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Interpretação dos contratos

Agenda 14/04/2021 às 16:55

Buscamos na dogmática cível e na ciência hermenêutica as normas escritas ou convencionais de resolução de conflitos baseados na interpretação de cláusulas contratuais.

A hermenêutica é a ciência que cuida da interpretação das leis. O contrato, à semelhança da lei, requer uma interpretação, sobretudo, quando existe divergência entre as partes sobre o sentido de uma determinada cláusula.

Assim, interpretar o contrato significa revelar o real significado de seu conteúdo.

A interpretação do contrato, como salienta Maria Helena Diniz, “é indiscutivelmente similar à da lei, podendo-se até afirmar que há certa coincidência entre as duas. Aplicam-se, por isso, à hermenêutica do contrato princípios concernentes à interpretação da lei”. Todavia, enquanto na hermenêutica da lei, prevalece o lado objetivo do exame desta, e não a vontade do legislador, na interpretação dos contratos, sobressai, em primeiro lugar, o aspecto subjetivo da intenção comum dos contratantes, e, em segundo lugar, o exame objetivo das cláusulas contratuais. Com efeito, dispõe o artigo 112 que “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

O Código Civil de 2002, a exemplo do Código de 1916, não sistematizou o assunto referente à interpretação dos contratos, limitando-se a fixar a regra do artigo 112, situada no livro da Parte Geral, relegando à doutrina o desenvolvimento da matéria atinente à exegese dos contratos.

A interpretação contratual visa desvendar a vontade comum dos contratantes presente no momento da formação do contrato, tendo, pois caráter declaratório.

Já a integração contratual visa suprir as lacunas do contrato, nele inserindo normas supletivas que refletem a real intenção das partes, tendo, pois, caráter constitutivo, sendo muito comum a sua incidência na análise dos princípios da função social e boa-fé objetiva, outrossim, em relação aos usos e costumes do local. A integração contratual é concretizada pelo emprego da lei, analogia, costumes, princípios gerais do direito e equidade.

De acordo com a teoria subjetiva ou voluntarística, o intérprete deve investigar a real vontade dos contratantes. Esta prevalecerá sobre a vontade externada por palavras nas cláusulas contratuais. Assim, a vontade pode ser analisada até além do exame objeto do contrato.

Pela teoria objetiva ou da declaração, o intérprete deve ater-se ao sentido das palavras consignadas nas cláusulas contratuais, desconsiderando a vontade interna dos contratantes.

Sobre a adoção de uma ou outra teoria, ensina-nos Sílvio Venosa que “é evidente que nenhuma dessas posições haverá de ser adotada isoladamente, razão pela qual a doutrina engendrou uma série de outras intermediárias, de pouco interesse prático. Em qualquer situação, deve o hermeneuta comportar-se de forma que evite o apego excessivo a uma só dessas posições, sob pena de atingir conclusões inóquas e distorcidas”.

Vimos que o Código Civil, no artigo 112, salienta que “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem”. Com essa redação, porém, o legislador não quis esquivar-se da teoria subjetiva (motivos psicológicos do agente), ou abraçar a teoria objetiva (interpretação fiel ao texto da declaração), mas sim, como salienta Antônio Junqueira de Azevedo, abraçar um critério intermediário, onde avulta a preocupação com a confiança despertada no destinatário da declaração de vontade, e onde ressalta a responsabilidade do declarante.

O artigo 112, acima transcrito, se refere à vontade consubstanciada na declaração, portanto na vontade já objetivada, não na intenção, vontade interna. Aliás, o intérprete deve buscar a intenção consubstanciada na declaração, e não ao pensamento íntimo do declarante.

Do exposto dessume-se que o Código abraçou uma teoria intermediária ou eclética, porque a interpretação deve partir de dados objetivos consubstanciados no contrato, buscando-se, a partir daí, a real intenção dos contratantes, atentando-se, sobretudo, para a boa-fé e confiança das partes. Como afirma Sílvio Venosa, “não é dado pois, ao intérprete, alçar vôos interpretativos que o levem para longe do fulcro do negócio jurídico em exame”.

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Finalmente, se a clareza da claúsula não deixa dúvida sobre o seu sentido, a vontade íntima não pode prevalecer, pois o código não adotou, na pureza, a teoria subjetiva. Aliás, o artigo do 112 Código Civil enfatiza muito bem que o contrato não pode colidir contra o seu conteúdo.

São dois os princípios básicos da interpretação dos contratos:

a) Princípio da boa-fé: a lealdade e honestidade dos contratantes devem ser presumidas. Interpreta-se o contrato partindo-se desse pressuposto. Com efeito, dispõe o art.113 do CC que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

b) Princípio da preservação do contrato: a interpretação, sempre que possível, deve visar a conservação ou aproveitamento do contrato e de suas cláusulas. Se, por exemplo, a cláusula permite dupla interpretação, uma que proclama a extinção do contrato e outra que lhe atribui efeito vivificador, prevalecerá esta última.

Quando uma cláusula contém dois ou mais sentidos, deve prevalecer aquele em que ela pode ter efeito; e não aquele em que ela não teria efeito algum. Assim, da mesma forma que a lei não deve ter palavras inúteis, as cláusulas contratuais também devem consubstanciar algum sentido útil.

Conquanto o objeto da interpretação seja o conteúdo do contrato, consubstanciado em suas diversas cláusulas, o certo é que são meios auxiliares da interpretação: as tratativas preliminares, o caráter habitual das relações mantidas entre as partes, as manifestações anteriores do declarante e do destinatário, que reconhecidamente se ligam à declaração, tais como uma expressão típica do declarante, conhecida pelo destinatário, bem como o lugar, o tempo e as circunstâncias inerentes.

O Código Civil, embora não tenha sistematizado a matéria, contém algumas normas sobre interpretação dos contratos, a saber:

a) a transação interpreta-se restritivamente, e por ela não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos (artigo 843 do CC);

b) os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente (artigo 114 do CC);

c) a fiança não admite interpretação extensiva (artigo 890);

d) quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente (artigo 423);

e) os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração (artigo 113).

O Código de Defesa do Consumidor ainda prescreve que:

a) o contrato não obrigará o consumidor se o respectivo instrumento for redigido de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance (artigo 46);

b) as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (artigo 47).

Por outro lado, cumpre destacar que, na interpretação dos contratos, levar-se-á em conta a emissão da vontade e o significado extraído desta pelo declaratário. Afinal, a relação contratual é bilateral, de modo que o significado curial é o que deram coincidentemente o proponente e o aceitante.

Nessa análise, deve ser considerada a possibilidade de compreensão do destinatário da declaração, outrossim, a responsabilidade do proponente pelo significado da declaração contida na proposta.

Outras regras de interpretação devem ser lembradas, a saber:

a) os negócios sobre direitos autorais devem ser interpretados restritivamente (artigo 4º da Lei nº 9.610/98);

b) na interpretação dos contratos, levar-se-á em conta a boa-fé, a necessidade do crédito e a equidade;

c) quando uma cláusula contém dois ou mais sentidos, deve prevalecer aquele em que ela pode ter efeito; e não aquele em que ela não teria efeito algum;

d) quando a palavra for suscetível de mais de um sentido, deve prevalecer o sentido que mais se amolda à natureza do contrato;

e) não se deve interpretar uma cláusula isoladamente, mas em conjunto ou as demais. Trata-se aqui da chamada interpretação sistemática;

f) as cláusulas duvidosas devem ser interpretadas contra o contratante que redigiu o contrato;

g) na dúvida se o contrato é oneroso ou gratuito, presume-se que seja oneroso;

h) as cláusulas genéricas devem ser interpretadas restritivamente, no sentido de abrangerem apenas o objeto do contrato;

i) o negócio envolvendo uma universalidade compreende todas as coisas singulares que integram esse bem coletivo, ainda que delas não tivessem conhecimento os contratantes. Assim, na venda de um rebanho, reputam-se abrangidas as crias concebidas;

j) na locação as dúvidas são resolvidas contra o locador;

k) na compra e venda as dúvidas são resolvidas contra o vendedor, inclusive, no tocante ao preço;

l) na interpretação dos contratos, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum;

m) na interpretação dos contratos, presume-se a boa-fé dos contratantes;

n) no caso de ambiguidade das cláusulas contratuais, deve prevalecer o costume do país ou do lugar em que o contrato foi celebrado;

o) nas cláusulas duvidosas, prevalecerá a interpretação que favorece aquele que se obriga;

p) reputa-se não escrita a cláusula contratual sem sentido algum;

q) se houver dúvida entre a cláusula impressa e a datilografada, prevalecerá a segunda;

r) na hipótese de o contrato ser modificado parcialmente por outro, o intérprete deverá considerar os dois como um todo orgânico;

s) quando, em determinado contrato, há referência a um caso a título de esclarecimento, não se presumem excluídos os casos não expressos, os quais podem ser abrangidos pela convenção. Assim, como ilustra Sílvio Rodrigues, citando Pothier, se em pacto antenupcial os nubentes adotam o regime da comunhão universal e esclarecem que ela abrangerá os bens móveis que vierem a receber a título hereditário, tal cláusula não afasta da comunhão os bens imóveis, havidos causa mortis, pois entende-se que a cláusula em questão derivou da ignorância dos contraentes, que a acreditaram necessária, quando era supérflua.

t) Apura-se a intenção pelo modo como as partes, de comum acordo, já vinham executando o contrato.

u) Na dúvida, prevalece a interpretação que seja menos onerosa ao devedor.

v) Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio (art.424 do CC).

As regras de interpretação são dirigidas às partes, que, por isso, podem substituí-las por outras, derrogando-as, ainda quando estampadas em lei.

De fato, a avaliação sobre a forma de cumprimento do contrato deve ser feita, em primeiro lugar, pelos contratantes, que são os maiores interessados. Se não chegarem a um acordo, daí sim, o juiz passa a ser o destinatário final das regras interpretativas, devendo segui-las à risca, sobretudo, quando previstas em lei.

Todavia, na hipótese de o magistrado contrariar uma norma legal de interpretação contratual, não é cabível o recurso extraordinário dirigido ao STF nem o recurso especial endereçado ao STJ, porque trata-se de questão de fato (Súmula 454 do STF), ao passo que nesses dois recursos só é possível a discussão de questões jurídicas.


Referências Bibliográficas:

DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. 3 – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais, 27ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2011.

GOMES, Orlando, Contratos, 26ª Edição, Editora Forense e Gen, Rio de Janeiro, 2008.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade; Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro, Vol. 3: Contratos e Atos Unilaterais, Editora Saraiva, 9ª Edição, São Paulo, 2012.

PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, Vol 3 – Contratos: Declaração Unilateral de vontade; Responsabilidade civil, 12ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2006.

VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil, Vol. 2: contratos em espécie, 2ª edição, São Paulo, Editora Atlas, 2002.

BRASIL. Código Civil. Lei n° 10406, de 10 de janeiro de 2002.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALINDO, Guilherme Marques. Interpretação dos contratos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6496, 14 abr. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89815. Acesso em: 15 nov. 2024.

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