos episódios ocorridos durante esse primeiro governo de Lula. Se disseminou uma idéia geral de que não há mais diferenças entre a esquerda e a direita, não há alternativas sérias. Tal "conclusão" serve para alimentar alternativas fascistas, muito mais que a uma "nova esquerda" que possa surgir no próximo período. Tal fato não seria de menor importância na construção de um novo processo constituinte: a pregação contra valores de esquerda contidos na CF de 88 poderiam ganhar expressão e ter eco na composição da Assembléia e, logo, das suas votações. Uma esquerda "embretada" dificilmente sairia vitoriosa de um processo como esse.
3. 2 – Absurdo jurídico
Em países de constituição rígida, como a nossa, os dispositivos constitucionais são hierarquicamente superiores em relação ao restante da legislação, que necessariamente partirá do que dispõe a Lei Maior. A Constituição é escrita e aprovada por um poder constituinte originário que, na elaboração de uma Carta Constitucional, irá prever os poderes constituídos, que irão exercer suas atividades dentro do processo político que virá, nos mais diferentes poderes. Também é do poder constituinte originário que surge a previsão da forma como se pode alterar a Constituição, no que a técnica constitucional chama poder constituinte derivado. Tal poder é evidentemente inferior ao originário, como forma de impedir que a Constituição seja emendada ao sabor dos ventos [06], fruto de uma correlação de forças que não seja bastante majoritária no Congresso Nacional (são necessários 3/5 dos votos dos congressistas, em sessão conjunta, em dois turnos, para aprovação de uma PEC).
Um texto constitucional não prevê seu próprio fim no tempo. Não expõe, portanto, acerca da possibilidade de instauração de um novo poder constituinte originário. A idéia de uma Constituição é exatamente sua longa permanência ao longo do tempo, com um mínimo de alterações que o poder constituinte derivado terá a possibilidade de exercer por meio de emendas constitucionais. A Constituição garante o equilíbrio de um sistema político a partir dos valores fundantes de um dado período histórico: no nosso caso, a Carta brasileira expressa as contradições e avanços de um processo de saída de uma ditadura, sendo, portanto, um texto com garantias da livre manifestação e de grande suporte para o avanço dos direitos individuais e coletivos, em razoável sintonia com a idéia de um Estado Social.
A instauração de um novo poder constituinte originário só deve se dar em um processo de ruptura dessa estabilidade, de alterações expressivas no cenário político de um país, de modo que se possa considerar absolutamente superado um período histórico, de tal sorte que se faça necessário um novo poder constituinte. Em um processo político de pleitos regulares, com a eleição de uma seqüência de governos com diferenças ideológicas pequenas, como o que vivemos desde 89, não há qualquer sentido em um novo processo constituinte. O titular do Poder Constituinte permanente é o povo. Desse modo, qualquer iniciativa de uma maioria congressual ou de um presidente no sentido de instaurar um processo constituinte originário só se justificaria num processo de mobilização popular efetivo, que desse conta da necessidade de alteração das condições que geraram a Constituinte anterior. Não nos parece que seja o caso atual. E mesmo que o fosse, dificilmente seria numa perspectiva progressista.
Mesmo sem conhecer de forma profunda as experiências que vivem outros países da América Latina que construíram novas Constituições recentemente, é possível, de qualquer forma, colocar claras distinções em relação à atualidade brasileira. A Venezuela, na eleição de Chávez, rompeu com uma longa seqüência de governos de uma mesma composição política (cerca de quarenta anos de um mesmo grupo de partidos) e sua Lei Maior seria empecilho para qualquer transformação pretendida. No caso boliviano, a eleição de Evo Morales não parece diferente, talvez possa ter um significado de transformação simbólica e efetiva ainda maior que no episódio venezuelano. Nos dois casos houve um movimento político expressivo, com ampla mobilização popular, no sentido de um processo constituinte. Dessa forma, parece haver motivos mais concretos a justificar a convocação de uma Assembléia Constituinte: está se iniciando um novo período na história política desses dois países. Ao contrário, no caso brasileiro: 1) não há ruptura com a estabilidade anterior (seja com a eleição de Lula, seja com os problemas que a política brasileira vem enfrentado) e 2) muito menos a nossa CF representa empecilho às transformações sociais (numa perspectiva progressista). Um governo com objetivos populares precisaria, basicamente, dar-lhe efetividade.
Em relação, particularmente, à proposta feita por Lula, a impropriedade é total: poder constituinte originário com limitações de matéria não existe. Tal idéia é absolutamente "inovadora", seja em termos de legislações no mundo, seja na teoria constitucional.
O ineditismo da fórmula não seria o problema. Mas as perguntas cabem: um corpo constituinte, eleito exclusivamente para tal fim, não teria legitimidade para avançar sobre outros campos da Carta Constitucional? Haveria clareza suficiente no processo de convocação dessa eleição capaz de impedir os casuísmos e usurpações correntes em nossa história política? É possível confiar no bom senso dos nossos mandatários, terá havido uma evolução qualitativa no último período político, que nos permita tal confiança? Mais: a intenção de quem propõe atualmente tal fórmula não será alterada ali adiante, às pressas, quando o debate estiver encaminhado?
4. Conclusão
Mesmo com todas as contradições que contém, a Constituição de 88 é um documento democrático, fruto de um momento de efervescência do debate brasileiro.
No atual momento, seja um novo processo constituinte ou um empreendimento de mudanças de partes inteiras, como propõe Lula, dificilmente viriam no sentido de avançar na democracia. Tal impressão, mais que um subjetivismo qualquer, pode ser comprovada pelo tipo de emendas constitucionais que têm sido aprovadas ao longo dos últimos anos, seja no período de 8 anos de Fernando Henrique, seja nos 4 primeiros anos de Lula. O momento atual exige da sociedade brasileira a resistência na manutenção das conquistas do período anterior que ainda não foram atacadas. Qualquer entusiasmo flexibilizador pode ser a vitória da corrente que defende um direito social mínimo e um direito penal máximo para o Brasil: um Estado que só funciona para distribuir benesses aos que muito já tem e para reprimir os que estão abaixo na pirâmide social.
Além da resistência, a sociedade brasileira precisa lutar pela efetivação da atual Constituição. Muitos são os dispositivos que, implementados, serviriam para consolidar a democracia e a República no Brasil.
Em relação às pregações por uma ampla reforma política, tal debate precisa ser melhor aprofundado. Não pode tal reforma vir "goela abaixo" da população, como tantas outras, apenas para dar resposta à descrença geral com a política. Não pode ser mais um ato da velha política de "mudar para não mudar nada". Só de um debate democrático em que todos tenham a possibilidade de opinar poderá surgir reformas no funcionamento da democracia que não venham a criar novos problemas para, ali adiante, serem objeto de nova reforma (como o tamanho do mandato presidencial de que falamos acima). A cláusula de barreira, que começará a funcionar a partir da atual eleição, é um desse mecanismos bastante questionáveis, copiados de outros países de forma mecânica e que, entendemos, rapidamente terá de ser revisto. O voto distrital serviria apenas para um reforço dos poderes locais, reforçando os coronéis que em pleno século XXI ainda teimam em ter força no país, atravessando hoje boa parte do espectro ideológico brasileiro, tendo deixado de ser uma figura típica da direita, apenas. O voto em lista fechada pode levar a uma grave concentração de poder nas burocracias partidárias, tornando as eleições um mero espaço de legitimação de seus poderes. A corrupção e o autoritarismo das direções partidárias (quase todas as experiências partidárias atuais demonstram isso) nos leva a temer um reforço ainda maior na sua esfera de decisão, tirando do eleitor a possibilidade de escolher a ordem de eleição dos parlamentares. A lista fechada, além disso, poderia significar o fim de qualquer possibilidade de renovação das casas legislativas, que seriam condenadas a pequenas correções no peso das bancadas, sem qualquer renovação de quadros. Sem democracia e debate profundo, nenhuma reforma servirá para consolidar o regime democrático brasileiro, apenas para concentrar ainda maior poder e fechar os canais de expressão da grande maioria e das minorias que tem dificuldade de se representarem.
A reforma política não pode ser uma cortina de fumaça para esconder o central da crise política atual: os problemas do país são do "sistema político", apenas? Uma outra pergunta cabe: por que só agora, depois dos escândalos recentes, o atual governo resolveu propor alterações no sistema? No início do seu mandato, Lula não cogitou de empreender alterações. Mais que isso, operou com grande maestria o jogo nas regras antigas.
Com esses cuidados como método e a preocupação central em respeitar nossa boa Constituição Federal de 88 é que podemos melhorar a prática política no Brasil. O resto é pirotecnia. Ou golpe.
Notas
01 No livro "Cidadão Constituinte" (Paz e Terra, 1989, organizado por Francisco Whitaker) há um dado de que foram colhidas 12 milhões de assinaturas para proposição de emendas populares ao projeto de Constituição.
02 Em 1984 foi rejeitada pelo Congresso a emenda que previa a realização de eleições diretas para presidente da república. Com isso, houve a eleição da chapa Tancredo – Sarney de forma indireta, pelo Congresso. Como se tratava de uma espécie de "mandato tampão", havia um certo consenso de que tal mandato deveria durar apenas quatro anos. Assim, em 88 seria proclamada a Constituição e chamada eleição direta logo a seguir. Nos bastidores da Constituinte, no entanto, Sarney operou no sentido de ter um mandato de cinco anos, prorrogando a eleição direta apenas para 89.
Em 1993, durante a revisão constitucional, o Congresso alterou a Constituição reduzindo o mandato presidencial, de 5 anos para apenas 4, a valer do mandato seguinte, sem possibilidade de reeleição, o que a época era defendida por muitos. À época, se temia uma possível eleição de Lula em 94. Após, em 1997, o caso mais escandaloso envolvendo as tantas alterações do mandato presidencial: o então presidente Fernando Henrique, eleito para um mandato de quatro anos ganhou a chance de disputar – e ganhar – outro mandato, na seqüência. A gravidade do caso está no fato de que a regra foi alterada durante "o jogo", já que FHC tinha sido eleito para um mandato de quatro anos, sem direito à reeleição. A regra foi alterada beneficiando o mandatário. Agora, menos de 10 anos após, se cogita nova alteração: acabaria a possibilidade de reeleição, com aumento do mandato presidencial para cinco anos, como a CF de 88 previa originalmente.
03 DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição Resistente. In: MORAES, Alexandre de (organizador). Os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo, Editora Atlas, 1999. p. 45.
04 DALLARI, op. cit., p. 49.
05 Apenas dois exemplos de emendas constitucionais patrocinadas a partir de 2003, ambas iniciativas do Poder Executivo, podem ilustrar bem nossa afirmação, para não parecer exagerada: a Reforma da Previdência (Emenda 41/2003) cortou direitos previdenciários de forma draconiana. Efetivou, com isso, a segunda parte da reforma do sistema previdenciário(que tratou de servidores públicos), tendo a primeira parte sido aprovada em 1998, tratando dos benefícios de trabalhadores da iniciativa privada.
Outra emenda constitucional merecedora de nota é justamente a primeira, a EC 40/03: ao revogar os incisos e parágrafos do artigo 192, tal emenda resolveu um dos grandes debates jurídicos pós-constituição, acerca do limite dos juros legais. A CF previa no texto original (art. 192, par. 3°) que "as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar". Como não houve, depois da CF, lei complementar regulamentando a matéria, o judiciário tinha dois entendimentos acerca do dispositivo: um dizia que o artigo tinha eficácia plena, devendo ser considerado nas decisões; outra corrente exigia lei complementar, entendendo que, sem esta, o dispositivo seria apenas "programático". Este último era o entendimento adotado pelo STF, sem que tenha, com isso, esgotado a polêmica nos Tribunais e juízos de 1° grau. Ao invés de regulamentar a matéria através de lei complementar, dando ao dispositivo a eficácia que essa corrente jurisprudencial exigia, o Congresso, a partir de uma iniciativa do Presidente Lula, achou mais fácil revogar o dispositivo. Resolveu a controvérsia, mas em favor dos bancos!
06 Tal fato não impediu que nossa Constituição de 88 já tenha sofrido mais de cinqüenta emendas em seus menos de vinte anos de vida.