RESUMO
O objetivo deste trabalho é enfatizar a quão nociva pode ser a atuação estatal exacerbada nos contratos, e buscou-se evidenciar ao longo dessa pesquisa a importância da intervenção mínima do Estado nestes instrumentos jurídicos. A presente hipótese, baseia-se no princípio da autonomia da vontade; ora, os indivíduos somente contratam pois possuem liberdade para tal, e como os contratos são a principal fonte de circulação de riquezas, de certa forma o Estado limitar por assim dizer tal princípio prejudica de certa forma o desenvolvimento de toda uma cadeia no âmbito social.[1] A abordagem da temática, funda-se em críticas à esta intervenção desenfreada do Estado, trazendo discussões acerca do problema da insegurança jurídica; dificuldade em se realizar negócios entre particulares; excesso de judicialização no que diz respeito aos contratos, ou seja, nocividade naquilo que diz respeito às avenças; aos acordos; aos pactos, uma vez que nossa hipótese é voltada para a intervenção mínima nos contratos. Foi usado o método de pesquisa conhecido como “pesquisa exploratória”, que consiste em trazer uma maior proximidade com o universo de estudo pesquisado; com ela, visamos através de considerações doutrinárias; jurisprudência e julgados, oferecer informações acerca da importância da intervenção mínima e orientar hipóteses de um equilíbrio entre a intervenção estatal e a autonomia da vontade.
Palavras-chave: Contrato. Função Social. Autonomia. Liberalismo. Boa-fé.
ABSTRACTS[2]
The objective of this work is to emphasize how harmful the state action can be exacerbated in contracts, and it was sought to show throughout this research is to demonstrate the importance of minimal State intervention in these legal instruments. The present hypothesis is based on the principle of the autonomy of the will; Now, individuals only hire because they have the freedom to do so, and as contracts are the main source of circulation of wealth, in a way the State limits, so to speak, this principle harms in some way the development of an entire chain in the social sphere. The thematic approach is based on criticisms of this rampant State intervention, bringing discussions about the problem of legal uncertainty; difficulty in conducting business between private individuals; excessive judicialization with regard to contracts, that is, harmfulness with regard to covenants; agreements; to pacts, since our hypothesis is aimed at minimal intervention in contracts. The research method known as “exploratory research” was used, which consists of bringing a greater proximity to the universe of research studied; with it, we aim through doctrinal considerations; jurisprudence and judgments, offer information about the importance of minimal intervention and guide hypotheses of a balance between state intervention and the autonomy of the will.
Keywords: Contract. Social role. Autonomy. Liberalism. Good faith
Sumário: 1 [3] Introdução. 2. Conceito de contrato. 3. Princípio da Autonomia da Vontade. 4. Pacta Sunt servanda. 5. Da intervenção/participação do Estado nos contratos 6. Importância da intervenção mínima. 7. Entendimentos dos Tribunais. 8. Conclusão. Referências Bibliográficas.
1 Introdução
A intervenção mínima do Estado nos contratos, é tão importante quanto o próprio princípio da pacta sunt servanda. Ora, se presente uma intervenção desenfreada, ilimitada, como vem acontecendo em nosso mundo jurídico, inúmeros problemas surgem e outros ganham força, explicamos, um dos que surgem é a insegurança jurídica que é gerada ao se levar ao judiciário todo e qualquer contrato considerado abusivo, e o outro diz respeito ao enfraquecimento da economia, pois se o pactuado não é respeitado, haverá receio no tocante à celebração de negócios.[4]
Buscou-se ao longo da explanação do tema, abordar o quão importante é respeitar o princípio da autonomia da vontade, pois os indivíduos só contratam e celebram negócios, acordos, se possuem liberdade e possibilidade de fazê-los, em outras palavras, se há muita restrição e pouca liberdade as relações comerciais tendem a ficar em risco.
Ato contínuo, ao longo da leitura será possível se ater a questão atinente ao fato de que em uma relação contratual as partes não são inimigas e que nem sempre se busca uma vantagem além da permitida através da realização de um dado acordo, e que quando necessário e evidente, será perfeitamente possível a atuação do Estado.
Lançou-se mão do método de pesquisa conhecido como “pesquisa exploratória”, que consiste em trazer uma maior proximidade com o universo de estudo pesquisado; com ela, através de considerações doutrinárias; jurisprudência e julgados, ter uma visão demasiadamente clara e objetiva acerca da importância da intervenção mínima e orientar hipóteses de um equilíbrio entre a intervenção estatal e a autonomia da vontade.
O contrato não é um meio de se suprimir direitos, tampouco aumentar ou evidenciar desigualdades, ele é a principal fonte de riquezas de uma sociedade, e o seu cerne consiste na autonomia que os indivíduos possuem na realização de um negócio jurídico e portanto, no decorrer da pesquisa será possível se chegar à conclusão de é possível que haja uma intervenção demasiadamente mínima por parte do Estado, sem que prejuízo para uma das partes em relação à outra num dado negócio jurídico.
2. Conceito de contrato
A partir do momento em que o ser humano passou a viver em sociedade temos o surgimento do contrato que é fruto de uma construção histórica e social, a qual num primeiro momento era entendido como fonte de obrigações e propulsor de relações econômicas baseadas em atos bilaterais e vontade humana.
Nesta toada, segundo lição de Flávio Tartuce[3], tão antigo como o próprio ser humano é o conceito de contrato, que nasceu a partir do momento em que as pessoas passaram a se relacionar e a viver em sociedade. A própria palavra sociedade traz a ideia de contrato. A feição atual do instituto vem sendo moldada desde a época romana sempre baseada na realidade social.
Ato contínuo, também pode ele ser entendido como um negócio jurídico em sentido amplo em que se tem como elemento norteador a vontade humana que visa um objetivo de cunho patrimonial, forma um negócio jurídico por excelência e para que possa existir, seu objeto deve ser lícito; sem contrariar o ordenamento jurídico ao qual se subordina; nem a boa-fé; a função social e econômica e os bons costumes.[4]
Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, quando dado negócio jurídico resultar de um acordo mútuo, estaremos diante de um contrato (2018, pag, 19-20):
Sempre, pois, que o negócio jurídico resultará de um mútuo consenso, de um encontro de duas vontades, estaremos diante de um contrato. Essa constatação conduz à ilação de que o contrato não se restringe ao direito das obrigações, estendendo-se a outros ramos do direito privado (o casamento, p. ex., é considerado um contrato especial, um contrato do direito de família) e também ao direito público (são em grande número os contratos celebrados pela Administração Pública, com características próprias), bem como a toda espécie de convenção. Em sentido estrito, todavia, o conceito de contrato restringe-se aos pactos que criem, modifiquem ou extingam relações patrimoniais, como consta expressamente do art. 1.321 do Código Civil italiano.
Desta feita, percebe-se que onde esses elementos acima citados estiverem presentes, teremos um contrato.
Tartuce traz também considerações de direito comparado, mais precisamente o italiano. (2018, pag. 26):
Em suma, e em uma visão clássica ou moderna, o contrato pode ser conceituado como um negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial. Esse conceito clássico está muito próximo daquele que consta do Código Civil Italiano que, em seu art. 1.321, estipula que “il contrato è l’accordo di due ou più parti per costituire, regolare ou estinguere tra loro un rapporto giuridico patrimoniale” (o contrato é um acordo de duas partes ou mais, para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial).
É de suma importância se ater a pontos como citados acima, sejam eles, a criação, modificação ou extinção de direitos, porque a prima facie esses são os objetivos visados pelos indivíduos, e tal explanação fora bem direta e concisa pois no fim isso é o contrato, essas são suas raízes.
3. Princípio da Autonomia da Vontade.
Historicamente, desde as primeiras relações humanas, os indivíduos possuem liberdade para contratar, e gozam dessa premissa com o intuito de satisfazer os seus interesses, então tem-se caracterizado o princípio da autonomia da vontade, que nada mais é que essa vontade do homem em estabelecer negócios, acordos, transações, pois esse direito de contratar inerente à própria concepção de ser humano, é um direito existencial da personalidade advindo do princípio da liberdade[5].
Carlos Roberto Gonçalves traz importante conceituação histórica acerca da liberdade do indivíduo no tocante à sua autonomia de contratar. (2018, pag. 27):
Esse princípio teve o seu apogeu após a Revolução Francesa, com a predominância do individualismo e a pregação de liberdade em todos os campos, inclusive no contratual. Foi sacramentado no art. 1.134 do Código Civil francês, ao estabelecer que “as convenções legalmente constituídas têm o mesmo valor que a lei relativamente às partes que a fizeram”.
Como se vê, com a predominância das ideias liberalistas, essa vontade dos indivíduos ganhou cada vez mais evidência.
Imperioso trazer uma histórica e pertinente diferenciação entre liberdade contratual frente liberdade de contratar, o caput do artigo 421 do código civil in verbis: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato” estabelece por assim dizer, como será exercida a liberdade “dentro” do negócio jurídico, ao passo que a liberdade de contratar está ínsita no mundo negocial, ou seja, é a plena liberdade para se celebrar pactos e avenças com dadas pessoas, sendo um direito concernente ao ser humano, em outras palavras, é a escolha da pessoa ou das pessoas com quem se celebrará um determinado negócio, sendo a prima facie plena essa liberdade.[6]
Ato contínuo, é preciso que se diferencie autonomia da vontade de autonomia privada. A primeira, refere-se ao poder que os particulares detêm de regular, pelo exercício da sua própria intenção, as relações que estão participando, seja estabelecendo conteúdo e disciplina jurídica que melhor lhe aprouverem. Lado outro, a autonomia privada, traz consigo uma carga subjetiva, psicológica, sendo que no momento em que a privada traz sua marca naquele considerado como mundo real, esta última diz respeito ao indivíduo.[7]
4. Pacta Sunt servanda
Decorrente da ideia de segurança jurídica lato sensu o princípio da pacta sunt servanda ou força obrigatória dos contratos, preceitua que o contrato faz lei entre os contratantes, é um princípio decorrente da chamada autonomia da vontade, pode-se dizer que determinados indivíduos que se subordinam a um certo contrato ao realizarem tal avença abriram mão de direitos em detrimento de obrigações e objetivos visados daquela relação, fazendo com que o pactuado tenha numa acepção doutrinária, força de lei.
Conforme salienta Gonçalves, pela lei ninguém é obrigado a contratar, porém contratando, deve se subordinar por assim dizer àquilo avençado outrora. (2018, pag,31):
Pelo princípio da autonomia da vontade, ninguém é obrigado a contratar. A ordem jurídica concede a cada um a liberdade de contratar e definir os termos e objeto da avença. Os que o fizerem, porém, sendo o contrato válido e eficaz, devem cumpri-lo, não podendo se forrarem às suas consequências, a não ser com a anuência do outro contraente. Como foram as partes que escolheram os termos do ajuste e a ele se vincularam, não cabe ao juiz preocupar-se com a severidade das cláusulas aceitas, que não podem ser atacadas sob a invocação dos princípios de equidade.
De acordo com o exposto acima, contratando, obrigações a serem cumpridas vão surgir. Porém, apesar de ser cediço que as cláusulas contratuais, não poderão ser alteradas judicialmente, independentemente da razão que as partes venham à invocar[8], quando estiverem questões que ferem preceitos de ordem pública; o contrato estiver por ser meio de se buscar vantagens causando prejuízos à outrem; ou fatos extraordinários vierem a acontecer, passou-se então, a ser admitida de forma excepcional[9], a intervenção judicial no conteúdo de dados contratos, para que caso esteja havendo tais lesões, sejam elas corrigidas e o contrato siga dentro dos parâmetros legais.
5. Da intervenção/participação do Estado nos contratos
Conforme preconiza o caput do artigo 421 do CC in verbis: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”. Pode-se entender como função social aquilo que visa uma finalidade coletiva, podendo relativizar o princípio da força obrigatória dos contratos, nesta toada é possível que haja intervenção por parte do Estado nas relações contratuais, principalmente em situações nas quais se evidencie abuso ou excesso de uma parte perante a outra.
O parágrafo único do artigo citado, traz importante visão do legislador ao construí-lo naquilo que se remete à certa abstenção do Estado nos contratos, pois ao prever em seu texto que “nas relações privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”, grandes benefícios poderão ser alcançados, dentre eles, uma maior segurança jurídica; fortalecimento da economia e principalmente um êxodo por assim dizer de demandas judiciais, que na maioria das vezes não careciam de necessariamente serem levadas à apreciação dos magistrados simplesmente pelo fato de que se via o contrato como um objeto de opressão, enriquecimento sem causa, enfim, simplesmente na pior das hipóteses se buscava a judicialização;
Nesta toada, imperioso trazer importante julgado que consubstancia todo o alegado no tocante a uma judicialização desenfreada dos contratos ante uma intervenção mínima por parte do Estado, no Recurso Especial nº 1.807.018 - SP (2019/0092869-7), o Ministro Antônio Carlos Ferreira, relator do acórdão evidenciou que nem sempre pôr a parte entender que no contrato que celebra, há abuso ou distorções passíveis de serem simplesmente levadas ao judiciário para que ele intervenha “protegendo” interesse seu.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL CUMULADO COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE RESCISÃO JUDICIAL DA AVENÇA. INEXISTÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83 DO STJ. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO AJUSTE. AFASTAMENTO. REEXAME DO CONTRATO E DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. PEDIDO DE REJEIÇÃO DAS PRETENSÕES INDENIZATÓRIAS DO AGRAVADO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. ÓBICE DAS SÚMULAS N. 282 E 356 DO STF. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO A FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA N. 182 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. DECISÃO MANTIDA.
[...]
Suscita ofensa ao art. 422 do CC/2002, devido à afronta ao princípio do pacta sunt servanda. Nesse contexto, aduz que "não poderá ser penalizada com eventual ressarcimento dos valores pleiteados pelo agravado, eis que as partes firmaram contrato de compra e venda, com previsão específica dos percentuais de devolução em caso de rescisão, com o qual anuíram a parte recorrida, sem qualquer ressalva" (e-STJ fl. 800).
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚM. 282/STF. FUNDAMENTO NÃO Documento: 1882102 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 05/11/2019 Página 9 de 5 Superior Tribunal de Justiça IMPUGNADO. SÚM. 283/STF. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS. INADIMPLEMENTO. AÇÃO MONITÓRIA JULGADA PROCEDENTE. TRÂNSITO EM JULGADO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. AUSÊNCIA DO ELEMENTO OBJETIVO QUE SUSTENTA O PEDIDO DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. JULGAMENTO: CPC/73.
(...)
7. Embora não haja regra legal que estabeleça prazo para o seu exercício, o direito à resolução do contrato não é absolutamente ilimitado no tempo, na medida em que o contrato, enquanto fonte de obrigações que vincula as partes, é instrumento de caráter transitório, pois nasce com a finalidade de se extinguir, preferencialmente com o adimplemento das prestações que encerra. 8. Se o pedido de resolução se funda no inadimplemento de determinada parcela, a prescrição da pretensão de exigir o respectivo pagamento prejudica, em consequência, o direito de exigir a extinção do contrato com base na mesma causa, ante a ausência do elemento objetivo que dá suporte fático ao pleito.
O artigo 2.035 do código civil, preconiza que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar os preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”, tal texto mostra-se perfeitamente aplicável aos contratos. Ora, se estiver realmente havendo desrespeito à tudo aquilo que se considera viável na consecução de um contrato justo por assim dizer, não é razoável que acordos prevaleçam sobre preceitos de ordem pública, pois princípio algum pode ser “sufocado” em detrimento de pactos, em outras palavras, o uso do pacta sunt servanda não pode gerar efeitos nocivos ao contido no referido diploma, muito menos ao 421 da mesma codificação, entretanto o que não se mostra razoável é uma intervenção desenfreada e irrisória.
É bem verdade que a noção de contrato tem mudado ao longo dos tempos, e uma suposição de que a chamada igualdade formal dos indivíduos pudesse assegurar equilíbrio entre eles naquilo que toca às avenças, foi desacreditada na vida real, o desequilíbrio mostrou-se evidente em algumas situações gerando necessidade de o Estado intervir na vida econômica dos particulares, buscando limitar a autonomia privada, e então, se desenvolveu, uma legislação de apoio a tais ideias, com uma ação estatal coibindo a edição de algumas cláusulas consideradas lesivas e autoritárias, ou em casos mais sérios “judicialização”.
Nesta toada o doutrinador Orlando Gomes caracterizou esta intervenção do Estado, (2019, pag. 8):
A política interventiva do Estado atingiu, por sua vez, o contrato, na sua cidadela, ao restringir a liberdade de contratar, na sua tríplice expressão de liberdade de celebrar contrato, da liberdade de escolher o outro contratante e da liberdade de determinar o conteúdo do contrato. Três modificações no regime jurídico do contrato revelam outras tantas tendências para a correção desse desequilíbrio. A primeira consistiu na promulgação de grande número de leis de proteção à categoria de indivíduos mais fracos econômica ou socialmente, compensando-lhes a inferioridade com uma superioridade jurídica. A segunda patenteia-se na legislação de apoio aos grupos organizados, como os sindicatos, para enfrentar em pé de igualdade o contratante mais forte. A terceira, no dirigismo contratual, exercido pelo Estado através de leis que impõem ou proíbem certo conteúdo de determinados contratos, ou sujeitam sua conclusão ou sua eficácia a uma autorização do poder público.
Portanto, temos a clara ideia de uma intervenção mais incisiva por parte do Estado nos contratos, pois o mundo está repleto de desigualdades, principalmente econômicas. Então, se é entendido que em toda a relação contratual está contida esta assimetria e este desequilíbrio, a consequência será a de que todo contrato deverá ser revisado. Haja vista que é dado ao Estado o poder da intervenção para proteger aquelas partes mais fracas das relações contratuais, então teria ele o poder ilimitado de proteger o inquilino em face do locador; o empregado em face do empregador; o consumidor em face do fornecedor; o devedor em face do credor, e assim por diante. O que seria demasiadamente desarrazoado.
Ato contínuo, está evidente que cada vez mais o judiciário se sente à vontade para realizar contratos, haja vista que o brasileiro não é atendido de forma devida no momento em que celebra avenças, e sendo assim fica a cargo do juiz reconhecer se dada cláusula é nula ou nociva à parte. Basicamente o dirigismo contratual é isso, uma relativização dos princípios que fundamentaram a teoria dos contratos desde a sua origem e a sua afirmação de princípios socializantes que nada mais fazem do que justificar a intervenção do estado nos contratos, intervenção prévia por meio do legislador. [5]
6. Importância da intervenção mínima
Imperioso trazer à tona os artigos 480 e 480-A do código civil, o primeiro traz considerações acerca de que havendo onerosidade excessiva em contrato o qual a obrigação caiba somente a uma das partes, poderá ela pleitear que sua obrigação seja reduzida, o segundo por sua vez, já nos remonta à possibilidade de as partes no ato da celebração já estabelecerem os parâmetros objetivos para que haja interpretação ou possível resolução do pacto contratual.
Pois bem, se formos levados à literalidade do art. 480 o aumento da “judicialização” dos contratos pode se dar de uma forma alarmante gerando demasiado abuso nas revisões contratuais, muitas vezes fundando-se na premissa da proteção da parte mais fraca, que gera como resultado, o do sensível aumento dos custos de transação e a consequente inserção no preço do contrato dos efeitos correspondentes, por iniciativa da parte que faticamente detém o poder para tanto. Ato contínuo, ocorre que os preços de produtos e serviços terminam ficando mais caros haja vista que o mercado precifica a intervenção do Judiciário e isto acontece de forma bastante rápida em resposta a orientações dos Tribunais que afetem os interesses dos empresários que se veem lesados por assim dizer[6] [10].
Os artigos 421-A e 480-B do código civil, tem a mesma ideia no tocante a esse poder que o Estado detém de intervir, pois quando se tratar de contratos empresariais, não se considerará necessariamente hipossuficiente para efeitos legais, uma parte ou outra, elas serão presumidas simétricas e deverão ter ciência dos riscos a serem assumidos ao se pactuar. Com isso uma maior segurança jurídica no tocante à realização dos negócios empresariais virá a ser alcançada, podendo fortalecer o mercado pelo estabelecimento dessa segurança a qual se espera ser respeitada pelos tribunais.[11]
7. Entendimentos dos Tribunais
Vale trazer importantes considerações dos tribunais que corroboram o que já foi exposto. Sendo assim, passamos à análise da apelação cível nº 1001277-90.2018.8.26.0426 julgada pela 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo na qual o autor firmou contrato de honorários advocatícios com remuneração equivalente a[7] 30% do valor liquidado, além das verbas sucumbenciais, sendo que o contratante estava de pleno acordo ao firmar tal contrato.
Ato contínuo, caso houvesse o deferimento do benefício administrativamente ou ainda, fosse concedida a Tutela Antecipada de concessão do benefício em processo judicial a ser ajuizado, ficaria fixado entre as partes, que seria pago a título de honorários advocatícios, por tal providência o valor no importe de 30% (trinta por cento) do benefício mensal recebido, até final liquidação, com trânsito em julgado da decisão judicial ou execução, conforme é estabelecido pela tabela de honorários da OAB/SP A controvérsia a respeito da exigência dos honorários contratuais sobre o benefício concedido A controvérsia diz respeito à exigência dos honorários contratuais sobre o benefício concedido por tutela antecipada em sentença nos autos nº 0000578-63.2011.8.26.0426 (fls. 21/31). O autor pagou três parcelas referentes à sobredita cláusula 3ª, correspondentes aos meses de março a maio de 2013 (fls. 151/153). Anuiu ao que pactuado tanto expressa como tacitamente (fls. 151/153)[12].
Desta feita, em sua fundamentação o Relator do acórdão, o Desembargador Tavares de Almeida, teceu as seguintes considerações[13]:
A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. Vale ainda anotar a vedação ao comportamento contraditório. Trata-se da máxima venire contra factum proprium. O autor deve atuar conforme o dever da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil). Sobre a questão, lição de Flávio Tartuce: “Pela máxima venire contra factum proprium non potest, determinada pessoa não pode exercer um direito próprio contrariando um comportamento anterior, devendo ser mantida a confiança e o dever de lealdade, decorrentes da boa-fé objetiva. O conceito mantém relação com a tese dos atos próprios, muito bem explorada no Direito Espanhol por Luís Díez-Picazo.35 Para Anderson Schreiber, que desenvolveu excelente trabalho específico sobre o tema no Brasil, podem ser apontados quatro pressupostos para aplicação da proibição do comportamento contraditório: 1.º) um fato próprio, uma conduta inicial; 2.º) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo dessa conduta; 3.º) um comportamento contraditório com este sentido objetivo; 4.º) um dano ou um potencial de dano decorrente da contradição.36 A relação com o respeito à confiança depositada, um dos deveres anexos à boa-fé objetiva, é muito clara, conforme consta do Enunciado n. 362 da IV Jornada de Direito Civil: “A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil” (Manual de Direito Civil, volume único/Flávio Tartuce, 5. Ed. Ver., atual. e ampl - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015, págs. 473/474).
Imperioso trazer o REsp 1656182/SP que buscava resolver controvérsia em Ação civil pública em que se pretendia impor obrigação à recorrente de incluí-la em seus contratos de consumo multa de 2% sobre o valor da venda, caso fosse descumprido prazo de entrega, bem como na hipótese de não devolução imediata do preço pelo exercício do direito de arrependimento, porém não se logrou êxito em tal intento, pois como se vê na ementa que se segue, como é cediço, em contratos padronizados não há que se cogitar intervenção genérica por parte do Estado. Ademais, nos itens 5, 6 e 7 estão presentes considerações que versam acerca da intervenção estatal em situações como a presente[14].
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTENTE. SUFICIÊNCIA DAS PROVAS ATESTADA PELA ORIGEM. IMPOSIÇÃO DE MULTA MORATÓRIA EM CONTRATOS DE ADESÃO.
ENTREGA DE PRODUTOS E RESTITUIÇÃO DE VALORES PELO EXERCÍCIO DO ARREPENDIMENTO. LIMITES DA INTERVENÇÃO ESTATAL.
3. O propósito recursal consiste em definir: i) a configuração de cerceamento de defesa; ii) a imposição judicial de multa moratória contra o fornecedor em contrato de adesão de venda de produtos nas relações do comércio varejista.
4. Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, quando as instâncias ordinárias reputarem suficientemente instruído o processo, declarando ser desnecessária a produção de outras provas diante daquelas já existentes nos autos.
5. A imposição de multa moratória para a hipótese de atraso no pagamento da compra é revertida, sobretudo, em favor da instituição financeira que dá suporte à compra dos produtos adquiridos a prazo pelo consumidor. Sob este ângulo, sequer há reciprocidade negocial a justificar a intervenção judicial de maneira genérica nos contratos padronizados da recorrente.
6. O vendedor do produto está obrigado a prestar seu serviço no tempo, lugar e forma contratados, e acaso incorra em mora deverá responder pelos respectivos prejuízos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado (arts. 394, 395, do CC).
7. É indevida a intervenção estatal para fazer constar cláusula penal genérica contra o fornecedor de produto em contrato padrão de consumo, pois além de violar os princípios da livre iniciativa e da autonomia da vontade, a própria legislação já prevê mecanismos de punição daquele que incorre em mora.
RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(REsp 1656182/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/09/2019, DJe 14/10/2019).
Após a análise dos arestos supramencionados, é possível que já existem decisões do poder judiciário na linha do raciocínio apresentado no presente artigo, ou seja, somente diante da evidente necessidade e presença de premissas nocivas constantes em uma dada avença, que o judiciário atuará para garantir que nenhum direito seja suprimido.
Conquanto, é imperioso que se entenda que sim, o judiciário é o guardião e/ou promotor da pacificação social e da ordem institucional. Porém, não pode ele ser precursor da insegurança jurídica, seja com o fomento de entendimentos díspares da legislação ou mudanças bruscas de entendimento. Pois assim haverá incerteza naquilo que toca à validade dos contratos e estabilidade dos negócios, tendo como consequência o cancelamento de investimentos; projetos “guardados” em gavetas; legislação “refém” de subjetividade interpretativa; riscos à estabilidade econômica e social pátria[15].
Por fim, a condição sine qua non para que haja confiança na economia de um país é a estabilidade institucional à ser garantido pelo Estado através do fomento da ordem pública e da segurança jurídica[16], principalmente em relação àquilo que é previamente pactuado nos contratos particulares. Para que haja um desenvolvimento da sociedade como um todo.
8. CONCLUSÃO
Objetivou-se no presente artigo, trazer ao leitor considerações acerca da importância da intervenção mínima do estado nos contratos, sobretudo naquilo que toca à importância do que fora pactuado e seu devido cumprimento.
É de extrema e iminente relevância ater-se à chamada importância da intervenção mínima do Estado nos contratos, pois em dadas situações apesar de haver necessidade de uma certa “judicialização” por estarem contidos abusos a priori insanáveis, o que é avençado deve ser cumprido, haja vista que se teve oportunidade para a observância daquilo que melhor aprouvesse as partes contratantes.
Os contratantes não estão demasiadamente livres para pactuarem um dado contrato, muito pelo contrário, em nosso ordenamento pátrio possuímos importantes e incisivos diplomas que asseguram uma gama de recursos e proteções às partes, tanto no que diz respeito à garantia de seus respectivos direitos, bem como em eventuais abusos[8] . Entretanto, o cerne desta discussão gira em torno de que o Estado deve agir quando extremamente necessário, não da forma que vem ocorrendo no cenário atual.
Por derradeiro, o contrato não é um meio de se fazer opressão ou enriquecimento ilícito de uma parte em relação à outra, nem tampouco em fomentador de desigualdades, o contrato é o principal condutor de riquezas, é através dele que foi possível todo o desenvolvimento da sociedade, e assim como está, ele também sofreu mudanças ao longo da história que está em constante construção. Logo, apesar de alguns retrocessos, seus princípios basilares devem ser respeitados e aprimorados naquilo que a sociedade e o direito vierem a demandar.
No que toca ao entendimento dos tribunais, foi possível se evidenciar a importância do pacto, em outras palavras, aquilo que fora pactuado, caso não fira a ordem jurídica, os princípios concernentes ao contrato e o estado de direito, não é tarefa do judiciário intervir em algo que fora previamente pactuado, cabendo às partes cumprirem suas avenças.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Robson Braga de. Os danos da insegurança jurídica para o Brasil Falta de nitidez sobre direitos e deveres e alterações em leis atrapalham a competitividade. Apenas um ambiente de negócios estável pode atrair investimento. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/economia/os-danos-da-inseguranca-juridica-para-o-brasil/>. Acesso em 14 de abril de 2021.
GOMES, Orlando. BRITO, Evaldo de. PARANHOS, Reginalda. Contratos. - 27. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2019.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais. – 15. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
REsp 1413818/SP. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153370337/recurso-especial-resp-1413818-df-2013-0357088-7/relatorio-e-voto-153370341>. Acesso em 24 de novembro de 2020.
REsp 1656182/SP. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/859831726/recurso-especial-resp-1656182-sp-2015-0239713-2/inteiro-teor-859831736?ref=serp>. Acesso em 24 de novembro de 2020.
Rizzardo, Arnaldo, 1942- Contratos. – 15. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.
[9] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3 – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único– 10. ed. – Rio de Janeiro: [10] Forense, São Paulo: MÉTODO, 2020.
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. O velho e o novo princípio da intervenção mínima do Estado nos contratos empresariais. Novos parâmetros para a intervenção do juiz. Disponível em: <https://migalhas.uol.com.br/depeso/302393/o-velho-e-o-novo-principio-da-intervencao-minima-do-estado-nos-contratos-empresariais--novos-parametros-para-a-intervencao-do-juiz> Acesso em 13 de abril de 2021.
[3] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3 – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. pag.25
[4] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3 – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. pag.26
[5] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3 – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. page.94
[6] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único– 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO,2020. pag. 554
[7] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único– 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO,2020. pag. 556
[8]GOMES, Orlando. BRITO, Evaldo de. PARANHOS, Reginalda. Contratos. - 27. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2019.pag.32
[9] GOMES, Orlando. BRITO, Evaldo de. PARANHOS, Reginalda. Contratos. - 27. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2019.pag.33
[10] VERSOSA. Haroldo Malheiros Duclerc. O velho e o novo princípio da intervenção mínima do Estado nos contratos empresariais. Novos parâmetros para a intervenção do juiz. Disponível em: <https://migalhas.uol.com.br/depeso/302393/o-velho-e-o-novo-principio-da-intervencao-minima-do-estado-nos-contratos-empresariais--novos-parametros-para-a-intervencao-do-juiz> Acesso em 02 de novembro de 2020.
[11] VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. O velho e o novo princípio da intervenção mínima do Estado nos contratos empresariais. Novos parâmetros para a intervenção do juiz. Disponível em: <https://migalhas.uol.com.br/depeso/302393/o-velho-e-o-novo-principio-da-intervencao-minima-do-estado-nos-contratos-empresariais--novos-parametros-para-a-intervencao-do-juiz> Acesso em 02 de novembro de 2020.
[12] APELAÇÃO CÍVEL Nº 1001277-90.2018.8.26.0426
[13] APELAÇÃO CÍVEL Nº 1001277-90.2018.8.26.0426
[14] REsp 1656182 / SP
[15]ANDRADE, Robson Braga de. Os danos da insegurança jurídica para o Brasil Falta de nitidez sobre direitos e deveres e alterações em leis atrapalham a competitividade. Apenas um ambiente de negócios estável pode atrair investimento. Disponível:
<https://veja.abril.com.br/economia/os-danos-da-inseguranca-juridica-para-o-brasil/>. Acesso em 14 de abril de 2021.
[16] ANDRADE, Robson Braga de. Os danos da insegurança jurídica para o Brasil Falta de nitidez sobre direitos e deveres e alterações em leis atrapalham a competitividade. Apenas um ambiente de negócios estável pode atrair investimento. Disponível:
<https://veja.abril.com.br/economia/os-danos-da-inseguranca-juridica-para-o-brasil/>. Acesso em 14 de abril de 2021.