Caso as forças do mercado competitivo não permitirem/concordarem, inexistirá recuperação da “empresa”[1] mergulhada em crise e a abertura judicial da falência é o caminho a trilhar. Inicia-se este texto com frase de efeito, forte, cáustica, mas que está em consonância com a realidade pandêmica mundial. Foi escrita justamente para demonstrar a força do mercado competitivo, inclusive sobre processo de reestruturação empresarial e até mesmo falimentar.
No sistema eminentemente capitalista, o mercado tem preponderância, se sobrepõe, porquanto é ele quem determina a continuidade da atividade econômica da empresa ou sua desativação (abertura judicial de falência ou fechamento regular/irregular). É ele quem estabelece, mediante regras específicas e linguagem próprias, o real sentido e alcance dessa atividade econômica organizada num mundo globalizado, mundo esse que entrou em outra fase após março/2020.
O mercado, na linha de pensamento de Eros Grau, é uma instituição jurídica e opera sob dois requisitos: a calculabilidade econômica e a previsibilidade de comportamentos[2]. Na visão de Nicholas Gregory Mankiw, o mercado é um grupo de compradores e vendedores de um determinado bem ou serviço. Os compradores, como grupo, determinam a demanda pelo produto e os vendedores, também como grupo, determinam a oferta do produto[3].
O mercado competitivo - no qual há muitos compradores e vendedores que negociam produtos - tem estreita ligação, por evidente, com a economia. Euro Brandão, em formidável obra, esclarece que vive-se a síndrome do economicismo, ou seja, a crença de que tudo gira em torno do econômico[4]. Para este autor, há preocupação excessiva com o aspecto econômico e foram geradas ideologias em que apenas o ângulo econômico do homem é considerado. Temos aí o marxismo e o capitalismo selvagem para evidenciar isso[5].
As entidades em crise econômico-financeira, que atuam de forma deficitária no mercado, caso queiram, poderão sair da UTI, mediante adoção de uma das formas de reestruturação previstas na Lei 11.101/05, alterada em alguns pontos no dia 24/12/2020. A medida mais comum, como consabido, é a recuperação plenamente judicial, voltada às médias e grandes corporações[6].
O legislador de 2005 olvidou por completo das micro e pequenas empresas e das pessoas físicas endividadas[7], mas esse é tema para outro escrito.
São poucas as entidades empresárias que conseguiram se recuperar com base, também, na Lei 11.101/05, voltando a atuar regularmente no mercado, a partir de 2005. A grande maioria entrou em processo de falência, considerando a inviabilidade/impossibilidade de cumprimento do plano de reestruturação e mantença regular da atividade econômica desenvolvida; muitas, para fins recuperacionais, acabaram por se desfazer de ativos para fins de cumprimento efetivo do plano de reestruturação, como sói ocorrer com grandes corporações.
O baixíssimo percentual de entidades que retornaram ao mercado competitivo indica que a lei não vem contribuindo para o soerguimento da “empresa” em crise. Por óbvio ululante, a lei, com viés eminentemente econômico (sobrepondo-se de forma exagerada sobre o jurídico), não pode, sozinha, socorrer quem quer que seja. A lei não recupera entidades em crise; a lei é apenas e tão somente um instrumento colocado no sistema jurídico para auxiliar no procedimento recuperatório.
O Estado-juiz não é a salvação dos que estão em crise econômico-financeira, considerada momentânea, passageira. De há muito se foi o tempo em que o devedor, de boa-fé e infeliz nos negócios, colocava na mão do Estado-juiz todos os seus problemas e aguardava a solução de sua crise (concordata preventiva, lá dos tempos de 1945).
Conforme dito no preâmbulo, o mercado é um dos componentes importantes para o sucesso ou o fracasso da reestruturação empresarial. As instituições financeiras - que não raro têm peso preponderante em atos assembleares -, simplesmente podem auxiliar na recuperação ou contribuir de forma significativa para a abertura de uma entidade recuperada. Triste, mas evidente realidade, constatada em vários processos judiciais.
O sistema econômico (instituições financeiras), quando dos projetos de lei para elaboração de novo regime de falência e recuperação (2005), teve papel preponderante para direcionar o rumo da recuperação de crédito, mas não recuperação empresarial propriamente dita[8].
São conhecidas e públicas as pressões para que a redação do art. 49 da Lei 11.101/05 ficasse de acordo com a conveniência, conforto e interesse das instituições financeiras, com papel sempre relevante e preponderante nos processos de reestruturação plenamente judicial.
Os supercredores, como assim denomino em meus escritos, não tomam conhecimento da recuperação judicial. Portanto, caso as forças do mercado não queiram, a entidade empresária não voltará a atuar regularmente, sendo que o caminho será a abertura judicial de falência.
Lamentável constatação para um país que vive múltiplas, acentuadas e complexas crises, inclusive de ordem econômica, social, moral, ética e agora, sanitária.
[1] Atividade econômica organizada [Código Civil, art. 966] e não em sentido outro atribuído por muitos. Empresa é atividade no sentido jurídico.
[2]A ordem econômica na Constituição de 1988. 11ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
[3] Introdução à economia. São Paulo: Cengage Learning, 2012, p. 66.
[4] A valorização humana na empresa. Curitiba: Champagnat, 1995, p. 9.
[5] Op. cit., p. 12.
[6] Evidentemente que a Lei 11.101/05, no tocante à recuperação plenamente judicial, é inexoravelmente voltada às médias e grandes entidades, levando-se em conta uma série de fatores, inclusive o custo do processo judicial de reestruturação.
[7] Em relação às pessoas físicas mergulhadas em dívidas, mantém-se no sistema jurídico pátrio o instituto da insolvência civil [execução por quantia certa contra devedor insolvente], previsto no CPC de 1973 [art. 740 e ss.]. Observe-se o texto do art. 1052, CPC de 2015. O Brasil, uma vez mais, ficou bem distante das modernas legislações acerca da insolvência civil.
[8] Sobre o tema, ver: CLARO, Carlos R. Revocatória falimentar. 5ª edição. Curitiba: Juruá Editora, 2015.