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Lei Maria da Penha: A violência doméstica e a justiça no brasil

Trata sobre a violência doméstica que constitui grave problema social e cultural, com reflexos em vários âmbitos da sociedade moderna como saúde, segurança, judiciário, cultura e família, este estudo busca analisar os regramentos da Lei Maria da Penha.

RESUMO

O presente artigo científico tem por objetivo o estudo teórico e analítico da Lei no 11.340/2006, popularmente conhecida por Lei Maria da Penha. A violência doméstica constitui grave problema social e cultural, com reflexos em vários âmbitos da sociedade moderna como saúde, segurança, judiciário, cultura e família. Assim, este estudo busca analisar os regramentos materiais e processuais no que tange a violência doméstica no âmbito da Lei Maria da Penha, além de promover o estudo dos delitos de lesão corporal e feminicídio, principais crimes relacionados à violência doméstica contra a mulher.

Palavras-chave: Feminicídio. Lei Maria da Penha. Lesão Corporal. Mulher. Violência Doméstica.

ABSTRACT
The present scientific article aims at the theoretical and analytical study of Law 11.340 / 2006, popularly known as Law Maria da Penha. Domestic violence is a serious social and cultural problem, with repercussions in various areas of modern society such as health, security, the judiciary, culture and the family. Thus, this study seeks to analyze the material and procedural rules regarding domestic violence under the Maria da Penha Law, in addition to promoting the study of crimes of bodily injury and feminicide, the main crimes related to domestic violence against women.

Key-words: Bodily injury. Domestic violence. Femicide. Maria da Penha Law. Women.

1 INTRODUÇÃO

A violência doméstica é constante assunto de discussão popular, seja pelo aspecto jurídico ou pelo aspecto social, sendo que, paralelamente e de forma concomitante à evolução da sociedade, é promovida pelo legislador brasileiro um constante aperfeiçoamento do sistema legislativo, na tentativa de reduzir e/ou coibir a ocorrência dos conflitos e delitos relacionados à vítima mulher.

Contudo, conforme se demonstrará, estes problemas não são fenômenos surgidos na sociedade moderna, pelo contrário, são acontecimentos que se repetem e prolongam através do tempo e da sociedade. Parte da conivência da sociedade e da ausência de tutela estatal advém da construção da sociedade de raízes patriarcais e machistas, que subjugam e diminuem o papel da mulher na sociedade, tolhendo-lhes a voz e submetendo-as a situações vexatórias e lesivas.

A constituição brasileira, através do direito a igualdade, formal e material, , confere às mulheres poder e voz na sociedade, carecendo, entretanto, de políticas públicas para a efetivação e exercício destes direitos.

Destarte, a interpretação de outros dispositivos também se amoldou em tempo e espaço às mudanças sociais, de modo a permitir a aplicação de forma equânime e eficaz, embora a legislação brasileira ainda necessitasse de diplomas ou dispositivos capazes de tutelar a violência doméstica contra a mulher de forma absoluta.

Assim, diante da evolução social, ainda que de forma tardia, o legislador brasileiro editou, em 2006, a Lei 11.340, que busca tutelar especificamente os delitos cometidos em âmbito doméstico, sobretudo aqueles contra as mulheres. De forma a potencializar a proteção, foi promulgada ainda a Lei 13.104/2015 (lei do feminicídio). Atentando-se ao sabor constitucional, a Lei recebe interpretação extensiva, abrangendo o termo “mulher” como qualquer pessoa que assim se identifique.

O presente artigo científico busca a compreensão técnica e teórica acerca da tutela dos direitos das mulheres em relação à integridade física, psicológica, moral, patrimonial e/ou sexual. Tal estudo se baseia na análise qualitativa dos dispositivos legais que tutelam os direitos das mulheres e que buscam coibir a ocorrência dos delitos, bem como penalizar eventuais infratores.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Preliminarmente ao estudo da violência doméstica, faz-se necessária a compreensão do termo violência, como forma de auxiliar o aprofundamento do estudo a ser realizado. O conceito genérico do termo violência deriva do latim “Violentia” que significa usar a agressividade de forma intencional e excessiva para ameaçar ou cometer algum ato que resulte em acidente, morte ou trauma psicológico. No meio jurídico e de forma ainda genérica, o termo violência pode ser definido também como “Coação que leva uma pessoa à sujeição de alguém.” (Dicionário Michaellis, 2020.).

Acerca do conceito de violência, Nagib Filho e Priscila Gomes informam que:

entende-se o ato de força, a impetuosidade, o acometimento, a brutalidade, a veemência(...)a violência é espécie de coação, ou forma de constrangimento, posto em prática para vencer a capacidade de resistência de outrem, ou para demovê-la à execução de ato, ou a levar a executá-lo, mesmo contra a sua vontade. É, igualmente, ato de força exercido contra as coisas, na intenção de violentá-las, devassá-las ou delas se apossar (...) embora, em princípio, a violência, ou violentação, importe num ato de força, num ato brutal, tomando, pois, a forma física, tanto pode ser material, como pode ser moral, revelando-se nos mesmos aspectos em que se pode configurar a coação ou o constrangimento. (FILHO; GOMES. 2016. p. 3.901)

No Direito Brasileiro, porém, a concepção de violência pode receber diferentes significados, todos certos, a depender do contexto interpretativo. Para o Direito Penal, a violência é um gênero da qual se resulta a grave ameaça, a lesão, a morte, a violência sexual, arbitrária e tantas outras mais, entre elas, a violência doméstica, cerne da análise deste artigo.

A violência pode ocorrer em qualquer lugar, em intensidades e formas diferentes, podendo ou não serem caracterizadoras de delitos, ou apenas meios para o emprego destes. Acerca do tema, Cesar Roberto Bitencourt afirma que é prescindível que a violência empregada nos delitos seja irresistível, bastando, porém, que seja apta e idônea para coagir a vítima à vontade do autor. Contudo, caso a força empregada se mostrar irresistível, somado a um resultado criminoso por parte do coagido, o coator deverá ainda responder pelo delito acontecido, nos termos do ar. 22 do Código Penal. (BITENCOURT, 2018. p. 380)

Em outras palavras, a violência resulta da ação ou forca invencível, praticadas com o intuito de um objetivo, que não se concretiza sem ela. E manifesta se através do ato de agredir, violar, abusar, desrespeitar, ofender, invadir. A violência seja material ou moral, vicia o consentimento, já que esta suprime à vontade, sendo o violentado induzido a praticar um ato ou privar de uma ação pelo temor, ou pelo perigo que a violência oferece. (LACERDA, 2014, p. 2).

Diante disto, temos então o conceito base de violência, que se relaciona intrinsecamente ao objeto maior deste estudo, a violência doméstica, sendo está uma espécie daquela (gênero). A definição de violência doméstica se extrai do art. 5º da Lei Maria da Penha: “violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Assim, aplicar-se-á os dispositivos legais da referida Lei quando da tutela dos direitos que envolvem lesões de qualquer natureza contra as mulheres, em âmbito doméstico, desde que compatível a conduta delitiva com os termos legalmente estabelecidos. Nas palavras de Rogério Sanches Cunha:

(...) definimos violência doméstica como sendo a agressão contra mulher, num determinado ambiente (doméstico, familiar ou de intimidade), com finalidade específica de objetá-la, isto é, dela retirar direitos, aproveitando da sua hipossuficiência. Como bem salientou o Conselho da Europa, trata-se de "qualquer ato, omissão ou conduta que serve para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, direta ou indiretamente, por meio de enganos, ameaças, coação ou qualquer outro meio, a qualquer mulher, e tendo por objetivo e como efeito intimidá-la, puni-la ..o u humilhá-la, ou mantê-la nos papéis  estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, mental e moral, ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais. (CUNHA, 2017. p. 66)

No mesmo sentido, Williana Alexandre Alves e Maria Tereza de Oliveira explicam que a violência, sobretudo familiar, não constitui fato social inerente a sociedade moderna, é histórica e cultural, ocultada pela sociedade paternalista e centralizadora na figura masculina, que submete as mulheres ao regime de inferioridade. Para o autor:

As relações interpessoais de violência sempre estiveram socialmente invisíveis no cotidiano familiar. Historicamente a visão de autoridade foi cristalizada na estrutura familiar e outorgada ao sexo masculino. Ideologicamente, convencionou-se construir a figura de um homem forte, superior a mulher, o sexo “frágil” e, consequentemente, a sua subordinação ao mesmo. (ALVES. OLIVEIRA, 2017. p 59)

Em complemento ao conceito e aplicação da Lei e do próprio entendimento do que é a violência doméstica, cumpre demonstrar ainda que a própria Lei informa, nos termos do art. 7º o que se entende por violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, explicitando de forma pormenorizada condutas deverão ser consideradas para fins de aplicação do dispositivo e caracterização de violência doméstica.

O Autor Rogério Greco, citando Geraldo Landrove Díaz, esclarece a importância do estudo e da evolução da legislação no sentido de prevenir, coibir e punir a violência havida no seio familiar.

Dentro das tipologias que levam em conta a relação prévia entre vítima e

autor do delito (vítima conhecida ou desconhecida) temos que ressaltar a especial condição das vítimas pertencentes ao mesmo grupo familiar do infrator; tratam-se de hipóteses de vulnerabilidade convivencial ou doméstica. Os maus-tratos e as agressões sexuais produzidos nesse âmbito têm, fundamentalmente, como vítimas seus membros mais débeis: as mulheres e as crianças. A impossibilidade de defesa dessas vítimas – que chegam a sofrer, ademais, graves danos psicológicos – aparece ressaltada pela existência a respeito de uma elevada cifra negra. (GRECO apud DÍAZ, 2017, p. 75)

Deste modo, feita a compreensão dos conceitos de violência e violência doméstica, passa-se à análise específica da violência doméstica no direito brasileiro, os principais delitos (lesão corporal e feminicídio), além de uma breve explanação sobre os órgãos judiciários de competência mista, em detrimento dos juizados especiais.

3 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

Os crimes contra a mulher no ordenamento brasileiro são determinados pelo código penal, interpretado em conjunto à Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Contudo, necessário dizer que os demais delitos comuns também podem ter mulheres como sujeito passivo, embora não sejam classificados como delitos contra a mulher.

Deste modo, é necessária a análise pormenorizada das leis supra e dos delitos contra a mulher, construindo o conhecimento do que são estes delitos, quando são configurados e como ocorrem na sociedade brasileira atual.

3.1. Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha surgiu em 2006 e, por força do já comentado art. 5º, deverá ser aplicada sempre que o delito for cometido em âmbito familiar, contra mulher, desde que a violência se enquadre nos termos do art. 7º da própria Lei.

Neste sentido, a Lei 11.340 de 2006, embora seja importante atualização legislativa no rigor à penalização de infratores, a lei não se limita a promover alteração dos patamares mínimo e máximo de penas abstratas. O diploma confere importantes alterações acerca da instrução penal, dos meios de prevenção e combate à violência (medidas protetivas), da atividade Estatal de persecução policial e judiciária, além de regras procedimentais específicas no tocante ao processo penal. (MASSON, 2018. p.147-148).

Acerca das medidas protetivas decorrentes da Lei Maria da Penha, incluindo a prisão preventiva de eventuais infratores, a jurisprudência entende por idônea quando necessária à segurança física e psíquica da vítima. Senão, vejamos

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HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. AMEAÇA. PREISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE DO REU. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI MARIA DA PENHA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ORDEM DE HABEAS CORPUS. DENEGADA. 1 O Tribunal a quo assinalou a necessidade da constrição diante da necessidade de proteção à integridade física e psíquica da vítima, diante do reiterado descumprimento das medidas protetivas de urgência fixadas pelo Juízo, com base na Lei Maria da Penha. 2 A prisão preventiva do Paciente está devidamente fundamentada, haja vista que a jurisprudência considera idônea a decretação da custódia cautelar fundada no descumprimento de medidas protetivas, de acordo com o art. 313, inciso III, do Código de Processo Penal. 3 Ordem de habeas corpus denegada. (STJ – HC: 467.591 DF 2018/0228013-2, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 06/12/2018, T6 – Sexta Turma, Data da Publicação: DJe 19/12/2018)

A Lei Maria da Penha, por força do art. 44, alterou o disposto no §9º do art. 129 do Código Penal, que tutela as lesões corporais, para fazer constar penas mais severas aplicáveis ao autor dos delitos praticados em âmbito doméstico. Contudo, o texto deixa em aberto a interpretação ao fazer constar as palavras “irmão” e “companheiro”, deixando dúbia a interpretação da aplicação para violências em âmbito doméstico de vítimas do sexo masculino. (MASSON, 2018. p. 147-148). Contudo, a jurisprudência atual tem o firme entendimento que a mulher é o sujeito passivo da Lei, exclusivamente, em razão da hipossuficiência física natural que possui. Senão, vejamos:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LEI MARIA DA PENHA. AMEAÇA PRATICADA PELO RECORRENTE CONTRA A EX-MULHER. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESPECIALIZADO. VULNERABILIDADE ÍNSITA À CONDIÇÃO DA MULHER. NULIDADE. PERÍCIA NO CELULAR DA VÍTIMA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182/STJ. ATIPICIDADE DA CONDUTA E INEXISTÊNCIA DE PROVA PARA A CONDENAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A própria Lei n. 11.340/2006, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica praticada contra a mulher, buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se justamente na indiscutível desproporcionalidade física existente entre os gêneros, no histórico discriminatório e na cultura vigente. Ou seja, a fragilidade da mulher, sua hipossuficiência ou vulnerabilidade, na verdade, são os fundamentos que levaram o legislador a conferir proteção especial à mulher e por isso têm-se como presumidos. (Grifo nosso) (STJ – AREsp: 1.439.546 RJ 2019/0033585-6, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, data de julgamento 25/06/2019, T5 – quinta turma, Data da Publicação: DJe: 05/08/2019)

Nesse sentido é o entendimento do autor supracitado, que afirma ainda

o principal desiderato da Lei 11.340/2006 foi punir com maior severidade os crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher. Mas a Lei Maria da Penha também possui regras gerais, tais como as que aumentam a pena de alguns crimes cometidos contra qualquer pessoa, homem ou mulher. É o que ocorre no delito em análise, pois em caso contrário a lei não teria falado em “irmão”, nem em “companheiro”, e sim em irmã ou companheira, bem como quando foi prevista uma causa de aumento de pena quando a lesão corporal leve é praticada contra qualquer pessoa portadora de deficiência, homem ou mulher (CP, art. 129, §11). (MASSON, 2018. p.147).

Ainda em relação às disposições gerais do diploma, cumpre o esclarecimento de que, por força da súmula 589[3] do Superior Tribunal de Justiça, não se faz possível a aplicação do princípio da bagatela em crimes ou contravenções penais contra as mulheres em âmbito familiar.

Portanto, nota-se que a aplicação deste diploma visa a proteção integral da mulher, sem abandonar outras pessoas potencialmente vulneráveis na sociedade, abrangendo toda e qualquer violação de direitos de esfera física, sexual, psicológica, moral ou patrimonial, bastando apenas, para que assim seja classificado, que o agressor tenha qualquer tipo de vínculo familiar ou de relacionamento com a vítima, seja passado ou presente, não sendo necessária a coabitação.

3.2. Lesão corporal.

A Lei 11.340/06 alterou, conforme já mencionado, o tipo legal do delito de lesão corporal leve, art. 129, §§9º e 11º do Código Penal, alterando os patamares mínimos e máximos de pena culminada em abstrato sem, contudo, alterar a natureza da pena (detenção). Por este último ponto é que se extrai a ideia de que o tipo penal tutela apenas a lesão corporal leve pois, noutro giro, não teria nexo ou razoabilidade a punição dos infratores por lesões graves, gravíssimas ou seguidas de morte com penas de detenção e em patamares menores que aqueles firmados pelo próprio artigo em outros parágrafos. (MASSON, 2018, p. 147).

Neste mesmo raciocínio, Damásio de Jesus explica que:

Trata-se de figura típica qualificada, cominados mínimo e máximo da pena, aplicável somente à lesão corporal leve dolosa (figura típica simples), excluída a forma culposa (§ 6º). As lesões de natureza qualificada pelo resultado (§§ 1º a 3º), quando presente a violência doméstica, têm disciplina diversa (§ 10 do art. 129, mantido pela Lei n. 11.340/2006). Presente uma circunstância especial do § 9º (p. ex.: prevalecimento das relações domésticas), prevista também como agravante genérica (CP, art.61), aquela prefere a esta, impondo-se uma só (a pena da específica). Quanto aos conceitos de cônjuge, companheiro, relações domésticas, coabitação e hospitalidade, vide o art. 61 do CP. A norma, por ser mais gravosa do que a lei anterior, não retroage. (JESUS, 2020. p. 218)

A alteração legislativa visa, portanto, a proteção das mulheres de qualquer lesão, tendo em vista que, presentes os requisitos ensejadores da violência doméstica, o agressor terá sua pena aumentada, seja na forma qualificada (lesão corporal leve, §9º) seja pela incidente da majorante a que trata o parágrafo 10º do mesmo artigo 129 na fração fixa de 1/3. (lesão corporal grave, gravíssima ou seguida de morte, Art. 129 §§1º a 3º).

Fato já incontroverso é a natureza da ação penal persecutória do delito, que será sempre incondicionada à representação, ou seja, a ação estatal em prol da persecução penal e da punição do autor prescinde da vontade da vítima, bastando apenas, em tese, que a autoridade policial ou judiciária (Polícia Civil, M.P., por exemplo) tenha conhecimento dos fatos para que se inicie o procedimento investigatório. A súmula 542[4] do STJ ratifica este posicionamento, que a doutrina entende como certo e justo, tendo em vista que, não fosse assim, a cessação da agressão poderia fazer com que a vítima retirasse a representação, o que prejudicaria a prosseguibilidade da ação penal em casos de violência doméstica.

Neste sentido, é a jurisprudência:

PETIÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM. RECURSOS REPETITIVOS. TEMA N. 177. CRIME DE LESÕES CORPORAIS COMETIDOS CONTRA A MULHER NO ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. NATUREZA DA AÇÃO PENAL. REVISÃO DO ENTENDIMENTO DAS TERCEIRA SEÇÃO DO STJ. ADEQUAÇÃO AO JULGAMENTO DA ADI N. 4.424/DF PELO STF E À SÚMULA N. 542 DO STJ. AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA.1. Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp n.1.097.042/DF, cuja quaestio iuris, acerca da natureza da ação penal nos crimes de lesão corporal cometidos contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, foi apreciada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em sentido oposto, já incorporado à jurisprudência mais recente deste STJ. 2. Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: a ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública incondicionada.
3. Questão de ordem acolhida a fim de proceder à revisão do entendimento consolidado por ocasião do julgamento do REsp n.1.097.042/DF - Tema 177. (STJ, 2017)

Há de se esclarecer ainda que o art. 16 da Lei Maria da Penha permite a retratação judicial da representação, contudo, a interpretação pacífica é  de que referida retratação será possível em casos de delitos de ação penal pública condicionada à representação, com violência ou grave ameaça, à exemplo do delito de ameaça (art. 147 CP), não se aplicando o art. 16 em casos de lesão corporal por violência doméstica (MASSON, 2018. p. 149).

Outro ponto importante em relação ao delito de lesão corporal é a desnecessidade de coabitação entre o agressor e a vítima pois, se assim não fosse, inviabilizaria o uso da Lei contra agressores que, embora tenham todo enquadramento necessário para a aplicação da Lei, residem em local diferente. Neste ponto, decisão acertada do legislador, que ampliou e potencializou a eficácia da Norma Penal.

O tema é pacífico na doutrina e na jurisprudência hodiernas, sendo que, neste sentido, o STJ editou a súmula 600: “Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo  da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima.” (Súmula 600, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/11/2017, DJe 27/11/2017)

3.3. Feminicídio.

Muito embora o feminicídio não seja oriundo da Lei Maria da Penha, a matéria em merece abordagem no presente estudo. A Lei 13.104/15 alterou o art. 121 do código penal, para fazer constar o inciso VI, em que se pune de forma qualificada o homicídio cometido contra a mulher em razão da condição feminina. Por conceito, o crime de feminicídio é assim definido por Rogério Sanches Cunha

o feminicídio, entendido como a morte de mulher em razão da condição do sexo feminino (leia-se, violência de gênero quanto ao sexo). A incidência da qualificadora reclama situação de violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher sobre mulher em situação de vulnerabilidade. (CUNHA, 2017, p. 64)

Novamente é possível notar a preocupação do legislador em proteger a segurança e a vida da mulher. Não se deve afirmar que a alteração legal “criou” o crime de feminicídio de forma inaugural pois, em verdade, o homicídio sempre foi punível. A expressão “matar alguém”, trazida pelo art. 121 do código penal, não faz distinção entre o gênero ou sexualidade da vítima, de modo que ceifar a vida de uma pessoa, seja ela homem ou mulher, constitui fato criminoso desde antes da Lei em comento. (BITENCOURT, 2018, p. 84)

Não se pode olvidar, contudo, que a mudança da Lei altera a forma como será punido o autor do delito, sendo que haverá alteração do patamar mínimo e máximo da pena abstratamente culminada, e que servirá de parâmetro para fixação da pena base na fase inicial de fixação de pena.

Neste sentido, surge a correlação entre a legislação em tela e a Lei Maria da Penha. A Lei 13.104 de 2015 alterou ao artigo 121 do CP para fazer constar também o parágrafo 2º-A, responsável por definir os requisitos elementares da condição de sexo feminino, sendo que estes são necessários para que se vislumbre a incidência da qualificadora. Ora, o referido parágrafo toma por empréstimo as definições do art. 5º da Lei Maria da penha, pois cita afirma que há “condições de razão de sexo feminino” quando o delito ocorrer em âmbito doméstico, contudo, deixa de definir o que se considera por violência doméstica, ficando isto a cargo da Lei 11.340/06. (CUNHA, 2018, p. 65).

Em continuidade de análise, importa dizer que, ao contrário do que o inciso VI do art. 121 do CP nos apresenta, o homicídio qualificado não se limita ao delito cometido contra a mulher em sentido estrito biológico. Ao revés, o artigo deve ser interpretado de modo a proteger e abarcar todas as pessoas que se identificam com o gênero feminino e se entendem por “mulher”.

Tal interpretação encontra luz dos princípios constitucionais e se adequa efetivamente à sociedade moderna, pois permite a proteção de mulheres sis gênero, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais, sem qualquer distinção ou diferenciação.

Há de se salientar ainda que o conceito de âmbito família não se limita a esposas, companheiras ou afins, devendo serem consideradas, para fins de incidência penal, as ascendentes e descentes do agressor, dispensada, novamente a coabitação, por força da já mencionada súmula 600 do STJ. (CUNHA, 2018, p. 69)

Por fim, cumpre refulgir que o Supremo Tribunal Federal, em 2018, firmou entendimento que a qualificadora de feminicídio possui natureza objetiva, ou seja, refere-se a critérios que não se ligam à subjetividade do agente, podendo, portanto, ser aplicada na dosimetria da pena junto à outras qualificadoras de ordem objetiva, como o motivo torpe. Senão, vejamos a decisão do Ilustre Sr. Ministro Roberto Barroso:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. SUSTENTAÇÃO ORAL. IMPOSSIBILIDADE. HOMICÍDIO QUALIFICADO. QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO. BIS IN IDEM COM O MOTIVO TORPE. AUSENTE. QUALIFICADORAS COM NATUREZAS DIVERSAS. SUBJETIVA E OBJETIVA. POSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Evidencia-se que a sedimentada orientação desta Corte é firme no sentido de que não é cabível sustentação oral no julgamento de agravo regimental, em observância, notadamente, aos arts. 159, IV, e 258, ambos do RISTJ. 2. Nos termos do art. 121, § 2º-A, II, do CP, é devida a incidência da qualificadora do feminicídio nos casos em que o delito é praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar, possuindo, portanto, natureza de ordem objetiva, o que dispensa a análise do animus do agente. Assim, não há se falar em ocorrência de bis in idem no reconhecimento das qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio, porquanto, a primeira tem natureza subjetiva e a segunda objetiva. 3. Agravo regimental improvido. (STF – RHC: 161.302 MG. Relator: Ministro Roberto Barroso Data de Julgamento: 02/10/2018, data da publicação DJe: 02/10/2018. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15338847916&ext=.pdf, acesso em 22 nov. 2020)

No mesmo sentido é entendimento do STJ que, por relatoria do Ministro Sebastião Reis Junior, proferiu a seguinte decisão:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. MEIO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E FEMINICÍDIO. PLEITO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS. ALEGADA AUSÊNCIA DE CONGRUÊNCIA LÓGICA COM OS TERMOS DA ACUSAÇÃO. TESE DEFENSIVA NÃO DEBATIDA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS SOB ESSE PRISMA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INEXISTÊNCIA DE PROVA ACERCA DA MOTIVAÇÃO RELACIONADA À CONDIÇÃO DE SER MULHER. IRRELEVÂNCIA. ÂNIMO DO AGENTE. ANÁLISE DISPENSÁVEL DADA A NATUREZA OBJETIVA DO FEMINICÍDIO. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE LINGUAGEM. NÃO OCORRÊNCIA. (...) 2. A jurisprudência desta Corte de Justiça firmou o entendimento segundo o qual o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise (AgRg no REsp n. 1.741.418/SP, Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 15/6/2018). (STJ – AgRg: 1.454.781 SP, 2019/0054833-2. Relator: Ministro Sebastião Reis Junior, Data de Julgamento: 17/12/2019, data da publicação DJe: 19/12/2019. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1902910&num_registro=201900548332&data=20191219&formato=PDF, acesso em 22 nov. 2020)

Assim, o que se conclui é que tanto jurisprudência como doutrina são concisos em afirmar a possibilidade de elevação da pena de forma concomitante à aplicação de demais qualificadoras, sendo que tal interpretação reafirma o posicionamento enérgico e necessário no sentido de proteger as mulheres de eventuais agressões, subsidiando a ação estatal na busca pela justa e cerca punição dos autores do delito analisado.

3.4. O sistema de proteção à mulher vítima de violência doméstica

O Estado Brasileiro, desde a Constituição de 1988, têm em si a obrigação de proteção à família, através de mecanismos que visem coibir os conflitos de âmbito familiar, conforme art. 226, §8º da CRFB. Além do preceito constitucional, cumpre lembrar que o Brasil é signatário da Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (09 de junho de 1994). Assim, em cumprimento ao compromisso firmado na referida convenção, aliado às evoluções sociais e culturais da sociedade brasileira, o sistema legislativo brasileiro buscou promover a proteção jurídica da família e, em especial, da mulher, editando e promulgando a Lei Maria da Penha, Lei 11.340 de 2006.

Antes da referida legislação, que alterou substancialmente o ordenamento jurídico acerca da proteção à mulher, parte dos conflitos domésticos eram destinados ao juizado especial, sem qualquer distinção aos demais delitos, outra parte recebia tratamento processual penal, também sem distinção

A Convenção Interamericana teve importante papel na criação da Lei maria da pena e dos demais institutos que visam a proteção jurídica da mulher, sobre o tema, Rogério Greco explica que

Seguindo as determinações contidas na aludida Convenção, em 7 de agosto de 2006 foi publicada a Lei nº 11.340, criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, que ficou popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, a qual, além de dispor sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, estabeleceu medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, nos termos dispostos no art. 1º da mencionada lei. (GRECO, 2017. p. 76)

Para além do exposto, é imperioso reconhecer que a nossa cultura esta alicerçada em preconceitos, estereótipos e discriminações de gêneros, o que interfere na promoção e efetividade da justiça. O ideal da igualdade entre homens e mulheres requer adoção de políticas públicas eficazes as transformações sociais. A sociedade deve ser esclarecida sobre o que é violência contra a mulher e entende-la como fato reprovável e juridicamente punível, (AQUINO, 2006. p. 100).

Acerca do tema, a filósofa Marilena Chauí explica que

A violência não é percebida ali mesmo onde se origina e ali mesmo onde se define como violência propriamente dita, isto é, como toda prática e toda ideia que reduza um sujeito à condição de coisa, que viole interior e exteriormente o ser de alguém, que perpetue relações sociais de profunda desigualdade econômica, social e cultural. Mais do que isso, a sociedade não percebe que as próprias explicações oferecidas são violentas porque está cega ao lugar efetivo da produção da violência, isto é, a estrutura da sociedade brasileira. (Chauí, 2003, p. 52)

Diante disto, considerando o ineficaz tratamento dado aos casos de violência doméstica, foi criada a Lei Maria da Penha, conforme já mencionado. Após isto, por força do art. 41, os institutos despenalizadores e alternativos da Lei 9.099/95 deixaram de ser aplicados aos crimes que envolvam violência doméstica, ficando prejudicada, ainda, a aplicação das regras processuais também oriundas da Lei dos Juizados especiais.  Neste condão, Maria Berenice Dias esclarece que

Uma coisa é certa, a violência doméstica está fora do âmbito dos Juizados Especiais, e estes não poderão mais apreciar tal matéria. Esta alteração de competência justifica-se, porquanto de modo expresso – e em boa hora – foi afastada a aplicação da Lei 9.099/95 quando o crime é praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher. (DIAS, 2010. p. 02)

Assim, surge a necessidade de o Estado criar mecanismos ou órgãos judiciários capazes de promover a aplicação eficaz, célere e justa da legislação, que apresenta conceitos mistos de direito penal e direito civil. Acerca da criação, instauração e uso de meios alternativos de solução de conflitos que envolvam a violência contra a mulher, Rogério Greco alerta:

Embora devamos proteger, cada dia mais, as vítimas de violência doméstica, tais situações não devem ficar a cargo, exclusivamente, do Direito Penal. Programas devem ser implementados pelo Estado, fazendo com que os agressores se submetam a tratamentos psicológicos, terapêuticos etc. Imagine-se a hipótese em que uma mulher, agredida por seu marido, denuncie o fato às autoridades, oferecendo sua necessária representação, permitindo, assim, o início da persecução penal. A regra será que, assim agindo, também estará pondo fim ao seu casamento, pois a convivência com o agressor, a partir de sua submissão à Justiça Penal, será muito complicada. No entanto, muitas mulheres agredidas amam seus maridos e entendem que eles necessitam mais de um socorro psicológico do Estado do que efetivamente da prisão. (GRECO, 2017. p. 288)

Salienta-se o fato de que a denúncia se mostra uma forma de libertação da vítima, que vislumbra a possibilidade de cessação das agressões sofridas. Nesse sentido, Maria de Fátima Araújo informa que

muitas mulheres denunciam seus companheiros apenas para intimidá-lo, depois retiram a queixa e não levam adiante o processo que poderia resultar em uma punição. Mas mesmo assim, é importante fazer a denúncia. Ela é um momento de ruptura em que a mulher se desloca da condição de opressão/submissão, admite que sofre violência e precisa de ajuda. Pode significar também um primeiro passo para o seu “empoderamento” e mudança da relação. Por isso, é fundamental que por ocasião da denúncia ela tenha um bom acolhimento e seja devidamente orientada sobre seus direitos e necessidade de buscar apoio social, familiar, jurídico e psicológico para sair da situação de violência.” (ARAÚJO, 2015. p. 01 )

Assim, conforme afirma a autora, a denúncia é necessária e eficaz no tocante ao papel da mulher da sociedade, tendo em vista que enseja o seu empoderamento, além de possibilitar o processamento da ação penal contra seu agressor.

Em segunda monta, nota-se ainda um anseio social atual em prol da severidade penal. Ora, nos delitos contra a mulher, não é diferente o posicionamento social. Acerca do tema, Maria Teresa Nobre (2008) informa que a Lei Maria da penha possui benefícios quanto à punição de ofensores, mas pode pecar quando restringe a possibilidade de formas diferenciadas no tratamento e que, por vezes, poderiam se transformar em resultados mais eficientes. De acordo com a autora, a Lei maria da penha:

“expressa, em boa medida, o compromisso público assumido pelo Estado brasileiro com o fim da impunidade aos crimes de violência doméstica e familiar, com impacto direto sobre as práticas do sistema judiciário e da polícia. Decerto, as alterações substanciais na nova lei e no funcionamento do sistema judiciário, referente ao trato desse tipo de violência, expressam a retomada do projeto político do movimento feminista, que resultou na criação das DEAMs. Expressam também os anseios das mulheres diante da necessidade de uma ampla revisão no julgamento e punição dos agressores, nos casos em que pretendem a sua criminalização, bem como na adoção de medidas preventivas, protecionistas e inibidoras da violência de gênero.(...)É justamente a punição aos agressores que surge como o ponto mais delicado da aplicação da nova lei. É importante considerar que, se, em alguns casos, é de fato preciso aplicar penalidades mais rígidas para reter a banalização da violência doméstica, em muitos outros se faz necessária a adoção de formas diferenciadas de enfrentamento, capaz de coibir a violência e reparar os danos sofridos. (NOBRE, 2008. p. 01)

Tudo isso somente tornou nítida a necessidade de o Estado instituir ferramentas e métodos ou institutos que potencializem a aplicação da Lei Maria da Penha. Diante disto, nos termos da própria Lei, foram criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (JVDFM) que são, de certo, uma das maiores inovações e avanços trazidos pelo diploma, pois possuem competência civil e criminal simultaneamente, com potencialidade para oferecer a resposta jurídica multidisciplinar que a matéria requer. Acerca dos juizados, a autora Maria Berenice Dias afirma

O maior de todos os avanços foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM), com competência cível e criminal. Claro que o ideal seria que em todas as comarcas fosse instalado um JVDFM e que o juiz, o promotor, o defensor e os servidores fossem capacitados para atuar nessas varas e contassem com uma equipe de atendimento multidisciplinar. Mas, diante da realidade brasileira não há condições de promover o imediato funcionamento dos juizados com essa estrutura em todos os cantos deste país. (DIAS, 2010. p. 02)

Deste modo, o que se nota é que a Lei Maria da Penha promoveu foram evoluções significativas no sentido de potencializar a atuação Estatal na punição do agressor, além de oferecer meios de proteção e prevenção da violência doméstica e criar mecanismos estatais, como o JVDFM, com competência cível e criminal para, onde existentes, promoverem o efetivo cumprimento da legislação e a materialização dos direitos formalmente estabelecidos.  

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o estudo aprofundado realizado acerca da violência doméstica, suas principais características, bem como a sobre como o judiciário brasileiro trata o tema, através de leis, súmulas e jurisprudências, bem como a análise doutrinária acerca do tema, fica notória a necessidade de uma atenção específica e contínua do Estado sobre os delitos que envolvem a mulher.

A violência de forma geral é um fato social corriqueiro e natural à sociedade brasileira, sendo que as mulheres, em razão da construção social histórica patriarcal, são vitimadas de diversas formas, como física, sexual, em relação ao mercado de trabalho e emprego ou psicologicamente.

A convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha e o Feminicídio constituem importantes evoluções no sentido de promover uma sociedade mais segura, justa e equânime às mulheres brasileiras.

Aliado a isto, a criação e aprimoramento do sistema legislativo, buscando a prevenção e promovendo a busca por uma real e efetiva resposta aos delitos contra a mulher de forma mais incisiva e amoldada à particularidade da questão fazem com que o Brasil caminhe, ainda que em passos lentos, à um país menos segregador e violento.

Neste sentido, os novos dispositivos e diplomas convergem aos preceitos constitucionais de segurança e igualdade entre todos os cidadãos, buscando a isonomia formal e material, mas ainda esbarram na ineficiência estatal na aplicação das Leis, na morosidade e burocracia dos sistemas legislativo e judiciário, nas institucionalizações exacerbadas de assuntos modernos e nas raízes culturais e sociais da sociedade patriarcal e preconceituosa do país, de modo que, embora representem avanços legislativos e sociais, ainda possuem eficácia limitada na busca por melhores condições para a mulher na sociedade hodierna.

Assim, como forma de buscar a contínua e necessária melhoria e evolução, torna-se imperiosa a criação e o aprimoramento de institutos que, tal como os Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e as delegacias especializadas de atendimento à Mulher, visem a prevenção da violência, a rápida e efetiva resposta Estatal contra os autores de delitos e a promoção da igualdade e justiça sociais e jurídicas, em busca de uma sociedade terna e democrática, à luz e semelhança dos preceitos e princípios constitucionais, sobretudo em relação às mulheres brasileiras.

5.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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______. – HC: 467591 DF 2018/0228013-2, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 06/12/2018,  T6 – Sexta Turma, Data da Publicação: DJe 19/12/2018.

______. – AREsp: 1.439.546 RJ 2019/0033585-6, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, data de julgamento25/06/2019, T5 – quinta turma, Data da Publicação: DJe: 05/08/2019.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – RHC: 161.302 MG. Relator: Ministro Roberto Barroso Data de Julgamento: 02/10/2018, data da publicação DJe: 02/10/2018. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15338847916&ext=.pdf, acesso em 22 nov. 2020
 


[3] STJ Súmula 589 É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.(STJ-TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017).

[4] STJ – Súmula 542 -  A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada. (Súmula 542, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015)

Sobre as autoras
Danielle Paranhos dos Reis

Bacharel em Direito da Faculdade UNA.

Isadora Carolina de Carvalho Gabriel

Graduanda do curso de Direito da Faculdade UNA – Unidade Aimorés.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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