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Extinção do contrato

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O contrato tem um ciclo vital: nasce, desenvolve-se e morre. O presente artigo apresenta de modo panorâmico o tratamento jurídico da extinção do contrato, trazendo aspectos doutrinários e jurisprudenciais.

INTRODUÇÃO

A extinção do contrato é tema dos mais pertinentes quando da tratativa da disciplina contratual. O Código Civil de 2002 dedicou-lhe um capítulo específico, a saber Capítulo II do Título V do Livro I da Parte Especial.

Ora, o contrato, enquanto relação jurídica, nasce, desenvolve-se e morre (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2020). Em seu nascimento, as partes criam um vínculo em torno de uma obrigação ou prestação e, à medida em que é executado, desenvolve-se. Atendidos os respectivos deveres, ou seja, cada uma das partes tendo cumprido com o que se comprometeu, chega-se ao termo da relação, por conseguinte, dá-se a extinção natural do contrato (RIZZARDO, 2019). De modo claro, tem-se que “a execução ou o cumprimento do contrato é o modo normal de extinção de uma relação contratual” (TARTUCE, 2020, p. 280). Além disso, há ainda especial ênfase legal sobre a possibilidade desistência mútua contrato (Código Civil, art. 472).

Entretanto, nem sempre um contrato termina por causas normais ou naturais. Há causas anteriores, contemporâneas e posteriores à formação do contrato que podem levá-lo a termo.


EXTINÇÃO NATURAL (OU NORMAL) DO CONTRATO

Segundo Melo (2019, p. 262), “o contrato é criado para se extinguir mediante o cumprimento voluntário das obrigações assumidas pelas partes ou por uma delas na hipótese dos contratos unilaterais”, ao passo que sua extinção natural compreende “todas as situações fáticas em que a relação contratual se dissolve pela verificação de uma circunstância prevista pelas partes e tida como razoavelmente esperada” (GAGLIANO; PAMPLONA JÚNIOR, 2020). A obrigação, dada a sua transitoriedade, chega ao fim (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2020).

Há duas causas naturais de extinção do contrato: a) o cumprimento do pactuado, e; b) a verificação de fator eficacial. Na primeira hipótese, a extinção normal do contrato ocorre pelo regular cumprimento do contrato. Se se tomar a obrigação em sentido estrito, “o adimplemento toma em consideração o nexo estático entre o crédito e o débito, sendo visualizado como o mero cumprimento da prestação” (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2018, p. 1134). Trata-se de obrigação simples, cujo cumprimento dá-se ante o cumprimento dos deveres principais que foram pactuados. Em sentido amplo, “o adimplemento abrangerá a complexidade dos direitos subjetivos e potestativo, dos deveres, das sujeições, das ações, das exceções, das pretensões e das posições jurídicas que a concreta relação envolve” (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2018, p. 1134). Portanto, as obrigações complexas não são satisfeitas com a mera observância dos deveres principais, mas também aos chamados deveres conexos. Seguindo lição de Martins-Costa (2004), as prestações dividem-se em dois momentos distintos, o momento objetivo, que se refere a prestação principal, voltado que está para os aspectos econômicos/utilitários da prestação, e; o momento subjetivo, voltado à cooperação e conduta imputada ao devedor e, por conseguinte, voltada aos deveres contratuais anexos. É a conjugação desses dois momentos que conduz ao adimplemento, momento no qual ocorre a extinção do contrato (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2020; FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2018).

Os contratantes, quanto à duração do contrato, podem estipular cláusulas limitadoras, concebendo previamente a sua extinção. Utilizaremos a classificação de Gagliano e Pamplona Filho (2020), quem classificam esses elementos limitadores como: a) vencimento do termo; b) implemento de condição resolutiva; c) frustração da condição suspensiva.

No primeiro caso, a extinção do contrato se dá pelo advento de um termo, ou seja, os contratantes estabeleceram um prazo para o término da relação contratual.

Diante de possível ocorrência de evento futuro e incerto, as partes podem estabelecer uma condição para a duração do contrato. Assim, a eficácia do contrato está submetida a uma condição, caso ocorra o evento a extinção ocorre automaticamente. Trata-se do implemento de condição resolutiva.

Por sua vez, a frustração da condição suspensiva ocorre quando em contrato, mediante situação futura e incerta, a execução do contrato fica suspensa e condicionada à ocorrência do tal evento, porém a sua não ocorrência dada a circunstâncias alheias acarreta na extinção do contrato. Vejamos o exemplo dado por Gagliano e Pamplona Filho (2020), [...] Jorge estabelece que vai entregar um determinado bem a Iuri, se ganhar na loteria, enquanto não se realizar tal fato, o contrato, embora existente e válido, não produz efeitos, estando suspensa sua execução. Realizando-se este evento incerto, deverá produzir todos os efeitos pactuados. Todavia, se a loteria mencionada deixar de existir, não há como se imaginar que as partes estejam vinculadas indefinidamente, pelo que por exceção, teremos a extinção do contrato pela impossibilidade jurídica de sua execução.

De ver-se que a impossibilidade de realização do evento torna extinto o contrato, pois resta frustrada a condição suspensiva.


EXTINÇÃO ANORMAL DO CONTRATO

Quando o contrato chega a termo sem que se dê o cumprimento das obrigações nele pactuadas, está-se diante de uma extinção anormal do contrato. Pode ocorrer por causa anterior ou contemporânea à sua formação ou por causa superveniente à sua formação.

Extinção anormal por causa anterior ou contemporânea à formação do contrato

A primeira das possibilidades é a da invalidade contratual, ou seja, uma extinção por nulidade (relativa ou absoluta), por vício congênito, o que decorre da formação do pacto. Sabe-se que quando absolutamente nulo nem chegou a existir, porém pode ter vindo a surtir efeitos, o que possibilita falar em extinção (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2020, p. 268). Nesse sentido, é possível falar em um contrato inexistente. Contudo, a doutrina diverge quanto ao contrato inexistente. Vejamos.

O mestre Orlando Gomes (2019, p. 188), diferencia entre contrato inválido e contrato ineficaz. Aquele é definido como o que “falta ou é defeituoso um de seus pressupostos ou requisitos, como o celebrado pessoalmente pelo absolutamente incapaz ou aquele no qual o consentimento foi manifestado por erro”. Assim, jaz inválido quer por ausência de pressuposto, quer por vício em um de seus requisitos, o que o impede de produzir os efeitos esperados. Por sua vez, o contrato ineficaznão produz, temporária ou definitivamente, total ou parcialmente, seus efeitos, em razão da existência de obstáculo extrínseco que impede a modificação da relação jurídica a que tende” (GOMES, 2019, p. 188), como no caso de existência de cláusula suspensiva.

Farias, Rosenvald e Braga Netto (2018), destacam os dois elementos indispensáveis à configuração do negócio jurídico: vontade e objeto. Sem a manifestação de vontade, como nos casos de coação a uma das partes, não há que se falar em contrato. De igual modo, quando não se tem objeto lícito, possível, determinado ou determinável. A ausência desses elementos desemboca em um contrato inexistente. Ressalte-se, ainda, as hipóteses em que a própria lei prevê a observância de determinados requisitos necessários a existência do contrato, que não resultam da vontade das partes. Exemplo, a inexistência do consenso a respeito do preço torna ineficaz o contrato de compra e venda (CC, art. 482)1.

Tartuce (2020) defende que as hipóteses apontadas pela doutrina são tecnicamente insatisfatórias, tratando-se de contrato nulo, não de inexistente ou ineficaz, resolvendo-se as questões dele decorrente no plano da validade. Reforça, ainda, a sua não adoção pelo Código Civil de 2002. Daí falar em contrato nulo e contrato anulável. Por nulidade, entende-se “uma sanção pela ofensa a determinados requisitos legais, não devendo produzir efeitos jurídicos, em função do defeito que carrega em seu âmago” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020). Assim, a declaração de nulidade restitui a normalidade e a segurança das relações jurídicas e, pode ser gradativa, conforme o tipo de elemento violado, podendo ser absoluta ou relativa.

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Como ressalta Figueiredo e Figueiredo (2020, p. 268-269), mesmo que não abarcado pelo ordenamento jurídico pátrio, o contrato absolutamente nulo pode produzir efeitos materiais, portanto, podendo-se falar em extinção. Destarte, ainda que a extinção por nulidade absoluta produza efeitos ex tunc, os rastros contratuais deverão ser analisados2. Por sua vez, os atos anuláveis produzem efeitos até que sejam declarados nulos, comportando a decisão judicial efeito ex nunc (CC, art. 177). Assim, as partes retornam ao status quo ante, devendo ser analisado os fatos anteriores à decisão judicial (CC, art. 182). Rosenvald e Braga Netto (2020, p. 266) informam que se aceita “cada vez mais que as espécies de invalidade – nulos e anuláveis – produzem, ambas, eficácia ex tunc”, pois “os efeitos da sentença nas ações declaratórias de nulidade e desconstitutivas de negócios jurídicos anuláveis são necessariamente os mesmos, isto é, sempre retroativos à data de celebração do negócio jurídico inválido” (GUERRA, 2016 apud ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020, p. 266). De modo simples, em ambos os casos, as partes retornam ao status anterior.

De modo diverso, posiciona-se Maria Helena Diniz (2011 apud FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2020, p. 269), para quem a anulabilidade não deveria ser incluída entre as hipóteses de extinção do contrato, pois diz respeito a defeito na formação do contrato que ocasiona a paralisação de seus efeitos após decisão judicial e com efeitos ex nunc. Como demonstrado, não é o entendimento de considerável parte da doutrina.

Por último, destacamos o princípio utile per inutile non vitiatur (o que é útil não pode ser contaminado ou viciado pelo que é inútil), dada a função social dos contratos, que apela para a conservação dos contratos (MELO, 2019). Desse modo, a nulidade de cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto se na hipótese de sua ausência acarretar ônus excessivo a qualquer das partes (CDC, art. 52, § 2º). Conforme leciona Melo (2019), em razão de sua base principiológica, função social e boa-fé objetiva, inspira a sua aplicação aos contratos não submetidos ao Código de Defesa do Consumidor3.

Uma segunda possibilidade é a de redibição (CC, art. 441). Trata-se de hipótese de extinção contratual por causa anterior à sua formação, decorrente de vício redibitório. Dá-se por meio de ação redibitória, com o escopo de redibir/extinguir o contrato, retornando ao status quo ante. Assim, “devolve-se o objeto defeituoso ao alienante, e este devolverá, ao comprador, os valores outrora pagos, devidamente atualizados.” (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2020, p. 211), sem prejuízo a possível ressarcimento de danos e perdas decorrentes da execução do contrato (CC, art. 443).

A terceira hipótese diz respeito ao direito ao arrependimento, que “consiste no direito potestativo deferido a um dos contratantes de desistir do contrato antes que o mesmo comece a ser executado” (MELO, 2019). É medida excepcional celebrada contemporaneamente à celebração do negócio, possibilitando o desfazimento do contrato, sem maiores prejuízos (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020). Dada a sua excepcionalidade, em respeito ao princípio da autonomia privada, deverá ser cláusula expressa, sempre acompanhada de arras penitenciais4 (CC, art. 420), ou seja, ensejará multa penitencial como compensação do exercício da faculdade de arrependimento.

Não se confunde, portanto, com a cláusula penal, vez que não se trata de inexecução ou inadimplemento de obrigações contratuais (GOMES, 2019). Enquanto a cláusula penal “fortalece a posição do credor na relação obrigacional, pois constrange o devedor a cumprir, sem facultar ao credor uma livre desistência”, as arras penitenciais “concedem a qualquer dos contratantes o direito potestativo de resilir unilateralmente o contrato, sem necessidade de motivação” (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020, p. 519, grifo nosso). Portanto, as arras penitenciais têm natureza indenizatória. Exemplo, se Melissa adianta a Nicolas quantia de R$ 4.000,00, como sinal num contrato de promessa de compra e venda, se um dos dois vierem a se arrepender deverá indenizar o outro. Caso seja Melissa a se arrepender, perderá as arras penitenciais em favor de Nicolas, ou seja, a quantia dada em sinal como compensação. Contudo, se for Nicolas, na condição de vendedor, quem lançar mão do direito ao arrependimento, deverá restituir o valor das arras em dobro (CC, art. 420). Rizzardo (2019, p. 148) chama à atenção ao seguinte entendimento jurisprudencial: Sendo daquele que as deu, faculta-se à outra parte desfazer o negócio e reter a importância ou o bem recebido, que passa para a sua propriedade. No entanto, especialmente em promessa de compra e venda, e em havendo a falta de cumprimento por impossibilidade de seguir adimplindo, a matéria tornou-se controvertida. Tem sido admitida a restituição, descontado o correspondente ao prejuízo sofrido por aquele que recebeu as arras. Com efeito, firmou-se o seguinte entendimento no STJ: “Agravo regimental em Recurso Especial. Contrato de promessa de compra e venda. Resilição pelo promitente-comprador. Insuportabilidade financeira. Retenção das arras. Impossibilidade. Precedentes. Recurso improvido.”

Consagra-se hipótese de não ressarcimento ante o exercício do direito potestativo ao arrependimento. Ora, o desfazimento do contrato deu-se pela impossibilidade de arcar com as prestações pactuadas do promitente-comprador, devendo ser devolvido o valor dado em sinal, sob pena de enriquecimento ilícito (RIZZARDO, 2019, p. 149).

O prazo para exercício do direito de arrependimento é decadencial convencional, e, quando silente, deverá ser exercido antes da execução do contrato, pois “uma vez cumprido o contrato haverá renúncia tácita à prerrogativa de desistência” (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2020, p. 270).

Nas relações de consumo, conforme o art. 49, do Código de Defesa do Consumidor, é concedido ao consumidor, independente de previsão contratual, o direito potestativo de desistir da compra realizada fora do estabelecimento no prazo de sete dias (prazo de reflexão). Por sua vez, o art. 53. do mesmo diploma, veda o a retenção das arras.

Entre as hipóteses de extinção do contrato por causa anterior ou contemporânea à sua formação, tem-se a chamada cláusula resolutiva, também chamada de pacto comissório ou cláusula resolutória convencional. Pode ser expressa, quando opera de pleno direito, ou; tácita, quando caberá interpretação judicial (CC, art. 474).

A cláusula resolutiva expressa contempla “a possibilidade de resolução do contrato diante do inadimplemento de uma das partes. O seu objetivo é acautelar o possível descumprimento contratual” (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2020, p. 272). Como dito, verifica-se de pleno direito, ou seja, independe de interpretação judicial – ou de decisão judicial –, “efetivando-se por meio do exercício do direito potestativo da parte interessada à outra” (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020, p. 578). Figueiredo e Figueiredo (2020) sugerem, em observância ao dever anexo de informação, que seja realizada notificação extrajudicial à contraparte sobre o término do contrato.

A sua aplicação às relações de consumo está definida no art. 54, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, cabendo ao consumidor optar entre à resolução ou a manutenção do contrato, sendo considerada abusiva e, por consequente, nula a cláusula contratual que venha a lhe cercear tal direito, conforme entendimento do art. 51. do mesmo diploma legal (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2020, p. 273).

Extinção anormal por causa superveniente à formação do contrato

As causas supervenientes à formação do contrato correspondem às que surgem após a concretização plena do contrato, enquanto negócio jurídico, nos planos da existência, validade e eficácia (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020; ROSENVALD, BRAGA NETTO, 2020).

Dentre as suas modalidades, destacam-se três: resilição, resolução e rescisão. Além delas, há outras como exceção do contrato não cumprido, imprevisão, resolução antecipada, falecimento de parte em contrato personalíssimo, dentre outras (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2020).

A resilição refere-se ao modo de extinção dos contratos por vontade de um ou dos dois contratantes. “Resilir um contrato é, tecnicamente, cortar o vínculo por várias causas específicas, do mesmo modo que rescindi-lo é dissolvê-lo, mas por outras causas, assim como ainda o é, resolvê-lo” (GOMES, 2019, p. 181). Produz efeitos ex nunc, ou seja, não retroage. O desfazimento do contrato pode se dar por comum acordo entre as partes (bilateral) ou por decisão unilateral. Assim, tem-se resilição bilateral (CC, art. 472) e resilição unilateral (CC, art. 473).

A resilição bilateral, doravante chamada distrato, corresponde a “negócio jurídico bilateral por meio do qual as partes, em comum acordo, deliberam pelo término da relação obrigacional” (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020, p. 575). Decorre do princípio da autonomia privada, o que permite as partes o retrato do que pactuado inicialmente, dispensando-se, para seu aperfeiçoamento, a intervenção judicial.

Nos termos do art. 472, do Código Civil, o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato, devendo observar as mesmas formalidades legais do contrato firmado. Portanto, deve preservar a mesma forma do contrato desfeito.

A legislação atual, por sua vez, jaz silente sobre a quitação. No Código Civil de 1916, mais precisamente em seu art. 1.093, afirmava que o distrato deveria obedecer a forma, mas que a quitação poder-se-ia ocorrer sob qualquer forma. Gagliano e Pamplona Filho (2020) salientam que não se pode incorrer no equívoco de se pensar que a quitação deve obedecer a mesma regra da forma, porém concluem não haver modificação da disciplina da quitação nos contratos, mas um aperfeiçoamento da técnica legislativa, pois o instituto ganhou dispositivo próprio, relacionado à prova do pagamento, mantendo-se, portanto, a liberdade de forma.

A resilição unilateral dá-se nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, operando-se na modalidade de denúncia 5 notificada à outra parte (CC, art. 473). Trata-se de “direito potestativo de um dos contratantes impor a extinção do contrato, independentemente da outra parte, sem que o outro possa se opor, posto situado em posição de sujeição” (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020, p. 576). É modalidade típica dos contratos com prazo indeterminado. Porém, ante o exercício da autonomia privada, poderá ser aplicada aos contratos com prazo determinado. Ora, podem os contratantes estabelecer um prazo de duração máxima do contrato ou, ainda, estipular mecanismo de extinção antecipada do negócio jurídico (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020).

A resilição unilateral é uma excepcionalidade, haja vista o princípio da força obrigatória dos contratos, sendo “ilógico – ou, no mínimo, atentatório à segurança de uma estipulação contratual – imaginar que toda contratação pudesse ser simplesmente desfeita, ao alvedrio de uma das partes” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020)6. Figueiredo e Figueiredo (2020, p. 280) divergem dessa posição, arguindo que o permissivo implícito da denúncia deve ser corriqueiro, pois se se prevê autonomia para contratar deve-se estendê-la a autonomia de não continuar em contrato a que não se tem mais interesse. De ver-se, portanto, a necessidade de indenização por resilição unilateral, advogando que se deverá checar caso a caso. Nas palavras dos doutos professores: Há certos contratos que, por sua própria natureza, admitem o desfazimento por mera declaração unilateral de vontade, como o depósito, o comodato e o mandato. Outros, todavia, demandam maior atenção com questões reparatórias, como os ajustes por prazos determinados.

Entretanto, caso um dos contratantes houver realizado investimentos consideráveis para a execução do contrato, a denúncia só produzirá efeitos depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e vulto dos investimentos (CC, art. 473, parágrafo único). Há verdadeira limitação ao exercício do direito potestativo da resilição unilateral, visando evitar o abuso de direito. Tal disposição vem de encontro a uma das funções do princípio da boa-fé objetiva consagrado no Código Civil, a saber o “de frear o exercício de condutas formalmente lícitas, mas materialmente antijurídicas, quando ultrapassa os limites éticos do sistema” (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020, p. 577).

Desse modo, o legislador estipulou uma extensão compulsória da vigência do contrato, visando a reparação dos investimentos adotados por uma das partes, ou seja, prescreve uma tutela específica, pela qual o contrato passa a ter por duração e prazo compatível com a natureza e vulto dos investimentos. Contudo, alguns contratos não admitem esta continuidade, vez que pautados na confiança, quando, ao invés da manutenção, dever-se-ia estipular perdas e danos. É o caso das revogações em atos de império – a exemplo, dos contratos de mandato, concessões, autorizações e permissivos de serviços públicos (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2020).

A denúncia, a priori, produz efeitos ex nunc, observando-se as possibilidades de desfazimento de alguns atos ou situações jurídicas anteriores. Pode ser motivada ou imotivada – também chamadas, respectivamente, cheia e vazia.

Tem-se a resolução quando a extinção do contrato decorre de seu descumprimento, ou seja, “implica o desaparecimento do contrato e dos efeitos acaso produzidos no interregno, retornando os figurantes ao estado anterior, e essas características dão conta de que se trata de direito formativo extintivo (ASSIS, 2013 apud MELO, 2019, p. 273). Passa-se à análise das hipóteses de resolução.

Em regra, o inadimplemento hábil a gerar a resolução do contrato será absoluto (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2020), porém, a doutrina admite o inadimplemento por fato relativo ao interesse do credor. Com base no art. 395. do CC/02, e à luz do caso concreto, o credor pode perquirir sobre a utilidade da prestação. Assim, se o atraso no adimplemento da prestação por parte do devedor provocar a perda de interesse no credor, este poderia exercer o seu direito potestativo de resolver o negócio jurídico (CC, art. 475). De modo, a verificar-se, “nos termos do parágrafo único do art. 395, a possibilidade de conversão da mora em inadimplemento absoluto. Na mora, o termo é acidental; no inadimplemento absoluto, o termo é essencial.” (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020, p. 490).

Por adimplemento entende-se não apenas o cumprimento da obrigação principal, mas também dos deveres anexos (Enunciado 24 do Conselho da Justiça Federal). Ainda que a inobservância se dê apenas em alguns desses deveres, ou seja, um adimplemento fraco, o lesado pode valer-se do disposto no art. 475. do CC/02.

O inadimplemento involuntário (sem culpa7), “baseada na impossibilidade absoluta, sem culpa do devedor, como na abrupta mudança das circunstâncias objetivas existentes quando da efetivação do contrato, ou quebra da base objetiva do negócio, na ocorrência da onerosidade excessiva, na verificação do caso fortuito ou de força maior” (RIZZARDO, 2019, p. 191), restabelecendo-se às partes ao status quo ante.8

Quando voluntário, o lesado pode optar por pedir a resolução do contrato ou pelo cumprimento do contrato e, em ambos os casos, cumulados com perdas e danos (CC, art. 475). Aqui cabe algumas ressalvas, como a realizada por Costa (apud RIZZARDO, 2019, p. 246): As várias causas do não cumprimento produzem diferentes consequências jurídicas: enquanto umas determinam a pura extinção do vínculo obrigacional, outras constituem o devedor em responsabilidade indenizatória e conduzem à realização coativa da prestação; e outras, ainda, deixam basicamente inalterado o vínculo obrigacional, sem agravarem a responsabilidade do devedor, podendo até verificar-se um direito de indenização deste contra o credor.

Além disso, o pleito resolutório e a demanda indenizatória são autônomos. “O pleito resolutório se relaciona à impossibilidade da prestação para o credor, enquanto as perdas e danos decorrem da conduta culposa do devedor (arts. 393. e 396, do CC/02)” (ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2020, p. 580). Nesse sentido, “As perdas e danos mencionados no art. 475. do novo Código Civil dependem da imputabilidade da causa da possível resolução” (Enunciado 31 do Conselho da Justiça Federal).

Sobre os autores
Ivandro Menezes

É Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande (PPGCS/UFCG). Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba (PPGCI/UFPB). Especialista em Direito Constitucional pelo Centro Universitário de João Pessoa - Unipê. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Mêlissa Maria Veríssimo de Farias

Graduanda em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

Informações sobre o texto

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