SUMÁRIO: RESUMO. 1. INTRODUÇÃO 2. O DIREITO DO TRABALHO NA ORDEM CONSTITUCIONAL E SUA VISÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL. 3. O EXEMPLO DE PORTUGAL NA PROTEÇÃO AOS TRABALHADORES E EMPREGADORES NESTE MOMENTO DE PANDEMIA. 4. AS MP 927 E MP 936, E O DELICADO EQUILÍBRIO DA MANUTENÇÃO DO EMPREGO/TRABALHO E DO EMPREGADOR. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS
Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar os efeitos da pandemia do Covid-19 nas relações trabalhistas no Brasil, bem como os impactos da Medidas Provisórias nº 927 e 936 de 2020, quanto à elevação da fragilização da relação entre empregado/trabalhador versus empregador. Através de uma pesquisa bibliográfica doutrinária, artigos científicos e sites da internet, tendo como parâmetro o método crítico-dialético, demonstrar-se-á que no presente momento de pandemia, em que urge a necessidade de manutenção da vida, as citadas MPs colocam o trabalhador em uma situação de vulnerabilidade frente ao empregador. Além disso citar-se-á, a título de exemplo, as medidas econômicas adotadas pelo governo de Portugal como forma de demonstrar o real papel, que deve ser desempenhado pelo Estado na manutenção dos empregos e empresas. Também serão citadas medidas econômicas apresentadas por profissionais da área, que demonstram a existência de outro “caminho”, que pode ser adotado pelo Governo, sem que isso represente colocar o trabalhar em uma maior situação de vulnerabilidade. Para se alcançar o presente objetivo será utilizada da interpretação dialética de vasta bibliografia disponível, artigos científicos, estudos mais aprofundados e decisões das Cortes Superiores.
PALAVRAS-CHAVE: DIREITOS FUNDAMENTAIS; PROTEÇÃO DO EMPREGO E TRABALHO; MANUTENÇÃO DO EMPREGADOR; FRAGILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS.
1. INTRODUÇÃO
É notória que a crise atual, que tanto o mundo quanto o Brasil estão vivenciando, por conta do efeitos da pandemia sobre as questões sociais, jurídicas, públicas e políticas, atingirão a todos e em todos os locais do mundo.
No entanto, neste momento em que os Estados devem atuar visando minorar os efeitos sobre o povo (sociedade) e o mercado (empresas), não se deve ponderar sobre preservar vidas e mercado. As vidas perdidas são irreparáveis, todavia as empresas podem ser soerguidas, desta forma e visando a manutenção dos direitos fundamentais, em especial a vida e dignidade da pessoa humana, as política públicas devem focar em manter o cidadão bem e vivo. Posteriormente deve-se voltar as atenções para o mercado econômico e empresarial.
É a partir disto que esta pesquisa se desenvolverá, pois procurar-se-á demonstrar que não se deve fragilizar as relações trabalhistas sob argumentos de que tal medida proporcionar a manutenção dos trabalhos, uma vez que lei ou reformas destas não gera emprego, por si só, mas sim políticas públicas e econômicas, e desenvolvimento que fomentem a economia.
Desta forma neste cenário de pandemia percebe-se que o Estado deverá puxar para si o ônus das despesas de manutenção tanto do empregado/trabalhador, quanto do empregador.
Em que pese o entendimento do termo empregado (art. 3º da CLT) não ser sinônimo de trabalhador, esta pesquisa não terá como objetivo trabalhar esta distinção, uma vez que o que se pretende com este estudo é demonstrar a fragilização das relações trabalhistas. Para isso o leitor não precisará ficar preocupado com as distinções técnicas quando se falar em empregador ou trabalhador.
2. O DIREITO DO TRABALHO NA ORDEM CONSTITUCIONAL E SUA VISÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Antes de se iniciar a abordagem do que se propõe, nesta pesquisa, é importante contextualizar o direito do trabalho na ordem constitucional para daí demonstra ao leitor o caráter de direito fundamental dado ao direito do trabalho. Todavia, antes ainda desta caminhada é extremamente essencial destacar o que é apresentado Comparato (2008, p.1), o qual demonstra com uma visão de profundidade e importância a ideia dos direitos fundamentais ao afirmar que “(...) a revelação de que todos os seres humanos, apesar de inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito (...) – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação, pode firmar-se superior aos demais”.
A partir deste olhar, acerca dos direitos fundamentais, permite-se agora compreender mais detalhadamente a CRFB/88 que, já de início, possui em seu texto vários dispositivos que demonstram sua preocupação com a dignidade da pessoa humana e consequentemente a manutenção e respeito aos direitos fundamentais básicos, garantidos a todos os seres humanos.
Logo de início, em seu preâmbulo, o constituinte já demonstra sua preocupação em assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida.
Já no Título I são introduzidos os “Princípios Fundamentais” quando no art. 1º aponta como fundamentos da República a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, dentre outros. Posteriormente no art. 3º tem-se que são objetivos também da República, dentre muitos: construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades e consequente promover o bem de todos. Além destes, no art. 4º consta, taxativamente, que a República Federativa do Brasil, nas relações internacionais, terá suas ações regidas principalmente pela prevalência dos direitos humanos.
Continuando pelo texto Constitucional, agora no Capítulo II “Dos Direitos Sociais”, vê-se nos art. 6º e art. 7º a inclusão do direito do trabalho de forma mais categórica, elevando-o ao nível de direito social e consequentemente ao patamar de direito fundamental. Agora, quando a CRFB/88 fala da ordem econômica e financeira, art. 170, é possível verificar que a valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem como objetivo assegurar a todos uma existência digna, de acordo com os regramentos da justiça social”. Além disso ao se tratar da ordem social, art. 193, infere-se que o Estado Brasileiro passa a ter o dever de proteção concreta e efetiva do trabalho, o que proporcionará garantir tanto o bem-esta e a justiça social.
Ora, a partir desta visão constitucional, é possível depreender que o direito do trabalho e as consequentes relações de emprego e trabalho possuem guarida em nível constitucional, sob a égide dos direitos fundamentais. Corroborando isso tem-se em Delgado a seguinte expressão:
Nesse plano, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana – com necessária dimensão social, da qual é o trabalho seu mais relevante aspecto –, ao lado do princípio da subordinação da propriedade à sua função socioambiental, além do princípio da valorização do trabalho e, em especial, do emprego, todos expressam o ponto maior de afirmação alcançado pelo Direito do Trabalho na evolução constitucional dos últimos séculos. (DELGADO, 2007, p. 14).
Nesse contexto, o Direito do Trabalho se exterioriza como um fundamental recurso de materialização da dignidade da pessoa humana.
3. O EXEMPLO ECONÔMICO DE PORTUGAL NA PROTEÇÃO AOS TRABALHADORES E EMPREGADORES NESTE MOMENTO DE PANDEMIA
Inicialmente destaca-se que não se visará realizar comparações, quanto às medidas econômicas e sociais, entre Portugal e Brasil. É sabido que ambas nações possuem características territoriais, populacionais, culturais, históricas e econômicas bem distintas. O objetivo pretendido é apresentar, de forma direta, as medidas adotadas pelo governo português para a partir daí possibilitar a verificação de possíveis ações governamentais, que poderiam ser implementadas pelo governo brasileiro, sem que com isso eleve a fragilização das relações trabalhistas.
Para os trabalhadores independentes o governo português agiu de forma a proporcionar uma flexibilização dos pagamentos de suas obrigações tributárias, até o mês de junho, podendo ser estendido de acordo com o impacto da crise. Também procuraram garantir aos trabalhadores independentes 70% de sua remuneração média, definido um teto, durante o período de 6 meses. O trabalhador que contrair o COVID-19, este receberá 100% de seu salário médio, além de outras medidas.
Além disso foram definidas medidas para os trabalhadores com carteira assinada como:
Além do seguro desemprego que já existe no país (e que varia tanto conforme a idade do profissional quanto conforme ao tempo que ele estava empregado), o estado português também previu auxílios para os profissionais que trabalham com carteira assinada. Porém, o objetivo aqui é sempre preservar os vínculos empregatícios, para que as empresas possam acelerar novamente suas atividades ao fim do surto de COVID-19. (Grifo nosso)
As medidas ainda foram estendidas às empresas visando a manutenção das operações e evitando assim o mínimo de demissões possíveis. Foram disponibilizadas linhas de créditos nos valores de 200 milhões de euros para “...apoio à tesouraria de todas as pequenas e médias empresas que tenham uma queda de 20% de facturação.”
Aos bancos foram proporcionados pacotes de medidas visando preservar tanto o consumo quanto o sustento do trabalhador português.
Desta forma é possível perceber o quanto foram amplas, práticas e diretas as medidas adotadas pelo governo português, no enfrentamento dos efeitos causados pela Pandemia do COVID-19.
4. AS MP 927 E MP 936, E O DELICADO EQUILÍBRIO DA MANUTENÇÃO DO EMPREGO/TRABALHO E DO EMPREGADOR
Inicialmente esclarece-se que não se visará uma análise doutrinária aprofundada e nem se tem a pretensão de afirmar que será esgotado os estudos acerca desta temática. Os objetivos pretendidos são os de demonstrar quais ações foram propostas pelas medidas provisórias e seus efeitos nas relações de emprego e trabalho.
Logo na no art. 1º da MP 927/2020 vê-se que “esta Medida Provisória dispõe sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores…”, ora, já é possível observar a definição de uma decisão unilateral que é criada não se verificando, inicialmente, a possibilidade de um diálogo bilateral. Pode parecer irrelevante, mas a escrita no texto é categórica a este ponto.
Além disso, no art. 2 da mesma MP tem-se que os acordos individuais inscritos terão preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e outros. Nas palavras de Souto Maior, “...o empregador poderia utilizar o poder que lhe foi conferido pelo art. 2º da MP 927, disfarçado em “acordo individual”.
A MP 927/2020 também previu em seu art. 18 a suspensão dos contratos de trabalhos, todavia no dia seguinte tal medida foi revogada pela MP 92/2020. Isto já contribui para demonstrar o quanto que a proposta constante nesta medida provisória tendia para uma maior fragilização, das relações trabalhistas.
Segundo também Souto Maior (2020) não ocorreu por parte do governo um arrependimento, mas sim
A revogação não representa um arrependimento em torno da proposição e sim um arrependimento de se ter explicitado, de forma mais contundente, como o empregador poderia utilizar o poder que lhe foi conferido pelo art. 2º da MP 927, disfarçado em “acordo individual”.
Se a MP 927/2020 for criteriosamente analisada verificar-se-á que suas ações visaram proporcionar ao empregador uma maior segurança jurídica para a utilização dos recursos disponíveis do art. 3º ao art. 10 desta como: teletrabalho com regras adaptadas a critérios do empregado, antecipação das férias do empregado, suspensão das férias ou licenças remuneradas, dispensa do empregado dentre outras questões.
Continuando nesta “guarida” jurídica ao empregador a MP 927/2020 foge a qualquer lógica ao isentar o empregador (arts. 15 a 17) da necessidade do cumprimento das normas de segurança e de saúde do trabalho.
Como demonstração de qualquer falta de humanidade na edição da citada MP tem-se no art. 29, nas palavras de Souto Maior “...uma das maiores maldades da MP.”, ao se observar que ao trabalhador que fosse contaminado pelo Covid-19, isto não seria considerado uma doença ocupacional. Por sorte, o STF, em data de 29/04/2020, suspendeu os efeitos do presente artigo, bem como do art. 31, que limitaria a atuação dos auditores fiscais do trabalho. Em que pese a suspensão ter caráter temporário, isto por si só já é uma conquista na proteção dos trabalhadores.
Percebe-se que esta medida provisória, diferente do que foi apresentado pelo Governo de Portugal, visa proporcionar aos empregadores, na palavras de Souto Maior (2020) “...oferecer “regalias” jurídicas, com redução de direitos dos trabalhadores, para as empresas que continuam prestando seus serviços.”
Já quanto a MP 936/2020, tendo também como balizador o Jurista Souto Maior, tem-se que esta medida provisória consegue ser mais danosa ao trabalhador do que anterior e demonstra assim a contramão das políticas adotadas pelos governos, no quesito relações trabalhistas.
Antes vê-se a necessidade de se concordar com Souto Maior (2020), quanto “A pandemia da COVID-19 certamente é algo inesperado, que tem determinado a perda de lucro por parte de muitas empresas, especialmente em razão do isolamento físico necessário.”. Isso é algo inegável e em momento algum pretende-se, com este estudo, diminuir a gravidade dos efeitos da pandemia sobre o empregador. Todavia, tendo como balizador os valores sociais e a dignidade da pessoa humana garantidos na CRFB/88, a de se convir que não se pode admitir uma maior vulnerabilidade e fragilização das relações trabalhistas usando como “pano de fundo” os efeitos da pandemia.
Ao longo da MP 936/2020 é muito falado da redução proporcional de jornada de trabalho e de salários, como no art. 3 do dispositivo. Sobre esta questão é importante citar Godinho Delgado (2017, p. 885), que afirma
Note-se, portanto, que a noção de irredutibilidade busca combater duas modalidades centrais de diminuição de salários: a redução salarial direta (diminuição nominal de salários) e a redução salarial indireta (redução da jornada ou do serviço, com consequente redução salarial). Como enfatizado, tais modalidades de redução são, em princípio, vedadas pela ordem jurídica (notadamente se não previstas em norma coletiva negociada), podendo ensejar, conforme o caso, até mesmo a rescisão do contrato por culpa empresarial (art. 483, “d” e “g”, CLT).
É possível observar que esta proteção à irredutibilidade salarial não é absoluta, pois a própria CRFB/88 estabelece a possibilidade de acordo coletiva estabelecer a possibilidade de redução salarial.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
Como forma de garantir esta proteção o próprio ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu em parte medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6363, afirmando que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho previstos na MP 936/2020 somente serão válidos se os sindicatos de trabalhadores forem notificados em até 10 dias e se manifestarem sobre sua validade. No entanto, em data de 14/04/2020, o STF, por videoconferência, manteve a possibilidade de redução de salários por acordo individual em decorrência da pandemia. Data vênia à Egrégia Corte e destacando que não foi por unanimidade, mas sim por maioria por votos, entende-se que fragilizar direito, sob argumentos de fatores extraordinários, como realmente o é a pandemia do Covid-19, é algo delicado e que pode, se não forem observados todos os cuidados necessário, colocar em risco diversos direitos básicos fundamentais.
É extremamente importante que se compreenda que em momentos de crises não se preservar direitos, ainda mais fundamentais, fragilizando relações jurídicas. Desta forma a CLT definiu a não alteração contratual lesiva ao empregado, conforme art. 468, envolvendo assim a redução salarial, consequentemente. Destaca-se que a única exceção definida “força maior”, está descrita no art. 50, desta mesma consolidação.
Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Art. 503 - É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.
Parágrafo único - Cessados os efeitos decorrentes do motivo de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos.
Ora, qual deveria ser a preocupação do Estado neste momento de pandemia?
Se o leitor tiver por base as políticas desenvolvidas por Portugal e refletir sobre o papel do Estado Brasileiro, com base na CRFB/88, perceberá que a República Brasileira tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho (art. 1º, inciso III) além de visar a erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e promoção do bem de todos (art. 3º, inciso IV). A partir disso será fácil identificar o que deveria ser feito, no mínimo, para a proteção do empregado e trabalhador, bem como manutenção dos empregadores.
Para isso citar-se-á as sugestões de alguns economistas, não visando discutir questões econômicas e financeiras, mas sim demonstrar caminho apresentados por pessoas entendidas da área. É importante que se compreenda que o direito, como ciência jurídica, não existe sozinho, sem se comunicar com as demais área do conhecimento e nas palavras de Antônio Pereira Gaio Júnior (2019), o direito deve "atuar visando contribuir para a melhoria da qualidade de vida e diminuição das desigualdades sociais", daí a relevância de se introduzir esta visão econômica nesta pesquisa.
Desta forma cita-se o ex-ministro da fazenda, Maílson da Nóbrega, que em entrevista ao Site G1, declarou que em primeiro lugar o objetivo é preservar vidas, posteriormente disponibilizar dinheiro para as pessoas, principalmente aquelas de renda baixa, ou seja, os menos favorecidos e por último, só aí, salvaguardar as empresas. Este mesmo economista afirma que não é hora de se preocupar com ajustes fiscais, inclusive pelo fato de que o próprio Congresso aprovou a decretação de calamidade e isto por si só já possibilita ao "governo não cumprir a meta de resultado primário". Já o José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Columbia declarou, nesta mesma matéria, que "...da necessidade de se preservar a estrutura de pequenas e médias empresas no Brasil, principalmente nas áreas urbanas. Tem de ter um sistema de crédito para isso.".
Todavia, mesmo que o governo tenha liberado as cifras de R$ 40 bilhões em crédito para financiar salários de pequenas e médias empresas por 2 meses, o que se tem observado é que são tantas as regras, para que o pequeno e médio empresário consiga acessar esta linha de crédito, que até o dia 13/05/2020 da linha de crédito do Programa Emergencial de Suporte a Empregos (PESE) foram pagos apenas R$ 1.6 bilhão em empréstimos, ou seja, apenas 4% foram usados até aquele dia. Segunda a mesma matéria a dificuldade surge com a MP 944, que definiu só ser possível liberar este financiamento para as empresas que executem os pagamentos dos salários, de seus funcionários, através de folhas de pagamentos em bancos. Isso tem gerando um descontrole que representa um risco ao empresário, pois na mesma matéria é afirmado que por conta do desespero por crédito, as empresas, acabam aderindo a financiamento com bancos onde se deparam com taxas mais altas, chegando de 15% a 20% ao ano.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir destas informações é possível verificar que a solução de enfrentamento aos efeitos desta pandemia não está na fragilização das relações trabalhistas, mas sim envolve um conjunto de medidas, que eventualmente podem abarcar questões trabalhistas, todavia não há como lidar com tais medidas sem que as questões econômicas sejam tratadas sabendo que neste momento o Estado é que deve assumir a “conta” do ônus de socorrer o empregador/trabalhador e o empresariado.
Desta forma infere-se que a solução para as questões trabalhistas e econômicas não são simples como, inicialmente, pode parecer. O que se deve ter em mente e não pode ser abandonado é que a CRFB/88 trata com importância e demonstra o valor dado à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho, que visa também a erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e promoção do bem de todos.
Então, não há como compreender tais fundamentos e objetivos, sob as óticas das Medidas Provisórias 927 e 936, uma vez que se verifica em seus textos a clareza da fragilização das relações trabalhista, principalmente em direitos garantidos constitucionalmente.
Não se garante direitos trabalhistas, empregos e proteção ao empresariado apenas com uma caneta (editando medidas provisórias), sem que sejam implementadas políticas econômicas efetivas, que proporcionem gerações de linhas de créditos e fomento à economia. Exemplo hialino disso foram os motivos apresentados para a implementação da reforma trabalhista (Lei nº 13467/2017), que veio como solução para o desemprego, à época, e o que se vê é a manutenção do mesmo cenário de desempregados, bem como também os argumentos implementados para se justificar a reforma da previdência (EC nº 103/2019).
Dessa forma depreende-se que não bastam apenas textos de leis, para se estabelecer regras, acreditando que isso trará soluções para problemas que vão muito além das simples relações jurídicas, pois o que se observa é que são necessários o envolvimento de muitas outras áreas científicas, principalmente quando se visa a proteção da dignidade da pessoa humana, a manutenção dos valores sociais do trabalho, procura-se alcançar a erradicação da pobreza, com a redução das desigualdades sociais e promoção do bem de todos.
REFERÊNCIAS
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